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Cortes de vértice e a relevância nos recursos

RC: 151863
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/cortes-de-vertice

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

CARPANEZI, Tabata Prando [1]

CARPANEZI, Tabata Prando. Cortes de vértice e a relevância nos recursos. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 09, Ed. 02, Vol. 02, pp. 88-103. Fevereiro de 2024. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/cortes-de-vertice, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/cortes-de-vertice

RESUMO

 Analisa-se o Superior Tribunal de Justiça (STJ) como Corte Suprema na interpretação e aplicação do direito. Buscando influências que o inspiram, destacando a Cour de Cassation e a Corte di Cassazione. Questiona o STJ como tribunal de controle e jurisprudência ou interpretação e precedentes, destacando o Recurso Especial e sua base de fundamentação no direito, vinculando-o a aspectos econômicos, sociais e políticos, transcendendo os interesses das Partes. A pesquisa aborda o Civil Law na visão de Montesquieu sobre os julgamentos como reprodução de textos legais, o papel da Cour de Cassation e Corte di Cassazione na ideia de uniformização das decisões, analisa as teorias cognitivista ou formalista, a teoria logicista e as teorias da interpretação no prisma de Hans Kelsen, Herbert Hart e Giovanni Tarello.  O objetivo da pesquisa é investigar a influência das Cortes Supremas e as teorias interpretativas no STJ, utilizando abordagem histórica e analítica.

Palavras-chave: Cortes, Teorias, Direito Comparado, Filtro de relevância.

1. INTRODUÇÃO

O Superior Tribunal de Justiça como Corte Suprema desempenha papel central na interpretação e aplicação do direito. Este artigo tem como objetivo explorar influências que serviram de inspiração para criação do STJ, como por exemplo a Cour de Cassation Francesa e Corte di Cassazione Italiana.

O artigo analisa se o Superior Tribunal de Justiça deve atuar como corte de controle e jurisprudência ou interpretação e precedentes. Discute-se que o Recurso Especial deve fundamentar relevância na contrariedade ao direito federal, vinculados à economia, sociedade, e política, devendo ultrapassar o interesse das Partes, e dar unidade ao Direito.

Ao abordar a tradição Civil Law destaca-se Montesquieu e sua visão sobre os julgamentos como reprodução de textos legais. A Revolução traz visão da lei como manifestação do povo. O papel da Cour de Cassation e Corte di Cassazione como lampejo de uniformização das decisões é crucial para entender como o STJ atua e deve atuar.

As teorias cognitivista ou formalista e a teoria logicista serão analisadas, destacando a relação entre legislador e Juiz, e métodos interpretativos. A pesquisa também abordará as teorias da interpretação com destaque para Hans Kelsen (1934), Herbert Hart (2012) e Giovanni Tarello (1980), mencionando que o Direito é resultado interpretativo e argumentativo.

O objetivo deste artigo é investigar como as Cortes Supremas e as teorias interpretativas influenciam o STJ, impactando na aplicação do direito no Brasil. A pesquisa utilizará abordagem histórica e analítica para compreensão mais profunda da evolução das teorias interpretativas e sua aplicação no judiciário brasileiro.

2. O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA É CORTE SUPREMA

2.1. AS FONTES DE INSPIRAÇÃO

Inicia-se a reflexão, olhando para o Superior Tribunal de Justiça com base na Cour de Cassation que teve influência na Corte de Cassazione, no Superior Tribunal de Justiça Português, no Supremo Tribunal de Justiça Brasileiro na vigência da Constituição Federal de 1824 (Brasil, 1824), e no Supremo Tribunal Federal.

Ressalta-se que a Cour de Cassation teve influência mais direta na formação da Corte di Cassazione, na Constituição Federal Brasileira de 1988 (Brasil, 1988) teve influência indireta, seus impactos são nas ideias e princípios jurídicos Europeus que foram incorporados ao sistema jurídico brasileiro, como por exemplo a Tradição romano germânica do Civil Law, o Brasil adotou o direito civil baseado no Código Napoleônico francês, princípios constitucionais e de direitos humanos, contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos que têm influência europeia, foram incorporados à Constituição Federal de 1988, constituições europeias, no que diz respeito à separação de poderes, os princípios da revolução francesa, de liberdade, igualdade e fraternidade, são os direitos fundamentais de nossa constituição, especificamente a Cour de Cassation e Corte di Cassazione na estrutura e função de cortes superiores.

Assim, podemos analisar a criação e o papel que o Superior Tribunal de Justiça deve exercer, se deve ser corte de controle e jurisprudência ou de interpretação e precedentes, para então, adentrar no Recurso Especial, ainda, se referido recurso deve ser utilizado para controle de decisões proferidas em instâncias originárias, com assuntos relacionados as Partes (jus litigatoris), ou, a partir de textos normativos, que buscam interpretar a questão posta sob aspecto geral (jus constitutionis).

A Cour de Cassation é quem dá base para nossas Cortes e seus recursos, estabelecendo a relação entre juízes e legislador, no que tange interpretação e aplicabilidade do direito (Mitidieiro, 2022).

2.2 TEORIA DE MONTESQUIEU E RÉVOLUTION

A tradição Civil Law utilizava-se interpretação descritiva e valorativa, as decisões nada mais eram do que declarar norma pré existente e unívoca ao caso concreto.

Nesse período, a obra relevante e utilizada era a de Montesquieu, que exerceu grande influência na Révolution, estabelecendo a relação entre legislador e juiz, o papel das cortes supremas e seus recursos, e a eficiência dos julgados.

Montesquieu sustentava que o Estado detém três poderes:

  1. Legislativo;
  2. Executivo, relacionado ao direito das pessoas;
  3. Executivo-relacionado ao direito civil (poder judiciário).

No que tange ao judiciário, os julgamentos seriam meramente reprodução de textos legais.

Decorrente do acima mencionado, podemos ressaltar duas teorias:

  1. Descritiva, que versa sobre como o Estado se organizava, especificamente separação de poderes;
  2. Prescritiva: como os poderes são distribuídos e funcionam.

A partir da teoria prescritiva, entendemos que de acordo com Montesquieu, quando da interpretação dos juízes, poderiam limitar-se a declarar somente normas pré existentes e unívocas restritas ao texto de lei, correlacionando questões a segurança jurídica, liberdade e igualdade.

A lei é clara, estável e irretroativa e, portanto, segura“ bem como, ´´ as decisões seriam declarações da lei aplicadas de maneira silogística ao caso concreto (Tarello, 1976).

Essa teoria, da base ao constitucionalismo moderno e Estado de Direito, porém, havia crença no iluminismo, que quando da interpretação das leis, essas eram corrompidas, devendo evitar que os juízes exercessem interpretação. Mas, com a vinda da Encyclopédie no século das luzes, a obra de Montesquieu perde força.

A Révolution tem forte atuação no que tange ao significado da lei, a ideia era vê-la tanto quanto manifestação do povo, como comunicação entre Estado e sociedade civil, ou seja, norma geral e abstrata, a decisão judicial, seria fruto de sua declaração, mas, era proibido decisões gerais e abstratas. O juiz podia consultar o legislativo se sobejasse dúvidas referente à interpretação, que posteriormente passou a ser um dever référé legislatif (França, 1790).

2.3 COUR DE CASSATION E CORTE DI CASSAZIONE

Visando as hipóteses de violação à vedação da interpretação judicial, criou-se o Tribunal de Cassation, com atribuições para julgar questões relacionadas à violação expressa a texto de lei, exercendo, papel de proteger as leis, e de certa forma, fiscalizar os juízes.

Partindo da análise do référé legislatif e o Tribunal de Cassation, podemos dizer que já havia idealismo revolucionário sobre qual era o papel dos juízes perante ao legislador e a jurisprudência, pois, o que se tinha, era o Poder Legislativo criando e interpretando as normas, e o poder judiciário às aplicando (Robespierre, 1790).

O propósito da Revolution era busca de igualdade perante o direito, tendo a jurisprudência e a Cour de Cassation o papel de expor as leis.

Nota-se que a teoria de Montesquieu está presente na Cour de Cassation que exercia papel de caçar as decisões que contrariassem o texto de lei, bem como, a Corte Di Cassazione em observar a uniformidade da aplicação da lei, e sua consonância com sistema nacional.

As cortes de Vértice acima mencionadas, partiam do princípio que a norma pré existia à sua aplicação pelo poder judiciário, e por conseguinte, a função era declarar a interpretação exata, digamos que a Corte estava para tutelar sobre a interpretação da norma pré existente e unívoca editada pelo legislador.

Assim, entender o papel das Cortes é crucial para presente trabalho, pois elas têm impacto na estruturação das cortes superiores, na interpretação das leis e aplicabilidade delas, por exemplo, a ideia de corte de última instância, com jurisdição final e capacidade para uniformizar e estabelecer precedentes, reflete a influência dessas cortes no Brasil.

2.4 TEORIA COGNITIVISTA OU FORMALISTA E TEORIA LOGICISTA

Sob a análise da relação entre legislador e juiz, funções das cortes e seus recursos, extraímos o entendimento do estudo realizado nesse período, que quando da interpretação, devemos desvelar o significado que pré existe ao texto normativo, ou seja, o objetivo é a declaração correta da interpretação da lei.

Os pontos centrais dessa teoria de acordo com a obra de Michele Taruffo (1991):

  1. Toda norma tem um significado intrínseco, implícito, mas objetivamente dado;
  2. A atividade do intérprete consiste em individualizar e tornar implícito este significado;
  3. Eventual problema interpretativo, ou a existência de mais de um significado atribuível ao mesmo enunciado normativo, resolve-se pela individualização do verdadeiro significado e descarta os demais significados, que por consequências são falsos;
  4. O método interpretativo é lógico dedutivo e exclui qualquer valorização e escolha discricionária de interpretação, e;
  5. O juiz interpreta a norma a fim de declarar o seu significado implícito objetivamente existente, sem realizar escolha valorativa, e aplica dedutivamente a norma ao fato.

Assim, o papel do intérprete seria aplicar os elementos gramaticais lógicos, históricos e sistêmicos, que são os quatro elementos observados na teoria de Savigny.

Com base na teoria descritivista, a norma é tratada como texto (gramática), criada pelo legislador (lógico e histórico), e possuidora de sentido global (sistemático).

Feitas essas considerações, verificamos que a função de interpretar, era de desvelar o significado do texto normativo, que é pré-existente, sendo o mecanismo para aplicação lógico dedutivo, que está baseado em concluir o silogismo judicial.

2.5 TEORIA DA INTERPRETAÇÃO

A teoria da interpretação sofreu transformações, especificamente na relação entre legislador e juízes, bem como, as cortes de vértice, e conseguinte seus recursos, seu movimento ia da hipótese de que, o direito é determinado previamente a interpretação, ou indeterminado, se indeterminado a interpretação, deverá se fundar no contexto, trata-se da denominada Prévia determinação à dupla indeterminação do direito.

Elencaremos os marcos principais que fundou as transformações acima mencionadas:

  1. Publicação de Reine Rechtslehre (1934) Hans Kelsen;
  2. The concept of law. 1961 (2012) Herbert Hart;
  3. L’interpretazione della legge (1980) Giovanni Tarello.

Com base nesses marcos teóricos, entendemos que o direito passou a ser resultado interpretativo e argumentativo, do qual há diversas possibilidades de aplicação corretas, dentro do mesmo sistema normativo, implicando diretamente na teoria do direito, e não sendo apenas o legislador a realizar aplicação autêntica, mas todos os órgãos, inclusive o judiciário.

Kelsen (1934) aponta, que para haver segurança jurídica, devemos reduzir a pluralidade de significações normativas.

Hart (2012) também demonstra essa preocupação, trazendo à baila, a indeterminação da linguagem, que implica tanto na legislação, quanto nos precedentes, pois a linguagem é textura aberta, mas Hart também ressalta, que há casos possíveis de identificar a normatividade, por exemplo, os casos previstos, oposto disto, há insegurança jurídica, pois é possível aplicação de diferentes possibilidades de sentido normativo.

Tudo isto está relacionado ao problema da interpretação judicial, Hart sugere que para identificação de qual é o direito aplicável ao caso, devemos buscar respostas, basicamente no que as cortes farão.

Ainda sobre a teoria da interpretação, Giovanni Tarello (1976) nos ensina, que se trata tanto de atividade, quanto de resultado, ou seja, ao exercer a atividade de dar significado a textos, podemos extrair mais de uma norma, assim, ao interpretarmos, buscamos extrair elementos jurídicos.

Para ele, a norma é resultado da interpretação, em outras palavras, passamos de interpretação para interpretação, exemplo: A constituição é interpretação da constituição, e a lei é interpretação da lei. Assim, estamos sempre reconstruindo o significado do direito, cabível aos legisladores, professores e juízes.

Os trabalhos de Neil MacCormick e Robert Summers (1991), levantam a questão de que o direito é dotado de indeterminação, e as interpretações realizadas pelas Cortes tem que ser racional e fiel ao direito, ou seja, aos significados normativos, pois referidas interpretações realizadas pelas Cortes, colaboram para o significado do direito daquele contexto, ressaltando que devemos analisar a força vinculante que servirá de paradigma para os casos futuros.

Assim, entendemos que as incongruências, ocorrem porque os textos são ambíguos e complexos, sujeitos a interpretações diversas, e as normas são vagas, não é possível, a priori, verificar quais fatos incidirão sobre elas.

As diversas interpretações referentes ao texto, se dão porque os intérpretes têm interesses e concepções distintas, e métodos interpretativos opostos, cada um deles, analisa sob seu prisma jurídico, político, dentre outros. Assim, a interpretação e aplicação do direito, além de aspectos lógicos, deve se levar em conta a experiência.

A norma pode ser vaga, podem sobejar dúvidas em quais casos elas incidem, e seu campo de aplicação, elas versam sobre o que esperam de seus destinatários, direcionadas a classes em geral, sua vagueza também se funda porque sua aplicação é incerta, não é possível decifrar preliminarmente seu alcance.

O direito tem em um de seus papéis, fornecer condutas para cumprimento de ordem jurídica, tanto referente a liberdade, quanto a igualdade, para redução de sua indeterminação, ocorre a realização da interpretação, que deve ser sempre de forma racional.

Podemos entender como interpretação racional, aquela que o intérprete busca justificar suas razões de aplicação, visando uniformização dotada de coerência, esse método é o logico argumentativo, que está sempre baseado nas seguintes hipóteses (Mitidieiro, 2022):

  1. Justificação interna: abrange todas as questões arguidas pelas Partes, é justificação formal, não há discussão referente contradição no discurso jurídico, há utilização raciocínio lógico dedutivo por parte do julgador/intérprete;
  2. Justificação externa: as premissas adotadas na decisão estão em consonância com a justificação interna, aqui deve ser analisado tanto a matéria quanto o fato, há correlação entre elas, utiliza-se de argumentação interpretativa não dedutiva, a questão é individualizada e valorada.

Estão presentes normas jurídicas, normas de interpretação, normas preferências interpretativas e construções doutrinárias. É a base, o suporte físico disponível para o intérprete.

O processo de interpretação deve ser racional, com busca na unidade do direito, estabelecendo vínculos de hierarquização e coerência com o sistema, universalizando os resultados, podendo servir de paradigma para os casos futuros.

Devemos observar a coerência, que versa sobre interpretação judicial, formando conjunto consistente, formal e material, que é dotada de princípios e regras comuns, deve haver conexão com todo o sistema, e eficácia, busca-se sempre sistematização com observância de critérios.

3. RELEVÂNCIA COMO FILTRO

3.1 FILTRO RECURSAL E DIREITO COMPARADO

Sendo o Superior Tribunal de Justiça Corte Suprema, o filtro recursal é elemento para que ele cumpra seu papel, dando unidade ao direito, selecionando casos que a Corte deve julgar, se assemelhando a outras cortes, tanto em ordenamentos estrangeiros, quanto em nosso próprio sistema.

O Controle de legalidade exercido pelas Cortes, tem que se restringir a interpretação do direito, e não ao direito subjetivo das Partes, esse controle deve ser baseado no ´´jus constitutionis“ e não no ´´jus litigatoris“, daí, se firma o filtro de relevância nos Recursos Especiais, para que então, o Superior Tribunal de Justiça de unidade ao direito.

A relevância existente em outros ordenamentos estrangeiros, e em nosso sistema, a repercussão geral no recurso extraordinário, e a transcendência no recurso de revista. A título de exemplo, alguns filtros recursais existentes na esfera mundial:

  1. Nos Estados Unidos, para que o recurso seja conhecido nas Cortes, deve ser demonstrado o interesse público no julgamento, e a decisão de inadmissibilidade não precisa ser fundamentada;
  2. No direito inglês, na época da house of Lords que era a Corte Suprema, quem dava permissão para que o recurso subisse de instância era a corte recorrida, ou a própria house, e mesmo hoje em dia, com a Supreme Court of the United Kingdom só se conhece também do recurso, mediante alegação/comprovação de importância pública, a decisão de inadmissibilidade não precisa ser fundamentada;
  3. Na Argentina, há filtro de relevância, sendo que o Recurso Extraordinário só alcança a Corte Suprema de la Nación quando comprovado a reclamação de cunho federal, e transcendência;
  4. Na Alemanha, após a Revison alemã, partem-se da premissa que não se trata apenas de proferir decisão judicial correta para o caso em concreto, mas se a alegação em testilha, tem reflexo no sistema como um todo, permitindo a seleção de casos, para quando das decisões, reconstruir, interpretar, e dar unidade ao direito;
  5. No Brasil, no recurso extraordinário em 2004, passou a ter o filtro denominado repercussão geral, e em 2017 o recurso de revista o filtro denominado transcendência, eles existem para que os casos que passam por apreciação das Cortes Supremas decorram decisões que servirão para dar unidade ao direito, através dos precedentes;
  6. No direito Italiano e Francês, é permitido o desprovimento imediato do recurso de cassação, se não apresentados os elementos exigidos, e a fundamentação pode ser sucinta.

Podemos realizar dessa forma, analogia da relevância da questão federal no recurso especial, com o sistema americano, inglês, alemão, argentino, com a repercussão geral no recurso extraordinário, e a transcendência no recurso de revista.

Entende-se que a função do Superior Tribunal de Justiça é interpretar e editar precedentes, a fim de dar unidade ao direito, o filtro recursal de seleção, permite que esta Corte julgue apenas aquilo que lhe cabe.

De acordo com Professor Daniel Mitidieiro (2022) o Superior Tribunal de Justiça não precisaria nem mesmo enfrentar todos os fundamentos do recurso especial, se houver ausência de relevância, pode de pronto ser inadmitido, e ainda, para que a relevância seja conhecida, deve se apontar a questão federal no acórdão recorrido.

Tabela 1

CORTES FILTRO RECUSAL ADMISSIBILIDADE POR RELEVÂNCIA DECISÃO FUNDAMENTADA
EUA SIM SIM NÃO
INGLATERRA SIM SIM NÃO
ARGENTINA SIM SIM SIM
ALEMANHA SIM SIM SIM
BRASIL SIM SIM SIM
FRANÇA SIM SIM SIM
ITÁLIA SIM SIM SIM

Fonte: Autora, 2023.

3.2 RECURSO ESPECIAL NO BRASIL E A RELEVÂNCIA

O recurso especial no Brasil pode ser distribuído em três hipóteses:

  1. Arguição de contrariedade ao direito federal, a contrariedade é na decisão recorrida;
  2. Declaração de validade de ato de governo local, contestado em face de lei federal, a contrariedade é na decisão recorrida;
  3. Divergência entre tribunais em relação às interpretações de direito federal, necessária demonstração de divergência com decisão de outra corte de justiça.

A relevância não deve se fundar apenas no pedido formulado, mas tem que demonstrar contrariedade ao direito federal, demonstração de relevância e procedência devem estar vinculados a economia, sociedade, política ou até questão jurídica relevante, todas tem que ultrapassar o interesse das Partes, devemos sempre pensar em dar unidade ao direito.

O artigo 105, §3º da CF, busca indicar relevantes questões referentes à gravidade da sanção, a economia, e as contradições jurisprudenciais.

É de suma importância olharmos para o Superior Tribunal de Justiça como julgador de questões federais, e não meramente julgador de ações, a função do Superior Tribunal de Justiça é proferir decisões que servirão como precedentes para os casos futuros.

Analisar a função do Superior Tribunal de Justiça distorcido do acima mencionado, é diferenciá-lo do Superior Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho, o que vai contra a idealização do sistema.

O caminho para arguição de relevância é pensar que o resultado daquele julgamento, levará a unidade do direito, sendo ela retrospectiva, voltada à solução de questão de interpretação controvertida entre as cortes, ou prospectiva, voltada para aplicação do direito de acordo com a sociedade.

Partindo da premissa que o filtro de relevância não viola direito, pois, o direito de ação que engloba o direito de recorrer pode ser definido com decisão justa, para o caso em concreto, facilmente em duplo grau de jurisdição, e com o filtro, obviamente diminuição de recursos, podendo haver melhor consolidação do Superior Tribunal de Justiça como corte suprema, buscando alcançar a unidade do direito na constituição de precedentes.

A relevância deve ser dotada de coerência, e por mais que o termo relevância seja vago, devemos encontrar caminho para argui-la no caso em concreto, sempre recordando, que ao indicar relevância e transcendência, devemos ressaltar as questões importantes para além dos próprios litigantes, o objetivo é promover uniformização.

Já dito que o termo relevância é vago, para tentarmos aplacar a vagueza, devemos realizar analogia, porque com o passar do tempo, isso é atenuado, com a edição de precedentes sobre relevância.

A relevância ter que ser arguida pelas Partes demonstrando que seu caso ao ser julgado dará unidade ao direito, à relevância tem finalidade de colaborar com a formação do precedente, significa dizer que o intuito do Recurso Especial é que a corte suprema examine a arguição de contrariedade ao direito federal, questões federais relevantes, a relevância é requisito de admissibilidade.

Tende o Superior Tribunal de Justiça com esse filtro de relevância exercer seu papel de Corte Suprema, e o recurso especial, pode ser veículo para formação de precedente.

4. CONCLUSÃO

Os filtros de relevância têm por base selecionar recursos que serão apreciados pelas Cortes Supremas, quando julgados, busca-se promulgar precedentes e dar unidade ao direito.

Partindo da premissa que as Cortes Supremas devem exercem papel de interpretar a lei e criar precedentes, devemos olhar para o Superior Tribunal de Justiça com base na Cour de Cassation e na Corte de Cassazione.

Apontamos as teorias da interpretação descritiva e valorativa, que decisões declaravam norma pré existente e unívoca ao caso concreto. Montesquieu sustentava duas teorias, descritiva e prescritiva, entendemos que Montesquieu tinha a ideia de que, quando da interpretação dos juízes, esse poderia limitar-se a declarar somente normas pré existentes e unívocas restritas ao texto de lei, correlacionando essas questões a segurança jurídica, liberdade e igualdade.

Após, de acordo com Michele Taruffo a teoria cognitivista ou formalista, e teoria logicista, sob a análise da relação entre legislador e juiz, as funções das Cortes e seus recursos, deveriam desvelar o significado que pré existe ao texto normativo, o objetivo é a declaração correta da interpretação da lei.

Por fim, com base na Publicação de Reine Rechtslehre, Hans Kelsen (1934); The concept of law (1961) Herbert Hart (2012); L’interpretazione della legge ,Giovanni Tarello (1980), entendemos que o direito passou a ser resultado interpretativo e argumentativo, do qual há diversas possibilidades de aplicação corretas, dentro do mesmo sistema normativo, implicando diretamente na teoria do direito, não sendo apenas o legislador a realizar aplicação autêntica, mas todos os órgãos, inclusive o judiciário.

Com base nessas considerações, concluímos que o controle de legalidade exercido pelas Cortes tem que se restringir a interpretação do direito, e não ao direito subjetivo das Partes, o controle deve ser baseado no ´´jus constitutionis“ e não no ´´jus litigatoris“, daí se firma o filtro de relevância no Recurso Especial, para que o Superior Tribunal de Justiça de unidade ao direito.

A análise da pesquisa sobre relevância, traz de fundo importantes reflexões sobre o papel das Cortes Supremas, pois, ao analisarmos a Cour de Cassation e Corte de Cassazione, percebemos evolução na interpretação da norma jurídica, passando de descritiva e formalista para compreensão ampla e argumentativa do direito, devem assim, exercer papel interpretativo da lei, contribuindo para a formação de precedentes.

Futuras pesquisas podem se aprofundar na aplicação prática dessas questões, seu impacto nas decisões judiciais que navegam no mundo jurídico, pois, essa evolução muda a compreensão do direito, e o ato jurídico em diferentes níveis, como por exemplo, órgãos judiciais de instâncias inferiores.

A pesquisa aponta que se o Superior Tribunal de Justiça cumprir seu papel idealizado, equilibrará a interpretação do direito, dando segurança jurídica e unidade ao direito.

Assim, a presente pesquisa sobre filtros de relevância no STJ abre portas para compreensão aprofundada do papel das Cortes Supremas na interpretação e aplicação do direito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Mestranda em Efetividade do Direito Privado e Liberdades Civis pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Penal e Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2021). Graduada em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (2018). ORCID: 0009-0009-8415-7876. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9830558698442061.

Material recebido: 17 de julho de 2023.

Material aprovado pelos pares: 30 de janeiro de 2024.

Material editado aprovado pelos autores: 22 de fevereiro de 2024.

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Tabata Prando Carpanezi

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