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Implicações da educação integral no contexto atual

RC: 125968
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/educacao-integral

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

RIBEIRO, Renata Alessandra dos Santos [1], FERREIRA, Rejane Isabel [2], CARVALHO, Silvia Aparecida Santos [3]

RIBEIRO, Renata Alessandra dos Santos. FERREIRA, Rejane Isabel. CARVALHO, Silvia Aparecida Santos. Implicações da educação integral no contexto atual. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 08, Vol. 08, pp. 68-81. Agosto de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/educacao-integral, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/educacao-integral

RESUMO

O acesso à educação de qualidade pode ser considerado um dos princípios da democracia. Ele é fundamental para a construção da equidade social, entretanto é necessária uma nova escola, que esteja aberta aos movimentos e avanços sociais e que corresponda ao desafio da formação integral do ser humano. Ante ao exposto pergunta-se: quais os fundamentos da educação integral na atualidade? O objetivo deste artigo é discutir os fundamentos da consolidação da educação integral na atualidade. Quanto ao método, trata-se de um ensaio teórico desenvolvido a partir do diálogo com diferentes autores, como Miguel Arroyo, Moacir Gadotti, Paulo Freire, Edgar Morin e Dermeval Saviani. Inicialmente foi discutida a relação entre a educação em geral e a educação integral em particular, evidenciando esta última como propiciadora do desenvolvimento pleno dos estudantes. A seguir, examinamos a contemporaneidade e as possibilidades e exigências da educação, abordando dentre outros aspectos, ações pedagógicas que levem em conta a importância das vivências dos alunos e as características de seus respectivos territórios educativos. Por fim, investigamos algumas perspectivas da educação integral na atualidade. Concluímos evidenciando a importância de a educação integral visar a formação omnilateral dos sujeitos, levando em consideração a demanda da heterogeneidade social, valorizando as especificidades e as capacidades de cada um, o que ocorre através de práticas abertas à diversidade e inclusão.

Palavras-chave: Educação Integral, Ação docente, Dualidade educacional, Educação e atualidade.

1. INTRODUÇÃO

A educação integral é uma proposta que pode ser concebida a partir de diferentes perspectivas. Maria Ciavatta (2005) a entende como sendo resultado de uma articulação entre a educação geral, que aborda conteúdos curriculares considerados humanísticos, e a educação técnica ou profissional. Segundo a autora, uma educação integral humanizadora corresponde a um projeto de sociedade que visa não a mera formação de mão de obra para o mercado, mas sim a formação do ser humano como um todo, isto é, integralmente.

A educação integral, apesar de toda a variedade que possa apresentar, tende a construir novas relações e novas práticas educacionais. Nesse sentido, Manacorda (2010) afirma que, para a reintegração omnilateral do ser humano, isto é, de todos seus aspectos, é necessária uma reunificação entre as estruturas das diferentes ciências com a produção. O cidadão formado em uma escola omnilateral é completo, capaz de atuar eficazmente em todo processo produtivo, ao invés de ser unilateral, ou seja, devotado apenas à função de realizar algum exercício específico na linha de trabalho, atrofiando suas outras capacidades.

Por outro lado, a educação integral também visa dar voz aos que muitas vezes foram silenciados ou excluídos da participação plena na sociedade. Isto posto, ela pode ser entendida como um dos caminhos para elucidação da condição opressora a que muitos são submetidos ao lhe serem negados a autonomia de pensamento, a liberdade de escolhas e a capacidade de exercer protagonismo diante da vida.

Diante do exposto pergunta-se: quais os fundamentos da educação integral na atualidade? O objetivo principal deste artigo é discutir os fundamentos da consolidação da educação integral na atualidade. Como objetivos específicos, isto é, etapas necessárias para a consecução do objetivo principal, elencamos os seguintes: discutir a relação entre a educação em geral e a educação integral; examinar a contemporaneidade social e cultural e as exigências educacionais surgidas nesse contexto; e investigar as perspectivas da educação integral na atualidade.

De um ponto de vista metodológico este artigo se constitui enquanto ensaio teórico. Trata-se de uma forma qualitativa de pesquisa em educação que visa responder a algumas problemáticas em evidência em determinado contexto (MATTAR, 2017). Elaboramos nossas reflexões a partir do diálogo com diferentes autores da educação ou do campo das ciências humanas e sociais mais amplo, como Miguel Arroyo (2012), Moacir Gadotti (2009), Paulo Freire (1967), Edgar Morin (2000) e Dermeval Saviani (2012). Inicialmente foi discutida a relação entre a educação em geral e a educação integral em particular, evidenciando esta última como propiciadora do desenvolvimento pleno dos estudantes.

Este estudo se justifica considerando a importância da educação para a democracia, conforme defende Saviani (2012). Por sua vez, a educação integral em particular pode contribuir não apenas para uma sociedade democrática, mas também que ela seja, além disso, capaz de promover a igualdade social e a superação de desafios que historicamente foram vividos pela população brasileira, como o desemprego, a fome e a miséria. Ora, à medida em que a população tem uma formação omnilateral, isto é, completa, que atenda às suas múltiplas necessidades formativas, o ser humano é capaz de enfrentar os desafios que encontra em sua realidade cotidiana, inclusive superar os obstáculos sociais, culturais e políticos para o progresso. Por fim, vale ressaltar que, sendo a escola um espaço para a aprendizagem, construção de identidades, lugar de encontro de distintas realidades vividas, é necessário pensar a educação visando contemplar a formação integral do ser.

2. DESENVOLVIMENTO

Para desenvolver nosso estudo, em primeiro lugar discutiremos a relação entre a educação em geral e a educação integral em particular, caracterizando-as e evidenciando esta última como sendo propiciadora do desenvolvimento pleno dos estudantes. Em seguida, examinaremos a contemporaneidade global e especialmente a brasileira e as possibilidades e exigências da educação, abordando dentre outros aspectos, ações pedagógicas e a importância de se levar em conta a importância das vivências dos alunos e as características de seus respectivos territórios educativos. Por fim, investigaremos algumas perspectivas da educação integral na atualidade.

2.1 EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO INTEGRAL

A educação é um fato vital, tal como explica o filósofo Álvaro Vieira Pinto (1994). Consequentemente uma perspectiva educacional crítica não pode adotar uma concepção de verdade pronta e acabada, mas sim, toma como critério fundamental em sua prática cotidiana a relevância de se levar em consideração as bases históricas, fundamentando-se na experiência individual dos sujeitos. Na construção do ser humano como um sujeito social, segundo Paulo Freire é a partir:

das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o fazedor. Vai temporalizando os espaços geográficos. Faz cultura. E é ainda o jogo destas relações do homem com o mundo e do homem com os homens, desafiado e respondendo ao desafio, alterando, criando, que não permite a imobilidade, a não ser em ternos de relativa preponderância, nem das sociedades nem das culturas. E, na medida em que cria, recria e decide, vão se conformando as épocas históricas. É também criando, recriando e decidindo que o homem deve participar destas épocas (FREIRE, 1967, p. 50).

De acordo com o autor, os seres humanos enquanto entes históricos, ao se constituírem como sujeitos no mundo, realizam sua construção identitária com vistas a uma condição de libertação ou dominação. Ainda segundo Freire, tais condições são definidas pelas capacidades humanas de decidir e agir. A educação ofertada ao homem no decorrer de sua existência é um fator determinante de sua formação social e política, despertando nele a compreensão de si, do outro e do mundo. A condição de dominado ou de sujeito protagonista de sua própria história será alcançada por meio das escolhas e ações durante o decorrer da vida em sociedade. Desta forma a humanidade é transformada e constrói novos significados em épocas e espaços.

Considerar a educação enquanto um princípio de democracia implica considerar os discentes como sujeitos em processo constante de aprendizagem, atentando-se para as demandas que se apresentam nos campos social, econômico, cultural e político, por meio de um trabalho pedagógico criativo. Cabe à escola oportunizar experiências formativas dentro de ações que resultem na capacidade de exercer a cidadania, resolver situações-problemas e fazer escolhas conscientes. Oportunizando ao discente pensar o mundo ao seu redor e ressignificá-lo por meio de ações conscientes, implica também ir além da mera preparação técnica que capacita para o mercado de trabalho: trata-se de uma formação para o pleno exercício da vida. Ademais, também implica o reconhecimento da diversidade presente no universo social.

A educação integral, por sua vez, enquanto campo de estudos da ciência da educação e como uma concepção do processo educativo, ao contemplar e visar a integralidade formativa dos sujeitos, consequentemente tendo que considerar as realidades, vivências e aprendizagens em toda sua diversidade, recebe grande visibilidade, tanto da sociedade civil quanto de pesquisadores da educação. A proposta da educação integral é superar a fragmentação dos conhecimentos, visando a inovação do pensamento por meio de um desenvolvimento integral, propiciado por meio de uma prática pedagógica integradora dos sujeitos e dos aspectos específicos do tempo histórico, do espaço sócio comunitário em que ele está inserido, de seus entornos e realidades (GADOTTI, 2009).

Ultrapassando concepções tradicionais de ensino-aprendizagem, que tinham por base a reprodução do conhecimento, o professor como detentor do saber e a autoridade única na sala de aula e os alunos uma postura passiva na escola, a educação contemporânea, em contraste, tende a priorizar a educação integral dos discente, pelas razões que abordaremos na próxima seção do artigo. Ela critica esse passado autoritário da educação, inovando com uma abordagem que prioriza o aluno enquanto protagonista e que tem sua autonomia no processo ensino-aprendizagem. Nesse processo em que ele se encontra em constante desenvolvimento, tanto aluno como docente aprendem e experimentam novas possibilidades e diferentes modos de interpretação. O aluno, ao participar de maneira ativa nesse processo, se torna mais preparado para solucionar situações-problemas e experienciar o mundo ao seu redor. Assim este discente passa a desenvolver de forma integral experimentando sentimentos, emoções, ideias, pensamentos, habilidades diferentes (GADOTTI, 2009).

Para colocar essa metodologia em prática, é preciso mudar a forma como a educação é vista e quebrar paradigmas estabelecidos. Por isso, incentivar o protagonismo do aluno é uma forma de não apenas garantir que ele aprenda o conteúdo das disciplinas, mas também que se torne um cidadão crítico e ativo na sociedade. Quando o protagonismo do aluno se torna o objetivo de toda a escola, o professor assume o papel de facilitador e mediador do processo.

Examinadas essas características da educação em geral e da educação integral em particular, passemos à consideração da realidade social e cultural em que vive o ser humano na atualidade, pois é a partir dela e para viver nela que a educação integral exerce a formação do ser humano.

2.2 EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE

O papel da escola e do docente foi alterado na atualidade devido a diversas questões que envolvem desde a massificação de informações através dos meios de comunicação, até questões sociais e econômicas relacionadas ao acesso à tecnologia. Sendo assim, não banalizar o conhecimento e preparar o estudante para viver na era da informação é uma preocupação importante nos meios educacionais. Ao professor cabe o papel de mediar, por meio de sua ação pedagógica, as informações que serão processadas por seus alunos na construção de seu conhecimento.

À luz da condição atual de era da informação, as reflexões do pensador francês Edgar Morin são importantes, à medida em que todo conhecimento sofre ameaça de erro ou ilusão:

O conhecimento não é um espelho das coisas ou do mundo externo. Todas as percepções são, ao mesmo tempo, traduções e reconstruções cerebrais com base em estímulos ou sinais captados e codificados pelos sentidos. Daí resultam, sabemos bem, os inúmeros erros de percepção que nos vêm de nosso sentido mais confiável, o da visão. Ao erro de percepção acrescenta –se o erro intelectual. O conhecimento, sob forma de palavra, idéia, de teoria, é o fruto de uma tradução/reconstrução por meio da linguagem e do pensamento e, por conseguinte, está sujeito ao erro (MORIN, 2000, p. 20).

Para o autor o conhecimento é um recorte da realidade, sendo sua tradução e reconstrução cabível de interpretação, e, portanto, passível de erro. Além disso, também existem questões da subjetividade humana, como a visão que cada um tem do mundo, que influenciam as interpretações feitas. Segundo Morin, “não se joga o jogo da verdade e do erro somente na verificação empírica e na coerência lógica das teorias. Joga-se também, profundamente, na zona invisível dos paradigmas. A educação deve levar isso em consideração” (2002, p. 24). Atentar para essa questão é compreender que a educação pode “cegar” ou “revelar” questões essenciais para que o homem desenvolva sua criticidade diante da realidade e seja autocrítico ao exercer seu papel na sociedade.

Tal como apontado na seção anterior, a escola não pode ter uma postura atemporal da verdade, ela necessita, por conseguinte, acompanhar os movimentos e transformações sociais. Considerando sua função social e política, a escola também deve impulsionar mudanças, mas não como fosse uma instituição redentora da sociedade, e sim como um meio de se levar ao questionamento, a problematizar as questões em busca de um conhecimento que seja construído de forma significativa a favor do povo.

A respeito da aprendizagem significativa, Celso Antunes afirma que se trata do

processo pelo qual uma nova informação se relaciona de maneira não arbitrária e substantiva (não-literal) à estrutura cognitiva do aprendiz. A Aprendizagem Significativa, assim, se contrapõe a Aprendizagem Mecânica ou automática, quando nesta última, as novas informações são adquiridas sem interagir com conceitos relevantes existentes na estrutura cognitiva (ANTUNES, 2003, p. 15).

De acordo com o mesmo autor, uma aprendizagem significativa acontece quando, no ato de aprender, é oportunizado a criação de conexões, ou seja, associações de informações a conhecimentos já adquiridos. Ele defende que a Aprendizagem Significativa conduz o aluno à construção do conhecimento durante o processo ensino-aprendizagem de forma a permitir que ele possa conhecer, fazer, viver e ser de uma forma diferente no mundo. Uma vez que nosso mundo é constituído ainda pela desigualdade e pela injustiça, faz-se necessário transformá-lo no sentido do desenvolvimento que beneficie a todos.

Uma educação a serviço de novas finalidades, da mudança estrutural da sociedade, de acordo com Saviani (2012), requer reflexão e discussão sobre questões necessárias de serem resolvidas no âmbito da prática social. Pensar e refletir sobre porque se ensinar determinado conhecimento e não outro, por que se ensinar de certa forma e não de outra, são questionamentos necessários para a prática. O mesmo autor afirma que:

o processo educativo é passagem da desigualdade à igualdade. Portanto, só é possível considerar o processo educativo em seu conjunto como democrático sob a condição de se distinguir a democracia como possibilidade no ponto de partida e a democracia como realidade no ponto de chegada. Consequentemente, aqui também vale o aforismo: a democracia é uma conquista; não um dado. Este ponto, porém é de fundamental importância. Com efeito, assim coma a afirmação das condições de igualdade como uma realidade no ponto de partida torna inútil o processo educativo, também a negação dessas condições como uma possiblidade no ponto de partida, inviabiliza o trabalho pedagógico (SAVIANI, 2012, p. 78).

Para o autor o ato de educar é uma oportunidade de transformar vidas ao oportunizar aos sujeitos a capacidade de exercer seus deveres e conquistar seus direitos. As diferenças precisam ser consideradas e pensadas para realmente acontecer e exercer esse papel de transformação.

A educação deve ser articulada com todos os outros elementos que configuram a prática social. Assim ela atinge seu grau máximo de capacidade de transformar a sociedade em busca da superação das desigualdades. Ações pedagógicas que direcionam seu olhar crítico para o contexto comunitário, problematizam questões sociais e experiências inovadoras aplicadas à comunidade escolar, levam à construção de conhecimentos oportunos para transformar possibilidades em realidade, configurando aquilo que Paulo Freire (2016) chamou de inéditos viáveis. Planejar por meio da escuta do outro, de si e do diálogo necessário com o aluno e comunidade, antecipar mentalmente os resultados da ação, conhecer a realidade, os anseios sociais, os sonhos, as necessidades, agir para dar voz e espaço a outros por meio de ações que despertem o raciocínio, a iniciativa, o espírito de resiliência, o amor e respeito à vida; todas essas são práticas necessárias para a transformação citada.

A educação integral contempla uma perspectiva que envolve tanto a conquista de uma democracia quanto o processo pedagógico a serviço das transformações das relações de produção. Por meio dessa articulação ela permite que se desenvolva uma sociedade mais igualitária, tal como defendido por Dermeval Saviani (2012). Para tanto, indica ele, é necessária uma pedagogia com caráter revolucionário. Ela se traduz concretamente na insubordinação criativa através da qual a escola se renova por meio de um olhar docente que contempla a diversidade, visualiza a liberdade de escolhas conscientes e os horizontes que se abrem por meio de ações flexíveis e bem planejadas. Consequentemente, decorre daí a confirmação da impossibilidade de qualquer suposta neutralidade: é um dever ético que a escola se posicione em favor daqueles que têm negado o exercício pleno da vida. Em um mundo capitalista que prioriza o crescimento econômico através da dominação das pessoas, que termina por aliená-las, a educação não pode ser mais uma parte desta estrutura.

À luz dessas reflexões torna-se clara a necessidade de investigar novas perspectivas para a educação integral. Brandão (1981) afirma que “todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias: Educação? Educações”. Nesse sentido, há um processo circular em que não somente a escola educa quanto também se educa a partir da realidade social em que está inserida. Educar pensando em como o ensino será útil para o discente não negando a realidade de cada um por excluir as questões raciais, discriminatórias, a pobreza, a violência escancarada na sociedade. Não se trata de um compadecimento moralista, mas de compreender os compromissos éticos da educação.

2.3 PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL NA ATUALIDADE

Os princípios que pautam a educação integral emergiram no contexto histórico através de diversos pensadores que quebraram paradigmas em suas épocas. Nomes como Aristóteles, Édouard Claparède, Célestin Freinet, Fernando Azevedo, Paulo Freire, entre outros, se destacam com seus ideários, pois evidenciam o aprendizado como um acontecimento integrado às questões emocionais, afetivas, familiares, cognitivas, intelectuais e sociais. Uma contribuição importante que a educação integral nos oferece é destacar o caráter permanente da educação: nunca paramos de aprender e nos educamos em tempo integral nas relações que estabelecemos com o mundo e com os outros cotidianamente.

De acordo com Leclerc e Moll (2012), às políticas de educação integral e em tempo integral foram retomadas, no Brasil, com base em determinadas condições conjunturais e estruturais, desde a primeira década do século XXI. Elas apontam que foi reconhecido seu papel como política positiva para enfrentamento das desigualdades sociais e, consequentemente, das desigualdades educacionais.

Considerando a prática da educação integral, no espaço escolar, entendido não como o único em que o indivíduo aprende, mas um deles, emergem duas dimensões distintas e que necessitam de esclarecimento. Uma é a “dimensão quantitativa”, entendida como se referindo ao período de tempo em que o discente permanece na escola, que tende a ser maior; e a outra é a dimensão qualitativa, que diz respeito ao caráter formador dessa prática, que pauta suas ações pelo princípio da formação omnilateral do sujeito (GADOTTI, 2009).

O uso das expressões “tempo integral” e “jornada ampliada” é estabelecido com base no marco legal da política educacional. As políticas de ampliação de jornada deverão levar à educação em tempo integral, referenciadas pela cobertura do financiamento da educação, conforme o que estabelece o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) – Lei nº 11.494/2007. Em seu artigo 10, o tempo integral foi considerado como um dos tipos de matrícula a receber ponderação diferenciada para distribuição proporcional de recursos. Assim, passou a ser considerada como de tempo integral a jornada escolar com duração igual ou superior a sete horas diárias, durante todo o período letivo, compreendendo o tempo total que um mesmo aluno permanece na escola ou em atividades escolares, conforme o artigo 4º do Decreto nº 6.253/2007 (LECLERC; MOLL, 2012, p. 20).

É possível identificar a variável “tempo”, segundo as autoras, fazendo alusão primeiramente a uma ampliação da jornada escolar, ao tempo em que o aluno permanece na escola, culminando na ampliação dos espaços educativos. Na perspectiva da educação integral, uma das possibilidades pedagógicas consiste na ampliação da escola para além dos seus muros, passando a considerar o entorno da escola, sua comunidade circunstante e seus possíveis itinerários educativos como sendo constitutivos do campo emergente das demandas para as políticas de educação em jornada ampliada.

Construindo parcerias e vínculos com a comunidade, inclusive desenvolvendo práticas de educação popular, em um processo de interação entre a escola e o contexto em que se insere, ela pode se conhecer e compreender criticamente a realidade em que está inserida. Deste modo, os movimentos do território em que se insere e os temas suscitados pela vida cotidiana do estudante devem ser trazidos à escola para serem discutidos e contribuírem para a aprendizagem significativa. De acordo Ana Beatriz Faria:

Pensando em termos de “redes de sustentação” pode-se apontar que a agenda de Educação Integral, sobretudo em relação ao modo de (re)organizar a educação escolar, pode e deve nutrir novas redes de aprendizagem e intercâmbio de ideias e práticas sociais e culturais, a partir de campos conceituais (entendidos também como ferramentas) como território e intersetorialidade (FARIA, 2012, p. 99).

Para a autora, os espaços educativos vão além da sala de aula e da escola, se estendendo para espaços que são significativos da vida local e da cultura. Assim, a escola se conecta diretamente com as pessoas e as questões sociais daquela localidade em busca de soluções para resoluções de problemas e valorizações do saber de cada um. Por conseguinte, a educação oferecida passa a ter sentido e qualidade formativa para o desenvolvimento integral do aluno, sendo que todos são levados a um sentimento de pertencimento, de colaboração, de compromisso, de responsabilidade e de prazer perante a vida social.

A educação integral necessita ser considerada para além da dimensão de uma ampliação de tempo escolar, conforme percepção errônea de muitos. Ela é integral a partir do momento em que integra, que liga, que constrói pontes considerando questões emergentes na vida do educando. Uma jornada de tempo ampliada não significa necessariamente a oferta ao discente de uma educação integral. Não é o tempo, mas sim as ações feitas na escola que levam estruturam uma educação autenticamente integral.

A formação dos ser humano em aspectos qualitativos implica diretamente a vinculação entre educação e sociedade e uma pedagogia a serviço da democracia, da humanização e dos interesses populares na colaboração para a construção de uma sociedade igualitária em uma perspectiva de que a escola avança de reprodutora para construtora de conhecimento em constante processo de intrínseca relação entre teoria e prática, propiciando bases para a aprendizagem e desenvolvimento integral de todos a partir da integralidade do sujeito e não apenas em aspectos cognitivos. O que justifica o fato de ser possível a educação integral tanto em jornadas regulares com parcerias ou em jornada ampliada, ampliando experiências interativas, considerando os contextos, mobilizando setores e redes.

De acordo com Arroyo (1988), o caráter de formação integral é atingido através da ênfase na prática pedagógica que ofereça aos discentes uma experiência educativa completa e significativa que vai além da instrução. Faz-se necessário oportunizar experiências interativas e situações coletivas que envolvam aspectos sociais, físicos, emocionais, afetivos e lúdicos. Caminhamos no entendimento da educação integral alicerçada pela busca das potencialidades do ser humano e de seu pleno desenvolvimento. Nesse sentido podemos afirmar que a educação integral consiste também “no fomento e na integração das capacidades, aceitando o nosso inacabamento, mas atuando, mesmo na incerteza do porvir, na promoção das possibilidades atuais e futuras de nossa evolução enquanto espécie e seres humanos” (RIBEIRO; MOREIRA, 2020, p. 975).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na contemporaneidade, tempo em que ocorrem mudanças rapidamente e que surgem novas tecnologias de informação e comunicação, mostrando como o mundo está em intenso movimento, a educação integral se apresenta como uma ferramenta capaz de articular o trabalho nas escolas em prol das novas demandas nos sistemas educacionais. Este artigo mostrou que, particularmente no que se refere à formação plena dos sujeitos por meio de um trabalho pedagógico bem estruturado, flexível e aberto para a comunidade, diversos aspectos da realidade atual devem ser considerados para uma educação integral.

A jornada ampliada, própria da educação integral, necessita oferecer ao aluno toda uma estrutura e suporte que atenda suas reais necessidades e disponibilize atividades planejadas que contemplem o protagonismo do aluno. Consequentemente é preciso estimulá-lo na resolução de situações-problema e na manifestação de um posicionamento coerente diante de fatos do cotidiano, preparando-o para o exercício pleno da vida. Tanto a educação em jornada ampliada quanto em jornada regular pode oferecer a educação integral, que se mostra presente não no tempo em que o aluno irá permanecer na escola, mas em como esse tempo irá ser um diferencial na vida desse aluno por meio dos projetos e ações pedagógicas pensados para seu pleno desenvolvimento. Considerar o aluno um protagonista na construção de sua aprendizagem é dar voz ativa a este e fazer com que o processo ensino-aprendizagem seja para a construção de conhecimentos.

A educação integral surge no cenário da educação, incluindo, integrando saberes, territórios e pessoas para unir escola e comunidade. Ela mostra que todos aprendemos continuamente, que o saber não é um processo acabado, pronto, mas que nas trocas que fazemos uns com os outros é que nós nos formamos como sujeitos, que nos politizamos. Com uma abordagem humanizada, a educação integral oferece uma amplitude do pensamento ao abrir espaço para as muitas vozes silenciadas pelas classes dominantes excludentes que tendem a uma hegemonia para favorecer a perpetuação de um sistema excludente e preconceituoso.

A proposta da educação integral traz um novo paradigma de compreensão do homem, revelando a amplitude humana, abrindo na escola um elenco diversificado de protagonistas autônomos, sensíveis, conhecedores de suas possibilidades. Nesse sentido, novas competências, o pensar, o criar, e o transformar são ressaltadas, ao passo em que os estudantes são estimulados e favorecidos por ações pedagógicas voltadas para os estímulos conscientes de suas inteligências. Um compromisso ético-político com a formação global do educando, portanto, é o que fundamenta a prática da educação integral na sua atualidade e justifica seu papel social.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Celso. Como transformar informações em conhecimento. 4ª edição. Petrópolis 2003. Editora Vozes.

ARROYO, Miguel Gonzáles. O direito a tempos-espaços a um justo digno viver. In: MOLL, Jaqueline et al (Org.). Caminhos da Educação Integral no Brasil: direito a outros tempos e espaços educativos. Porto Alegre: Penso, 2012. Cap. 1. p. 33-45.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. 2. Ed. São Paulo, Brasiliense 1981. Passim.

CIAVATTA, Maria. A formação integrada: a escola e o trabalho como lugares de memória e de identidade. Trabalho Necessário, v. 3, n. 3, 2005.

FARIA, Ana Beatriz. Por outras referências no diálogo arquitetura e educação: na pesquisa, no ensino e na produção de espaços educativos escolares e urbanos. Em Aberto, Brasília, v. 25, n. 88, p. 99-111, jul./dez. 2012

FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2016.

GADOTTI, Moacir. Educação Integral no Brasil: inovações em processo. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2009.

LECLERC, Gesuína de Fátima Elias; MOLL, Jaqueline. Educação integral em jornada diária ampliada: universalidade e obrigatoriedade? Em Aberto, Brasília, v. 25, n. 88, p. 17-49, jul./dez. 2012.

MANACORDA, Mario. Marx e a Pedagogia Moderna. Campinas: Alínea Editora, 2010.

MATTAR, João. Metodologia científica na era digital. São Paulo: Saraiva, 2017.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000.

RIBEIRO, Diovane; MOREIRA, Wagner. Edgar Morin e a educação integral: subsídios para essa associação. RBPAE – v. 36, n. 3, p. 970 – 989, set./dez. 2020.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. Campinas: Editora Autores Associados, 2012.

VIEIRA PINTO, Álvaro. Sete lições sobre a educação de adultos. Campinas: Cortez, 1994.

[1] Mestre em Educação pela Universidade de Uberaba (UNIUBE), Especialista Em Ensino de Artes Visuais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), graduada em Letras Port/Inglês pela Universidade de Uberaba (UNIUBE) a qualificação completa, possui curso Técnico em Magistério. ORCID: 0000-0003-2823-6915.

[2] Mestrado em Gestão e Avaliação da Educação Pública (UFJF); Pós graduação em Psicopedagogia; Pós graduação em Educação Especial (UNIRIO); Pedagogia (UNIUBE). ORCID: 0000 0002 4515 130x.

[3] Especialista Em Ensino de Artes Visuais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), especialista Em Educação do Campo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); graduada em Letras Port/Inglês pela Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC); graduada em Pedagogia pela Universidade de Franca (UNIFRAN); possui curso Técnico em Magistério. ORCID: 0000-0001-8134-7417.

Enviado: Julho, 2022.

Aprovado: Agosto, 2022.

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Renata Alessandra dos Santos Ribeiro

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