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A Teoria das descrições de Bertrand Russell

RC: 19894
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-computacao/teoria

CONTEÚDO

CERQUEIRA, João Luiz Cosmi [1]

CERQUEIRA, João Luiz Cosmi. A Teoria das Descrições de Bertrand Russell. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 09, Vol. 1, pp. 17-34, Setembro de 2018. ISSN:2448-0959

RESUMO

Analisa-se no presente trabalho a Teoria das Descrições de Bertrand Russell. Inicialmente, a fim de contextualizar, é apresentada de forma sintética a teoria sobre sentido e referência de Frege e a teoria dos objetos de Alexius Meinong. Em seguida é apresentada uma distinção fundamental para compreensão da teoria, ou seja, a distinção entre o conhecimento por contato e o conhecimento por descrição. Segue-se uma explicação da teoria das descrições de Russell, confrontando-a com as teorias anteriores e sua aplicação na resolução de três problemas lógicos, a saber, a contradição aparente de frases não denotativas, o problema da tautologia em proposições com termos aparentemente idênticos e o problema das proposições existenciais negativas. A leitura do presente trabalho requer um conhecimento básico da lógica de primeira ordem para uma correta compreensão da teoria apresentada.

INTRODUÇÃO

A filosofia analítica é uma das correntes filosóficas de maior impacto e influência na filosofia contemporânea. Em sua fase inicial foi predominante uma análise conceitual entendida como análise de problemas filosóficos por meio do esclarecimento dos conceitos envolvidos nestes problemas. Neste sentido a análise privilegiava a decomposição do complexo em suas partes mais simples para uma maior clareza conceitual. Posteriormente outro sentido de análise, também complementar ao primeiro, apontou para análise tendo como função evitar a confusão que há entre a gramática da linguagem natural e sua estrutura lógica profunda. Encontramos, de forma brilhante, essa posição em Bertrand Russell e particularmente em sua teoria das descrições.

A teoria das descrições elaborada por de Bertrand Russell e apresentada no seu artigo Da denotação, publicado em 1905, tem sido considerada por muitos o mais famoso artigo de filosofia analítica escrito na primeira metade do século XX.

A teoria diz, basicamente, como devemos formalizar frases expressas em linguagem natural para que revelem sua verdadeira estrutura ou forma lógica.

O presente trabalho, de caráter introdutório, não trás nada de novo sobre o tema abordado. O objetivo é expor e analisar os pontos centrais da teoria de Russell. São analisadas as soluções de Russell para alguns problemas lógicos decorrentes de uma interpretação sem recorrência à estrutura lógica profunda escondida nos enunciados. O princípio lógico do terceiro excluído, ameaçado por expressões aparentemente sem valor de verdade, é salvo pela teoria de Russell. O estudo pretende demonstrar que a teoria, de fato, é um método eficaz para revelar a estrutura lógica profunda escondida sob a forma gramatical dos enunciados. O contraponto com as teorias do sentido e referência de Frege e a teoria dos objetos de Meinong ilustra os pontos fundamentais que estão em questão. Outros temas de Russell que no contexto da teoria das descrições poderiam ter sido tratados, por motivo de escopo, foram deixados de lado, como por exemplo, a teoria das descrições indefinidas e a teoria dos nomes próprios.

A questão da denotação, embora muito difícil, é relevante não só para a lógica, para a matemática, mas também para a lingüística e a teoria do conhecimento. Ela corresponde ao conhecimento por descrição, em que não temos acesso direto ao objeto, devendo nos contentar apenas com sua descrição.

Não é uma tarefa trivial a análise do tema escolhido, pois o auditório a que Russell se dirige é a comunidade filosófica, destacando-se aquela parcela efetivamente interessada na questão da denotação e das descrições definidas, daí o formato predominantemente lógico da argumentação de Russell. A motivação para realização do presente trabalho deve-se a crença de que os métodos da filosofia analítica realmente fornecem resultados seguros quanto ao esclarecimento dos problemas filosóficos e, também, ao desejo de um maior conhecimento de questões do estudo da lógica e da filosofia analítica.

2. A MOTIVAÇÃO DE RUSSELL

O ponto de partida de Russell em sua teoria é formado pelo problema da denotação e pelo confronto de teorias alternativas anteriormente citadas. No artigo Da denotação, Russel responde a duas destas teorias, a teoria de Gottlob Frege (1848-1925) e a de Alexius Von Meinong (1853-1920). Frege trata, em sua teoria, da distinção entre o sentido e a referência dos nomes próprios e também dos enunciados. Meinong, em sua Teoria dos Objetos, afirma a existência de diversos tipos de objetos não existentes.

2.1. O SENTIDO E A REFERÊNCIA EM FREGE

Nascido 1848, em Wismar, Frege foi matemático, lógico e filósofo, considerado o fundador da lógica moderna e da filosofia analítica da linguagem..

Uma de suas grandes contribuições à filosofia encontra-se em seu artigo de 1892, intitulado Sobre o sentido e a referência. Penco (2006) considera que em Frege a distinção entre sentido e referência apóia-se na análise do conceito de identidade. O sinal de igualdade (=) não se aplica aos objetos, mas aos nomes. Dada uma coleção de objetos, cada qual deles é igual a si mesmo e a nada mais. A igualdade pode ser colocada entre nomes (Aristóteles = mestre de Alexandre) sempre que estes nomes tenham a mesma referência. Mas o conceito de identidade não consiste apenas em uma relação entre nomes e seus referentes. Esta relação não é suficiente para explicar a diferença entre a = a e a = b, quando tanto a quanto b referem-se ao mesmo objeto. Por exemplo, a diferença entre “a estrela da manhã = a estrela da manhã” e “a estrela da manhã” = “a estrela da tarde”. Sabemos que tanto a estrela da manhã quanto a estrela da tarde indicam o mesmo objeto, a saber, o planeta Vênus. Como explicar que a = a e a = b são relações que se referem à mesma coisa, apesar de possuírem diferentes modos de apresentação? Segundo Frege ([1892], 1978), para explicar esta diferença é necessário considerar um outro elemento além do nome e do objeto, ou seja, o modo de apresentação do objeto a qual os termos se referem. A este modo de apresentação Frege denominou sentido. Pode-se tomar em um sentido Aristóteles como discípulo de Platão e em outro como o mestre de Alexandre, porém o indivíduo a que o nome faz referência é o mesmo. “O sentido de um nome é onde está contido o modo de apresentação do objeto” (FREGE, [1892], 1978, p. 62). A identidade a = b mostra que um mesmo objeto é apresentado de dois modos diferentes, isto é, possui dois sentidos. Sua conclusão é de que sempre se deve distinguir a referência que se faz ao objeto de seu modo de apresentação ou sentido.

Frege ([1892], 1978) avança e afirma que as frases também possuem um sentido e uma referência. O sentido de uma frase é o pensamento que ela expressa e a sua referência é um valor de verdade associado à frase. Um argumento a favor desta afirmação é que devemos fazer distinção de nosso interesse quando lidamos ora com a ciência, ora com a poesia. Penco (2006) explica que o enunciado “Ulisses desembarcou em Ítaca” pode ser interpretado considerando Ulisses como um indivíduo de carne e osso ou como um personagem de ficção poética. No segundo caso Ulisses é um nome sem referência e o enunciado só pode ser interpretado do ponto de vista poético, não interessando a verdade do fato. Porém, se Ulisses é referência a um personagem real, interessará a verdade do fato e o enunciado será verdadeiro ou falso, ou seja, terá um valor de verdade associado. Um enunciado que tem referência tem necessariamente sentido, mas nem todo enunciado que tem sentido tem uma referência.

Só estamos interessados na verdade quando as partes do enunciado têm uma referência. Frege ([1892], 1978) conclui que enunciados sem referência não possuem valor de verdade, não são nem verdadeiros nem falsos. Entretanto, estes enunciados, mesmo sem referência, possuem um sentido. Lembremos que na teoria de Frege o sentido de uma frase é o pensamento ou proposição que a frase expressa. Assim, para Frege, independente do seu sentido, o valor de um nome é o objeto a que ele se refere e o valor de uma frase ou enunciado, desde que contenha referências a objetos reais, é o seu valor de verdade. Fica claro, então, que nesta teoria um enunciado, mesmo com sentido, mas sem referente, não pode ser verdadeiro e nem falso. Portanto não possui valor de verdade associado a ele.

2.2. MEINONG E A TEORIA DOS OBJETOS

Alexius Meinong nasceu em Lemberg na Áustria em 1853 e faleceu em Gaz, em 1920. Foi professor de Filosofia na Universidade de Graz, tendo estudado com Franz Brentano em Viena. Ficou conhecido como o criador da Teoria dos Objetos. Meinong ([1904], 2005) defende a tese de que o ato de pensar possui um objeto determinado, seja ele existente ou não existente. Propõe a distinção entre este objeto e seu conteúdo. Quando pensamos em algo existente, temos o objeto e também o seu conteúdo. No caso de pensarmos em algo não existente, teríamos apenas o objeto determinado, mas não o seu conteúdo. De todo modo, teríamos sempre a referência a um objeto determinado no ato de pensar, seja ele existente ou não existente.

Partindo deste princípio, sua teoria distingue e admite duas formas de ser: aqueles que existem e aqueles que apenas subsistem. Os objetos que existem estão localizados no espaço e no tempo possuem conteúdo no ato do pensamento; os demais apenas subsistem e são, portanto, desprovidos de conteúdo no ato do pensamento. Por exemplo, a diferença entre o azul e o vermelho não é algo que exista no tempo e no espaço, não tem conteúdo, portanto, apenas subsiste. Do mesmo modo o número PI ou o atual rei do Brasil também subsistem.

Como conseqüência, Meinong ([1904], 2005) afirma que o ser de um objeto é distinto de suas propriedades, ou seja, o ser de um objeto é independente de todas suas características. Por exemplo, um “quadrado redondo” possui tanto as propriedades de ser um quadrado quanto às propriedades de ser um redondo. Trata-se de um objeto impossível por ter propriedades contraditórias. Neste caso, este objeto não existe e nem subsiste. Entretanto objetos como Pégaso ou o Saci Pererê subsistem, pois mesmo não sendo objetos espaço-temporais, suas propriedades não são contraditórias. Portanto são objetos possíveis.

Outra conseqüência decorrente de sua teoria é que a totalidade das coisas existentes é menor em comparação com a totalidade dos objetos de conhecimento, pois estes objetos formam o conjunto de tudo o que pode ser pensado, sem importar se são reais ou ideais, possíveis ou impossíveis, existentes ou imaginários. Para Meinong:

[…] a totalidade do que existe, incluindo aí o que existiu e o que existirá, é infinitamente pequena em relação à totalidade dos objetos do conhecimento; e que se tenha negligenciado isto tão facilmente tem, bem entendido, o seu fundamento no fato que o interesse vivo pelo efetivo, que está em nossa natureza, favorece esse excesso que consiste em tratar o não efetivo como um simples nada, mais precisamente, a tratá-lo como algo que não oferece ao conhecimento nenhum ponto de apreensão ou nenhum que seja digno de interesse. […] Não há, então, nenhuma dúvida: o que deve ser objeto de conhecimento não tem nenhuma necessidade de existir. (Meinong , [1904], 2005, p. 96).

Uma surpreendente conclusão da Teoria dos Objetos de Meinong é que as expressões denotativas teriam sempre a capacidade de referir-se a entidades, quer existentes, quer não existentes. Meinong deu um salto corajoso, insistindo como S. Anselmo que qualquer objeto possível de pensamento tem um ser de certo gênero, apesar de só alguns terem o privilegio de existir na realidade. Concluindo, segundo esta teoria, Pégaso, Sherlock Holmes, Saci Pererê, e o atual rei da França têm um ser e podem ser objeto de referência, apesar de não terem a propriedade de existir.

Analisando atentamente a teoria de Meinong fica claro que ele faz uma distinção ontológica fundamental entre ser (subsistência) e existência, o que Russell não discorda. Entretanto, Meinong afirma uma terceira possibilidade, ou um terceiro modo de ser além destes. O seu argumento para embasar este terceiro modo de ser é o seguinte: a montanha de ouro não existe nem subsiste. Mas o fato de que a montanha de ouro não existe é, ele mesmo, algo que tem ser, ou seja, subsiste. Já que algo para fazer parte de um fato tem de ter algum modo de ser, conclui-se que o fato “a montanha de ouro não existe” teria de ter algum modo de ser. Esse modo de ser seria o terceiro modo de ser distinto de subsistir e de existir. Seria um objeto na mente de quem nela pensa. E este objeto teria propriedades, por isso, seria possível ter conhecimento acerca destes objetos. A montanha de ouro é uma montanha e é de ouro, ela teria estas duas propriedades, mesmo que não tivesse a propriedade de subsistir ou de existir. Da mesma forma o círculo quadrado seria um círculo e seria quadrado, mas não existiria e nem subsistiria.

3. ANTECEDENTES TEÓRICOS

Uma introdução fundamental para compreensão da Teoria das Descrições é a distinção sobre conhecimento por contato e conhecimento por descrição apresentada por Russell em Os problemas da filosofia (1912).

3.1 CONHECIMENTO POR CONTATO

Conhecer algo por contato é estar em contato direto com o que é conhecido, portanto, sem intermediação de inferências ou de qualquer conhecimento prévio. Através dos dados dos sentidos temos conhecimento por contato com as coisas. “[…] os dados dos sentidos que constituem a aparência da minha mesa são coisas com as quais tenho contato, coisas imediatamente conhecidas por mim exatamente como são.” (RUSSELL, [1912] 2008, p.108). A cor, a textura, a forma da mesa são dados dos sentidos que temos consciência imediata quando tocamos ou vemos a mesa.

O nosso conhecimento, seja de coisas ou de verdades, tem como fundamento o conhecimento por contato. Entretanto, os dados dos sentidos não são as únicas coisas que podemos conhecer por contato, senão nosso conhecimento seria muito limitado. Além do conhecimento direto dos dados dos sentidos externos, há o conhecimento direto dos sentidos internos que são os pensamentos, sentimentos e desejos. Há também conhecimento direto no ato de lembrar de coisas que foram, no passado, dados dos sentidos externos ou internos. Complementarmente ao conhecimento por contato das coisas particulares, temos também conhecimento direto de idéias gerais ou conceitos.

No conhecimento direto obtido a partir da memória, lembramos de dados dos sentidos que não estão presentes agora, mas, apesar disto, temos consciência imediata destes dados, mesmo os tendo adquirido no passado. Este também é um conhecimento por contato devido não haver qualquer mediador entre a consciência destes dados e sua lembrança.

No conhecimento imediato que temos através da introspecção não temos somente consciência das coisas, mas temos também a consciência de estarmos consciente delas. “Quando desejo alimento, posso ter consciência de meu desejo de alimento; assim, ‘meu desejo de alimento’ é um objeto do qual tenho conhecimento direto.” (RUSSELL, [1912] 2008. p. 110). É através desta autoconsciência que obtemos o conhecimento por contato com os objetos mentais.

Mas, não é somente de coisas particulares existentes que temos conhecimento por contato, temos também conhecimento sem intermediação do que chamamos de idéias gerais, ou universais, como brancura, humanidade, igualdade, etc.

“[…] por agora basta prevenirmo-nos contra a suposição de que tudo aquilo do qual podemos ter um conhecimento direto deve ser algo particular e existente. A tomada de consciência de universais é denominada de concepção, e um universal do qual temos consciência é chamado de conceito.” (RUSSELL, [1912] 2008. p. 112).

No conjunto dos objetos a que temos conhecimento por contato não estão incluídos os objetos físicos que nos causam as sensações, e nem estão incluídas as mentes de outros seres. Estas coisas não conhecemos por contato, mas somente por descrição.

3.2 CONHECIMENTO POR DESCRIÇÃO

Conhecer algo por descrição é apenas saber que certa afirmação sobre algo é verdadeira. Por exemplo, saber que Roma é uma cidade da Itália, sem nunca ter estado em Roma, é um conhecimento por descrição. Conhecemos Aristóteles por descrição, porque sabemos várias verdades sobre Aristóteles, mas não o conhecemos por contato. O mesmo se dá com objetos físicos como, por exemplo, uma mesa. Da mesa só conhecemos por contato os dados dos sentidos que este objeto nos causa, mas não conhecemos por contato a própria mesa. Apenas descrevemos a mesa por meio destes dados dos sentidos, ou seja, nosso conhecimento da mesa é um conhecimento por descrição. Estes dados dos sentidos têm sua causa no mundo exterior. Só temos contato com eles, mas não com as coisas que os causam. Nas próprias palavras de Russell:

[…] todo nosso conhecimento da mesa é realmente um conhecimento de verdades, e a coisa mesma que constitui a mesa não nos é, estritamente falando, conhecida. Conhecemos uma descrição e sabemos que há um objeto ao qual esta descrição se aplica exatamente, embora o próprio objeto não nos seja diretamente conhecido. (RUSSELL, [1912], 2008. p. 108).

Podemos duvidar da existência do objeto que nos causa os dados dos sentidos, mas não podemos duvidar dos próprios dados dos sentidos. Segundo Penco (2006), o conhecimento por descrição identifica um objeto enquanto se caracteriza por certas propriedades.

Todo o conhecimento por descrição se fundamenta no conhecimento de verdades e todo conhecimento de verdades se fundamenta no conhecimento por contato. O principal é que o conhecimento por descrição nos possibilita ir além de nossa experiência privada e restrita que nos é dada pelos dados dos sentidos. Mesmo não conhecendo verdades que não sejam originadas de conhecimento direto, podemos, entretanto, ter conhecimento por descrição de coisas que nunca tivemos um contato direto. Já que nossa experiência imediata é limitada, “[…] este resultado é vital, e enquanto não for compreendido, muito do nosso conhecimento continuará forçosamente misterioso e logo duvidoso.” (RUSSELL, [1912], 2008. p. 118).

Toda frase da forma “um isto ou aquilo” ou “o isto ou aquilo” é uma descrição. A forma “um isto ou aquilo” é ambígua; já a forma singular “o isto ou aquilo” é uma descrição definida. As descrições ambíguas devem ser deixadas de lado, pois neste caso não temos um único objeto que responda a uma descrição definida. “Assim, ‘um homem’ é uma descrição ambígua, e ‘o homem da mascara de ferro’ é uma descrição definida.” (RUSSELL, [1912], 2008. p. 112).

Algo é conhecido por descrição quando sabemos que é “o isto ou aquilo”, isto é, quando sabemos que há um único objeto que tem esta determinada propriedade, mesmo não o conhecendo diretamente por contato. Russell ([1912], 2008) afirma que sabemos que o homem da máscara de ferro existiu, e conhecemos muitas proposições a seu respeito, mas não sabemos quem ele era. Quando afirmamos que “o isto ou aquilo existe”, estamos dizendo que há um único objeto que é “o isto ou aquilo”, e nada mais é.

4. A TEORIA DAS DESCRIÇÕES

A noção de conhecimento por descrição de Russell, que vimos acima, tem como fruto, em sua filosofia da linguagem, a famosa Teoria das Descrições. Como se disse antes, esta teoria foi publicada no artigo Da denotação em 1905. Esta Teoria trata sobre a questão de saber qual a verdadeira forma lógica de expressões que contém descrições definidas.

É importante distinguir três tipos de descrições: a) descrições que não denotam nada, por exemplo, “o atual rei da França”; b) descrições que denotam um objeto definido, por exemplo, “o atual presidente do Brasil”; e c) descrições que denotam ambigüidade: por exemplo, “um homem” não denota muitos indivíduos, mas sim um homem ambíguo.

Russell inicia Da denotação dando exemplos de descrições. Ele afirma que por descrição devemos entender uma expressão como qualquer uma das seguintes:

[…] um homem, algum homem, qualquer homem, todos os homens, o atual rei da Inglaterra, o atual rei da França, o centro de massa do sistema solar no primeiro instante do século XX, a revolução da terra em torno do sol, a revolução do sol em torno da terra. Assim, uma expressão é denotativa em virtude apenas de sua forma. (RUSSEL, [1905], 1978, p. 3).

Esta afirmação é de suma importância. Todo o entendimento da Teoria das Descrições depende da interpretação desta tese de Russell. Deve-se observar que todos os exemplos oferecidos por Russel iniciam-se por um conjunto preciso de palavras. Não é por acaso que se iniciam por todo, cada, qualquer, um, algum, o. Assim, uma interpretação possível é que uma descrição é denotativa em virtude de sua forma.

As descrições definidas são sempre no singular, porque no plural não referem a um só particular, mas a vários, ou seja, são descrições gerais, não definidas, que podem ser ambíguas. O artigo definido “o/a” envolve unicidade. Podemos falar de “a filha de João” mesmo quando João tem varias filhas, mas o certo seria falar “uma filha de João”. Russell assume em sua Teoria que o artigo definido implica unicidade, assim sua Teoria das Descrições deve ser entendida como a teoria das descrições definidas.

Outro ponto importante no que diz respeito às descrições é que elas são símbolos incompletos, isto é, não representam entidade alguma. Um nome próprio como “Baruch Espinosa”, por exemplo, denota uma entidade física, viva, determinada e individual. Por sua vez, a descrição “o autor da Ética”, necessariamente, não representa nada, pois é um símbolo incompleto. Entretanto, qualquer sentença em que essa expressão ocorra será uma proposição com um valor de verdade. Em outras palavras, descrições nunca possuem um significado isoladamente, em si mesmo, mas qualquer proposição em que elas ocorram possui um significado. Um símbolo incompleto “[…] é essencialmente parte de uma sentença, e não tem, como muitas palavras simples, qualquer significado por si mesmo” (RUSSEL, [1905], 1978, p.10), isto é, se tomada isoladamente, não denota algo ou alguém. Essa ideia de Russell é, também, central para o entendimento de sua teoria.

Russell estabelece como as frases que contém descrições definidas devem ser analisadas. Considere a seguinte frase:

(1) Leibniz nasceu em Leipzig.

A frase (1) pode ser considerada uma frase do tipo sujeito-predicado. Em lógica de primeira ordem poderia ser representada como “Pa”. Considere, agora, outra frase:

(2) O autor da Monadologia nasceu em Leipzig.

Naturalmente pode-se achar que a frase (2) é do mesmo tipo da frase (1), ou seja, do tipo sujeito-predicado. Assim, a expressão “O autor da Monadologia” também seria um termo singular com a mesma função do termo singular “Leibniz” da frase (1), Em outras palavras, os dois termos singulares denotariam o indivíduo Leibniz.

Entretanto, para Russell (RUSSEL, [1905], 1978, p. 12), de acordo com a teoria das descrições, não é isto o que ocorre. A frase (2) não é do tipo sujeito-predicado e, também, a expressão “O autor da Monadologia” não é um termo singular. Assim, os nomes próprios e as descrições são coisas distintas. A frase (2) não pode ser escrita na forma “Pa”, porque uma análise segundo a teoria das descrições revelaria tratar-se de uma abreviação de outras três frases, a saber:

(2.1) Há pelo menos um autor da Monadologia.

(2.2) Não há mais do que um autor da Monadologia.

(2.3) Se alguém é autor da Monadologia, nasceu em Leipzig.

Conjuntamente, o que as frases acima afirmam é que:

(3) Existe só um autor da Monadologia e ele nasceu em Leipzig.

Em lógica de primeira ordem fica mais fácil perceber o que a teoria revela:

(2.1) ∃x (x é autor da Monadologia)

(2.2) ∀x ∀y ((x é autor da Monadologia ∧ y é autor da Monadologia)→ (x = y))

(2.3) ∀x (x é autor da Monadologia → x nasceu em Leipzig)

E a conjunção formada por (2.1), (2.2) e (2.3) seria assim:

(4) ∃ x (x é autor da Monadologia ∧ ∀y (y é autor da Monadologia →(x = y)) ∧ →x nasceu em Leipzig)

Traduzida para a linguagem: “Existe alguém que é o autor da Monadologia e todo aquele que for o autor da Monadologia é igual a este, e nasceu em Leipzig”.

Apesar das aparências, está claro que a análise mostra que a frase (1) e (2) tem estruturas lógicas diferentes. A segunda não é uma frase do tipo sujeito-predicado como a frase (1), mas sim a conjunção de três outras, formadas por funções proposicionais, quantificadores e operadores lógicos. A análise lógica também mostrou que a expressão “O autor da Monadologia” não é um termo singular, mas um símbolo incompleto.

Esta análise estabelece uma distinção entre a forma gramatical de uma frase e a sua forma lógica. Na linguagem natural interpretam-se frases do tipo “O F é G” como frases do tipo sujeito-predicado, mas a análise lógica revela outra forma, ou seja, “Existe só um x que é F e ele também é G”. Expressa em lógica de primeira ordem:

∃x (Fx ∧ Gx ∧ ∀y (Fy → y = x))

A Teoria de Russell também vem como resposta à Teoria de Meinong, a qual afirma a existência de diversos tipos de objetos não existentes. Para Meinong, diferentemente de Russell, as descrições não são símbolos incompletos, possuem significado isoladamente. A frase “O Pégaso não existe”, por exemplo, pode ser encarada de duas formas: a) a frase não tem qualquer referência a algo existente e, portanto, não denota; b) a frase denota uma entidade não existente, da mesma forma como na teoria de conjuntos nos referimos a um conjunto vazio. É importante observar que, segundo a Teoria de Russell, nomes próprios que aparecem em sentenças como “o Pégaso não existe” são descrições disfarçadas. O nome Pégaso deveria ser substituído pela descrição “o cavalo alado que Perseu montou para libertar Andrômeda”, e a proposição inteira deveria ter a seguinte forma: “O cavalo alado que Perseu montou para libertar Andrômeda não existe”. Portanto, nomes próprios que não denotam devem ser substituídos por sua descrição. A estes nomes que não denotam, Russell chama de “descrições abreviadas”.

Russell também vai contra a teoria do sentido e referência de Frege quando este último afirma que frases com termos que não denotam também não possuem um valor de verdade. Para Frege a frase “o Pégaso não existe” não é verdadeira e nem falsa, devido Pégaso não fazer referência a nenhum indivíduo real. Ao não atribuirmos valor de verdade a esta frase, ferimos um princípio lógico. Por exemplo, pelo princípio do terceiro excluído, ou “A é B ou A não é B” deve sempre ser verdadeira, ou seja, a disjunção P ∨ ¬ P é logicamente verdadeira. Mas se expressões como “o Pégaso não existe” são tomadas como não tendo valor de verdade ferimos este princípio lógico. Russell exemplifica:

[…] “o atual rei da França é careca” ou “o atual rei da França não é careca” deve ser verdadeira. No entanto se enumerarmos as coisas que são carecas, e a seguir as coisas que não são carecas, não encontraremos o atual rei da França em nenhuma das duas enumerações. (RUSSEL, [1905], 1978, p. 8).

Normalmente negaríamos que “o atual rei da França é careca”, mas também negaríamos que “o atual rei da França não é careca”, com isto estaríamos violando o princípio lógico do terceiro excluído. Correspondentemente, na teoria dos conjuntos, ou um objeto pertence a um conjunto ou não pertence a este conjunto e pertence necessariamente a seu complemento. Ou o “o atual rei da França” pertence ao conjunto dos carecas ou a seu complemento: a C ou a C.

Será que frases como “o atual rei da França” que contêm descrições vazias, sem denotação, dado que não há rei na França, violam mesmo o princípio lógico do terceiro excluído? Russell (RUSSELL, [1905], 1978), diferentemente de Meinong, afirma que não é possível fazer referência a algo inexistente e que, neste enunciado, o que temos é uma descrição definida. O enunciado esconde a sua verdadeira forma lógica, que se encontra sob a forma gramatical, o que pode nos levar ao erro de achar que se trata de uma frase do tipo sujeito-predicado.

A frase “o atual rei da França é careca”, segundo a teoria das descrições, possui em sua forma lógica os três enunciados:

(5) Existe ao menos um indivíduo que é um atual rei da França.

(6) Não há mais do que um rei da França.

(7) Este indivíduo é careca.

A conjunção de (5), (6) e (7) em linguagem de primeira ordem:

∃x (atual rei da França (x)∧ ∀y (atual rei da França(y) →y = x) ∧ careca(x))

Segue-se que o enunciado pode ser falso por três razões: a) porque não existe nenhum indivíduo que é um atual rei da França; b) porque existe mais de um indivíduo que é o rei da França; e c) porque apesar de existir um único indivíduo que é um atual rei da França, ele não é careca.

A forma lógica revela que o enunciado é uma conjunção falsa, pois não existe um atual rei da França. Penco (2006) comenta que a Teoria de Russell prova que todos os enunciados da linguagem, inclusive os enunciados com termos não denotativos, têm sempre um valor de verdade e esta é uma resposta forte à idéia de Frege que afirma que enunciados com termos denotativos não têm valor de verdade.

Russell (RUSSELL, [1905], 1978, p. 13) mostra que proposições sobre objetos inexistentes, isto é, que não denotam, envolvem apenas funções proposicionais e que tais proposições são sempre falsas. Russel dá outro exemplo considerando a formulação do conhecido argumento ontológico de Anselmo:

O Ser Mais Perfeito possui todas as perfeições;

A existência é uma perfeição;

Logo, o Ser Mais Perfeito existe.

Aplicando a Teoria ao argumento, este equivale a:

Existe uma e somente uma entidade x que é a mais perfeita;

Esta entidade possui todas as perfeições;

A existência é uma perfeição;

Logo, esta entidade existe.

Ao considerar “o Ser mais Perfeito” como uma descrição definida e não como um termo singular que denota, o argumento revela sua verdadeira forma lógica. Trata-se de uma “petição de princípio”, onde a conclusão equivale à primeira premissa que deveria ter sido provada. Russel diz que o argumento não é válido, porque a premissa “existe uma e somente uma entidade x que é a mais perfeita” não foi provada.

É importante perceber que na Teoria de Russell, uma descrição como “o P” é uma expressão do mesmo tipo que “todo o P”, “nenhum P” e “algum P”, ou seja, uma expressão quantificada e não um nome de certo indivíduo. Portanto, fica claro que deve ser observada a distinção entre termos singulares que fazem referência a indivíduos, isto é, termos que denotam, e descrições definidas que não denotam. As confusões surgem quando se trata descrições definidas como se fossem termos singulares que denotam. Apesar das aparências, descrições definidas são expressões quantificadas que adquirem o seu real significado quando relacionadas a todo o contexto do enunciado. Não deve ser esquecido que descrições definidas são símbolos incompletos, que não representam nada isoladamente.

Outro problema lógico que Russel analisa em Da denotação é o problema que ocorre quando consideramos a identidade. Se “a” é idêntico a “b”, então tudo que é verdadeiro para “a” também o é para “b”, e qualquer um dos dois pode ser substituído pelo outro dentro de qualquer proposição sem que isto altere o valor de verdade da proposição. O exemplo seguinte é de Russell:

[…] George IV desejava saber se “Scott era o autor de Waverley”; e de fato Scott era o autor de Waverley. Portanto, podemos substituir o autor de Waverley por Scott, e dessa maneira provar que George IV desejava saber se Scott era Scott. (RUSSEL, [1905], 1978, p. 8).

O exemplo de Russell mostra que o problema trata de explicar como afirmações de identidade possam ter alguma utilidade informativa. Como provar que George IV não estava interessado em saber se a tautologia “Scott é Scott” é verdadeira? “[…] ‘Scott era o autor de Waverley’ tem uma propriedade não possuída por ‘Scott era Scott’, a saber, a propriedade cuja George IV desejava saber.” (RUSSEL, [1905], 1978, p. 10).

A solução é que a proposição “Scott era o autor de Waverley” não contém o mesmo objeto duas vezes, ou seja, o indivíduo determinado Walter Scott, sendo expresso ora por “Scott” ora por “o autor de Waverley”. O mesmo objeto não se repete porque, segundo a Teoria das Descrições, “o autor de Waverley” é um símbolo incompleto que não denota nenhum objeto particular, ou seja, é uma descrição definida distinta do nome “Scott”. Assim, na proposição “Scott era o autor de Waverley” temos um único objeto que seria “Scott” e ele está sendo descrito de um modo específico, mas poderia estar sendo descrito de um outro modo, como, por exemplo, “o autor de Invanhoé”. Como diz o próprio Russell:

Uma proposição contendo uma descrição não é idêntica ao que aquela proposição se torna quando o nome é substituído, até mesmo se o nome nomeia o mesmo objeto que a descrição descreve. “Scott é o autor de Waverley” é, obviamente, uma proposição diferente de “Scott é Scott”: a primeira é um fato na história literária e a segunda é um truísmo trivial. E se colocarmos qualquer outro que não “Scott” no lugar de “o autor de Waverley”, nossa proposição se torna falsa, portanto, não mais sendo, certamente, a mesma proposição. (RUSSEL,1974).

“Scott é Scott” é uma tautologia, e “Scott é o autor de Waverley” é um fato na história da literatura. A proposta da teoria de Russell é que enunciados informativos de identidade não tem a mesma forma lógica de uma identidade entre dois termos. A forma “a = b” tem a seguinte forma lógica:

(8) (Fa ∧ ∀y (Fy → y = a))

Em (8) não se está afirmando a identidade entre dois termos, “a”, de um lado, e “b”, de outro lado, mas está se afirmando que um termo possui um atributo e que mais nenhum outro além dele o possui. Logo, a análise torna explicito que “Scott é Scott” e “Scott é o autor de Waverley” são proposições diferentes não somente em sua sintaxe, mas também em sua forma lógica.

O terceiro problema analisado em Da denotação é o das proposições existenciais negativas. Considerando a proposição “A difere de B”, se for verdadeira é porque há uma diferença entre A e B e este fato pode ser expresso como “a diferença entre A e B existe”. Mas se for falso que A difere de B, então não há uma diferença entre A e B e este fato pode ser expresso como “a diferença entre A e B não existe”. Surge então o mesmo problema que já havia sido apontado: como uma entidade não existente pode ser o sujeito de uma proposição? Se A e B de fato não diferem, tanto a suposição de que há um objeto como “a diferença entre A e B”, como a suposição de que não há tal objeto parecem igualmente impossíveis.

A solução dada pela Teoria das Descrições é relativamente bem simples: Se A e B diferem, existe uma e apenas uma entidade x que torna verdadeira a proposição expressa por “x é a diferença entre A e B”. Mas se A e B não diferem, então, não há esta entidade. Se A e B não diferem não existe um e somente um x tal que x é a diferença entre A e B.

CONCLUSÃO

A principal conseqüência filosófica da Teoria de Russell é que, quando conhecemos alguma coisa por descrição e não por contato direto, as proposições, das quais esta coisa faz parte, não contém realmente esta coisa, mas apenas as funções proposicionais que fazem parte da frase. Neste caso, conhecemos as propriedades da coisa sem ter o contato direto com a própria coisa. Quando não conhecemos as coisas por contato, o que temos são descrições definidas, as quais não denotam tais coisas. Portanto, as descrições definidas nas frases são expressões denotativas inautênticas, isto é, mesmo estando de acordo com a gramática normativa da linguagem em questão, desaparecem totalmente através da análise, que revela suas verdadeiras formas lógicas. Tais descrições são símbolos incompletos em si e só adquirem sentido no contexto do enunciado. A análise de um enunciado onde ocorre descrição definida resulta em duas conseqüências: a) a afirmação da existência da entidade descrita não pode ser aceita como pressuposta e b) a descrição definida dá lugar a pelo menos três funções proposicionais, onde uma fixa a existência da entidade descrita, outra estabelece que ela seja única e a última atribui um predicado a esta entidade. Uma conseqüência filosófica de suma importância da Teoria está no fato de que as coisas conhecidas por descrição não são conhecidas em si mesmas, mas através de suas propriedades.

Um avanço da Teoria das Descrições em relação às anteriores de que falamos, de Frege e de Meinong, é que se pode recusar a existência de proposições sem um valor de verdade definido, ou seja, a validade irrestrita do princípio lógico do terceiro excluído foi preservada e, com a ela, também os princípios tão caros da matemática.

Mas a Teoria das Descrições tem outras conseqüências de grande importância. Em Da denotação e em artigos posteriores, Russell nos alerta sobre a atividade do filósofo como uma atividade de análise. Por análise, Russell entende uma técnica capaz de revelar a estrutura lógica que está no fundo das expressões ditas em linguagem natural. A sua teoria das descrições seria uma ferramenta para este trabalho filosófico. Mas, no pensamento de Russell, a análise lógica seria muito mais do que simplesmente uma ferramenta para clarificação de frases. Para ele, após alcançados de forma clara todos os entendimentos da estrutura da lógica, esta revelaria a estrutura do mundo. Em sua analogia, Russell via que a lógica possuía variáveis individuais e funções proposicionais que no mundo correspondiam respectivamente aos particulares e aos universais. Na lógica, as proposições complexas eram construídas a partir de proposições simples e estas eram funções de verdade daquelas. De maneira semelhante, no mundo existiam fatos atômicos independentes que correspondem às proposições simples. A esta teoria de Russell chamou-se de “atomismo lógico”. No atomismo lógico o mundo aparece como uma multiplicidade infinita de elementos separados. Esses elementos são os átomos, mas átomos lógicos e não físicos. Os átomos lógicos são o que permanecem como último resíduo da análise lógica. A teoria das descrições, também, foi um grande instrumento analítico para o atomismo lógico.

A Teoria das Descrições é uma das mais importantes publicações referentes à filosofia contemporânea e “o mérito de Russell é ter mostrado que a forma lógica aparente da proposição pode não ser sua forma real”. (WITTGENSTEIN, (1994), § 4.0031).

REFERÊNCIA

FREGE, Gottlob. Sobre o sentido e a referência. In: ALCOFARADO, P. (Trad.). Gottlob Frege. Lógica e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Editora Cultrix, 1978. p. 59-86

MARCO AURÉLIO. Meditações. Alex Marins (Trad.). São Paulo: Martin Claret, 2005.

MEINONG, Alexius. Sobre a teoria do objeto. In: BRAIDA, Celso (Trad. e org.). Três aberturas em ontologia: Frege, Twardowski e Meinong. Florianópolis: Nefelibata, 2005. p. 95-145.

PENCO, Carlo. Introdução à filosofia da linguagem. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

RUSSELL, Bertrand. Da denotação. In: LACEY, Hugh Mattew (Org.). Lógica e conhecimento. São Paulo: Abril Cultura, 1978. (Coleção Os Pensadores), p. 03-14.

RUSSEL, Bertrand. Introdução à filosofia da matemática. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. p. 166-167.

RUSSELL, Bertrand. Os problemas da filosofia. (1912). Lisboa: Edições 70, 2008.

WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratactus logico-philosophicus. São Paulo: Edusp, 1994.

[1] Analista de sistemas

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Uma resposta

  1. Achei o texto denso, mas foi bem explicado, de uma forma inteligível, se lido com concentração…
    Obrigado por compartilhar

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