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O caráter do dano moral nas relações consumeristas no Brasil

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

MARIANI, Taiza Andrade [1]

MARIANI, Taiza Andrade. O caráter do dano moral nas relações consumeristas no Brasil. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 07, Vol. 03, pp. 50-62. Julho de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/carater-do-dano-moral

RESUMO

O presente artigo versa sobre a responsabilidade civil no Brasil, especificamente em relação ao dano moral no âmbito consumerista. Diante disso, analisa-se o dano moral em caráter reparatório, atualmente utilizado. A pesquisa visa auferir se ele é capaz de inibir novos danos ou se é mais eficaz utilizar o caráter punitivo do dano moral. O principal foco do trabalho é defender uma mudança no conceito de enriquecimento ilícito, assim como a criação de um novo método de indenização dos danos morais que seja a junção das características de ambos, a fim de que propicie uma real defesa dos direitos dos consumidores. O método empregado para a pesquisa em questão é a análise de doutrinas e jurisprudências.

Palavras-chave: Dano moral, caráter punitivo, caráter pedagógico, dano moral coletivo.

1. INTRODUÇÃO

A sociedade de consumo gerou um desequilíbrio de poder entre fornecedores e consumidores. Assim, os consumidores foram protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990) que os concedeu diversos direitos básicos, dentre os quais o direito à reparação de danos morais (Art. 6º, alínea VI, do CDC). A indenização realizada no Brasil para reparar os danos morais, segundo Theodoro Júnior (2001) é feita por meio do caráter retributivo, o qual tem por objetivo, como será analisado no decorrer da pesquisa, apenas compensar a lesão sofrida. Assim, possibilita que os causadores do dano continuem a praticar o ato lesivo, já que não são verdadeiramente punidos. No entanto, a indenização dos danos morais também pode ser feita em caráter punitivo, com a finalidade de impedir a continuidade da prática desses atos lesivos.

O caráter punitivo visa não só compensar a lesão ocasionada por danos morais, como, também, tem a finalidade de determinar um valor de indenização que seja suficiente para que o ofensor aprenda que cometeu um erro e cesse com a conduta violadora (SANTANA, 2009). Isto é, haverá uma proporcionalidade entre o dano ocasionado e o poder aquisitivo do ofensor para que essa indenização seja estabelecida. No entanto, em certas situações, pode ocasionar o enriquecimento ilícito do ofendido, situação vedada pelas normas brasileiras (ANDRADE, 2009). Assim, com o objetivo de também frear a prática desses atos ofensivos, é de suma importância responder ao problema proposto para o trabalho: o caráter punitivo do dano moral pode ser aceito no ordenamento jurídico brasileiro?

É indubitável que o tema a ser trabalhado nessa pesquisa é de fundamental relevância tanto para o Direito quanto para a sociedade e para o meio acadêmico, pois as consequências de sua discussão afetam direta ou indiretamente a vida de todos os brasileiros, pois qualquer um é passível de sofrer danos morais nas relações de consumo, assim como de provocar tais danos. A proposta da pesquisa, como se pôde perceber, analisará as duas formas existentes de indenização do dano moral nas relações de consumo – reparatório e punitivo –, verificando se essa forma de caráter punitivo seria viável no país. Tal verificação acontecerá com o intuito de saber qual é o modo mais eficaz de indenização dos danos morais, com base no princípio da legalidade e no alcance das verdadeiras finalidades dessa indenização. Tal relevância justifica essa proposta.

2. DANO MORAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Com a promulgação da Constituição Federal (CRFB/88), a reparabilidade do dano moral foi trazida à lume, visto que foi elevado ao status dos ‘Direitos e Garantias Fundamentais’ (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1988). Após essa promulgação, houve o advento do novo Código Civil brasileiro (CÓDIGO CIVIL, 2002), o qual reconheceu expressamente em seu Art. 186 o instituto do dano moral e, consequentemente, por força do Art. 927, a sua reparabilidade. Antes de adentrar no assunto em questão, é primordial, expor, primeiramente, o conceito de “dano” lato sensu, e, após, explanar sobre os direitos da personalidade, visto que é dentro desses direitos que o dano moral se insere. Assim, de acordo com Santos (2003), o dano é definido como todo e qualquer ato que deprecie os bens materiais ou imateriais.

Assim, “dano” é sinônimo de “lesão”, devendo, portanto, ser apreciado pelo Poder Judiciário e proporcionar o ressarcimento à pessoa lesada. Em relação aos danos morais, especificamente, cabe ressaltar que são aqueles que englobam os direitos da personalidade, ou seja, os relacionados aos bens extrapatrimoniais da pessoa, pois não possuem como objeto coisas palpáveis, e sim “[…] os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais” (GAGLIANO, 2006, p. 152). Desse modo, consoante o Art. 12 do Código Civil (2002), é possível exigir que a ameaça ou lesão a direito de personalidade cesse, além de reclamar por perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas. À soma desse assunto, o civilista brasileiros, Pereira (1997, p. 56) aduz que “[…] são ressarcíveis bens jurídicos sem valor estimável financeiramente em si mesmos, pelo só fato de serem ofendidos pelo comportamento antijurídico do agente”.

Isto é, sabe-se que os danos morais são difíceis de serem quantificados, mas isso não pode ser uma desculpa para que esse dano não seja reparado, pois eles são ilícitos e devem ser punidos como tal. Preconiza corretamente sobre esse assunto o jurista Andrade (2000), que afirma que a dor não pode ser substituída por dinheiro, no entanto, a indenização pode ser utilizada para amenizar a dor, devido à certeza de que houve ao menos alguma reparação, ainda que seja impossível avaliar economicamente o prejuízo moral sofrido. Saliente-se que para que haja efetiva indenização do dano moral, é necessário provar a existência dos pressupostos gerais da responsabilidade civil. Assim, consoante o Art. 186 do Código Civil (2002), “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Em regra, a responsabilidade civil é subjetiva, ou seja, necessita da culpa ou dolo do ofensor para que reste caracterizada a sua obrigação de indenizar. Todavia, o doutrinador Gonçalves adverte sobre a exceção do Código de Defesa do Consumidor, que:

[…] consagrou a responsabilidade objetiva do fornecedor, tendo em vista especialmente o fato de vivermos, hoje, em uma sociedade de produção e de consumo de massa, responsável pela despersonalização ou desindividualização das relações entre produtores, comerciantes e prestadores de serviços, em um polo, e compradores e usuários do serviço, no outro (GONÇALVES, 2007, p. 259).

Essa mencionada responsabilidade objetiva independe da existência de culpa, devendo o fornecedor arcar com os danos ocasionados aos consumidores decorrentes de seu ato ilícito. Ademais, destaca-se que para que se configure o dano moral e, consequentemente, o dever de sua indenização, é necessário que tenha gravidade no dano. Ademais, deve-se redobrar o cuidado no momento em que o suposto dano moral estiver sendo analisado para ser concluído se, de fato, houve ou não a caracterização desse dano, pois somente dessa maneira que não haverá a diminuição da importância desse instituto, já que há uma conduta corriqueira denominada “vitimização no dano moral”, em que as pessoas agem de má-fé e ajuízam ações indenizatórias sem, de fato, terem sofrido lesão à esse direito.

Isso acontece, principalmente, pelo fato de que, segundo o desembargador Resedá (2007, p. 445) “[…] nas ações consumeristas, onde, sob o manto da condição de “parte mais frágil” na relação jurídica muitos consumidores possuem a errônea ideia de que qualquer desvio por parte do empresário, por menor que seja, deriva numa agressão a direitos imateriais”. No entanto, indispensável explicar que o dano moral, salvo em casos específicos, prescinde de prova concreta, visto que se passa no interior da personalidade e existe in re ipsa, ou seja, trata-se de presunção absoluta, basta apenas demonstrar o nexo causal entre a ação ou omissão do agente com o dano.

Assim, compreende-se melhor o motivo de existir tantos danos morais sofridos por consumidores, pois, além dos consumidores serem vulneráveis em relação aos fornecedores, existem várias possibilidades de valores morais das pessoas serem afetados. Dessa maneira, entende-se o porquê de a doutrina não especificar um conceito único para o dano moral, pois este é diretamente ligado aos danos causados ao ser humano que não são palpáveis, mas que possuem intrínseca relação com os seus valores. Após a conceituação de danos morais, a indagação trazida é como os danos morais são indenizados no Brasil, principalmente no âmbito consumerista.

Utiliza-se o caráter reparatório, que é aquele que visa compensar o dano moral sofrido pelo consumidor e não punir o agente causador do dano, isto é, segundo o doutrinador Theodoro Júnior (2001) possui natureza privada e reparativa apenas da lesão individual. Essa linha de raciocínio parece que legitima o dano cometido, sem observar sua dimensão, pois o quantum indenizatório é desvinculado da gravidade da lesão provocado, tendo em vista que a função da indenização é apenas de ressarcimento da vítima. Ocorre que alguns danos morais sofridos acontecem corriqueiramente e isso quer dizer que mesmo havendo a indenização reparatória desses danos, o seu agressor nada aprende com esse ressarcimento, já que a sua conduta permanece a mesma, proporcionando que mais danos do mesmo tipo ocorram.

Portanto, o problema existente no caráter reparatório é relativo ao montante indenizatório que se preocupa exclusivamente com a vítima e não com o grau de reprovabilidade da conduta do ofensor, com a intensidade de sua culpa ou com a sua capacidade econômica. O problema desse modo de indenização dos danos morais dos consumidores é o fato de que, como não há uma prevenção dessas lesões, o valor que o ofensor deve fornecer ao consumidor para compensar a lesão sofrida, na maioria das vezes, é ínfimo. Esse pequeno valor deve ser consequência do argumento defendido pelo escritor e professor Luis Antonio Rizzatto Nunes, o qual diz que a:

[…] resistência histórica e a pouca idade do apagamento das dúvidas a respeito do cabimento do dever de indenizar os danos morais talvez sejam os fatores que ainda levem o Poder Judiciário a fixar em montantes muito tímidos as indenizações capazes de reparar o dano moral (NUNES, 2010, p. 368).

Então, em muitas das vezes, o fornecedor prefere continuar com o seu ato nocivo do que adequá-lo à legalidade, pois essa atitude é mais econômica e, com isso, ele lucrará mais. Além do mais, não se pode olvidar que, no Brasil, a maior parte da população é pobre, o que proporciona que o valor da indenização por dano moral do consumidor seja menor do que se as pessoas fossem ricas, já que esse valor se refere aos prejuízos sofridos. Isso acontece, pois, o poder de aquisição do fornecedor é muito grande, visto que, normalmente, ele obtém lucro com o seu ato danoso e, também, porque existe uma imensa quantidade de outros consumidores, os quais poderão substituir a qualquer momento “o lugar” do consumidor lesionado.

Assim, com a indenização reparatória, a atitude do fornecedor continua inalterável, revelando-se uma verdadeira e grave lesão à um dos Princípios-Base, senão o mais importante do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que é o Princípio da Boa-Fé objetiva, o qual pauta as relações entre as pessoas e está previsto no Art. 4º, inciso III, do CDC. Esse artigo demonstra expressamente que o CDC reconhece que há desigualdade entre as pessoas, pois, em muitas das vezes, uma delas está em desvantagem em relação à outra, como é o caso, principalmente, das relações de consumo, em que o consumidor está em desvantagem, sobretudo econômica, em relação ao fornecedor, ou seja, ele é vulnerável. Isso faz com que tenhamos que proporcionar mais direitos à parte que está em desigualdade para que se alcance a efetiva igualdade, motivo pelo qual existe o artigo supracitado.

A partir dessa análise, algumas pessoas podem, precipitadamente, considerar que o Princípio da Isonomia, elencado no Art. 5º, caput, da Constituição da República de 1988 (CRFB/88), está sendo violado. Entretanto, isso não é verdade, pois, tal princípio busca dar tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida de suas desigualdades. Assim, seria coerente que se aplicasse o caráter punitivo nas indenizações por danos morais, nas relações de consumo, tendo em vista a vulnerabilidade dos consumidores frente aos fornecedores. Entretanto, o Brasil não aceita que o caráter punitivo seja implantado, já que a importância da indenização, na maioria dos casos, é de grandes proporções. O argumento é que essas indenizações ocasionem um enriquecimento ilícito.

E, como se sabe, no Brasil não admite a existência do enriquecimento ilícito, como é previsto nos Arts. 884 a 886 do Código Civil (2002). Entretanto, é de extrema importância ressaltar o verdadeiro significado de enriquecimento sem causa e, consequentemente, ilícito, no Brasil.  Não há dúvidas, como já explanado, de que os consumidores são vulneráveis em relação aos fornecedores e que, à soma disso, esses fornecedores vivem praticando atos inadequados para que haja um lucro maior em seu negócio. Essa conduta do fornecedor não é justificável e muito menos aceitável, o que faz com que os consumidores lesados promovam ações de danos morais contra esses fornecedores. Desse modo, com a desculpa de não enriquecer ilicitamente o consumidor que sofreu o dano, as indenizações possuem valor irrisório, o que nos faz pensar que o enriquecimento ilícito continua presente, porém em outra vertente.

Na verdade, nesse caso, a pessoa que está se enriquecendo ilicitamente é o fornecedor, já que ele continua a praticar a conduta danosa e errônea para obter um lucro maior. É devido à esse motivo que o caráter retributivo do dano moral não é suficiente para barrar as condutas danosas dos fornecedores, devendo, então, como solução para esse problema, utilizar o caráter punitivo. Em decorrência dessa possível mudança de caráter, seria visivelmente perceptível o aumento da qualidade dos produtos e/ou serviços para todos os consumidores. Corroborando com esse posicionamento, o desembargador Andrade (2009, p. 246) afirma que:

[…] um papel eventual, mas de grande relevo, que a indenização punitiva desempenharia é o de impedir o lucro ilícito do ofensor. A indenização compensatória, conquanto tenha aptidão para consolar ou compensar a vítima, não se preocupa em eliminar a possível vantagem obtida pelo ofensor com a prática do ato ilícito, o que transforma alguns atos lesivos em um “bom negócio” do ponto de vista econômico.

É claro que, também, deve ser levado em consideração o bom senso e a proporcionalidade para a fixação do valor do dano moral, isto é, tal fixação deve observar o poder aquisitivo do fornecedor e, com isso, instituir um valor que o abalasse economicamente, mas que não o leve à falência. Ressalte-se que esse abalo serviria para o fornecedor repensar seu modo de agir e atuar no mundo consumerista, em que todas as pessoas são consumidoras e é por isso que qualquer uma delas poderia intentar com uma ação de danos morais contra o fornecedor. Assim, se vários consumidores entrassem com essa ação de danos morais contra um mesmo fornecedor, por exemplo, e em todas essas ações o valor do dano moral se revelasse com um caráter punitivo, o prejuízo do fornecedor seria tamanho que ele seria obrigado a adequar seus produtos e/ou serviços para que não houvesse um prejuízo econômico muito grande, podendo chegar ao ponto de ele ter que fechar o seu negócio.

Tal fato se daria devido à uma futura falência tanto por causa das indenizações quanto por perder uma boa imagem aos olhos dos consumidores, já que estes perceberiam a quantidade de ações contra esse fornecedor e parariam de consumir seus produtos e/ou serviços. Não se pode olvidar que essa possibilidade de os consumidores pararem de manter relações econômicas com determinados fornecedores decorre justamente do fato deles perceberem que não possuem a certeza dos contratos serem cumpridos. Assim, não há a confiança de um negócio ser bem realizado, o que proporciona um acréscimo das atividades econômicas possuírem risco e, consequentemente, da incerteza do desenvolvimento econômico do país, visto que a base desse desenvolvimento é o cumprimento dos contratos em geral.

Então, é certo que os consumidores necessitam de segurança nas relações contratuais para que eles continuem a estabelecer contratos e, com isso, para que a economia do país permaneça dinâmica, assim como o seu desenvolvimento. Porém, para que isso aconteça, é fundamental rever o entendimento de enriquecimento ilícito, possibilitando uma efetiva defesa do consumidor.

3. A EXISTÊNCIA DO CARÁTER PUNITIVO DO DANO MORAL

Em oposição à esse caráter reparativo do dano moral, existe o caráter punitivo, também conhecido como punitive damage, que é utilizado, por exemplo, nos Estados Unidos e na Inglaterra. Este último caráter, ao contrário do primeiro, tem por finalidade a punição do ofensor e não somente o ressarcimento do dano ao lesionado. Essa punição visa atingir, de certo modo, o patrimônio do agente causador do dano, pois, assim, ele irá aprender com a sua conduta e com os seus erros a não praticar mais atos nocivos, o que proporcionará que a sociedade fique mais segura. Esse caráter tem o escopo de atingir o patrimônio pois, como é popularmente falado, a pessoa sofre e aprende mais quando “mexem” no seu bolso. Segundo o ensinamento do jurista Héctor Valverde Santana há um objetivo triplo para a indenização do dano moral, conforme exposto:

A primeira finalidade da reparação do dano moral versa sobre a função compensatória, caracterizada como um meio de satisfação da vítima em razão da privação ou violação de seus direitos da personalidade. Nesse caso, o sistema jurídico considera a repercussão do ato ilícito em relação à vítima.

A segunda finalidade refere-se ao caráter punitivo, em que o sistema jurídico responde ao agente causador do dano, sancionando-o com o dever de reparar a ofensa imaterial com parte de seu patrimônio.

A terceira finalidade da reparação do dano moral relaciona-se ao aspecto preventivo, entendido como uma medida de desestímulo e intimidação do ofensor, mas com o inequívoco propósito de alcançar todos os integrantes da coletividade, alertando-os e desestimulando-os da prática de semelhantes ilicitudes (SANTANA, 2009, p. 189).

Desse modo, o valor da indenização, no caráter punitivo, será estabelecido de acordo com o valor aquisitivo do ofensor e da gravidade do dano ocasionado, com o objetivo de os fornecedores atuarem no sentido de evitar novas lesões. Esse caráter serve para contrapor o caráter reparatório, o qual há a preferência dos fornecedores em continuar a lesar direitos do que investir em produtos/serviços de melhor qualidade, pois, desse modo, eles terão um maior lucro. O caráter punitivo é realizado dessa maneira pois, como o doutrinador Carlos Alberto Bittar (1994, p. 63) afirma:

[…] os diferentes bens, inclusive a moeda, exercem funções várias na vida social, proporcionando às pessoas o alcance de inúmeros objetivos, econômicos, ou mesmo ideais, na satisfação de interesses os mais diversos, inclusive na própria atenuação de agruras, desgostos, desilusões e outras vicissitudes, ou sensações negativas.

Contudo, mesmo que não exista no ordenamento jurídico pátrio, de maneira expressa, a função punitiva do dano moral, é correto dizer que o caráter punitivo pode e deve ser inserido no cálculo da indenização desse dano, visto que pode ser instrumento de grande eficácia na melhoria dos serviços prestados aos consumidores, vez que os fornecedores tenderiam a aumentar a qualidade de seus serviços e atendimentos para evitar futura indenização punitiva. Entretanto, há quem não aceite a implantação do caráter punitivo no Brasil sob o argumento de que não se pode existir uma sanção de natureza penal no âmbito do Direito Civil. Tal argumento é extremamente fraco, pois, como lembra Andrade (2009), os Direitos Civis e Penais não são fechados, ou seja, a separação entre os dois ramos do direito não deve ser absoluta, assim, tal argumento não pode ser utilizado para impedir a aplicação do caráter punitivo do dano moral.

Compreendido esse ponto de vista, percebe-se a importância do caráter punitivo ser inserido em nosso ordenamento jurídico, já que ele possui função compensatória – pois repara o dano – e sancionadora – vez que tenta desestimular a conduta ilícita do fornecedor -, atingindo, com isso, o “[…] objetivo que nos parece fundamental para a própria normalidade da vida social, qual seja, o de contenção de ímpetos agressivos, ou de atitudes de desrespeito, ou de menoscabo, a valores essenciais da personalidade humana […]” (BITTAR, 1994, p. 108). Todavia, o caráter punitivo aqui defendido deve estabelecer um valor seguindo a razoabilidade e a proporcionalidade, de maneira que faça com que o fornecedor sofra uma perda pecuniária numa importância que sirva para compensar o dano sofrido, assim como para que o ofensor repense em suas atitudes e as altere para que não lese nenhum outro consumidor posteriormente.

O Superior Tribunal de Justiça, resumindo esse argumento, expôs que a indenização por dano moral deve ser proporcional, não podendo ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função penalizante, nem ser excessiva a ponto de extrapolar a razão compensatória para a qual foi predisposta. É nesse sentido que o caráter punitivo deve ser aplicado quando existir um dano moral na área consumerista, pois haverá uma maior proteção ao consumidor e uma mudança para melhor no exercício funcional dos fornecedores. Tal pensamento, consoante as autoras Costa e Pargendler (2016, p. 16), é:

[…] a razão pela qual as características funcionais dos punitive damages (a punição e a exemplariedade) têm atraído os estudiosos, insatisfeitos com a linearidade do princípio da reparação na sociedade atual, sabendo-se que muitas empresas cujos produtos são danosos em escala massiva amparam a continuidade de sua produção (e dos danos causados) numa espécie de raciocínio por custo/benefício a ser paga aos indivíduos que ingressarem em juízo, buscando ressarcimento pelos danos individualmente sofridos.

Logo, com o objetivo de frear condutas absurdas dos fornecedores, os quais ferem visivelmente os direitos dos consumidores, deve-se adotar o caráter punitivo do dano moral no Brasil. Tal pensamento é possível de ser encontrado em jurisprudências, como se pode perceber na análise do seguinte acórdão:

RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE TRANSPORTE. ÔNIBUS. COLISÃO. LESÃO MÍNIMA. QUANTUM REPARATÓRIO MAJORADO. Afigura-se nos autos questão relativa à responsabilidade civil contratual por acidente ocorrido durante trajeto de ônibus. Tem-se, portanto, relação de consumo disciplinada pelo art. 22 do Código do Consumidor. A prova pericial realizada nos autos afirmou que a lesão sofrida pela autora foi leve (trauma na boca com lesão em lábio inferior e trauma no dente superior) e produziu apenas uma incapacidade temporária à autora. Afirmou, ainda, o expert do Juízo que o acidente não causou dano estético e nem deixou sequelas na autora e tampouco há necessidade de tratamento médico ou odontológico futuro. Não obstante a constatação da ocorrência de lesões de pequena monta e sem maiores consequências à autora, infere-se que o quantum reparatório não foi corretamente arbitrado, posto que irrisório. Fixo o valor da reparação por dano moral em R$ 2.000,00, quantia que se mostra adequada e suficiente para reparar o dano extrapatrimonial sofrido pela autora, considerando a falta não intencional do lesante e a gravidade mínima da lesão, sendo, portanto, compatível com a expressão axiológica do interesse jurídico violado, nas perspectivas dos princípios id quod interest – restaurar o interesse violado, no possível – razoabilidade, proporcionalidade, equidade e de Justiça, atendendo as funções: punitiva – desestímulo (punitive dommage), pedagógica, e compensatória – dor, sofrimento perpetrados à vítima, in re ipsa. PROVIMENTO DO RECURSO. ART.557 DO CPC. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Nº 0012023-96.2007.8.19.0205. Relator: Roberto de Abreu e Silva. Julgado em: 28/02/2011).

Porém, infelizmente, esse não é um entendimento uniforme dos Tribunais de nosso país, mas, pelo menos, abre o caminho para que outros examinem essas decisões em que há a presença do caráter punitivo e possam compreender que esse é o modo correto de efetivar os direitos dos consumidores e de prevenir que mais danos aconteçam. Além do mais, não se pode esquecer que todos os seres humanos são consumidores, mesmo aqueles que provocam o dano, com isso, essa mudança de caráter de indenização do dano moral de reparatório para o punitivo irá beneficiar a todos.

4. CARÁTER PEDAGÓGICO DO DANO MORAL PUNITIVO

É totalmente correto dizer que o caráter punitivo do dano moral possui um viés pedagógico. Entretanto, deve-se ressaltar que há divergências quanto ao caráter pedagógico estar inserido no punitivo ou se existem esses dois caráteres separadamente, devendo os dois serem embutidos na quantificação da indenização do dano moral na área consumerista. Deve-se levar em consideração que quando se tem uma decisão judicial em que há a indenização por danos morais estabelecida conforme o caráter punitivo, a intenção não é somente castigar o ofensor do dano com uma quantia ao ponto de “abalar” sua economia, mas visa-se, também, ensinar ao fornecedor que a atitude que ele toma é errada, pois viola os direitos de seus consumidores, o que proporciona a ocorrência do dano moral. Corroborando essa ideia, defende-se que:

o direito reconhece dois sistemas para restabelecimento da ordem jurídica quebrada: a pena e a reparação. Pelo primeiro o agente violador recebe uma pena que tem a finalidade pedagógica, exemplificativa, intimidativa e de vingança, dela vale-se sobretudo o direito penal. Pelo segundo temos a recomposição do bem jurídico violado pela recolocação do estado fático existente antes da ocorrência do fato violador ou pela indenização quando não for possível a recomposição do bem jurídico violado. Este sistema é adotado em geral pelo direito civil  (ANDRADE, 2009, p. 24).

Com isso, os fornecedores, mesmo sabendo que as alterações no processo produtivo e/ou nos seus serviços proporcionam maiores despesas do que aquelas que despendidas no pagamento das indenizações de danos morais aos seus consumidores, irão modificar suas atitudes com o objetivo de não provocar mais danos. Percebe-se, pois, que as indenizações em seus aspectos punitivo pedagógico não visam defender apenas os direitos individuais, mas, principalmente, os direitos coletivos, já que se busca cessar qualquer tipo de dano moral proporcionado ao consumidor, o que possibilita que outros consumidores não sejam afetados por tais danos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apreende-se, após análise do presente estudo, que os danos morais não possuem relação com o patrimônio, mas são danos que atingem os bens extrapatrimoniais da pessoa, que são diretamente relacionados à dignidade humana e capazes de abalar o psicológico das pessoas. No entanto, verificou-se que o conceito de dano moral não é específico, pois muda com o passar do tempo, junto com os valores da sociedade. Constatou-se que o dano moral oriundo de relações consumeristas é mais costumeiro, devido à vulnerabilidade do consumidor, portanto, os ofensores nesse âmbito devem ser responsabilizados de maneira mais eficaz, de modo a proteger melhor os direitos dos consumidores. Insta frisar que o CDC, com o intuito de proporcionar uma melhor garantia desses direitos, determinou que a responsabilidade dos fornecedores fosse objetiva.

Isto é, em virtude de tal situação, ficou à cargo do fornecedor o dever e a obrigação de arcar com a indenização do dano, independentemente da existência de culpa. A indenização do dano moral nas relações de consumo pode acontecer de dois modos, por meio do caráter reparatório ou por meio do caráter punitivo. No Brasil, prepondera a aplicação do caráter reparatório, que tem o objetivo precípuo de compensar a lesão sofrida pelo consumidor. Já o caráter punitivo visa, além de reparar o dano, punir o agente causador do mesmo. Os adeptos ao caráter reparatório do dano moral defendem que a indenização não pode visar a punição do ofensor, vez que, se isso acontecer, o valor pecuniário da indenização será alto, proporcionando o enriquecimento ilícito do ofendido, vedado no ordenamento jurídico brasileiro.

Já no caráter punitivo, estabelece-se uma indenização alta para que cesse a ocorrência desses danos para que o agressor aprenda que a sua conduta é ilícita e que se ele não a adequar legalmente, haverá consequências negativas, ou seja, terá prejuízos financeiros, já que arcará com uma indenização alta. É por essas características do caráter punitivo que se diz que o caráter reparador do dano moral não efetiva os direitos dos consumidores, na medida em que esse caráter possui viés autorizativo de continuidade da conduta lesiva pelo fornecedor, pois não há a prevenção, como existe no caráter punitivo, da reincidência da ofensa. A desculpa do enriquecimento ilícito para não se implantar o caráter punitivo já foi descartada no presente trabalho, pois, como foi observado, na verdade, quem se enriquecerá ilicitamente se continuar com a adoção do caráter reparatório é o fornecedor (o ofensor).

Assim, constatou-se que o caráter punitivo é eficaz pois possui os objetivos de punir o ofensor do dano, servir como exemplo para a sociedade, prevenir novos danos e defender os direitos individuais e coletivos, expondo que o ordenamento jurídico não aceita atitudes ilícitas.

REFERÊNCIAS

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[1] Pós graduada Lato Sensu em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória.

Enviado: Junho, 2020.

Aprovado: Julho, 2020.

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Taiza Andrade Mariani

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