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O Delito de Homicídio Culposo e o Código de Trânsito no Direito Brasileiro: Uma Crítica ao Artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro Sob o Aspecto do Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal

RC: 12860
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CONTEÚDO

PIMENTEL, Thaise Oliveira [1]

PIMENTEL, Thaise Oliveira. O Delito de Homicídio Culposo e o Código de Trânsito no Direito Brasileiro: Uma Crítica ao Artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro Sob o Aspecto do Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Edição 9. Ano 02, Vol. 04. pp 91-105, Dezembro de 2017. ISSN:2448-0959

RESUMO

Este artigo tem como finalidade principal a análise comparativa e crítica dos artigos 302 do Código de Trânsito Brasileiro, e o artigo 121, parágrafo 3°, do Código Penal. Analisou-se a existência de (des) proporcionalidade entre a sanção existente no delito de homicídio culposo pelo Código de Trânsito Brasileiro, exclusivamente pelo objeto empregado para a consumação do delito (automóvel) e aquela prevista pelo Código Penal, demonstrando a necessidade da utilização do Princípio da Proporcionalidade para dirimir este conflito de penas. Assim, para perfeita fundamentação do posicionamento amparado, estudou-se ainda, a teoria das penas para compreender juridicamente a motivação do Legislador para criar novo artigo de Lei disciplinando crime já previsto pelo Código Penal. Por fim, ainda analisou-se a Lei n. 9.099/95, enfatizando o art. 89, que discorre sobre a suspensão condicional do processo, no que se aludi no caso do homicídio culposo praticado nos delitos de trânsito.

Palavras-chaves: Homicídio Culposo, Código de Trânsito Brasileiro, Código Penal, Princípio da Proporcionalidade e Suspensão Condicional do Processo.

1. INTRODUÇÃO

O homicídio é apenado desde a época do direito mais remoto encontra-se previsto em nossa legislação no art. 121, do Código Penal (CP), do qual é um crime contra a vida.

Vale ressaltar, que a conduta típica do homicídio consiste em matar alguém, podendo ser praticado na forma dolosa (simples, privilegiado e qualificado) ou culposa (simples e qualificado).

Não obstante sua previsão legal no referido diploma acima mencionado, os altos índices de violência no trânsito e o grande número de condutores infratores, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) começou também a discipliná-lo, na sua forma culposa, aplicando, penas mais rigorosas para quem o comete.

É por todos já conhecido o fato de a violência no trânsito ser um dos motivos que mais aterrorizam a população, uma vez que é dificílimo estar imune contra a probabilidade de se estar entre as vítimas da “violência do trânsito”.

Dessa forma, as estatísticas dão conta da importância de costumes especialmente descuidados na geração dos danos, acatando o antigo litígio vem um novo Código de Trânsito Brasileiro criando novas regras administrativas e penais. Assim, é possível compreender o rigor da lei.

Podemos citar, por exemplo, no campo administrativo o notável rigor na pontuação advinda das infrações. Tal mudança legislativa se deu pela revolução tecnológica que admitiu um impensável desenvolvimento na instalação de radares eletrônicos, semáforos controlados com máquina fotográfica e várias câmeras instaladas em inúmeros pontos.

Não podemos nos esquecer dos decréscimos dos números de acidentes e lesões advindos da criação da nova lei.

Dessa forma, o artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) agrupou dispositivos esparsos do Código Penal. Em ambas as legislações, as noções do homicídio culposo se equivalem, sendo: mesmos sujeitos, mesmo bem jurídico protegido e a produção de um mesmo resultado material não estimado pelo autor do crime, entretanto as penas bases, abstratamente previstas, são diversas, ainda o CTB prevê a cumulação desta com outras restritivas de direito.

Desde que entrou em vigor, o “novo” Código de Trânsito Brasileiro dúvidas inspiram críticas. Dos crimes em espécie inovou-se, na forma de definir os tipos penais, mas polêmicas que ainda causam grandes conflitos na doutrina penal. O objetivo original do Legislador era reprimir as infrações de trânsito no sentido de garantir segurança no tráfego de veículos automotores à coletividade.

Por fim, entendemos que esta desigualdade nas sanções aplicadas não se justifica e que o legislador não deu importância a ampla liberdade de apreciação dada ao magistrado na aplicação da sanção, pois a este cabe, considerando o caso concreto, atribuir à penalidade que julgue necessária, cumulando-a, se adequado, com penas diversas ou mesmo deixando de aplicar qualquer das penas cominadas, se for este o caso.

Conclui-se, que apesar do referido crime, na sua forma culposa seja previsto em diplomas legais diferentes, não se justifica a desconexão entre as sanções aplicadas, somente por possuir como distinção o meio de consumação do delito, qual seja, o automóvel, ofendendo, assim, o Princípio da Proporcionalidade.

Por fim, o conteúdo do trabalho decorre de pesquisas doutrinárias contendo análises criteriosas das matérias elencadas, por meio de pesquisas legislativas, internet, periódicos e jurisprudências, procurando identificar a proporcionalidade entre a sanção prevista no crime de homicídio culposo pelo Código de Trânsito Brasileiro e a prevista pelo Código Penal.

2. MATERIAL E MÉTODO

Nesta seção encontram-se as noções basilares que permitirão demonstrar a qualidade científica, critério necessário na avaliação deste trabalho.

Nesta está definido precisamente como se executará o projeto e com quais instrumentos, as vias científicos-técnicas pelas quais os objetivos se transformarão em resultados.

O método de pesquisa será teórico utilizando livros, revistas jurídicas, artigos da internet. Esse material será colhido dos seguintes acervos de pesquisa: Biblioteca de Graduação “Rui Barbosa” da Instituição Toledo de Ensino de Bauru, bem como, Biblioteca do “Mestrado” da mesma Instituição e da Biblioteca do Complexo Educacional Damásio de Jesus da unidade de São Paulo, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais em seus boletins e artigos para associados e na Biblioteca da Associação de Advogados do Estado de São Paulo.

3. DESENVOLVIMENTO

Vale ressaltar algumas informações pertinentes para entendermos o tema ora abordado. O homicídio é a morte de um homem causada por outro. É elencado no art. 121 da Parte Especial do Código Penal Brasileiro (CP) e em leis extravagantes como a Lei de Crimes Hediondos, o Código de Trânsito e o Código Penal Militar.

Destarte, a conduta típica do homicídio consiste em matar alguém, ou seja, eliminar a vida de outrem. Está previsto no art. 121 do CP e possui como bem jurídico a vida. Esta é uma das garantias constitucionais, a Constituição da República Federativa do Brasil (CF), em seu artigo 5°, caput, expressamente estabelece: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Relembrando, o núcleo do tipo do homicídio é representado pelo verbo matar, que é a conduta de eliminar a vida de uma pessoa. Daí entendemos que o tipo determina, no mínimo, a inclusão de dois sujeitos: o autor do crime e a vítima.

O delito do homicídio, no CP, pode ser cometido através de qualquer meio, direto ou indireto, idôneo a eliminar a vida, portanto é um delito de forma livre sendo imprescindível à existência do nexo causal entre a conduta e o resultado.

É um crime comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa contra outra; material: pois se consuma com a morte da vítima; instantâneo: se esgota com a ocorrência do resultado; e, finalmente, de dano: pois para sua consumação, é necessária a superveniência da lesão efetiva do bem jurídico.

Desse modo, admite-se a co-autoria ou participação, por ação ou omissão. O sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, desde que esteja com vida. Conforme dito anteriormente pode se dar tanto na forma culposa quanto dolosa.

No que diz respeito à aplicação da sanção o delito de homicídio simples tem a pena de reclusão de seis a vinte anos, conforme artigo 121 do CP e em sua modalidade qualificada de doze a trinta anos, de acordo com o artigo 121, § 2º do CP.

No crime em estudo, que é a forma culposa do delito de homicídio, a pena será de detenção de um a três anos, dispõe o artigo 121, § 3º do CP. A ação penal, em qualquer modalidade, é pública incondicionada, pertencendo, privativamente ao Ministério Público promovê-la, independentemente da manifestação de vontade de quem quer que seja para iniciá-la.

Vale ressaltar, o significado do dolo em sendo a vontade livre e consciente de eliminar a vida humana, quando o agente quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo. Requer a consciência do nexo causal e dos elementos do tipo. Do mesmo modo, deve haver um nexo entre a conduta e o resultado desejado. Não exige um fim especial, que, a depender do caso concreto, poderá estabelecer circunstâncias qualificadoras ou ensejadoras de diminuição de pena.

Porém, o dolo não é instituído apenas pelo objetivo do agente, mas também pelos meios empregados para consecução do fim e das decorrências secundárias de seu comportamento. Dessa forma, para haver crime doloso é preciso que a conduta humana seja voluntária, assim como, o desejo do resultado.

O Código Penal Brasileiro prevê em seu artigo 121, § 3º, o delito de homicídio culposo. Este está nos previsto parágrafos 3.º e 4.º do CP é o crime cometido por um agente que não quis o resultado morte. É causado por negligência (omissão do dever geral de cautela), imprudência (ação perigosa) ou imperícia (falta de aptidão para o exercício de arte ou ofício).

Conforme o vocabulário jurídico de Plácido e Silva (p. 718, 709, 915. 2008):

“Imprudência: derivado do latim imprudentia (falta de atenção, imprevidência, descuido), tem sua significação integrada de imprevisão). Assim, resulta da imprevisão do agente ou da pessoa, em relação às conseqüências de seu ato ou ação, quando devia e podia prevê-las. A imprudência além de distinguir-se da negligência, configura-se diferente da imperícia.

Imperícia: derivado do latim imperitia, de imperitus (ignorante, inábil, inexperiente), entende-se no sentido jurídico a falta de prática ou ausência de conhecimentos, que se ,mostram necessários para o exercício de uma profissão ou de uma arte qualquer…distinguindo da imprudência e da negligência, das quais também resultam faltas imputáveis. Nestas não há a ignorância nem a inabilidade. Revelam-se pela imprevidência e pela omissão do que não se devia desprezar.

Negligência: do latim negligentia, de negligere (desprezar, desatender, não cuidar), exprime a desatenção, a falta de cuidado ou de preocupação como se executam certos atos, em virtude dos quais se manifestem os resultados maus ou prejudicados, que não adviriam se mais atenciosamente ou com a devida precaução, alias ordenada pela prudência, fossem executados. ]nesta razão a negligência implica na omissão ou inobservância de dever que competia ao agente, objetivando nas precauções que lhe eram ordenadas ou aconselhadas pela prudência, e vistas como necessárias, para evitar males não queridos e evitáveis. A negligência difere da imprudência e da imperícia”.

O homicídio culposo poderá do mesmo modo ser qualificado quando: resultar de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício; o agente deixar de prestar imediato socorro à vítima; este ainda, não procurar diminuir as conseqüências do seu ato e se o infrator fugir para evitar prisão em flagrante. Se não incidir nenhuma das hipóteses supra (§4.º), o homicídio culposo será dito simples.

Uma característica do homicídio culposo é o fato de o magistrado poder deixar de aplicar à pena, se em decorrência da infração atingir o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária, como, por exemplo, no caso em que o agente fique paraplégico ou na hipótese de morte de um filho. São estas, em suma, as figuras que fazem parte do homicídio no ordenamento jurídico brasileiro.

Examinaremos com mais afinco as características do homicídio culposo para melhor compreensão. O mesmo instituto, em seu art. 18, II, elenca como crime culposo aquele em que o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

No delito culposo a conduta do agente é voluntária (ação ou omissão), contudo contrária ao dever objetivo de cuidar. Por sua vez, o resultado, embora previsível, é involuntário e indesejado, não querido pelo agente.

Dessa forma, o homicídio culposo corresponde a qualquer conduta causadora da morte de uma pessoa por imprudência, negligência ou imperícia do agente. É um tipo de injusto penal aberto, que está sujeito a interpretação do magistrado para poder ser aplicado.

Para o homicídio culposo, a norma determina pena de detenção de um a três anos.

Como já é sabido o assunto abordado admite o instituto da suspensão condicional do processo em face de sua pena mínima, abstratamente, cominada ser igual a 1 (um) ano. Ainda, há a possibilidade de emprego de aumento de pena, conforme no parágrafo 4°, do citado artigo, que descreve as causas especiais de aumento de pena.

O ilustre jurista Damásio de Jesus salienta que o perdão judicial possui duas posições crimes de trânsito (p. 48-49. 2008), diz:

“1º) os delitos de trânsito de homicídio culposo e lesão corporal culposa definidos nos arts. 302 e 303 da Lei n. 9.503/97 não admitem o perdão judicial. Para essa orientação o art. 300 do Projeto de Lei n. 73/94, de onde se originou o CT, que o admitia, foi vetado pelo Senhor Presidente da República (vide nota ao art.300). Se o texto original do Projeto era permissivo, vetado, a Lei nova, não o provendo, proíbe sua aplicação. Nos termos do art. 107, IX, do Código Penal, o perdão judicial só é permitido “nos casos previstos em lei”. E não esta disciplinado no CT.Doutrina nesse sentido; RUI STOCO, Código de Trânsito Brasileiro…,Enfoque jurídico, suplemento do Informe – TRF 1ª Região, cit., 9:4.

2º) È admissível o perdão judicial nos crimes de homicídio culposo e lesão corporal culposa definidos no CT (arts. 302 e 303). Na doutrina, nesse sentido: Luiz Flavio Gomes, CT: primeiras notas interpretativas, Boletim do IBCCRIM , cit.,61:4. Paulo José da Costa Júnior e Maria Elizabeth Queijo, Comentários, cit.,p.49. No mesmo sentido, na jurisprudência: TACRIM SP, RCRIM 1.203.623, 2ª Câm., rel. Juiz Silvério Ribeiro, RT, 783:647”.

O Código de Trânsito Brasileiro foi fundado pela Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997. Sua criação derivou-se da necessidade em se reprimir o grande número de vítimas e acidentes do trânsito. Conforme dados o Brasil está entre os países com maiores índices de violência no trânsito. Em parte, devido à má formação do condutor, ao precário estado de conservação de nossas vias incluindo à deficiência da educação no trânsito.

Destarte, o homicídio culposo no trânsito é previsto em legislação especial (Lei 9.503/97), denominada Código de Trânsito Brasileiro, mais designadamente em seu artigo 302. Este cometido na direção de um veículo automotor. Prontamente, verifica-se uma particularização do instrumento através do qual o crime e cometido.

Para individualizar o crime de homicídio culposo no trânsito é imperioso que o agente esteja conduzindo o veículo quando o crime for cometido. Quer dizer, a conduta se torna atípica se o agente não se encontrar na direção do veículo. Exemplificando, se o carro encontra-se desligado e o autor, imprudentemente, o empurra, acarretando um homicídio, estará diante de homicídio culposo disciplinado pelo CP e não pelo CTB.

Pois, o núcleo do crime de homicídio é “matar alguém” e o CTB descreve a conduta da seguinte forma: “praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor”.

Segundo Luiz Regis Prado (p. 67, 2002):

“a redação conferida ao dispositivo é precária, pois viola frontalmente o princípio da legalidade na vertente da taxatividade/determinação. Logo, o ideal seria que o tipo homicídio culposo do Código de Trânsito Brasileiro fosse descrito como “causar a morte de alguém, culposamente, na direção de veículo automotor”.

O delito de homicídio culposo no trânsito pode advir em vias públicas ou privadas, bastando que seja cometido em um veículo automotor. Assim sendo, independe para caracterizar o crime que o mesmo seja cometido dentro de um estacionamento de shopping ou em qualquer rodovia ou rua.

A diferenciação da culpa nos delitos de trânsito provém, primeiramente, do desrespeito às normas disciplinares contidas no próprio Código de Trânsito (imprimir velocidade excessiva, dirigir embriagado, transitar na contramão, desrespeitar a preferência de outros veículos, efetuar conversão ou retorno em local proibido, avançar o sinal vermelho, ultrapassar em local proibido etc.). Estas, todavia, não formam as únicas hipóteses que podem caracterizar o crime culposo, pois o agente, ainda que não desrespeite as regras disciplinares do Código, pode agir com inobservância do cuidado necessário e, assim, responder pelo crime.

A ultrapassagem, por exemplo, se feita em local autorizado, não configura infração administrativa, porém, se for realizada sem a necessária atenção, pode dar causa a acidente e implicar na ocorrência do crime culposo.

É imperioso abordar o conflito existente entre a norma prevista no Código de Trânsito Brasileiro e a prevista no Código Penal, no que tange as penas impostas, já que ambas versam do crime de homicídio culposo, em que o indivíduo não assume o risco do resultado nem, muito menos, a intenção de causá-lo, mas é apenado por sua conduta negligente, imprudente ou imperita, que deriva em dano ao bem jurídico mais relevante, a vida.

Já previa o Código Penal em seu art. 47, III, a hipótese de suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículos, modalidade de pena que aplica na suspensão ou interdição de direitos, aplicável aos crimes culposos de trânsito, segundo indicado o art. 57 do mesmo diploma legal.

Inobstante já haver esta previsão no CP, o CTB em seu art. 302 tipificou designadamente o homicídio culposo no trânsito, aumentando sua pena-base e cumulando-a com outras restritivas de direitos, numa afluência de artigos pré-existentes do CP.

Sobre o assunto não há entendimento pacífico na doutrina haja vista Luiz Regis Prado entender pela impossibilidade de aplicação analógica do perdão judicial ao dispor:

“O obstáculo decisivo está na impossibilidade de aplicação analógica de normas penais não incriminadoras excepcionais”.

Como podemos notar, em ambos os artigos que tratam o homicídio culposo o objeto jurídico (a vida humana), o tipo objetivo (matar alguém) e o tipo subjetivo (culpa) são os mesmos. A distinção reside apenas no fato de que no homicídio culposo, disciplinado pelo CTB, o agente se encontra na direção de um veículo automotor.

Segundo o nobre jurista Cássio Juvenal Faria,

“Ocorre o conflito aparente de normas penais quando o mesmo fato se amolda a duas ou mais normas incriminadoras. A conduta, única, parece subsumir-se em diversas normas penais. Ou seja, há uma unidade de fato e uma pluralidade de normas contemporâneas identificando aquele fato como criminoso”.

O atual Código de Trânsito Brasileiro instituiu um subsistema punitivo especial ou marginal, trajado por reprimendas específicas às infrações penais de trânsito, como é o fato da suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, agora erigido à categoria de pena principal, aplicável de forma isolada ou cumulativa e com prazo de duração de dois meses a cinco anos (arts. 292 e 293 do CTB).

O legislador, ao abordar sobre o homicídio culposo no trânsito, foi mais severo. Ao ponderar os novos dispositivos penais trazidos pelo Código de Trânsito, nitidamente se percebe que a pena imposta para o homicídio culposo neste código é desproporcional se comparada com outros crimes de maior gravidade.

Destarte, o infrator que enseja um homicídio culposo através de um desabamento, de um disparo acidental de arma de fogo, de um choque elétrico, etc., poderá ter contra si uma pena de 1 (um) a 3 (três) anos de detenção (grifo nosso), como também poderá, conforme o caso, ser favorecido pelo instituto da suspensão condicional do processo, previsto no art. 89 da Lei 9.099/95, uma vez que advir nas sanções do art. 121, parágrafo 3º, do CP.

Ao passo que, aquele que enseja o mesmo resultado dos exemplos supracitados, por estar na direção de um veículo automotor, terá uma pena base maior, cumulada com outra, restritiva de direitos, e não (grifo nosso) será beneficiado pelo referido instituto, previsto na Lei 9.009/95.

Embora o avanço obtido pelo novo regramento, deparamo-nos com alguns equívocos acasionados pelo Código. Desejoso por punir de forma mais severa o motorista imprudente, o legislador acabou excedendo princípios elementares de Direito Penal. Assim, em exame aos novos dispositivos penais criados pelo Código de Trânsito, percebe-se que há penas desproporcionais em relação a outros delitos de maior gravidade.

Contudo, para o Direito Penal vigente, se alguém causa a morte involuntária de uma pessoa, mediante grave negligência ou imperícia ao manobrar uma arma de fogo; ao montar um cavalo; ao preparar um cálculo estrutural de uma laje de concreto que vem a desabar; ao se omitir no cuidado devido na manutenção de uma rede elétrica, que vem a acarretar um incêndio numa casa comercial, ao pilotar um jet-ski ou uma lancha de passeio, o crime praticado será necessariamente o de homicídio culposo simples.

Dessa forma, em qualquer um destes casos, por mais intenso que tenha sido o grau da culpa, seja qual for à ocorrência desfavorável que torne o crime mais grave e reprovável, a pena mínima será de um ano e a máxima de três anos de detenção. Entretanto, satisfaz uma simples e banal negligência ao volante de um veículo automotor, causadora de um homicídio, para que este seja punido com uma pena mínima de dois anos e máxima de quatro anos de detenção.

Aqui, há uma distinção quantitativa significativa que propõe uma injustificável e inútil assimetria no sistema punitivo.

Estamos diante de uma ofensa ao princípio da razoabilidade, porque não tem fundamento, nem é de bom senso partir da presunção jurídica de que todo o homicídio culposo de trânsito é fundamentalmente mais grave do que qualquer outro, que não tenha sido cometido na direção de um veículo automotor.

Posto isto, entendemos que o acréscimo da carga punitiva somente para o homicídio culposo de trânsito contraria a régua da justa proporcionalidade, que marca no sentido de se aplicar a mesma escala punitiva para contrapor a condutas infracionais que apresentem idêntico potencial de ofensividade. Nesse sentido, significa que a sanção descrita ao delito de lesão culposa decorrente de acidente de trânsito (artigo 303 do CTB) acabou excedendo até mesmo a pena do crime de lesão corporal dolosa, tipificada no artigo 129, caput, do Código Penal, fator que confirma incongruência por parte do legislador.

Imaginemos como exemplo, que conduzimos um veículo e que um agente atropele culposamente um pedestre que atravessa uma rua, provocando-lhe lesões leves. Ainda a título de exemplo, suponha-se que, irado por uma discussão de trânsito, um motorista atropele dolosamente um ciclista com a intenção de lesioná-lo, causando-lhe hematomas pelo corpo. Assim, no caso concreto, o agente que atropelou dolosamente o ciclista com o desígnio de lesioná-lo será tipificado no art. 129, caput, do Código Penal, sujeitando-se a uma sanção que varia de 3 (três) meses a 1 (um) ano de detenção.

De forma completamente incoerente, o agente provocador da lesão culposa será punido com detenção que varia entre 6 (seis) meses e 2 (dois) anos, como também terá suspensa ou proibida sua permissão ou habilitação para dirigir. Todavia, mais grave é a circunstância do agente que comete um homicídio culposo conduzindo um veículo. Nesta hipótese, a sanção prevista no art. 302 do CTB prevê uma pena que varia de 2 (dois) a 4 (quatro) anos de detenção, obstando, até mesmo, a aplicação de qualquer benesse prevista na Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95).

Contudo, segundo o art. 302 do CTB, não só foi aumentada a duração da pena privativa de liberdade em relação ao tipo simples do Código Penal, como também foi aplicada, de forma cumulativa, uma nova pena restritiva de direitos (suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor).

Esta pena abrange tanto as pessoas que já possuem permissão ou habilitação para dirigir, que permanecem com este direito suspenso, como as que ainda não possuem permissão para dirigir, que ficam proibidas de obtê-la. Portanto, ao incriminar um fato reprovável, cabe ao legislador avaliar seus efeitos sociais.

Entretanto, necessita instituir uma proporção ao menos plausível entre a quantidade punitiva cominada e a gravidade efetiva, real, dos fatos incriminados.

Assim, devido à similaridade entre os dois casos entendemos que, o parágrafo 5º do art. 121, do CP, deve ser aplicado às hipóteses do homicídio culposo no trânsito, por analogia “in bonan partem”.

O novo Código de Trânsito Brasileiro depara com uma imprecisão na descrição dos tipos penais, por serem expostos utilizando o próprio “nomen juris” da conduta. Posto isto vale ressaltar, que o núcleo do delito de homicídio não é “praticar homicídio”, mas sim, “matar alguém”. Conforme dito, o ideal seria se o novo tipo fosse exposto como “causar a morte de alguém, culposamente, na direção de veículo automotor”, dessa forma, o tipo do art. 303 restaria mais claro como “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem, culposamente, na direção de veículo automotor”.

Concluímos que abordar delitos cujo resultado é idêntico a outros já existentes no Código Penal, em legislação autônoma, não parece de boa técnica, por rescindir a sistemática do ordenamento jurídico-penal.

Deste modo, ao invés de criar qualificadoras em um novo tipo legal, seria mais simples inserir, em um dos parágrafos dos arts. 121 e 129 do Código Penal, uma qualificadora ou mesmo um novo motivo de agravamento de pena da forma culposa pela circunstância de seu cometimento “na direção de veículo automotor”. A ambigüidade terminológica, na referência direta ao “nomen júris” deriva precisamente do fato de não estarem às qualificadoras contidas no mesmo dispositivo do tipo principal.

Conforme já mencionado, é discutível o intuito da Lei em punir mais rigorosamente os delitos no trânsito.

Afirmando assim, não estamos desestimando a gravidade ou necessidade de punição para estes crimes. Contudo, o legislador, quando ordena uma norma deve ter em mente que estas são abalizadas pela obrigatoriedade (normas de Direito Público, são normas cogentes, estas podem ser revogadas pela vontade das partes), impessoalidade (pois são voltadas para todas as pessoas) e abstração (abstratas uma vez que não são ajuizadas para deliberar um determinado caso concreto e sim uma generalidade de casos).

Cabendo ao juiz, ao avaliar o caso concreto, dosar a pena punindo de modo adequado o agente delituoso, disposto com o que está previsto no art. 59 do CP que diz:

“O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vitima estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.”

Dessa forma, o mesmo poderia ter sido aplicado ao homicídio culposo no trânsito, ter a mesma pena base do homicídio culposo do CP, sendo que o meio utilizado, o veículo automotor, seria ensejador de uma causa de aumento de pena.

Mas no CTB, não oponente ter tido sua pena base acrescida, teve cumulada outra pena, restritiva de direitos, presumindo, ainda, em seu parágrafo único e incisos causas de aumento de pena.

Conclui-se que o homicídio culposo de trânsito é muito mais rigorosamente punido do que qualquer outro homicídio culposo do CP.

CONCLUSÃO

O Direito Penal é o instrumento de defesa do aparelho estatal, exercendo o ordenamento social, estimulando práticas positivas e refreando as perniciosas.

Todavia, os delitos de trânsito, salvo alguns, como o homicídio culposo e a lesão corporal culposa, são crime de lesão e de mera conduta (ou de simples atividade).

É evidente a desproporcionalidade de tratamento uma vez que a alteração do instrumento empregado de forma descuidada não poderia aludir sanção mais grave, uma vez que não estima a intensidade da quebra de expectativa com a desídia, tampouco a gravidade da lesão causada.

Mas, embora a evidente desproporcionalidade, já se decidiu ser incabível a suspensão condicional do processo em casos de homicídio culposo na direção de veiculo automotor, afastando-se o contexto interpretativo de acordo com o art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro ensejando a necessária proporcionalidade e isonomia de tratamento, partindo da pena do art. 121, § 3º do CP.

Por fim, a redação é extremamente repreendida, até, por valer-se da fórmula “praticar homicídio”, ou seja, não determina a conduta criminosa, remetendo o operador ao tipo do art. 121, § 3º do CP.

REFERÊNCIAS

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[1] Advogada Criminalista. Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Mestranda no Núcleo de Direito Penal na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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Thaise Oliveira Pimentel

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