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Resenha crítica: você disse autonomia? uma breve percepção da experiência das crianças

RC: 133514
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/experiencia-das-criancas

CONTEÚDO

RESENHA CRÍTICA

FONTELES, Rayanne Lopes Almeida[1]

FONTELES, Rayanne Lopes Almeida. Resenha crítica: você disse autonomia? uma breve percepção da experiência das crianças. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 11, Vol. 13, pp. 197-203. Novembro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/experiencia-das-criancas, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/experiencia-das-criancas

RESUMO

Esta resenha crítica foi realizada a partir de uma perspectiva sistêmica, do texto “Você disse autonomia? Uma breve percepção da experiência das crianças”, dos autores Cléopâtre Montandon e Philippe Longchamp. O objetivo da presente resenha é refletir sobre o tema da autonomia de crianças, especialmente, no contexto escolar. Dessa forma, procura-se responder à seguinte pergunta: como a autonomia de crianças no ambiente escolar pode ser pensada numa perspectiva sistêmica? Reflete-se que o microssistema escolar é um contexto de desenvolvimento humano e, como tal, deve desenvolver um trabalho articulado com a família e a comunidade, configurando um mesossistema fortalecido no qual favorece a ampliação da autonomia da criança.

Palavras-chave: Crianças, Escola, Autonomia.

DESENVOLVIMENTO

O presente texto é um recorte de um estudo desenvolvido pelos autores em 2003. Assim, Montandon e Longchamp apresentam como objetivo o exame da experiência diferencial de autonomia de crianças em Genebra e as condições sociais que a sustentam: contexto familiar, escolar e social. A partir do referencial teórico da Sociologia da Infância, os autores discutem sobre as representações dessas crianças sobre a autonomia e sobre suas estratégias para alcançá-la, levando em conta a realidade social na qual estão inseridas. Dessa forma, problematizam o tema indagando, por exemplo, sobre o porquê, no quadro de instituições como a escola, que pretendem levar as crianças a uma autonomia, os alunos se encontram expostos a decisões ou veredictos que são julgamentos negativos sobre sua capacidade de serem autônomos?

Referente ao aporte teórico, de modo mais específico, os autores se ancoram na sociologia da infância (SIROTA, 2006) e, particularmente, na interface de duas perspectivas teóricas desenvolvidas por James, Jenks e Prout (1998). A primeira,  “criança tribal”, sustenta o projeto de descobrir através do discurso das crianças como elas definem e constroem suas experiências. A segunda, “criança socialmente estruturada”, sustenta que essa definição e experiência não se produzem num vazio social, mas no quadro das interações dos indivíduos com o seu ambiente.

Nesse ponto, já podemos verificar que os autores, ao focalizarem as interações entre os indivíduos e o ambiente do qual fazem parte em sua perspectiva teórica, aludem a uma visão sistêmica, especialmente, bioecológica de Bronfenbrenner (2011), para o qual o estudo sobre o desenvolvimento humano deve considerar a observação dos sistemas de interação entre as pessoas, não limitado a um único ambiente. Ou seja, deve-se levar em conta aspectos do contexto para além da situação imediata que contém a pessoa, nesse caso, a criança.

No que diz respeito aos conceitos de autonomia e experiência. Esta é concebida pelos autores como a consciência global de uma realidade vivida pelos indivíduos, global pelo fato de ser constituída de reflexões, de afetos e de ações. A experiência é social, pois seus elementos constitutivos são materiais sociais produzidos pelos grupos sociais aos quais os indivíduos pertencem e são por eles retrabalhados. Pode-se dizer a consciência global de uma realidade vivida pelos indivíduos colocada pelos autores para conceituar experiência, vai ao encontro ao pensamento sistêmico de Bronfenbrenner (2011, p. 44-45), que este afirma que: “O termo [experiência] é usado para indicar que as características cientificamente relevantes de qualquer contexto… incluem não apenas suas condições objetivas, mas também a maneira na qual essas são experienciadas subjetivamente pelas pessoas que vivem nesse ambiente”.

A autonomia, por sua vez, envolve a capacidade e o poder da pessoa de governar-se, de tomar as decisões que lhe concernem. Isso não quer dizer que esta capacidade seja totalmente imanente, desligada da realidade social. Aqui, pode-se dizer que os autores consideram que as interações entre a pessoa e o meio ambiente é bidirecional, ou seja, caracterizada por reciprocidade, onde a pessoa em desenvolvimento, a exemplo da criança, é ativa em seu processo de desenvolvimento, exercendo influência sobre ambiente (BRONFENBRENNER, 2011).

Nessa perspectiva, seres submetidos ao poder de outras pessoas podem ter a capacidade de ser autônomos. A autonomia, portanto, pode se manifestar em vários planos e a ideia que os indivíduos têm dessa noção se refere a eles. A partir disso, os autores realizaram leituras, discussões e entrevistas informais, considerando quatro dimensões: 1) o plano reflexivo, que abrange o que se especula principalmente num plano intelectual, cognitivo, que resulta de certa independência de julgamento e de opinião; 2) o plano relacional, afetivo, relativo a uma independência em relação aos outros significados; 3) o plano de ação, do sentido prático e; 4) o plano identitário, da apresentação de si.

Em tese, os autores recolheram: ideias acerca de sua margem de liberdade nos planos cognitivo, relacional, acional e identitário; captaram as emoções decorrentes da busca de autonomia ou de sua procura nesses quatro planos; apreenderam as estratégias que as crianças desenvolviam para alcançar ou preservar uma autonomia nesses quatro planos. E investigaram em que medida o contexto social no qual cresciam as crianças (meio social, formação dos pais, tipo de escola etc.) exercia influência sobre sua autonomia. Em termos sistêmico/bioecológico, há o entrecruzamento de duas forças relacionadas entre si; a fenomenológica e a experiencial. A primeira refere-se ao ambiente objetivo, formado por representações subjetivas; é o que se tem/sabe do ambiente. Agora o que se faz/sente em relação a esse ambiente é experiencial (CRUZ; PONTES; CAVALCANTE, 2016).

Entre os resultados, as crianças das famílias compostas de pai e mãe pareciam conhecer a autonomia com menor frequência (43%), diferente das crianças das famílias monoparentais (20%). Os autores pontuam que as definições escolhidas pelos pais variam conforme seu nível de formação; os de nível superior são os mais numerosos a adotar a definição reflexiva individualista. As crianças de famílias monoparentais e recompostas reivindicaram explicitamente menos responsabilidades do que as crianças de famílias tradicionais. É bem possível que sua situação familiar lhes exija mais responsabilidades do que a das famílias tradicionais e que, portanto, elas julguem tê-la o suficiente.

Desta forma, se as crianças conheceram pouco o conceito de autonomia, apesar do fato de figurarem entre as qualidades que tanto os pais quanto os professores gostariam que desenvolvessem (e que eles mesmos desejariam desenvolver), elas (as crianças) forneceriam alguns elementos complementares referentes à ideia que têm de sua própria autonomia e o lugar que atribuem à autonomia entre outras qualidades.

Os autores observam que as crianças eram realistas, pensavam ser importante saber se curvar às imposições sociais, bem-educadas, hábeis, trabalhadoras, e que “valia a pena” saber cooperar, mais do que desenvolver sua autonomia e sua independência. Os pais estavam mais próximos dos filhos, na importância acordada a uma pessoa bem-educada e fiel, e que os professores atribuíram mais peso às qualidades de autorregulação (espírito crítico, autonomia, independência).

De maneira geral, constatou-se que as crianças tinham pouca liberdade na escolha da tarefa na qual deveriam trabalhar ou pouca possibilidade de relaxar quando se sentiam cansadas. Por outro lado, tinham mais liberdade de escolher o lugar onde podiam se sentar, de ir buscar material sem pedir permissão e mesmo de opinar sobre as atividades e as lições e, sobretudo, de se vestirem como queriam. A maioria dos professores afirmaram ser estritos sobre a maneira de se portar dos alunos. Mostraram-se mais abertos em relação à criação de grupos de trabalho, às regras da vida da turma e às manifestações emocionais que decorrem frequentemente da vida relacional. As crianças também afirmaram que não queriam participar da criação das regras na sua escola, da mesma maneira que não desejavam fazer parte de sua própria avaliação.

Diante das considerações tecidas, os dados, segundo os autores, permitiram construir indicadores sintéticos relativos à autonomia das crianças, captando sua experiência num plano subjetivo (representações), objetivo (fatos) e global (reagrupando os dois). Esses indicadores serviram ao exame das hipóteses levantadas, especialmente, no que se refere à influência do contexto social. Assim, constataram que as crianças ‘de operários’ tinham uma representação subjetiva menor do que as crianças de classe média ou de quadros superiores. As crianças de famílias bi-parentais tinham também uma representação subjetiva menor do que as das famílias monoparentais ou recompostas. Quando o pai tinha uma formação de nível superior, a criança apresentou uma representação mais elevada de sua autonomia, assim como quando seus próprios resultados escolares eram bons. Notou-se, igualmente, que crianças que indicam uma baixa autonomia subjetiva, atribuem com mais frequência a si seus fracassos do que seus êxitos. Quanto ao estilo parental em relação à autonomia, captado entre os pais, a experiência de autonomia da criança foi globalmente forte quando os pais tinham um estilo de educação contratual (no qual as crianças participavam das decisões), e mais fraco quando eles apresentaram um estilo estatutário (no qual as crianças deviam assumir seu estatuto de criança).

Assim, os autores encontraram diferenças nas experiências de autonomia das crianças, especialmente, em relação a alguns aspectos da autonomia, segundo o pertencimento social e o nível de formação dos pais, segundo o tipo familiar, as práticas parentais ou a relação entre pais e filhos. Diferenças apareceram também, segundo as características pessoais das crianças, como o sexo, a idade ou os resultados escolares. De maneira sistêmica, ou bioecológica, tais diferenças devido às características pessoais funcionarem tanto como produtoras indiretas, quanto como produtos do desenvolvimento. A pessoa é um ser biopsicológico que tem efetividade e capacidade de influenciar o curso de seu desenvolvimento. Essas diferenças, frequentemente, se referiram aos aspectos particulares da experiência de autonomia. Por outro lado, a hipótese acerca do papel exercido pela reforma escolar não encontrou confirmação. Enfim, as práticas parentais pareceram exercer mais influência do que as dos professores.

Pais e professores avaliaram positivamente sua autoridade recíproca em relação aos filhos, assim como o encorajamento de sua autonomia. Pode-se afirmar que, se pais e professores tinham uma visão “moderna” da autoridade e da autonomia, nas suas práticas eles não deixavam de exercer um controle importante sobre os filhos. Os pais ou professores que deixam os filhos/alunos “ao acaso” foram exceções. Certamente, as crianças de hoje não estão submetidas de maneira indiscutível à instituição familiar e escolar. Mas se elas possuem a possibilidade de negociar algumas exigências dos adultos, reconhecem outras que lhe são impostas sem discussão.

Os autores observaram que havia um hiato entre o discurso e as práticas dos adultos. Os professores também se encontraram na mesma situação, uma vez que reconheciam o discurso pedagogicamente correto, porém, eles tinham dificuldades para aplicá-lo. Quando se sentiam ultrapassados, mal preparados, quando atrasavam o programa, quando os resultados dos alunos eram insuficientes, quando alguns alunos faziam todo o grupo sofrer. As crianças, por sua vez, constatavam rapidamente a distância entre os discursos e a realidade. Pode-se refletir, a partir do exposto que o microssistema[1] escolar é um contexto de desenvolvimento humano e, como tal, deve desenvolver um trabalho articulado com a família e a comunidade, configurando um mesossistema fortalecido e que, portanto, favorece a ampliação da autonomia da criança.

REFERÊNCIAS

BRONFENBRENNER, U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed, 2011.

CRUZ, D. A.; PONTES, F. A. R.; CAVALCANTE, L. I. C. Aproximações entre o conceito de Umwelt em Uexküll e a noção de ambiente em Bronfenbrenner. Complexitas, v. 1, n. 1, p. 139-152, 2016.

JAMES, A.; JENKS, C.; PROUT, A. Theorising childhood. Cambridge: Polity Press, 1998.

SIROTA, R. (Ed.). Eléments pour une sociologie de l’enfance. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2006.

MONTANDON, C.; LONGCHAMP, P. Você disse autonomia? uma breve percepção da experiência das crianças. Perspectiva, v. 25, n. 1, p. 83-104, 2007.

APÊNDICE – NOTA DE RODAPÉ

1. O microssistema refere-se aos ambientes imediatos em que a pessoa convive diretamente (a família e a escola). O mesossistema diz respeito às inter-relações entre os ambientes imediatos, dos quais a pessoa faz parte, no sentido de como eles se articulam em prol do desenvolvimento (família/escola/comunidade).

 [1] Graduada em Pedagogia e Pós-graduação em Psicopedagogia. ORCID: 0000-0002-6299-6080.

Enviado: Novembro, 2022.

Aprovado: Novembro, 2022.

3.7/5 - (23 votes)
Rayanne Lopes Almeida Fonteles

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