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Evasão escolar nos cursos técnicos integrados do centro federal de educação tecnológica Celso Sukow da Fonseca Campus Nova Iguaçu

RC: 125645
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

NUNES, Suzana da Silva [1], ANDRADE, Emmanuel Paiva de [2]

NUNES, Suzana da Silva. ANDRADE, Emmanuel Paiva de. Evasão escolar nos cursos técnicos integrados do centro federal de educação tecnológica Celso Sukow da Fonseca Campus Nova Iguaçu.  Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 08, Vol. 06, pp. 109-128. Agosto de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/educacao-tecnologica

RESUMO

A educação escolar é fator primordial para o desenvolvimento de qualquer nação. A evasão escolar, portanto, é um problema que impacta sobre a qualidade e o direito universal à educação. A cultura punitivista na educação é fator relevante na fundamentação deste estudo. A questão norteadora que motivou esta pesquisa foi: quais os principais fatores que influenciam os índices de evasão escolar nos cursos técnicos integrados do CEFET/RJ Campus Nova Iguaçu? O objetivo geral desta pesquisa é identificar as principais causas dos altos índices de evasão nos cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio do Cefet/ Nova Iguaçu, formulando e propondo elementos para a elaboração de uma política pública que seja mais eficiente no que diz respeito a esta problemática. A metodologia da pesquisa é qualitativa, de natureza exploratória. A coleta de dados foi realizada através de entrevistas semiestruturadas e de levantamento de registros acadêmicos. A abordagem de análise de dados foi realizada através da análise de conteúdos. A relevância da pesquisa se dá na medida em que os índices de evasão escolar no Cefet/RJ campus Nova Iguaçu se mantêm elevados desde sua inauguração, embora tenha havido mudanças em seus projetos pedagógicos com a intenção de minimizar o problema. Através dos resultados obtidos, espera-se propor estratégias institucionais e apontar soluções para dirimir os elevados índices de evasão. Os resultados demonstraram que os principais fatores influenciadores dos altos índices de evasão no campus pesquisado concentram-se na relação professor/aluno, a questão do desligamento compulsório, problemas emocionais enfrentados pelos alunos e questões socioeconômicas que dificultam a permanência dos alunos na escola.

Palavras-chave: Educação, Evasão Escolar, Ensino Técnico.

1. INTRODUÇÃO

A educação é considerada fator primordial para o desenvolvimento de um país. Neste sentido, os índices educacionais são estatísticas importantes que podem demonstrar como a nação investe em seu futuro (BRUNO, 2011). O sistema educacional brasileiro tem passado por profundas transformações ao longo dos anos, com políticas públicas e leis sendo desenvolvidas a fim de universalizar o direito à educação e garantir o desenvolvimento do país (FELDMANN e BEZERRA, 2013).

No Brasil a educação é direito inalienável garantido pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). A lei que estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) afirma a educação como direito público subjetivo desde o primeiro ano de escolaridade até o final do Ensino Básico, incluindo, atualmente, a Educação Infantil, os nove anos do Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Isto significa que é dever do Estado oferecer e garantir vagas para todos os estudantes em idade regular, atendendo às suas especificidades, tais como necessidades especiais e regionalidades.

Em tese, estas leis garantem que todos os brasileiros tenham acesso à escolaridade formal oferecida pelo Estado gratuitamente, sem distinção de raça, etnia ou classe social. Num primeiro momento, a oferta de vagas foi obrigatória apenas no Ensino Fundamental, tendo sido ampliada em seguida para o Ensino Médio e, por último, para a Educação Infantil.

Para além de apenas garantir a entrada do aluno no sistema de ensino, as leis educacionais abordam o dever do estado em estabelecer condições mínimas necessárias para sua permanência. A LDB diz que “o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I- igualdade de condições para o acesso e permanência na escola […]” (BRASIL, 1996).

É dever do Estado garantir as vagas e é dever das famílias matricular seus filhos na escola, em redes públicas ou particulares. Nenhuma criança ou adolescente pode, sob as leis de hoje, estar fora da escola por escolha da família, sem que haja consequências de penalidades para a mesma, inclusive multa e prisão do responsável, como prevê a lei do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2017).

No entanto, apesar de toda legislação existente, a realidade que o país enfrenta é de um grande contingente de crianças e adolescentes fora das salas de aula. A não permanência na escola regular, causando uma quebra na escolaridade do aluno em algum momento de sua jornada, que vai da Educação Infantil ao Ensino Médio, é chamada de evasão escolar. Compreender o fenômeno e todos os fatores que o envolvem é condição para uma correta aplicabilidade da lei que garante o direito do aluno à permanência na escola.

A evasão escolar constitui-se num fenômeno presente em todas as modalidades de ensino do país. A fim de conseguir superá-la ou ao menos minimizá-la, evitando assim seus efeitos negativos na vida dos estudantes e suas famílias, é preciso compreender os fatores, internos e externos, sejam eles institucionais, emocionais, pedagógicos, sociais, familiares ou outros, que contribuem para que o fenômeno aconteça.

A análise do problema exige ainda a adoção de um recorte preciso na polissemia associada ao conceito, mesmo do que seja evasão escolar. A comissão formada pelo Ministério da Educação (MEC) para análise de evasão convencionou adotar como conceito geral para evasão “a saída definitiva do aluno do seu curso de origem, sem concluí-lo” (BRASIL, 1996).

Para esta pesquisa, optou-se, pela complexidade de conceitos encontrados, por utilizar a definição escolhida pelo MEC para orientar seus estudos. Autores diversos foram consultados, sem, no entanto, perder o foco no conceito norteador apresentado pelo MEC.

Uma vez que a realidade da evasão escolar nos cursos médios integrados do Cefet/RJ constitui-se num problema real a ser combatido, a pesquisa pretendeu compreender os principais motivos que levam o aluno a evadir-se, sendo possível assim traçar estratégias em nível institucional para agir diretamente sobre o fenômeno, oferecendo soluções para minimizá-lo.

A pesquisa teve como questão norteadora a seguinte pergunta: Quais os principais fatores que influenciam os índices de evasão escolar nos cursos técnicos integrados do CEFET/RJ Campus Nova Iguaçu? O estudo se propõe a identificar os principais elementos que contribuem para a problemática da evasão em um campus específico de uma Instituição Federal de Ensino Técnico, articulando possíveis ações institucionais capazes de enfrentá-los ou, ao menos, mitigá-los.

2. ENSINO TÉCNICO, DISCIPLINA E EVASÃO ESCOLAR

Existem diferentes conceituações para o termo “evasão escolar”, com delimitações diversas ou complementares entre si. Isto dificulta e torna mais complexa a análise do fenômeno, como abordam Dore e Luscher:

A evasão escolar tem sido associada a situações tão diversas quanto a retenção e repetência do aluno na escola, a saída do aluno da instituição, a saída do aluno do sistema de ensino, a não conclusão de um determinado nível de ensino, o abandono da escola e posterior retorno. Refere-se ainda àqueles indivíduos que nunca ingressaram em um determinado nível de ensino, especialmente na educação compulsória, e ao estudante que concluiu um determinado nível de ensino, mas se comporta como um dropout (DORE; LUSCHER. 2011, p. 775).

O próprio Ministério da Educação realizou um estudo sobre evasão no ano de 1996, através da Comissão Especial de Estudos Sobre a Evasão nas Universidades Públicas Brasileiras, no qual reconhece a pluralidade de conceitos para o tema (BRASIL,1996). De acordo com o estudo, tal pluralidade dificulta pesquisas, mapeamento e acompanhamento de índices de maneira mais específica, que possibilitem elaboração de políticas públicas eficientes.

O Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (IDEB) de 2012 aponta a evasão como o ato de ausentar-se do sistema de ensino e abandonar as atividades escolares sem o pedido de transferência. Autores como Ferreira (2013) e Machado (2009) elucidam que o termo evasão escolar não pode ser analisado de forma isolada ao de fracasso escolar, pois o aluno que evade é aquele que fracassou nos seus objetivos escolares. Existem, portanto, elementos prévios que levaram aquele aluno ao fracasso escolar e que contribuíram significativamente para a evasão.

2.1 MULTIPLICIDADE DE FATORES DETERMINANTES DA EVASÃO ESCOLAR

A Comissão Especial de Estudos de Evasão (BRASIL, 1996) aponta a existência de três categorias de fatores condicionantes da evasão escolar, que são (i) os fatores individuais do aluno; (ii) os fatores internos à instituição e (iii) fatores externos à instituição.

Há ainda que se destacar os fatores relacionados aos sistemas de ensino, bem como os fatores sociais que envolvem o indivíduo, conforme aborda Boneti:

Os evadidos da escola são também os excluídos sociais e é impossível entender a exclusão de forma fragmentada como a social, a econômica, a política, a escolar […]qualquer tipo de exclusão compromete o indivíduo no seu papel de cidadão. O ser humano é um cidadão quando tem participação integral na sociedade […] (BONETI, 2003, p. 35).

Para Queiroz, não se pode pensar a evasão escolar sem articular os fatores internos aos externos, pois, segundo ela:

A literatura existente sobre o fracasso escolar aponta que, se por um lado, há apectos externos à escola que interferem na vida escolar, há por outro, aspectos internos da escola que também interferem no processo sócio-educacional da criança, e quer direta ou indiretamente, acabam excluindo a criança da escola, seja pela evasão, seja pela repetência (QUEIROZ, 2010, p. 55).

Rumberger (1995) sinaliza que a evasão escolar é o limiar de um processo de desengajamento escolar que ocorre silencioso, em que o aluno pouco a pouco se desliga da instituição de ensino, seja por um dos fatores determinantes já citados ou a combinação de mais de um deles. Portanto, o caráter preventivo na questão da evasão é essencial. Identificar os sinais de uma possível evasão baseado em fatos concretos já observados e em pesquisas sobre o tema constituem uma importante ferramenta pedagógica na direção de uma ação efetiva no combate à evasão. Corroborando a visão de Rumberger (1995), Salata enfoca:

A evasão deve ser entendida como etapa final de um processo de desengajamento do estudante em relação à vida escolar, tanto do ponto de vista acadêmico – que se expressa no baixo rendimento e maior repetência – quanto social – expresso na fragilidade dos laços estabelecidos naquele espaço em relação a outras redes nas quais os estudantes estão inseridos (SALATA, 2019, p. 29).

Salata (2019) ressalta que um dos elementos que influenciam os índices de evasão escolar é a questão econômica, pois a necessidade de complementar a renda familiar entre os jovens faria com que uma parcela significativa deles tivesse que optar entre trabalhar e estudar. A autora complementa, afirmando:

Nessa leitura, haveria uma estreita relação entre o background econômico, a eventual necessidade de o jovem complementar o orçamento familiar por meio de seu trabalho, e o consequente desengajamento em relação à esfera escolar. Aqui, o trabalho do jovem seria um dos principais mediadores entre a situação econômica familiar e a evasão, sendo a insuficiência de renda a causa última desse fenômeno, já que tornaria muito altos os custos de dedicar-se exclusivamente à escola para os jovens provenientes de famílias com menor aporte econômico (SALATA, 2019, p. 25).

Para a autora existem ainda os fatores de socialização, em que alunos provenientes de famílias mais escolarizadas estariam  mais familiarizados com a cultura escolar, apresentando maior engajamento escolar e menos chances de repetência e consequente evasão.

Silva (2018) também ressalta a realidade econômica como um dos principais fatores que influenciam o abandono escolar, sobretudo nas faixas de 15 a 17 anos. Para a autora, a necessidade de trabalhar para colaborar com a renda familiar torna-se uma pressão cada vez maior na medida em que se aproxima a maioridade, inflando estes índices.

Arroyo (1998) traz ainda a concepção de que a escola e os sistemas de ensino são os principais responsáveis pelos processos de exclusão gradual e iminente evasão dos alunos, pois os mecanismos impostos pelos sistemas educacionais seriam geradores de desigualdade, reproduzindo os moldes do sistema capitalista, elitista e excludente.

2.2 O CONTEXTO DO ENSINO TÉCNICO NO BRASIL

O ensino técnico no Brasil remonta ao início do século XX. Em 1909 foram fundadas as escolas de aprendizes artífices, as quais foram espalhadas por todo território nacional (PAIVA, 2013). A lei que promulgou a abertura dessas escolas foi o Decreto Presidencial 7566 de 23 de setembro de 1909. No texto da lei, ficavam evidenciados seus propósitos e com eles sua abordagem social e público-alvo:

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, em execução da lei n. 1.606, de 20 de dezembro de 1906:

Considerando

Que o augmento constante da população das cidades exige que se facilite ás classes proletarias os meios de vencer as difficuldades sempre crescentes da lucta pela existencia;

 Que para isso se torna necessario, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensavel preparo technico e intellectual, como fazel-os adquirir habitos de trabalho proficuo, que os afastará da ociosidade ignorante, escola do vicio e do crime;

Que é um dos primeiros deveres do Governo da Republica formar cidadãos uteis à Nação (BRASIL, 1909, p.1). (texto original sem correções ortográficas).

Em 2012, o Ministério da Educação definiu as atuais diretrizes Curriculares Nacionais para a educação Profissional Técnica de Nível Médio no Brasil, através da resolução CNE/CEB 6/2012 (BRASIL, 2018).

A expansão dos Institutos Federais de Educação e Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets) no Brasil a partir de 2004, com a criação de centenas de cursos técnicos integrados ao Ensino Médio ou na forma de concomitância, estendeu o acesso da população aos cursos médio/técnicos, com investimentos públicos em ensino, pesquisa e extensão, com escolas bem equipadas, professores e servidores administrativos capacitados, instalações e laboratórios com recursos, no geral, suficientes para a oferta de um ensino de qualidade.

O acesso a estes cursos é feito por meio de concurso, adequado às leis estabelecidas para ampla concorrência, candidatos com necessidades especiais, cotas para negros, pardos e indígenas e cotas para escolas públicas.

2.3 DESLIGAMENTO COMPULSÓRIO OU JUBILAMENTO

A maioria das escolas públicas federais traz em seus regimentos internos a questão do desligamento compulsório ou jubilamento, que consiste no processo de desligamento do aluno da instituição e consequente perda da matrícula, quando não atendidos certos requisitos mínimos, tais como prazo para conclusão do curso ou o não alcance de um rendimento mínimo que venha a causar a reprovação por duas ou três vezes no mesmo ciclo, semestre ou ano, dependendo da instituição. É por meio deste mecanismo que o aluno perde sua matrícula e é impedido de continuar o curso.

A justificativa para tal regra é a equalização da oferta de vagas com a procura pelas mesmas, fazendo com que outros candidatos tenham oportunidade de disputar o acesso aos cursos (POMAR, 2007).  No entanto, apesar da autonomia acadêmica que dá às instituições o direito de estabelecer suas próprias regras internas (BRASIL, 2019), o entendimento jurídico a respeito do assunto é controverso, quando confrontado com as premissas de amplo direito à educação explicitadas na LDB 9394/96 (BRASIL, 1996). Por esta razão, muitos alunos nesta situação buscam a justiça e recebem parecer favorável à sua reintegração aos quadros de vagas de sua instituição de origem.

Conforme aborda Nunes (2019), cada instituição deve ter em seus regimentos internos a regulamentação explícita sobre o desligamento compulsório, e deixar claro o direito à ampla defesa do aluno, por se tratar da sanção máxima da instituição. No entanto, é preciso avaliar tais regras à luz da LDB 9394/96, que determina: “Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (…)”

Por esta razão, a questão do desligamento compulsório é delicada, e deixa brechas para múltiplas interpretações, na medida em que seja possível questionar se as diretrizes acima expostas tenham ou não sido oferecidas a contento, de modo que se justifique o desligamento e perda da matrícula do aluno.

Ao ponderar sobre a complexidade da questão, Pomar (2007) admite a necessidade de se desenvolver normas que atendam à demanda da sociedade pela oferta de vagas, ao mesmo tempo em que aponta a preocupação de que não se perca de vista os direitos precípuos explicitados pela lei que estabelece as bases que garantem os direitos universais à educação, os quais incluem as condições favoráveis para sua permanência. E afirma:

Há que se considerar, ainda, para se decidir pelo jubilamento, a particularidade dos fatos, ou seja, os fenômenos associados a aspectos legais que lhes são afetos. A regra de jubilação, controvertida na ótica dos direitos individuais e das desigualdades sociais, pode ser justificada pelo propósito de permitir o acesso de aspirantes ao limitado quadro das instituições públicas; mas, admite como contraponto que fórmula alguma justificará a abertura de vagas na série inicial pelo simples fato de jubilar-se aluno de últimas séries, e que a insuficiência de rendimento acadêmico pode decorrer justamente da realidade social, quando se tem que optar, muitas vezes, entre o trabalho e o estudo, ou quando o desemprego e o próprio trabalho não aportam recursos à subsistência do aluno e de sua família.  (POMAR, 2007, p. 43).

Desta maneira pode-se observar uma delicada relação entre a garantia de oferta de vagas de acesso ao ensino público e o direito à permanência no mesmo.

2.4 EDUCAÇÃO PUNITIVA X EDUCAÇÃO FORMADORA

Punitivismo é um termo usado comumente em linguagem jurídica, principalmente em estudos sobre encarceramento e sua relação com a justiça restaurativa. Aplica-se o termo à educação no sentido de estabelecer uma relação entre a aprendizagem e a disciplina, o rigor disciplinar e as sanções aplicadas a alunos que infringem ou destoam dos padrões estabelecidos pelas instituições de ensino (RODRIGUES, 2016).

Um capítulo marcante na história da educação que obedeceu às premissas punitivistas e que perdura até os dias atuais foi a educação fabril, baseada nos princípios do taylorismo e do fordismo, os quais pretendiam formatar a escola e a educação nos mesmos moldes das fábricas e linhas de montagem que floresceram e se multiplicaram na era da Revolução Industrial. Neste modelo, todo processo educacional é fragmentado e separado e a orientação para resultados que possam ser numericamente medidos reduz o ser humano “aprendente” a uma peça a ser formatada por um amplo complexo de montagem, como nos explicam Silva e Cavalcanti:

Assim, como a fábrica, a escola também tem seu espaço voltado para produtividade, ou seja, a aprendizagem dos alunos, tornando os mesmos obedientes e preparados para o mercado de trabalho. Portanto, a escola ao responder às exigências do mundo do trabalho apresenta elementos comuns à forma de gerenciamento de uma fábrica, ou seja, o modelo de gerenciamento do trabalho é adotado pelo sistema de educação escolar¸ em especial algumas características como a hierarquização de autoridade, centralização do poder, leis mais rígidas, parcelamento do trabalho, especialização, divisão entre o trabalho de planejamento e execução, dentre outras (…) (SILVA; CAVALCANTI, 2014, p. 18).

Esta lógica instrumental da educação, presente em todos os níveis de ensino no sistema educacional brasileiro, fica ainda mais evidente quando se trata do ensino técnico, com seus claros objetivos de formação para o trabalho, como apontam Coelho e Delgado:

Se os programas de adestramento desenvolvidos nas escolas técnicas ou no âmbito da própria empresa poderiam ser suficientes para preparar a mão-de-obra requerida pela produção em larga escala (preparada para exercer tarefas fragmentadas e padronizadas), as habilidades que tendem a ser importantes para as novas formas de produção não podem ser formadas por meio de treinamentos curtos e específicos. É necessário, mais do que ministrar treinamento para o exercício de funções especializadas, educar com o objetivo de que, mesmo após a conclusão dos cursos, as pessoas tenham condições de continuar a aprender e, dessa forma, acompanhar a evolução científica, tecnológica e as transformações que ocorrem na sociedade. Necessita-se, assim, de um trabalho educacional de longo prazo. Reconhece-se que isso depende fundamentalmente de um processo formal e sistemático de aprendizado, mas, ao mesmo tempo, coloca-se em dúvida se o ensino técnicoprofissionalizante, tal como existe hoje no Brasil, estaria preparado para dar conta dessa tarefa de transmissão de conhecimentos e formação de competências cognitivas (COELHO;  DELGADO, 2017, p. 31).

Nos cursos técnicos integrados ao ensino médio ofertados nos Institutos Federais e Cefets torna-se um desafio transpor essa concepção de educação instrumental para o trabalho a fim de atender as premissas do Ensino Médio previstas na LDB 9394/96, que aponta para objetivos claros de formação universal do cidadão crítico, preparado para compreender as transformações da sociedade, como podemos constatar no seu Artigo 35:

III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (BRASIL, 1996, p.16).

Relevante para esta discussão é a abordagem sobre punição baseada nas teorias de Michel Foucault (2008), para quem a educação, desde o século XVIII, assumiu um papel punitivo e formador de corpos doutrináveis, manipulados e formatados para a lógica do mercado, sob a mesma égide das políticas de encarceramento e a mesma lógica das instituições totais. Na obra Vigiar e Punir, Foucault (2013) explica a escola seriada e subdividida como ainda vemos hoje, sob a ótica da disciplina e da categorização do sujeito:

É este tempo disciplinar que se impõe progressivamente na prática pedagógica – especializando o tempo de formação e separando-o do tempo adulto, do tempo do ofício adquirido; estabelece diferentes estádios separados uns dos outros por provas graduadas; determina programas, que se devem desenrolar durante determinada fase e que comportam exercícios de dificuldade crescente; qualifica os indivíduos em função da maneira como percorreram essas séries. (FOUCAULT, 2013, p. 38).

De acordo com o autor, é nesta ênfase em se controlar o tempo de aprendizagem, conforme se pretendia controlar o tempo em cada fase de produção nas fábricas a fim de se atingir melhor produtividade, que se ignora a subjetividade da pessoa, a qual não tem relevância para os propósitos produtivos da educação pensada sob estes moldes.

Neste sentido, o aluno somente é desejável, adequado e eficiente se conseguir se enquadrar em requisitos mínimos e atender às expectativas de demanda do mercado esperadas pela instituição em que se encontra. O sujeito do processo educativo deixa de ser o aluno e passa a ser a instituição em si, na medida em que se ignora a premissa pedagógica precípua da individualidade do sujeito, onde cada um tem seu ritmo de aprendizagem, suas necessidades e sua realidade, premissa esta essencial para o desenvolvimento de uma educação formativa integral da pessoa humana.

Deste modo, percebem-se conceitos aplicados à educação como meritocracia, que atendem à abordagem conteudista da educação, competição, adequação a padrões e processo de institucionalização do sujeito, neste caso, o aluno. Áurea Guimarães e Carolina Catini, professoras da Faculdade de Educação da UNICAMP, explicam a visão de Foucault sobre o tema:

Afirma-se não somente a sujeição dos corpos, como também o ajustamento dos fenômenos da população aos processos econômicos. Seu alvo é atingir os corpos e as forças dos membros da população, como também a subjetividade dos indivíduos que a compõem, tornando-os sujeitos governáveis. Aqui a lógica do liberalismo como forma de governo se manifesta na instauração da meritocracia e competição também nas instituições escolares, nas quais a punição se desloca para o fracasso, exclusão, estigmatização daqueles que não alcançam os objetivos no tempo previsto e mensurado pelas avaliações. (GUIMARÃES e CATINI, 2017, p. 56).

A educação taylorista, desenhada com a finalidade de formar pessoas para atender as demandas do mercado, se opõe diretamente aos princípios formadores que ressaltam os aspectos qualitativos explicitados na LDB 9394 (BRASIL, 1996), o que faz com que haja uma dicotomia no seio dos cursos técnicos integrados oferecidos pela rede federal de ensino, onde uma parte de seus docentes tem formação eminentemente técnica e a outra parte possui formação pedagógica para a docência.

Encontrar um equilíbrio entre estas diferentes visões da educação a fim de atender aos princípios norteadores do nível técnico e também do nível médio torna-se, portanto, um desafio para as equipes gestoras.

3. METODOLOGIA

A abordagem utilizada foi qualitativa, buscando entender o fenômeno de maneira holística e profunda, dentro de seus contextos específicos (GRAY, 2012). Sua natureza é exploratória, com vistas a desenvolver, trazer à tona, esclarecer e organizar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores (GIL, 2003).

Como método foi utilizado o estudo de caso. Grey (2012) afirma que este é utilizado comumente como sinônimo de pesquisa qualitativa, “em parte porque os estudos de caso possibilitam a geração de diversas perspectivas, seja por meio de vários métodos de coleta de dados, seja pela criação de muitas descrições por meio de um único método” (LEWIS, 2003).

Como instrumento de coleta de dados foram utilizadas entrevistas semiestruturadas. Arksen e Knight (1999) apontam a aplicabilidade da entrevista, afirmando que a mesma “é uma forma poderosa de ajudar as pessoas a explicitar as coisas que até então estiveram implícitas – formular suas percepções, seus sentimentos e seus entendimentos tácitos”. No presente caso, as entrevistas foram aplicadas a um conjunto de dez (10) alunos evadidos dos cursos técnicos integrados do Cefet/RJ campus Nova Iguaçu, bem como a dois (2) professores, dois (2) pedagogos, um (1) assistente social, um (1) psicólogo e dois (2) alunos não evadidos.

As entrevistas foram realizadas por meio virtual devido às limitações produzidas pela pandemia de Covid19 e a necessidade de distanciamento social em 2020, ano em que foi realizada a pesquisa. Os ex-alunos entrevistados são todos maiores de dezoito anos e se voluntariaram a participar da pesquisa. Foram informados de que a entrevista seria gravada e permitiram a gravação. As questões contidas no roteiro da entrevista com este grupo foram escolhidas de modo a levar o entrevistado a falar livremente sobre todas as dificuldades que encontrou no percurso de sua jornada escolar no Cefet/RJ, não sendo solicitado que diferenciassem dificuldades pessoais, internas ou externas, pois essas questões se complementam e se confundem, cabendo ao entrevistador separá-las e categorizá-las, conforme aponta Grey (2012, p. 302).

Foi utilizado ainda como instrumento de coleta o levantamento de documentos junto aos registros do setor pedagógico do campus, a fim de conhecer características de alunos evadidos neste período. A pesquisa documental foi realizada através de consulta física a documentos do Setor Pedagógico do Cefet/RJ Nova Iguaçu, com ciência e anuência da Gerência Acadêmica do campus. Foram consultadas as atas de Conselho de Classe Finais das turmas dos Cursos Técnicos Integrados dos anos letivos de 2018 e 2019. Buscou-se identificar o número de estudantes de cada curso e o percentual de evasão por curso e total.

4. ANÁLISE DE DADOS

Em um universo de quatrocentos e cinquenta e quatro (454) alunos matriculados nos quatro cursos integrados em 2018, verificou-se uma evasão de trinta e nove (39) alunos, sendo a incidência maior concentrada nas turmas de primeiro ano de cada curso. Observa-se, além disso, que o curso de Informática apresenta um índice significativamente maior de evasão que a média dos outros três cursos. Esse comportamento, tanto no que diz respeito ao curso de maior evasão quanto no que se refere ao elevado índice encontrado no campus, dialoga com o estudo de Arroyo (1998) ao correlacionar o peso da cultura local com a dinâmica de fracasso ou sucesso dos discentes e da própria instituição.

Em relação ao ano de 2019, observa-se que, num universo de quatrocentos e trinta e cinco alunos (435), foram encontrados registros de quarenta e quatro (44) alunos evadidos, o que resulta num percentual de dez por cento (10%) de evasão. Neste ano, o curso de Informática continuou apresentando o maior índice de evasão, seguido pelo curso de Telecomunicações.

Os índices de evasão apresentaram uma média de 9,5% nos dois anos analisados, patamar três (3) pontos acima da média verificada na região Sudeste segundo a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE (BRASIL, 2018; 2019). O ano de 2020 não foi contemplado na pesquisa por se tratar de um período atípico com modalidade de ensino remoto, onde outras variantes específicas precisariam ser incluídas.

Os alunos do Cefet/RJ Campus Nova Iguaçu que se matriculam nos cursos integrados têm idade média de 15 anos, variando entre 13 e 18 anos.

Nos dois anos pesquisados, observou-se uma maior incidência de evasão nos primeiros anos de cada curso, os quais acumulam um maior número de alunos em sala de aula por conta do alto índice de repetência, conforme podemos observar na Tabela 1:

Tabela 1. Total de Alunos Matriculados nos Cursos Técnicos Integrados do Cefet/RJ campus Nova Iguaçu.

Total de Alunos Matriculados nos Cursos Técnicos Integrados do Cefet/RJ campus Nova Iguaçu
Curso 2018 2019
1º ano 2º ano 3º ano 1º ano 2º ano 3º ano
Informática 59 27 37 52 43 24
Enfermagem 50 35 19 48 31 26
Telecomunicações 56 39 16 51 38 22
Automação Industrial 51 36 30 46 39 28
TOTAL 218 137 102 197 151 100

Fonte: Atas de Conselho de Classe Finais dos Cursos Técnicos Integrados do Cefet/RJ campus Nova Iguaçu. 2018/2019.

A entrada de alunos nos Cursos Integrados do Cefet/RJ campus Nova Iguaçu é feita através de concurso com ampla concorrência e sistema de cotas. A cada ano admitem-se trinta e cinco (35) ingressantes em cada curso, num total de cento e quarenta novos alunos (140). Observando os dados da Tabela 1, é possível perceber que as turmas de primeiro ano se encontravam infladas nos anos pesquisados, tendo em média vinte (20) alunos por turma, além dos ingressantes. Estes alunos a mais representam aqueles que foram reprovados no ano anterior e cursam pela segunda vez o primeiro ano, com risco de desligamento compulsório (jubilamento).

Tendo como base o número fixo de ingressantes (140) por ano, e obtendo uma média dos anos de 2018 e 2019 de cento e um (101) alunos matriculados no terceiro ano, percebe-se uma perda média de 39 alunos ao final do ciclo de três anos, com impacto maior nas turmas de primeiro ano. As entrevistas com os atores envolvidos neste processo educacional virão lançar luz sobre os principais elementos que desencadeiam este fenômeno.

4.2 CONVERSANDO COM OS SUJEITOS DA PESQUISA

Foram investigadas, durante as entrevistas com os ex-alunos, suas percepções particulares em relação aos elementos que, na sua visão, foram os principais responsáveis por sua interrupção e não conclusão no curso. Os alunos abordaram questões internas, externas e individuais, as quais são as três principais categorias de fatores determinantes da evasão escolar de acordo com a Comissão Especial de Estudos de Evasão (BRASIL, 1996).  Falaram livremente sem haver qualquer direcionamento da parte do entrevistador (GREY, 2012).

Foi perguntado se havia algum impacto emocional que, na opinião deles, fora resultante de sua experiência no Cefet, uma vez que a ocorrência de problemas emocionais no ensino médio tem sido observada, tanto como uma característica comum à adolescência quanto pela pressão ocasionada pela proximidade das responsabilidades da vida adulta (GROLLI; WAGNER E DALBOSCO, 2017).

Por fim, os ex-alunos foram questionados sobre que mudanças, na visão deles, poderiam ser implementadas no Cefet a fim de que os estudantes de hoje tenham uma experiência de sucesso em sua jornada escolar e com mais apoio aos desafios e dificuldades.

Como podemos observar na Tabela 2, foram discriminadas as categorias, sua descrição, os fatores com respectivos comentários, além das referências bibliográficas que dão suporte à análise.

Tabela 2. Categorias e fatores influenciadores da evasão escolar.

CATEGORIAS E FATORES INFLUENCIADORES DA EVASÃO ESCOLAR
Categorias Descrição Fatores Comentários Referências
Externa Dificuldades de ordem social Deslocamento residência/

escola;

·  Distância

·  Cansaço

·  Muitas horas de trânsito engarrafado

·  Falta de dinheiro para a condução

BONETTI, 2003

 

QUEIROZ, 2010

 

ARROYO, 2003

Alimentação ·  Escolher entre pagar a condução ou se alimentar
Violência Urbana ·  Ser impedido de sair de casa pelas milícias que dominam algumas comunidades.
Interna Dificuldades de ordem Institucional, podendo ser Político-Pedagógicas, Didáticas, relacionais e outras provenientes destas. Pressão pela Possibilidade do Jubilamento ·  Sensação de incapacidade

·  Sensação de fracasso

·  Receio do julgamento da família

·  Medo de ficar “atrasado” nos estudos

·  Desmotivação

·  Desânimo

·  Desistência

ARROYO, 2003

 

SALATA, 2019

 

QUEIROZ, 2010

Educação Anterior Deficitária ·  Escola anterior era “fraca”

·  Escola anterior era “atrasada”

·  Falta de professores na escola anterior

Relação professor x aluno ·  Desinteresse do professor em ajudar

·  Desinteresse do professor em compreender as dificuldades individuais dos alunos

·  Professores que costumam humilhar os alunos

·  Professores que gostam de reprovar os alunos.

·  Vergonha em pedir ajuda

Adaptação ao Ambiente Escolar ·  Não saber como pedir ajuda

·  Não saber os discursos disponíveis

·  Não saber como a escola funciona

·  Vergonha de pedir ajuda

Individual Dificuldades de ordem pessoal e/ou Familiar Problemas emocionais ·  Sensação de baixa autoestima

·  Sensação de tristeza profunda, apatia

·  Insônia crônica

·  Crises de Depressão

·  Crises de Ansiedade

·  Depressão e Ansiedade Diagnosticadas

·  Síndrome do Pânico

·  Episódios de automutilação

·  Episódios de ideação Suicida

·  Alcoolismo como fuga para problemas emocionais

FRIGOTTO, CIAVATTA E RAMOS, 2005

 

LIMA, 2019

Falta de Identificação com o Curso Técnico Escolhido ·  Não gosta das disciplinas do técnico

·  O Curso Técnico não era o que o aluno pensava

·  Não está interessado na formação técnica

Fonte: entrevistas semiestruturadas realizadas com ex-alunos evadidos dos Cursos Integrados do Cefet/RJ campus Nova Iguaçu, 2021.

A Tabela 2 elenca as três categorias de elementos determinantes da evasão escolar, de acordo com a Comissão Especial para Estudos sobre Evasão (BRASIL, 1996). Traz uma definição para cada uma destas categorias, bem como fatores, que são subgrupos de cada categoria, e as percepções explicitadas pelos ex-alunos durante as entrevistas, a respeito de cada fator. Por fim, a tabela apresenta referencial teórico sobre cada categoria, de acordo com a revisão da literatura desenvolvida na seção dois.

Compreende-se, no entanto, não existir uma total dicotomia entre as três categorias. Percebe-se, através dos relatos, que os principais elementos citados são interligados, transformando-se num efeito cascata facilmente perceptível. Os alunos relatam que o medo do jubilamento, apontado como uma das razões para desistência e evasão, foi ao menos um catalisador para problemas emocionais tais como crises de ansiedade, problemas de autoestima, depressão, ideação suicida, dentre outros. Por outro lado, vimos também que o medo do jubilamento decorria de um baixo rendimento no primeiro ano do curso, que por sua vez acontecia como consequência de uma discrepância entre o conteúdo abordado no primeiro ano e o conhecimento prévio do aluno vindo de escolas públicas onde a realidade de um ensino deficitário é ainda muito presente no Brasil (SALATTA, 2019). Desta forma, os elementos foram categorizados e classificados sem, contudo, ignorar a relação entre eles.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através dos estudos teóricos e empíricos realizados durante os estudos, foi possível responder à pergunta norteadora da pesquisa, a qual é “Quais os principais fatores que influenciam os índices de evasão escolar nos cursos técnicos integrados do CEFET/RJ Campus Nova Iguaçu?”. Aponta-se a seguir os seguintes fatores influenciadores da evasão e suas possíveis soluções.

O desligamento compulsório, conhecido pelo termo “jubilamento”, mostra-se um relevante elemento causador de stress, desmotivação, medo, ansiedade, depressão e problemas emocionais mais graves, o que, de acordo com os relatos aqui estudados, leva o aluno a desistir em muitos casos. Por esta razão, considerar o debate institucional acerca da questão do jubilamento se mostra relevante para a melhora dos índices de evasão. A percepção acerca da necessidade de repensar o sistema de jubilamento partiu tanto dos ex-alunos quanto dos servidores que participaram desta pesquisa.

A entrada de alunos de diferentes classes sociais, garantida por lei, também nos revela, no mínimo, uma fragilidade institucional a ser contemplada: o preparo da instituição para acolher e atender o aluno real, compreendendo suas especificidades e se adequando a elas, de modo a garantir ambientes menos excludentes. A entrevista com assistente social só reforça os aspectos socioeconômicos envolvidos na questão da evasão, que precisam ser enfrentados adequadamente de forma planejada e sistemática. A necessidade de trabalhar para ajudar na renda da família é uma realidade que se acentua na medida em que o adolescente se aproxima da maioridade, resultando em uma difícil escolha em que os recursos para o sustento se tornam mais urgentes do que a escola.

Partindo deste pressuposto, pode-se apontar para estudos futuros no sentido de compreender de maneira mais ampla o recorte social envolvido no problema da evasão, o que não foi contemplado profundamente no presente estudo.

Mostra-se essencial, portanto, repensar a questão do nivelamento, o qual não tem se mostrado eficiente a contento. Uma vez que as formações dos alunos, oriundos de diferentes realidades e classes sociais da baixada fluminense e da capital, se apresentam com profunda discrepância, torna-se fundamental compreender a realidade destes alunos, a fim de garantir que o ensino e toda estrutura escolar sejam construídos no sentido de diminuir o impacto destas diferenças no sucesso escolar dos alunos.

Foi evidenciada também através das entrevistas e citada tanto pela parte acadêmica quanto pelos alunos, a necessidade de se investir em formação continuada para os docentes a respeito da relação professor x aluno.

Ainda que muitos professores mantenham uma relação positiva com os estudantes, alguns casos preocupantes demonstram que um trabalho melhor necessita ser planejado pela instituição neste sentido.

Nota-se que alguns professores possuem a habilidade natural de interação com os alunos, o que facilita o processo ensino x aprendizagem em sala de aula. Carece-se, entretanto, de uma formação neste sentido, sobretudo aos professores dos cursos técnicos, os quais não tiveram contato com conhecimento pedagógico em sua formação eminentemente técnica e orientada para resultados. Não se sugere que a instituição abra mão de sua cultura de formação técnica, mas se evidencia a necessidade de conciliar a formação para o trabalho com a formação que atenda às premissas do Ensino Médio, cujos princípios norteiam a educação para o desenvolvimento integral de um cidadão crítico e preparado para atuar na sociedade.

Os problemas emocionais enfrentados pelos ex-alunos evadidos mostraram-se presentes em todas as entrevistas realizadas, sem exceção, evidenciando a relevância e urgência de um estudo mais específico do tema que possibilite a melhor compreensão do fenômeno e a atuação da equipe gestora e dos demais agentes educadores no sentido de combatê-lo.

Foi possível observar que, ao se perguntar quais as principais questões relacionadas à evasão escolar no campus, as respostas permaneceram em torno de poucos problemas centrais, e alguns outros problemas-satélite que os circundam. Observa-se também que os problemas centrais encontrados estão interligados, sendo causa e consequência uns dos outros, transformando-se num ciclo que se retroalimenta.

Conclui-se, portanto, ressaltando a necessidade de um debate amplo, institucional e sistêmico no sentido de repensar e modificar estes elementos complicadores a fim de possibilitar a interrupção deste ciclo de fracasso escolar para que, além de oferecer a entrada em uma escola de excelência e qualidade reconhecidas, o Cefet/RJ possa também garantir a permanência e a conclusão dos alunos dos seus cursos técnicos integrados.

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[1] Pedagoga com Licenciatura Plena/ Psicopedagoga Clínica e Institucional.

[2] Doutorado em Engenharia de Produção. Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Brasil. Mestrado em Engenharia de Produção. Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Brasil. Graduação em Engenharia de Produção. Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Brasil.

Enviado: Agosto, 2022.

Aprovado: Agosto, 2022.

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Suzana da Silva Nunes

2 respostas

  1. Achei interessante a pesquisa e me interessei por ela. Minha pergunta é: 1- Os cursos oferecidos pelos os CEFETs estão de acordo com as aptidões de seus alunos? 2- Se o aluno concluiu o 1o ano, e depois, analisou suas problematicas de continuar o curso, porque o mesmo não atenderia suas necessidades profissionais, ele poderia mudar de curso e abandonar o que estava em curso? Seria considerado “evasão”? 3- O ensino básico, realmente dá sustentação para o pós-médio? Não seria uma forma de evasão?

  2. Sua pesquisa é um retrato da realidade. Tenho um familiar estudando no CEFET/NI, curso de Informática, e está passando por esse contexto de evasão. Um de seus professores verbalizou para ela que não tinha aptidão para aquela profissão. Sou educadora e sinto muito que o olhar da Instituição não seja para o aluno.

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