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Os precedentes como meio adequado de solução de conflitos repetitivos

RC: 147252
185
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/solucao-de-conflitos-repetitivos

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

BRABO, Gustavo Rosa[1], PEGHINI, Cesar Calo [2]

BRABO, Gustavo Rosa. PEGHINI, Cesar Calo. Os precedentes como meio adequado de solução de conflitos repetitivos. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 08, Vol. 01, pp. 130-146. Agosto de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/solucao-de-conflitos-repetitivos, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/solucao-de-conflitos-repetitivos

RESUMO

O objetivo do estudo é demonstrar os benefícios do uso da sistemática de precedentes adotada pelo Código de Processo Civil de 2015, como ferramenta adequada de solução de conflitos repetitivos, garantindo maior segurança jurídica e celeridade processual. Foram analisadas as duas grandes tradições jurídicas, a common law e civil law, suas nuances e a aplicabilidade do sistema dos precedentes vinculativos em cada uma delas. A correta compreensão da jurisprudência obrigatória apresenta sua imprescindibilidade, principalmente, pela garantia do tratamento isonômico aos jurisdicionados. O uso adequado deste sistema, entretanto, dependerá da atividade jurisdicional focada dos operadores do direito, em especial do Poder Judiciário, buscando a padronização horizontal e vertical de suas decisões, desestimulando demandas temerárias, recursos protelatórios e, o mais importante, extinguindo a chamada “loteria processual”. Para tanto, o trabalho se valeu da pesquisa bibliográfica de autores especialistas na área de estudo, bem como pela observação de dados de julgamento fornecidos por órgãos oficiais, demonstrando a efetividade dos precedentes judiciais na solução de demandas repetitivas.

Palavras-chave: Precedentes, Segurança jurídica, Celeridade processual, Common law, Civil law, Solução de conflitos.

1. INTRODUÇÃO

O “sistema multiportas de solução de conflitos” apresenta métodos de desvio da judicialidade padrão, sendo reconhecido por sua celeridade e acessibilidade. Como explica Luis Fernando Guerrero (GUERRERO, 2015, p. 11), este sistema busca formas de solução de conflitos que possam coexistir, ou até mesmo fazer as vezes do tradicional sistema judicial de solução de conflitos.

De fato, tendo em vista o número altíssimo e crescente de novos litígios, a tendência das discussões doutrinárias se volta ao estudo da extrajudicialidade, métodos de solução de conflitos que não dependam do Poder Judiciário, permitindo que a judicialização se atenha apenas ao imprescindível.

A eficácia desta extrajudicialização é indiscutível, porém não se pode afirmar que é infalível. O que se faz necessário questionar é a hipótese de quando os métodos extrajudiciais não são capazes de resolver os litígios que se apresentam. A resposta parece óbvia, basta seguir pela esfera judicial. Em certa medida está correta a afirmação, porém outro problema se apresenta, as divergências interpretativas judiciais, ou seja, casos semelhantes decididos das formas mais distintas.

“O juiz “A” pensa da forma que queremos. O “B” pensa contrário à nossa tese. O “C” não sabemos, é novo na cidade.” Esta pequena brincadeira, infelizmente, é a realidade do cotidiano de quem exerce a atividade contenciosa. As divergências interpretativas causam um cenário de insegurança e inefetividade da jurisdição, sendo facilmente equiparado a um ambiente de jogos de azar.

Pensando em não mais contar com a sorte, o Código de Processo Civil de 2015 (CPC 15) institui uma sistemática própria de precedentes vinculantes, a fim de padronizar tais decisões, horizontal e verticalmente, hierarquicamente dos Tribunais Superiores até o primeiro grau de jurisdição.

A sentença é uma forma de solução de litígios, imposta pelo Estado e representado pelo Poder Judiciário, aplicando o texto legal ao caso concreto. A incoerência está, porém, na medida em que a mesma lei, aplicada a casos semelhantes, resulta em sentenças divergentes. É neste cenário que o sistema de precedentes vinculantes destaca sua posição como meio adequado de solução de conflitos, transmitindo maior segurança jurídica e celeridade aos jurisdicionados.

Há quem afirme que a nova regulamentação jurisprudencial interfere na atividade criativa dos juízes e tribunais, limitando-os. Porém, este conceito é vago, tendo em vista que antes da norma em questão os magistrados já estariam subordinados às mesmas fontes do direito (a lei, os costumes, a jurisprudência, a doutrina e os princípios gerais do direito).

A expectativa não é suprimir toda a atividade criativa dos juízes, mas sim encurralar decisões descomedidas e infundadas, exigindo do julgador maior cautela de suas conclusões e, consequentemente, adequando a solução dos conflitos repetitivos na esfera judicial.

2. A EVOLUÇÃO DA JURISPRUDENCIAL NO BRASIL

O CPC 15 estabeleceu um sistema próprio de precedentes, fator que foi interpretado por alguns doutrinadores como uma aproximação do ordenamento jurídico brasileiro, ou mesmo aderência, à tradição jurídica common law.

Luiz Fux e Bruno Bodart (2021, p. 161), por exemplo, dissertam sobre a aproximação mútua e colaborativa das tradições jurídicas, com vistas ao fortalecimento da aplicação do Direito:

Este paralelo entre os sistemas norte-americano e brasileiro representa bem a tendência de aproximação e harmonização entre os diferentes sistemas jurídicos. A influência mútua entre as diferentes tradições de sistemas jurídicos conduz a um profícuo aprimoramento contínuo e bilateral. Pelo Direito Comparado, o cientista social examina cuidadosamente o desempenho de regras jurídicas variadas em sociedades heterogêneas. O resultado pretendido é a evolução dos sistemas de justiça para que melhor atendam ao cidadão jurisdicionado e à sociedade em geral.

Por outro lado, alguns autores entendem que nada se alterou, ou seja, que o direito brasileiro continua sob a guarda do civil law, por exemplo, Alexandre Freitas Câmara (2018, p. 56):

Vê-se, pois, que não é o mero fato de um ordenamento jurídico adotar instituições que normalmente são encontradas em uma determinada tradição jurídica que o faz integrar essa “família”, saindo daquela a que sempre pertenceu.

Pois é exatamente isto o que se tem no Direito brasileiro. Não obstante a adoção de institutos que têm origem no Direito anglo-saxônico, o Brasil não abandonou sua tradição de civil law para passar a integrar-se ao common law (ou mesmo para passar a adotar um sistema híbrido, uma espécie de “civil law commonlizado”).

Sob a égide do código processual de outrora, as decisões judiciais encontravam poucas imposições vinculantes, fato gerador de um hábito prejudicial do Poder Judiciário no exercício da “atividade criativa”, resultando em interpretações legislativas conflitantes, a famigerada “loteria judicial”.

Sobre o tema, Humberto Theodoro Junior (2016, p. 792) descreve:

Num país tradicionalmente estruturado no regime do civil law, como é o nosso, a jurisprudência dos tribunais não funciona como fonte primária ou originária do direito. Na interpretação e aplicação da lei, no entanto, cabe-lhe importantíssimo papel, quer no preenchimento das lacunas da lei, quer na uniformização da inteligência dos enunciados das normas (regras e princípios) que formam o ordenamento jurídico (direito positivo). Com esse sistema o direito processual prestigia, acima de tudo, a segurança jurídica, um dos pilares sobre que assenta, constitucionalmente, o Estado Democrático de Direito.

É nítido que, sob a nova ótica da formação do decisum, a jurisprudência carrega observância vinculativa, não por ocupar fonte primária ou originária do direito brasileiro, mas porque assim está determinado pela norma processual.

A segurança jurídica promovida pelo ordenamento processual é parte de algo ainda maior, o Estado Democrático de Direito. A ação é o meio pelo qual a parte busca do Estado a aplicação justa e efetiva de seu direito material e, evidentemente, este não pode, diante de uma mesma matéria e pedido, devolver aos indivíduos respostas distintas.

A lei é, ou deveria ser, a mesma para todos, nos exatos termos do Art. 5º da Constituição Federal: (i) todos são iguais perante a lei, (ii) sem distinção de qualquer natureza, (iii) garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Como se não bastasse, o inciso I do mesmo artigo ainda expressa que (iv) homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

Nota-se que o dispositivo constitucional implica tantas repetições que se torna impossível ignorá-las. Acredita-se que não se trata de erro de linguagem do constituinte, mas sim de um exagero protecionista, de maneira que não ocorressem interpretações diversas pelos aplicadores da lei, garantindo o tratamento isonômico.

Porém, distinções percorrem os tribunais por todo o país, principalmente quando se trata de julgamento de litígios repetitivos. Por isso, é necessário compreender como a garantia constitucional à igualdade está intimamente ligada ao direito de acesso à justiça.

Fazendo uma interpretação do inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, Humberto Theodoro Júnior explica que tal garantia conecta efetividade com tempestividade na essência do acesso à tutela jurisdicional por meio de um processo justo. E complementa o autor dizendo que “justiça tardia, segundo universal reconhecimento, é o mesmo que justiça denegada, ou, em outros termos, é pura e completa injustiça” (THEODORO JUNIOR, 2023, p. 107).

Segundo o autor, o conceito de “justiça” representa a soma da “efetividade” e “tempestividade”. De fato, o tempo é fator fundamental ao exercício da jurisdição, porém, de nada serve ao cidadão decisões céleres que se opõem em casos semelhantes. Afinal, se a lei é a mesma para todos, sua aplicação também deve o ser.

O senso de justiça, por sua vez, é indissociável ao conceito de segurança jurídica, bem explicado por Guilherme Peña de Moraes como a “proteção da confiança e legítimas expectativas das pessoas na continuidade da ordem jurídica, de arte a preservar atos normativos ou, pelo menos, efeitos já produzidos por atos administrativos ou legislativos, invalidados por ilegais ou inconstitucionais” (MORAES, 2022, p. 176).

Visando o tratamento isonômico do jurisdicionado, também imprescindível ao ideal de justiça, os precedentes vinculantes tomam espaço considerável na garantia deste direito fundamental, proporcionando um meio mais adequado de solução dos conflitos judiciais repetitivos, através de decisões mais rápidas e previsíveis ao postulante.

3. TRADIÇÕES JURÍDICAS

Mais do que a mera compreensão das definições de civil law e o common law, se faz necessário explicar o que seriam as chamadas “tradições jurídicas”. Neste sentido, dissertam John Henry Merryman e Rogelio Pérez-Perdomo (2009, p. 23):

Uma tradição jurídica, conforme o próprio termo indica, não é um conjunto de normas legais sobre contratos, empresas ou crimes, embora tais normas sejam, quase sempre, em algum sentido, um reflexo daquela tradição. Uma tradição jurídica é, na verdade, um conjunto de atitudes historicamente condicionadas e profundamente enraizadas a respeito da natureza do direito e do seu papel na sociedade e na organização política, sobre a forma adequada da organização e operação do sistema legal e, finalmente, sobre como o direito deve ser produzido, aplicado, estudado, aperfeiçoado e ensinado. A tradição jurídica coloca o sistema legal na perspectiva cultural da qual ele, em parte, é uma expressão.

Como dito, muito se discute sobre a transição do regime jurídico brasileiro do civil law para o common law. Este é um tema de grande embate entre doutrinadores, porém, melhor se apresenta a corrente de que nada se alterou, tendo em vista que a sistemática de precedentes somente se instalou pela determinação legal.

Em resumo, o estudo demonstrou como o ordenamento jurídico brasileiro foi capaz de construir um regramento de precedentes vinculantes independentemente da família jurídica adotada. Porém, em respeito às divergências e pela melhor compreensão do tema, expõe-se o funcionamento de ambas as tradições jurídicas quanto ao uso dos precedentes judiciais.   

3.1 COMMON LAW

O common law surge do Direito inglês e conta, basicamente, com dois períodos históricos. O primeiro se dá anteriormente à conquista normanda em 1066, pelo Rei Guilherme, posteriormente conhecido como “O Conquistador”. Já o segundo período, considerado o momento de formação efetiva do common law, ocorre após a conquista da Normandia até a dinastia Tudor em 1485.

Alexandre Freitas Câmara (2018, p. 10-12) afirma que esta tradição jurídica é quase milenar, iniciada com a tomada da Normandia em 1066, momento em que a Inglaterra abandona o sistema tribal e passa a utilizar-se do feudalismo. Os sinais de adoção da sistemática de precedentes (a doutrina do stare decisis), entretanto, surge apenas no século XVIII, fixando-se entre os séculos XIX e XX.

Ainda sobre a aplicação dos precedentes na common law, narra Rupert Cross (1961, p. 18):

Tão tarde quanto 1869 um juiz de primeira instância parece que tinha escrúpulo em proferir um julgamento no qual ele fizesse não mais do que dizer que uma decisão da Corte de Apelações da Chancelaria era claramente equivocada e que ele deveria, portanto, recusar-se a segui-la. Apesar da forma clara em que era estatuída por Lorde Campbell em Beamish vs. Beamish, a regra crucial de que a Câmara dos Lordes está absolutamente vinculada pelas decisões anteriores não foi completamente fixada até o fim do século XIX. Tão tarde quanto 1852, Lorde St. Leonards usou as seguintes palavras quando se dirigiu à Câmara dos Lordes:

Vocês não estão vinculados por nenhuma regra de direito que vocês podem fixar, se sobre uma ocasião posterior vocês puderem encontrar razão para estabelecer uma distinção daquela regra; isto é, que esta Câmara, como qualquer tribunal, possui um poder inerente de corrigir um erro em que tenha incorrido.

A doutrina deixa claro que o uso dos precedentes judiciais tomou maior ênfase quando da formação do chamado stare decisis, sendo claro, ainda, que a common law operou por aproximados oito séculos independentemente do uso de julgados pretéritos como fonte decisória.

Neste aspecto, Paulo Nader (2023, p. 267) aponta com precisão que a common law, em realidade, traz em seu bojo o Direito costumeiro ou consuetudinário, ou seja, a norma não escrita. Como mencionado, assim foi por vários séculos, sem que se discutisse o precedente como fonte normativa.

No mesmo sentido, ainda, William Soares Pugliese (2011, p. 30) conclui que a vinculação dos tribunais às decisões judiciais anteriores não é um traço distintivo da tradição anglo-saxônica, mas sim um produto de sua experiência. Ou seja, o uso de precedentes não é uma particularidade da common law, tampouco a tradição se resume ao uso dos julgados.

3.2 CIVIL LAW

A tradição jurídica civil law, por sua vez, tem suas raízes no Direito Romano e no Direito Canônico. A doutrina estima o início da tradição com a chamada “Lei das XII Tábuas”, em meados de 450 a.C.

A configuração moderna da civil law, entretanto, tem por base, principalmente, a publicação do então nomeado Corpus Iuris Civilis, no século VI d.C., ato do Imperador bizantino, Justiniano.

A norma positivada por Justiniano pode ser destacada como a influência na modernidade pós-liberal, nos ordenamentos jurídicos que se filiam à esta tradição jurídica, para a codificação normativa, como por exemplo no Brasil (Código Civil, Código de Processo Civil, Código Penal, Código de Processo Penal etc.).

Ainda que a tradição jurídica tenha por fonte primária a lei posta, o uso da sistemática de precedentes não é estranho aos ordenamentos jurídicos que se filiam à civil law.

Alexandre Freitas Câmara (2018, p. 30) aponta que em diversos ordenamentos filiados a esta tradição jurídica se reconhece eficácia, tanto vinculante quanto meramente persuasiva, aos precedentes judiciais, especialmente aos que resultam da atividade dos Tribunais Superiores (STJ e STF).

A norma codificada não é capaz de responder a todos os anseios da sociedade, restando lacunas interpretativas que demandam a atividade judicial. Neste sentido, as declarações formadas pelos tribunais, essencialmente pelos órgãos colegiados, podem e são utilizadas como base de fundamento para a solução de novos conflitos, sendo que a observância destes entendimentos prestigia o princípio da igualdade.

Ainda que costumeiro o uso dos precedentes, o advento do CPC 2015 traz um efeito diferente para esta fonte que não existia nas codificações anteriores, a observância obrigatória. Algumas decisões, geralmente prolatadas por Tribunais Superiores, tornam-se objeto de acatamento forçoso a todos magistrados.

Parte da doutrina critica o sistema de precedentes vinculantes, apontando uma suposta rigidez capaz de limitar os juízes e tribunais de se adaptarem às necessidades sociais, estas que se modificam a todo momento.

Com respeito ao posicionamento daqueles autores, porém, observa-se que a vinculação obrigatória ao sistema de precedentes se apresenta da mesma maneira que todas as demais fontes do direito (a lei, os costumes, princípios gerais etc.). Ou seja, o magistrado sempre esteve limitado, sendo no mínimo ilusória a liberdade da atividade jurisdicional.

A utilização e normatização do sistema de precedentes, portanto, não presume uma aproximação do ordenamento jurídico brasileiro da tradição common law, tão pouco a adoção da tradição a partir de então.

É necessário que se faça a seguinte distinção: a common law utiliza-se dos precedentes por se tratar de um costume, fonte primária de sua jurisdição. No civil law, entretanto, a utilização dos padrões decisórios vinculantes decorre da imposição legal.

Atualmente o sistema jurídico brasileiro se utiliza dos precedentes vinculantes, apenas e tão somente, em razão da determinação exarada pelo CPC 15 neste sentido, fator que demonstra, além da manutenção do civil law pelo ordenamento jurídico brasileiro, que a utilização de precedentes vinculantes se faz perfeitamente possível nesta tradição jurídica, desde que decorra da lei.

4. O PRECEDENTE COMO MEIO ADEQUADO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS REPETITIVOS

Como já discorrido anteriormente, a problemática que se apresenta é a “onda” de litígios que consome o Poder Judiciário, uma super litigância. Várias hipóteses são apontadas como a causa deste fenômeno, uma “cultura demandista” (MANCURSO, 2018, p. 25), a insegurança da resposta judicial, entre outros fatores. Afinal de contas, se o Poder Judiciário lança decisões das mais diversas interpretações, o direito perseguido, nas mãos do “juiz certo”, pode ser alcançado.

Diante do grande número de processos, o estudo dos meios alternativos de solução de conflitos ganha espaço de estudo doutrinário, buscando ferramentas rápidas e efetivas para a quebra desta cultura litigante e desjudicialização das demandas em curso.

Pertinente o destaque feito por Fernanda Tartuce (2021, p. 94) no sentido de que a via judicial é apenas uma das diversas vias existentes de solução de conflitos, sendo necessário refletir sobre sua utilização racional, ou seja, ela não deve ser considerada, desde logo, como a forma prioritária ou preferencial de encaminhar toda sorte de demanda.

Ainda que a atividade jurídica invista cada vez mais recursos em prol da solução extrajudicial de demandas, a mentalidade litigiosa continua predominante e, consequentemente, os litígios seguem crescendo. É neste sentido que o uso dos precedentes vinculantes mostra sua efetividade.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta que os bancos se posicionam como os maiores litigantes da justiça na atualidade (CNJ, 2023), sendo certo que grande parte das ações tratam da mesma matéria. Destacam-se, por exemplo, os pedidos de redução de juros sobre financiamento de veículos que ainda causam interpretações diversificadas nos tribunais de todo o país.

Sob o critério do livre convencimento motivado, o julgamento destas infinitas demandas repetitivas cria a famigerada “loteria judicial”, causa de grande insegurança jurídica e ofensora do princípio da igualdade garantido pela Constituição Federal, necessitando, portanto, de ferramenta processual que promova maior garantia ao jurisdicionado.

4.1 SEGURANÇA JURÍDICA E CELERIDADE PROCESSUAL

Segurança jurídica é um tema de difícil definição, havendo grande divergência doutrinária inclusive sobre sua instituição como norma ou princípio. Humberto Ávila (2012, p. 116) auxilia a compreensão do tema, explicando que:

A segurança jurídica como norma é a prescrição para adoção de comportamentos destinados a assegurar a realização de uma situação de fato de maior ou menor difusão e a extensão da capacidade de prever as consequências jurídicas dos comportamentos.

A definição do autor facilita o entendimento de que a aplicação dos precedentes, além de conferir previsibilidade para as partes quanto ao comportamento judicial, viabiliza a proteção do direito material, ou seja, provoca uma tutela dos direitos materiais de forma mais efetiva (THEODORO JÚNIOR, 2023, p. 107).

Elpídio Donizetti (2018, p. 803) destaca, ainda, que essa previsibilidade das decisões no âmbito dos próprios tribunais tende a evitar a propagação de teses jurídicas distintas sobre situações semelhantes e que, justamente por essa coincidência, mereceriam tratamento igualitário, prestigiando o princípio da igualdade constitucional.

Luiz Guilherme Marinoni (2016, p. 96-97) acrescenta que a segurança jurídica, vista como estabilidade e continuidade da ordem jurídica e previsibilidade das consequências jurídicas de determinada conduta, é indispensável para a conformação de um Estado que pretenda ser “Estado de Direito”, ou seja, Estado Democrático.

A doutrina confirma o ideal que já foi proposto, é inaceitável em um Estado Democrático de Direito que, na análise de processos idênticos (mesmos fatos, mesma causa de pedir, até mesmo partes em comum), sejam prolatadas decisões diferentes.

Em contrapartida, através do precedente, a segurança jurídica da parte que busca seu direito material é externada pela previsibilidade do êxito, ou seja, pelo conhecimento antecipado da forma como deverá pleitear ao judiciário e qual a resposta que este lhe devolverá.

Não só a parte tem segurança em seu pedido, mas também o próprio magistrado na prolação de sua sentença ou acórdão. O julgamento dos feitos sob a ótica dos precedentes permite um embasamento simplificado, fator capaz de induzir celeridade ao processo decisório.

Neste sentido, Araken de Assis (2016, p. 976) exemplifica:

No caso de Julgamento de recurso especial cuja questão de direito envolva múltiplos recursos, desapareceu o grau da exortação inerente ao precedente, assumindo caráter obrigatório (art. 927, III). Por esse motivo, recursos que contrariem o precedente terão seguimento negado pelo tribunal a quo (art. 1.030, I, b, c/c art. 1.040, I). E o recurso especial que pleiteia a aplicação da tese constrangerá o órgão fracionário a retratar, ou não, o entendimento (art. 1.040, II). Mantido o acórdão divergente, o presidente ou vice-presidente do tribunal realizará o juízo de admissibilidade, preenchida a condição do art. 1.030, V, c, e, sendo positivo, subirá o recurso ao STJ (art. 1.041, caput). Por óbvio, os órgãos fracionários do tribunal a quo julgarão os demais recursos pendentes (apelações e agravos), porventura suspensos (art. 1.030, III), confiando-se que acompanhem a orientação superior.

A celeridade processual, portanto, se apresenta como consequência do sistema de precedentes vinculantes, desde o primeiro grau de jurisdição, como também aponta Humberto Theodoro Júnior (2016, p. 793):

Mesmo, porém, as súmulas não vinculantes tiveram seu papel muito ampliado, uma vez que reformas do direito processual as adoraram como fator decisivo para simplificar e agilizar os julgamentos sumários em primeiro grau de jurisdição (sentenças prima facie) e as decisões monocráticas dos relatores, em grau de recurso nos tribunais.

O sistema de precedentes vinculantes, também chamado de atividade nomofilácica por Calamandrei (1945, p. 104), portanto, se revela como o meio mais adequado para a solução destes conflitos repetitivos, em razão da maior efetividade da justiça em prol do indivíduo.

4.2 DIREITO À IGUALDADE

Nos termos do Art. 5º, inciso XXXV, da CF, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Mais que isso, o inciso LXXVIII não assegura apenas o acesso à jurisdição voluntária, mas também a resposta célere do órgão estatal, norma replicada pelo Art. 3º do CPC 15.

Alexandre Freire (2017, p. 34) explica que o texto do Art. 3º do CPC 15 constrói o chamado princípio da efetividade, assegurando o direito de acesso à justiça não apenas na facilitação do próprio acesso, mas na viabilização de uma solução eficiente, com a adoção das técnicas próprias à satisfação do direito material afirmado em juízo.

Como se não bastasse, o inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal, repetido pelo artigo 11 do CPC 15, garante que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.

Ou seja, a jurisdição plena deve atender ao acesso pleno ao poder Judiciário e, ao final, ter do ente público uma resposta devidamente fundamentada, tudo isso em um prazo razoável. Porém, de nada adianta a garantia de tais direitos se, ao final de processos semelhantes, os jurisdicionados recebem fundamentos díspares. Repisa-se, a lei é a mesma para todos, não podendo ser diferente com a jurisdição voluntária.

Neste sentido, Lucas Rister de Sousa Lima e Carlos Henrique Bezerra Leite (ALVIM et al., 2017, p. 1.083) explicam que o CPC 15 tem um nítido propósito de romper tal paradigma, estimulando a uniformização da Jurisprudência: os casos idênticos devem obter decisões no mesmo sentido, trazendo previsibilidade, confiança, isonomia e segurança jurídica para os jurisdicionados. Complementam os autores, a título de exemplo, que não se pode admitir, em uma demanda de massa, que servidores públicos postulem o restabelecimento de uma gratificação “X”, obtendo êxito em determinados processos, enquanto outros, pleiteando o mesmo direito, tenham o pedido, ao final, julgado improcedente.

Os autores esclarecem o posicionamento em debate de que, se a lei é a mesma para todos, distinções de cunho material não podem ocorrer em demandas semelhantes. A padronização decisória por meio dos precedentes adequa o julgamento destes casos, fixando um paradigma que garante a isonomia da jurisdição.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inovação trazida pelo CPC 2015 é um reflexo da insegurança jurídica suportada pela sociedade que sofreu por muito tempo com a chamada “loteria judicial”. É certo que a problemática ainda persiste, entretanto, há de ser levado em consideração o curto período da vigência da nova norma processual, fato que, supostamente, irá se alterar com o passar dos anos.

Sendo este o início de uma nova jornada, tem o operador do direito o dever de observar com maior atenção a aplicação da norma processual, bem como buscar meios para sua consolidação célere.

Seguindo o que ensina Luigi Ferrajoli (2011, p. 225), atualmente a cidadania e a capacidade de agir restaram como as únicas diferenças de status que ainda delimitam a igualdade das pessoas humanas.

Oscar Vilhena Vieira (2017, p. 282-283), por sua vez, disserta que:

(…) a afirmação de que todos são iguais perante a lei deve ser compreendida como uma reivindicação de natureza moral, de modo que a igualdade constitui uma reivindicação social e politicamente construída, que, no plano jurídico, se traduz em um dever ser, um dever de igual tratamento, de igual respeito e consideração.

Dissertam Ingo Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (2022, p. 272), ainda, que estabelecida como norma de segurança jurídica, posto que a igualdade guarda relação íntima com a noção de justiça e com as mais diversas teorizações sobre a justiça, esta será sempre algo que o indivíduo vivencia, em primeira linha, de forma intersubjetiva e relativa, ou seja, na sua relação com outros indivíduos e na forma como ele próprio e os demais são tratados, inclusive pelo Estado.

Neste tratamento citado pelos autores supra, o Estado deve observar ao indivíduo a garantia de seus direitos fundamentais no momento da jurisdição voluntária, sem se esquivar da resposta fundamentada e coerente, concedendo o direito pleiteado na mesma medida de seus semelhantes. O ideal de justiça, portanto, aponta a necessidade de padronização decisória, sendo os precedentes vinculantes o meio mais adequado na atualidade para a concretização desta meta.

REFERÊNCIAS

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. volume I. 64ª. Ed. Forense, 2023.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. volume III. 48ª. Ed. Forense, 2016.

VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF. 2ª edição. Editora Malheiros. São Paulo. 2017.

[1] Mestrando em Direito pela Escola Paulista de Direito (EPD); Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD); Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário UNIFAAT; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário UNIFAAT. ORCID: https://orcid.org/0009-0007-9376-9706. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/0866558068792538.

[2] Pós-doutor em Direito pela Università degli Studi di Messina. Doutor em Direito Civil pela PUC/SP. Mestre em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de Direito FADISP. Especialista em Direito do Consumidor na experiência do Tribunal de Justiça da União Européia e na Jurisprudência Espanhola, pela Universidade de Castilla-La Mancha, Toledo/ES. Especialista em Direito Civil pela Instituição Toledo de Ensino ITE. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito – EPD. Graduado em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9595-3266. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9161418107804194.

Enviado: 16 de junho de 2023.

Aprovado: 21 de julho, 2023.

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Gustavo Rosa Brabo

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