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O combate aos crimes cibernéticos e à lavagem de dinheiro por meio da criptomoeda

RC: 125992
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

OLIVEIRA, Mário Luiz de [1]

OLIVEIRA, Mário Luiz de. O combate aos crimes cibernéticos e à lavagem de dinheiro por meio da criptomoeda. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 08, Vol. 08, pp. 94-118. Agosto de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/administracao/criptomoeda

RESUMO

A criptomoeda é uma moeda digital, desenvolvida em um formato de rede virtual onde são abrigadas informações em blocos, de diferentes registros de valores, como as transações financeiras, escrituras de imóveis, ações da bolsa etc., blocos cujas informações são encadeadas entre si, denominados blockchain, os quais não podem ser alterados ou deletados, já que são protegidos pela criptografia. É considerada uma tecnologia inovadora, que permite a realização de transações exclusivas entre dois ou mais indivíduos nela interessados, que podem estar em diferentes localidades físicas e sem qualquer intervenção financeira ou governamental, ensejando agilidade e redução de custos devido à ausência de terceiros. Contudo, as criptomoedas têm sido cada vez mais utilizadas para fraudes virtuais e lavagem de dinheiro, e por esse motivo, tornou-se alvo da regulação de órgãos protetivos vinculados ao governo de diferentes países, regulação que é local e não global. Nesta perspectiva, a pergunta que surge é: como evitar a lavagem de dinheiro por meio de criptomoedas? O objetivo deste estudo consiste em identificar os meios específicos para a proteção do capital de investidores, evitando que seja induzido ao engano e fraudes, no momento de realizar suas aplicações. Como metodologia foi escolhida a pesquisa bibliográfica. A análise dos conceitos teóricos e relatos sobre fraudes ocorridas levaram às seguintes conclusões: que o conceito trazido pelas criptomoedas representa uma grande evolução para as transações financeiras dos diferentes tipos, mas que já estamos no momento de serem criadas as devidas regulações mercadológicas, tanto para a proteção do capital e seus investidores, assim como para a mitigação das fraudes e lavagem de dinheiro. 

Palavras-chave: Criptomoedas, Bitcoin, Lavagem de dinheiro, Compliance.

1. INTRODUÇÃO

A lavagem de dinheiro é considerada um crime típico da sociedade moderna, face ao uso das diferentes tecnologias disponíveis na atualidade pelos inúmeros infratores virtuais, que têm aperfeiçoado suas investidas criminosas promovendo novas modalidades de fraudes financeiras, a cada avanço nas ferramentas protetivas desenvolvidas por especialistas.

O livro “A ascensão do dinheiro – a história financeira do mundo”, autoria de Niall Ferguson, mencionado por Telles (2018, p. 16), traz uma forma importante para conceituar a criptomoeda:

O dinheiro não é metal. É a confiança registrada. E não parece importar muito onde é registrada: sobre prata, sob argila, sobre uma tela de cristal líquido. Tudo serve como dinheiro, das conchas lumache das Ilhas Maldivas, aos imensos discos de pedra das ilhas Yap, no Pacífico. E agora, ao que parece, o nada pode servir como dinheiro também, nesta era eletrônica.

Uma vez que a “bitcoin é uma moeda que permite comprar e vender bens, enviar dinheiro ou ainda realizar a extensão de crédito”, tal qual as moedas que circulam no sistema financeiro convencional, trata-se de uma moeda diferenciada apenas por ser virtual e não impressa ou palpável (TOGUCHI, 2021, p. 8).

Outra diferença nas transações com as bitcoins e as moedas convencionais é que qualquer tipo de transação se faz diretamente entre seus usuários, sem a interferência, os custos e a demora comuns às negociações feitas por meio das instituições financeiras. Assim, além de ser uma moeda é considerada também uma “tecnologia com a função do dinheiro (…)” (TOGUCHI, 2021, p. 8).

Uma vez que inexiste uma regulação mundial para controlar efetivamente as transações realizadas por meio de criptomoedas, ensejando evitar as muitas fraudes e a lavagem de dinheiro como têm sido noticiadas ao longo do tempo, a cada novo evento ilícito os governantes buscam os meios para regular interna ou localmente este tipo de transação, inibindo a ação de criminosos e a perda patrimonial dos usuários das moedas virtuais.

Neste sentido, este estudo, que escolheu como metodologia a pesquisa bibliográfica, pretende, a partir da análise da literatura selecionada, responder à pergunta: como evitar a lavagem de dinheiro por meio de criptomoedas? O objetivo deste estudo consiste em identificar os meios específicos para a proteção do capital de investidores, evitando que seja induzido ao engano e fraudes, no momento de realizar suas aplicações. 

2. A ERA DA INFORMAÇÃO

A sociedade da informação surgiu a partir do desenvolvimento das diferentes tecnologias eletrônicas, iniciada com a internet, e transformou o globo terrestre em um espaço plano, na medida em que os indivíduos passaram a saber fatos e eventos acontecendo em tempo real do outro lado do mundo (MARRA, 2019).

A Era da Informação é considerada a 3ª. revolução industrial, face à importância das novas “Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), que reúnem técnicas, aquisição, conservação e propagação de informações por meio de diferentes dispositivos eletrônicos, indispensáveis nos dias atuais” (MARRA, 2019, p. 147).

Figura 1 – As quatro revoluções industriais

As quatro revoluções industriais
Fonte: Marra (2019, p. 147).

Uma vez que os investidores acreditam que as criptomoedas vão ocasionar uma grande mudança nas práticas e interações negociais no âmbito financeiro, comparam sua criação ao surgimento do e-mail, e as transformações ocorridas a partir de então na comunicação entre as pessoas. Nas palavras de Ulrich (2014 referido por VEDOVATO, 2019, p. 10), “o que o e-mail fez com a informação, a bitcoin fará com o dinheiro”.

Há autores que descrevem a criptomoeda como:

(i) é uma tecnologia digital; (ii) é um protocolo, ou seja, um sistema de comunicação que funciona através da internet; (iii) é um software de código aberto, disponível para qualquer pessoa gratuitamente; (iv) é uma rede de pagamentos online descentralizada, onde os usuários gerenciam o sistema sem intermediários ou autoridade central; e, por fim, (v) é uma criptomoeda (TELLES, 2021, p. 18).

Nessa perspectiva, serão abordados agora os conceitos sobre blockchain, criptomoedas, criptografia, exchanges e wallets.

2.1 BLOCKCHAIN

Entre as inovações surgidas com as novas tecnologias, podem ser mencionadas: inteligência artificial, robótica, biotecnologia, neurotecnologia, blockchain, Internet das Coisas (IoT) e a impressão em três dimensões (3D), cujas finalidades são demonstradas pela tabela 1.

Tabela 1 – Principais novas tecnologias

TECNOLOGIA FINALIDADE
Inteligência artificial Permitir que os sistemas aprendam sem necessidade de programação. É usada na identificação facial e de voz, em veículos autônomos e na automação de processos e serviços.
Robótica Produzir robôs para automação de atividades a custos decrescentes.
Biotecnologia Usar organismos vivos na produção de medicamentos, nutrientes químicos, combustíveis e materiais diversos.
Neurotecnologia Implantar equipamentos eletrônicos nos organismos, com potencial de melhorar o monitoramento de saúde e o tratamento de doenças e de ampliar a capacidade cognitiva.
Blockchain Registrar transações financeiras em um arquivo digital de forma distribuída, imutável, transparente e auditável.                                                                       Também pode ter outros usos, como o monitoramento de cadeias de fornecimento, de registros e de certificações diversas.
Internet das coisas (IoT) Conectar máquinas, eletrodomésticos, veículos, produtos ou qualquer coisa, inclusive pessoas, à internet. É utilizada em diversos setores, na gestão das cidades e nas residências.
Impressão em três dimensões (3D) Permitir a produção de qualquer coisa, com o uso de qualquer material, em um sistema de pequena escala.

Fonte: Marra (2019, p. 147)

Blockchain é um tipo de corrente virtual que serve para verificar as transações digitais em criptomoedas. Diferentes especialistas consideram que é a segunda maior inovação tecnológica, ficando atrás apenas da criação da internet (EXAME, 2021).

Não existe apenas um tipo de blockchain. A primeira blockchain foi a bitcoin, seguida da criação de outras criptomoedas, como a lifecoin e a dogecoin.  Depois de várias tentativas anteriores, a bitcoin foi a moeda digital que conquistou a atenção de inúmeros usuários pelo mundo. É denominada, também, como criptomoeda ou blockchain; nasceu da evolução das tecnologias, impulsionando forte adesão de diferentes usuários (OLIVEIRA, 2019).

No que se refere ao surgimento e valorização da bitcoin, seu uso inicial destacou-se entre os indivíduos advindos das duas maiores potências mundiais. Nascida nos Estados Unidos, a bitcoin provocou a criação das primeiras exchanges de bitcoin, cuja intenção clara era atuar em Wall Street, por ser o maior centro financeiro do país. Por sua vez, o Japão foi a primeira potência mundial a reconhecer a bitcoin como moeda, uma vez que em 2013 chegou a deter a posse de “70% de todas as bitcoins transacionadas no mundo” (OLIVEIRA, 2019, p. 5).

A blockchain é uma corrente que permite o rastreamento e registro de qualquer valor, e não apenas de transações financeiras, já que abrange escrituras de imóveis, ações da bolsa de valores, identidades digitais, registros de uma cadeia de suprimentos, gestão de dados, etc. (OLIVEIRA, 2019).

Uma vez que se trata de uma corrente pública, aqueles que participam podem ter acesso às transações lançadas, como um tipo de auditoria distribuída, sendo uma corrente encriptada e de segurança virtual garantida. Nas palavras de Toguchi (2021, p. 12), “cada elo ligado à rede é uma fonte de prova da existência de determinada transação”.

Os registros existentes em uma rede blockchain são feitos por meio do sistema Distributed Ledger Technology (DLT), no qual eventuais alterações só podem ser efetuadas a partir de novos blocos conectados, ou seja, quando forem realizadas novas transações (TOGUCHI, 2021).

De outra forma, blockchain é um sistema que “permite rastrear o envio e recebimento de alguns tipos de informação pela internet. São pedaços de códigos gerados online que carregam informações conectadas, como blocos de dados que formam uma corrente – daí o nome” (MAZZOLA, 2022). Todos os dados são protegidos por meio da criptografia, que é um sistema de embaralhamento de dados, para impedir quaisquer alterações e/ou exclusões dos mesmos (EXAME, 2021).

Em um sistema blockchain os blocos recebem uma impressão digital chamada hash, que é um código numérico único, sendo por meio de cada hash que se torna possível a formação dos blocos nos quais as informações são agrupadas como transações em lotes (CARMO, LEMES e FREITAS, 2012). Apenas quem tem acesso ao código ou “chave” poderá decifrar tais dados e informações (MAZZOLA, 2022).

Os blocos hash são formados em uma linha contínua e não podem ser alterados depois de sua formação inicial, isto é, não podem ser reescritos; somente para novas transações as informações serão analisadas e incluídas. Como exemplo, pode-se mencionar um acordo entre duas partes sobre o pagamento de determinada quantia em 3 parcelas iguais a serem realizadas a cada 30 dias, ou seja, de forma subsequente. Cada nova transação será verificada por diferentes máquinas mediante os códigos e sua formação em blocos, atualizando os pagamentos sequenciais (EXAME, 2021).

O agrupamento das informações dos usuários em blocos interligados entre si, como é o caso de uma rede blockchain, é considerado uma tecnologia que poderá promover uma quebra efetiva no fluxo da economia global na forma como é conhecida na atualidade. As informações e dados contidos em uma rede blockchain são protegidos pela criptografia, que consiste no embaralhamento dos dados (EXAME, 2021).

O blockchain é um recurso cuja eficiência operacional relativa aos processos de confirmação e autenticação de transações são extremamente benéficos; é uma tecnologia que permite a redução dos custos das instituições bancárias, como por exemplo em sua infraestrutura (EXAME, 2021).

Apesar de seu uso e popularidade ocorrerem a nível global, a regulação desse mercado surge a nível local, isto é, cada país define as regras para sua aplicação internamente, já que o crescimento de valores investidos e quantidades elevadas de transações despertaram a atenção de governos e órgãos reguladores (OLIVEIRA, 2019).

2.2 CRIPTOMOEDAS

Ao longo do tempo surgiram algumas moedas virtuais desenvolvidas por entidades governamentais, mas que não prosperaram, face aos entraves relativos a questões de segurança e duplicidade das transações. Entre essas moedas, estão o e-gold (1996), a Beezn (1998), o Flozz e Ocoins (VEDOVATO, 2019).

As criptomoedas ou ativos digitais podem representar benefícios, como a agilidade nos pagamentos, mas também podem oferecer riscos potenciais para seus consumidores, como por exemplo as fraudes e golpes, segundo defende Nellie Liand, subsecretária de Finanças Internas do Tesouro norte-americano (SCHROEDER, 2022).

Trata-se de um segmento de mercado em ascensão nos últimos anos, embora permeado pelas preocupações de órgãos governamentais envolvidos com a regulação dessa atividade, por avaliarem a necessidade quanto à transparência e proteção necessárias aos consumidores (SCHROEDER, 2022).

Foi em 31 de agosto de 2008 surge uma nova tentativa de lançar uma moeda virtual, quando da realização de um fórum aberto na internet sobre determinado sistema de dinheiro eletrônico ponto a ponto, denominado bitcoin, sendo descritas todas as suas funcionalidades. Sob o pseudônimo de Satoshi Nakamoto, foi lançada “a primeira criptomoeda descentralizada” (VEDOVATO, 2019, p. 9-10).

Já em 2009 tem início o desenvolvimento daquele software, por meio da mineração do primeiro bloco de blockchain. A mineração de uma criptomoeda consiste na forma como sua estruturação é criada. Por sua vez, no intervalo entre 2011 e 2012 a Bitcoin (BTC) que já era comercializada no mercado negro (VEDOVATO, 2019).

Assim, durante a ascensão da bitcoin em 2014, quando já existiam 2 milhões de usuários da BTC, que movimentavam US$10 bilhões, no início de 2014 a cotação abriu em US$13,00 e fechou a US$770,00, conferindo um aumento de 5.823% de rentabilidade altíssima para seus investidores em um intervalo de tempo tão pequeno. De outra forma, a valorização da bitcoin saltou de 30 centavos de dólares para US$31.00, alcançando o valor de US$770.00 em 2017 (VEDOVATO, 2019).

Entre os diferentes usuários das criptomoedas, estão quatro perfis: “programadores e aficionados de tecnologia; 2. investidores e especuladores de mercados financeiros; 3. antissistema ou militantes anarquistas; 4. hackers e criminosos ligados ao dinheiro de lavagem de dinheiro” (PIRES, 2017, p. 07, referido por VEDOVATO, 2019, p. 9-10).

Defende-se que “a concepção de criptomoeda é composta idealmente por 8 elementos, os quais podem ser categorizados conforme seu caráter estrutural ou funcional” (RODRIGUES e KURTZ, 2010, p. 28-9). Tem-se que a existência de duas grandes categorias, a destacar: 1. usos ou significados que a criptomoeda ganha conforme sua função e inserção na economia; 2. formas de identificação e distinção da criptomoeda de outras moedas físicas ou de representações digitais de moeda fiduciária e/ou de tokens virtuais. Essa classificação pode ser melhor visualizada pela tabela 2.

Tabela 2 – Classificação entre elementos conceituais funcionais e estruturais para criptomoedas

Elementos funcionais 1.    Representação digital de valor
  2.    Transferível/ comercializável
  3.    Pode ser usada como meio de pagamento
  4.    Armazena valor
  5.    Serve como unidade contábil
Elementos estruturais 6.    Não tem valor legal
  7.    Usa tecnologia descentralizada
  8.    É não governamental ou não garantida por uma jurisdição perante outras

Fonte: Rodrigues e Kurtz (2010, p. 29)

Há uma segunda forma de apresentar os elementos funcionais e estruturais, como demonstra a tabela 3.

Tabela 3 – Elementos conceituais para criptomoedas

Elementos conceituais para criptomoedas
Fonte: Rodrigues e Kurtz (2010, p. 30).

Entre os aspectos positivos para o uso das moedas digitais, está a questão das camadas populacionais mais carentes e distantes dos centros comerciais, que não são atendidas pelo sistema bancário convencional, face aos custos envolvidos. Um segundo aspecto positivo seria seu uso como promoção da inovação financeira, sendo possível reduzir as despesas com os intermediários entre as partes interessadas em determinada transação, no caso o sistema bancário; além disso, a possibilidade de transferir não apenas dinheiro, mas ainda ações de empresas, apostas e informações privadas (PINHEIRO, 2021).

Para melhor compreender a agilidade e segurança do sistema blockchain, todas as transações feitas por bitcoin podem ser verificadas e armazenadas em blocos de dados a cada 10 minutos (TOGUCHI, 2021).

Já as desvantagens relativas ao uso das bitcoins, estão sua volatilidade, cujo valor é definido pela oferta e demanda, isto é, seu valor nominal eleva-se muito quando muitos indivíduos estão comprando, mas desvaloriza-se muito, quando muitos indivíduos estão vendendo simultaneamente. Mas há um aspecto potencialmente perigoso quanto ao uso das transações com bitcoins, que consiste em seu enorme “potencial para fins criminosos” (PINHEIRO, 2021, p. 11).

2.3 CRIPTOGRAFIA

Com o advento da Era da Informação, o método para a proteção de dados dos usuários de meios eletrônicos passou a ser a criptografia, que foi elevada a uma condição científica. A criptografia é um método antigo de comunicação codificada. Surgiu por volta de 1900 a.C.; era utilizada pelos egípcios para desenhar hieróglifos fora dos padrões normais, ou ainda pelas “máquinas Enigma G, desenvolvidas por alemães para transmitir mensagens confidenciais”. É definida como “o estudo da transformação do texto claro ou aberto em texto não legível (cifrado)” (CARMO, LEMES e FREITAS, 2012, p. 1).

É uma área de especialização da matemática e da engenharia, que permite o desenvolvimento de “técnicas de proteção a mecanismos de acesso e à integridade de dados, assim como de ferramentas de avaliação da eficácia dessas técnicas”. Não se trata de “uma solução mágica contra problemas de segurança na informática, mas sim de truques para manipulação de probabilidades que nos permitem escolher o terreno e a maneira como poderemos nos defender no mundo dos bits” (REZENDE, 2011, p. 4).

Existem ressalvas quanto ao uso indiscriminado da criptografia, que tem sido utilizada como medida de segurança, mas na prática, ela é apenas uma medida adicional. Além disso, inúmeros sistemas não são projetados por criptógrafos, mas por engenheiros que acreditam que a segurança ao sistema será dada por meio da cifragem das informações virtuais, o que é um grande equívoco. Estas afirmações baseiam-se em comparações feitas entre os recursos de produtos cujas funções sejam similares, mas que podem apresentar falhas comprometedoras, as quais somente um criptógrafo experiente poderá reconhecer as diferenças (REZENDE, 2011).

Entre os diferentes tipos de fraudes eletrônicas, há os ataques aos sistemas de informações, as ações fraudulentas contra todo o tipo de comércio, sendo que a crescente informatização projeta maiores riscos de fraudes, por exemplo, como as violações contra a privacidade dos indivíduos. Devem ser mencionados ainda os vândalos cibernéticos, que roubam dados pessoais, financeiros e os dados técnicos, modificando programas, entre outros problemas (REZENDE, 2011).

A partir dos algoritmos e protocolos de segurança que já existem é preciso sempre avaliar os tipos de ameaças contra devem ser desenvolvidas medidas protetivas para os dados armazenados.  Nas palavras de Rezende (2011, p. 6),

as falhas podem estar em qualquer lugar: no modelo de ameaças, no projeto do sistema, na implementação do software ou do hardware, ou na gerência do sistema. Segurança é uma cadeia, onde um único elo fraco pode quebrar todo o sistema. Bugs fatais à segurança podem estar em partes do software distantes dos módulos que implementam serviços de segurança, e uma decisão de projeto que não tenha nada a ver com segurança poderá criar uma falha de segurança.

Existem duas linguagens para realizar a criptografia: “a linguagem assimétrica permite à mensagem ser criptada por uma chave pública e desvendada por uma chave privada. Já a linguagem simétrica tem uma chave secreta desde sua origem e até a descodificação das mensagens” (MARRA, 2019, p. 150).

Podem ser mencionados os diferentes agentes que trabalham com as criptomoedas, listados em sete categorias, descritas por Rodrigues e Kurtz (2019, p. 32):

  1. usuários: são os indivíduos que usam no dia a dia as criptomoedas para reservar valores ou realizar diferentes transações financeiras;
  2. mineradores: especialistas em softwares e cálculos para criar novas moedas eletrônicas;
  3. exchanges: operadoras de câmbio que realizam operações entre as moedas convencionais e as criptomoedas;
  4. plataformas de troca: meio eletrônico para troca de criptomoedas entre seus usuários;
  5. provedores de carteira: são compostos por: a) gerenciadores de senhas de carteiras de terceiros; b) softwares, ou programas eletrônicos que promovem a guarda da criptografia da carteira dos usuários; c) hardwares ou máquinas que auxiliam na segurança de criptografia da carteira;
  6. inventores de moedas: “que desenvolveram as fundações técnicas de criptomoedas e definiram suas regras de uso”;
  7. ofertantes de moedas: “que oferecem criptomoedas quando de sua criação, mediante pagamento ou não”.

2.4 EXCHANGES E WALLETS

Exchange é a instituição que realiza “câmbio entre moeda virtual e fiduciária”. A regulação dessa atividade é distinta nos diferentes países. Observa-se uma tendência legal em não classificar as exchanges na categoria restrita de agentes financeiros, por exemplo em sete diferentes países, que pertencem ao G20: Itália, Coreia do Sul, Japão, França, México Brasil e Estados Unidos (RODRIGUES e KURTZ, 2019, p. 36).

Já a Austrália e a União Europeia classificam as exchanges como agentes financeiros que não incluem outros tipos de serviços, como é o caso das instituições convencionais (RODRIGUES e KURTZ, 2019, p. 36).

Por sua vez, wallet é uma carteira digital onde se pode armazenar as criptomoedas; uma e-wallet é um ambiente seguro onde se pode manter os dados pessoais como os bancários e cartão de crédito semelhante ao sistema pré-pago. em que você coloca todos os dados bancários e demais informações (RODRIGUES e KURTZ, 2019).

3. CRIMES E FRAUDES VIRTUAIS

Uma vez que a bitcoin é uma “moeda digital descentralizada, que funciona através de um sistema blockchain utilizando criptografia avançada e que existem criptomoedas descentralizadas”, suas emissões e operações são administradas pelos seus usuários, sem qualquer interferência governamental (PINHEIRO, 2021, p. 9).

Para melhor compreensão das diferenças no controle entre o sistema bancário convencional e as transações por meio das criptomoedas, pode-se explicar que um banco convencional tem um livro-caixa próprio, no qual são registradas todas as transações realizadas por dias, meses e anos, as quais ficam registradas em um sistema central. Inversamente, as transações por meio de bitcoins são realizadas exclusivamente entre os interessados, ficando registradas em um sistema descentralizado, no qual inexiste a interferência de terceiros (PINHEIRO, 2021).

A figura 1 oferece uma representação conceitual entre o sistema financeiro convencional e o sistema blockchain e criptomoedas. À esquerda pode-se observar o ponto central representando as transações práticas e sistema de instituições financeiras, na direção dos indivíduos e de suas necessidades. Já à direita observam-se diferentes pessoas conectadas entre si por meio de um sistema que dispensa terceiros (TOGUCHI, 2021).

Nessa perspectiva, “a bitcoin poderia ser pensada, então, como uma moeda eletrônica que utiliza um sistema eletrônico de pagamento alternativo baseado em criptografia e não em confiança, como o sistema tradicional de pagamento” (TOGUCHI, 2021, p. 11).

Figura 1 – Representação imagética dos registros de transações no sistema bancário convencional e no sistema blockchain 

Representação imagética dos registros de transações no sistema bancário convencional e no sistema blockchain
Fonte: Toguchi (2021, p. 11).

Os registros das transações de criptomoedas são realizados por meio de cópias descentralizadas e armazenadas pelos mineradores, que são pessoas atuando em seus computadores para armazenar as cópias de registros de dados das transações ocorridas pelos meios tecnológicos. A mineração de bitcoin é a remuneração que o profissional minerador recebe para validar as transações das criptomoedas (PINHEIRO, 2021).

O fato de inexistir um sistema central contendo os registros de dados e transações, em si, é uma medida de segurança oferecida pela bitcoin, já que fica garantida a imutabilidade de tais registros, ao mesmo tempo que inexiste a possibilidade de estorno. Mas há outras medidas protetivas para os usuários adotarem para suas carteiras, por exemplo, cuidados na escolha de uma corretora idônea, criação e uso de senhas fortes, etapas de verificação de acesso, e o cuidado permanente com a entrada de e-mails (PINHEIRO, 2021).

Cabe ainda ressaltar que já existem mecanismos tecnológicos para realizar a proteção de dados, informações e bens jurídicos que circulam pela internet, descritos por Domingues e Finkeltein (2003, referidos por MARRA, 2019, p. 155), são eles:

o controle de acesso subdividido em autorização e autenticação;

dispositivos de defesa composto por um sistema ou um corpo de sistemas, que reforça o cumprimento de políticas de controle de acesso;

“Virtual Private Network”, que permite a troca de informações seguras por meio da utilização de redes públicas;

monitoramento de arquivos de registros gerados pelos serviços de rede; sistemas compostos de hardware e software capazes de capturar informações; e a Criptografia e assinatura digital

Diante da recorrência dos crimes e fraudes virtuais cada vez maiores, deve-se ter clara a definição relativa a esses crimes, segundo Marra (2019, p. 153):

crime virtual é a conduta típica, ilícita e culpável que preenche os pressupostos de crime ou de contravenção penal, ocorrida com dolo ou culpa, perpetrada por pessoa física ou jurídica por meio da informática, seja na Rede Mundial de Computadores ou não, e que vai de encontro à segurança do sistema informático, o qual deve observar a integridade, desimpedimento e a privacidade de indivíduos e entidades.

Cabe ainda mencionar o conceito sobre crimes virtuais estabelecido pela Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (ONU) define que: “o crime de informática é qualquer conduta ilegal não ética, ou não autorizada, que envolva processamento automático e dados e/ou transmissão de dados” (ROSSINI, 2002b, p. 110 apud MARRA, 2019, p. 153).

4. O USO DA BITCOIN PARA A LAVAGEM DE DINHEIRO

Na perspectiva da legislação criminal, para que ocorra o crime de lavagem de dinheiro é preciso que tenha existido, antes desta etapa, outro crime, propriamente dito, que tenha originado ganhos ilegais, cujo fruto deva ser lavado ou branqueado, para transformar o montante em questão em dinheiro limpo (TELLES, 2018).

Contudo, é importante destacar que se no início a lavagem de dinheiro era fruto quase que exclusivo de transações relativas ao tráfico de drogas ilícitas, no presente tornou-se uma prática bem mais ampla, que compreende as fraudes financeiras e os roubos de criptoativos (TELLES, 2018).

Segundo uma classificação desenhada por diferentes especialistas no tema, Telles (2018, p. 60) explica que a lavagem de dinheiro é subdividida em três etapas, são elas: “(i) colocação (placement); (ii) dissimulação (layering); e (iii) integração (integration).

As etapas descritas compreendem, na prática, ações que podem ser feitas simultaneamente, ou sobrepostas umas às outras. Na primeira, que é a colocação, compreende a entrada do dinheiro ilícito no sistema econômico legal, com o cuidado de ocultar sua origem inicial. A segunda etapa consiste na dissimulação é a fase na qual os infratores procuram dificultar/impedir o rastreamento dos recursos ilegais, por exemplo, ao enviarem tais valores para contas correntes abertas em localidades conhecidas como paraísos fiscais, onde a taxação de impostos costuma ser mínima, e ainda onde o sigilo bancário irá beneficiá-los. A terceira etapa, que é a integração, consiste no momento em que o dinheiro surge no sistema financeiro já como fonte legal de renda, podendo ser utilizado para a abertura de uma ou várias empresas, para investir em terceiros, ou para a compra/financiamento de diferentes propriedades (TELLES, 2018).

Segundo o professor Pierpaolo Cruz Bottini, livre-docente da Universidade de São Paulo (USP), tem-se que “o autor do crime de lavagem de dinheiro é o agente com domínio dos fatos, com controle causal do branqueamento, seja como executor direto, como autor funcional, nos casos de coautoria, ou como autor mediato” (TELLES, 2018, p. 61).

O uso ilícito da bitcoin está relacionado à lavagem de dinheiro por meio da venda de produtos ilegais, recebíveis em criptomoedas. Contudo, há outros tipos de fraudes envolvendo a bitcoin, como por exemplo a possibilidade de desaparecimento súbito de quantidades e valores vultosos (PINHEIRO, 2021).

Pode-se mencionar como exemplo o caso ocorrido com a Mt. Gox, exchange japonesa que se agigantou por volta de 2013, quando detinha 70% das bictoins transacionadas ao redor do mundo. Contudo, noticiou-se em fevereiro de 2014 que a empresa teria perdido aproximadamente 850 mil bitcoins, quantidade de criptomoedas que correspondia a US$ 400 milhões. Em sua defesa, a Mt. Gox alegou ter sofrido um ataque cibernético (PINHEIRO, 2021).

Diante desse fato, e sob a preocupação com a venda de produtos ilegais recebíveis por criptomoedas, que caracterizaria lavagem de dinheiro, o governo chinês decretou em setembro de 2021 a proibição de transações e mineração de bitcoins no país. Havia uma grande preocupação relacionada à valorização/desvalorização do yuan digital (PINHEIRO, 2021).

Para além das questões financeiras advindas desse fato, impactou negativamente a imagem das criptomoedas, despertando nos governantes a necessidade de regular esse mercado (OLIVEIRA, 2019).

5. A REGULAÇÃO DO MERCADO DE CRIPOATIVOS NOS ESTADOS UNIDOS

A regulação governamental das criptomoedas é bastante distinta entre os diferentes países. São leis locais, isto é, cada país define seu próprio regramento, até porque inexiste uma regulação global para o mercado de criptoativos (RODRIGUES e KURTZ, 2010).

Se mencionados como exemplo os Estados Unidos, Rússia, México e Reino Unido, onde a lei define dois ou apenas um único elemento para definir a criptomoeda, este já é um aspecto que permite o surgimento de brechas nessas leis locais, já que não há uma definição clara sobre o conjunto do que é regulado pela lei, enquanto instrumento normativo. As possíveis brechas existentes podem conduzir à sua inaplicabilidade em diferentes situações, deixando muitas incertezas relacionadas aos “sujeitos regulados”, além de permitir eventuais arbitragens por parte dos agentes fiscalizadores (RODRIGUES e KURTZ, 2010).

Por sua vez, tem-se que Austrália, África do Sul, Argentina e Brasil trabalham com a definição entre 6 a 7 elementos conceituais, sendo considerado este como o tipo de conceituação mais completo (RODRIGUES e KURTZ, 2010).

Um breve resumo sobre a legislação norte-americana adotada nos últimos anos será apresentado aqui.

Em 2013, e por determinação do governo norte-americano cuja intenção era  promover a regulação do mercado interno de criptomoedas, o Financial Crimes Enforcement Network (FinCEN) desenvolveu um relatório denominado Application of FinCEN’s Regulations to Persons Administering, Exchanging, or Using Virtual Currencies, no qual definiu que as criptomoedas não possuem os atributos da moeda real, além de não terem status legal nas diferentes jurisdições; apesar disso, o FinCEN também reconheceu que as criptomoedas têm valor equivalente em moeda real ou atuam em sua substituição (TELLES, 2018, p. 94).

O mesmo relatório definiu ainda os papéis relativos a: 1. usuários, como os indivíduos que utilizam as criptomoedas para adquirir bens e serviços; 2. exchanges são os intermediários para compra e venda de criptmoedas; 3. mineradores ou administradores, que são os criadores das criptomoedas, são também as pessoas a quem cabe colocá-las em circulação. Tanto os exchanges como os mineradores são considerados money transmitters, estando sujeitos ao cumprimento das regras definidas tanto pelo Bank Secrecy Act (BSA) quanto pelo FinCEN, órgãos perante os quais tanto os exchanges quanto mineradores devem ser registrados, aos quais deverão, também, fornecer as informações relativas a eventuais atividades suspeitas cujos valores transacionais superem aqueles estipulados por lei (TELLES, 2018).

Assim, cabe aos exchanges e aos mineradores o desenvolvimento e adoção de: 1. programas antilavagem de dinheiro, em conformidade com a legislação vigente; 2. implantação de rotinas e controles internos que permitam a verificação do cliente e a retenção de documentos e informações dos mesmos (TELLES, 2018).

Decisões adicionais ao relatório de 2013 do FinCEN implementaram novas obrigações quanto ao uso exclusivo de determinadas criptomoedas cuja finalidade seja pagar pela compra de bens ou serviços, pagar dívidas anteriores incorridas ou fazer distribuições aos proprietários da mineradora; comprar moeda real ou em outra moeda virtual conversível, desde que fossem moedas exclusivas para pagamentos ou investimentos da própria mineradora (TELLES, 2018).

Em 2018, o FinCEN adicionou novas exigências no relatório inicial, abrangendo questões como a identificação como money transmitters para aqueles que operam com serviços de anonimato, cujos objetivos sejam ocultar a identidade dos proprietários de criptomoedas. Esta modificação está relacionada a sujeição desses transmissores de moedas à regulação obrigatória. Outra medida foi a implementação de fiscalização e supervisão sobre money transmitters, para avaliar e mitigar eventuais pontos fracos quanto aos eventuais riscos associados às criptomoedas, reforçando, com isso, os protocolos existentes (TELLES, 2018).

No presente, a Ordem Executiva desenvolvida e implementada pelo Governo Biden em março de 2022 tende a colaborar para uma regulação das transações em criptoativos mais segura ao redor do mundo, ensejando a mitigação de fraudes (UOL, 2022).

De início, a lei bipartidária de Inovação Financeira responsável pela regulamentação sobre o mercado de investimentos em criptomoedas e criptoativos foi apresentada ao senado norte-americano não foi bem-vista. Foi considerada prejudicial ao poder de supervisão e regulação da Securities and Exchange Commission (SEC), que é o órgão equivalente à Comissão de Valores Mobiliários e de Câmbio nos Estados Unidos (UOL, 2022).

Alguns especialistas desse segmento de mercado acreditam que o Governo Biden pode estar com elevado poder de interferência no ativo digital, face à tal Ordem Executiva, por meio da qual os Estados Unidos pretendem, a partir dessa decisão, estabelecer clareza e regulação sobre o mercado de investimentos em criptomoedas e criptoativos naquele país (IGNÁCIO, 2022; DESK, 2022).

Comenta-se a respeito da existência do risco dessa regulação vir a prejudicar a ascensão desse mercado antes mesmo de ter se consolidado nos EUA, sendo possível que ocorra uma nova migração em massa de mineradores, a exemplo do “apagão” no blockchain da bitcoin ocorrido na China, quando lançadas proibições relativas às atividades com criptomedas (IGNÁCIO, 2022).

A referida Ordem Executiva foi denominada como Lei de Investimento em Infraestrutura e Empregos, com a finalidade de injetar US$ 1,2 trilhão na economia local por meio de medidas e projetos a serem implementados, entre os quais está o projeto que envolve as transações com criptomoedas, exigindo que as corretoras informem ao Internal Revenue Service (IRS) todas as transações superiores a US$ 10 mil. Tal obrigatoriedade visa alçar a arrecadação do país ao montante estimado em US$ 28 bilhões, utilizáveis para melhorias na infraestrutura nacional ao longo dos próximos 10 anos (IGNÁCIO, 2021).

Todas as mensagens do governo Biden relativas à regulação do mercado de criptomoedas demonstravam intenções referentes a determinados aspectos relacionados às criptomoedas, entre elas: 1. proteção do consumidor e do investidor; 2. estabilidade financeira; 3. financiamento de atividades ilícitas; promoção da liderança norte-americana sobre o sistema financeiro global e da competitividade econômica; 4. inclusão financeira e acesso facilitado a serviços e produtos do gênero; 5. inovação responsável (SOUSA, 2022).

No que se refere à implantação de uma regulação norte-americana para as transações com as criptmoedas, a intenção inicial era obrigar exchanges e corretoras de criptomoedas – como a Binance U.S. e a Coinbase, por exemplo – a declararem as maiores movimentações de ativos digitais, conforme texto original que seguiu para assinatura do presidente Biden.  Na hipótese de o texto original ser aprovado sem quaisquer ajustes, a referida lei concederia ao Departamento do Tesouro dos EUA um poder de decisão exclusivo para definir quais entidades seriam consideradas corretoras (IGNÁCIO, 2021).

As reações foram imediatas. O grupo político bipartidário Blockchain, que reúne congressistas atuantes na promoção dessa tecnologia enviou uma carta a todos os congressistas para pedir ajuda quanto às melhorias necessárias ao texto final da lei. Ao mesmo tempo, a Câmara de Comércio Digital e o Coin Center também reagiram à nova lei, já que consideram muito vaga a definição dada para o termo “corretora”, uma vez que o texto original permitiria que a nova lei abrangesse os mineradores de criptoativos e desenvolvedores de carteiras digitais, o que ensejaria uma evasão de mineradores e desenvolvedores do mercado norte-americano, que poderiam vir a encerrar suas operações no país (IGNÁCIO, 2021).

A grande preocupação dos que se opõem ao texto original reside na necessidade de isenção explícita de intermediários de blockchain que não sejam detentores de ativos, e com isso, que as liberdades civis fiquem resguardadas (IGNÁCIO, 2021).

Contudo, a Lei Biden é considerada uma regulamentação até branda, devendo, portanto, colaborar para impulsionar os preços. Vale ressaltar que em 2021 diferentes empresas e instituições ingressaram no mercado de criptomoedas, impulsionando-o a patamares próximos a US$ 69 mil/unidade bitcoin.  É um avanço dos Estados Unidos, que poderá impulsionar tal atividade mundo afora, já que a falta de proteção legal e reiterados golpes de que se tem notícia impedem que inúmeros outros investidores também ingressem nesse universo (SOUSA, 2022).

Jeremy Rubin, fundador da agência Judica, cujo foco é pesquisa e desenvolvimento em bitcoin, vê com bons olhos o pacote de estímulos norte-americano voltado ao setor de infraestrutura local, a ser custeado com os impostos advindos do mercado cripto. Rubin acredita que isto será possível apenas a partir da nova regulação, e sugere que, idealmente, os investidores tenham suas criptomoedas sob custódia própria, cabendo aos interessados migrarem das exchanges para wallets, evitando sanções legais e demais medidas que eventualmente limitem o uso das criptomoedas (SOUSA, 2022).

6. COMPLIANCE

Segundo o tratado internacional denominado Convenção de Viena, firmado em 1988, entre 35 países, com o objetivo de combater a lavagem de dinheiro, está a definição sobre “bens”, que deve abranger “os ativos de qualquer tipo, corpóreos e incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e os documentos ou instrumentos legais que confirmam a propriedade ou outros direitos sobre os ativos em questão” (TELLES, 2018, p. 63).

Já sobre os “outros direitos” mencionados na definição feita pela referida Convenção, Rogério Filippetto de Oliveira, docente da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMG), em sua obra sobre “Lavagem de dinheiro: crime econômico da pós-modernidade”, defende direito como o “vínculo existente entre a pessoa humana e um patrimônio, material ou imaterial, mas sempre suscetível a uma avaliação econômica. Incluem-se nesta categoria os direitos reais e os direitos de crédito, por exemplo” (TELLES, 2018, p. 63).

Diante das definições legais quanto aos direitos dos indivíduos usuários de criptoativos, e ainda sobre o combate à lavagem de dinheiro para os diferentes ilícitos em curso na modernidade, verificam-se diferenças entre as opiniões de consultores e especialistas sobre a regulação dos investimentos em criptomoedas (TELLES, 2018).

John Sarson, diretor executivo da Sarson Funds, empresa norte-americana gestora de criptos, defende a necessidade da criação de uma agência reguladora dos investimentos em criptomoedas, já que não é uma commodity real, mas sim uma nova classe de ativos. Contudo, Sarson defende ainda que tal regulação não deve ser feita pelo Commodity Futures Trading Commission (CFTC), que é o órgão independente para regulação dos mercados futuros; também não deve ser feita pelo Financial Crimes Enforcement Network (FinCEN), bureau do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos (DESK, 2022).

Por sua vez, a publicidade relativa às transações em bitcoins e seguintes registros, em si, já seriam ações concretas e protetivas, no sentido de inviabilizar a lavagem de capitais ou a ocultação de transações ilícitas, eliminando assim a questão da “pseudonimidade” enquanto condição que permite a ocorrência de diversas ações criminosas. Neste sentido, Toguchi (2021, p. 6) defende que “apesar das operações “pseudônimas” realizadas na blockchain, o registro público gerado na blockchain é um contraponto à efetividade da lavagem”.

Tabela 4 – Regras e obrigações relativas ao combate à lavagem de dinheiro

Regras e obrigações relativas ao combate à lavagem de dinheiro
Fonte: Rodrigues e Kurtz (2019, p. 40).

Entre as recomendações protetivas identificadas na literatura, Telles (2018) aponta:

  1. as plataformas de negociação de criptomoedas, grandes comerciantes e prestadores de serviços que se utilizam de bitcoins em suas transações deverão estar sujeitos ao fornecimento das informações às autoridades das diferentes jurisdições, conforme definem os acordos internacionais vigentes;
  2. ampliação da lista das pessoas sujeitas à regulação governamental;
  3. manutenção de cadastro dos clientes e adoção de programas antilavagem;
  4. usuários de bitcoins para venda de bens ou serviços, como por exemplo Amazon, Apple e Microsoft; entre outras empresas de porte;
  5. regulação dos valores atribuídos a cada unidade bitcoin, ensejando identificar eventuais movimentações vultosas suspeitas;
  6. regulação da criptografia, que confere o sigilo aos dados e informações eletrônicos, impedindo que terceiros tenham acesso a tais dados, inclusive os órgãos governamentais.

As medidas sugeridas visam, principalmente, que infratores que tenham adquirido criptomoedas com recursos advindos de crimes diversos possam adquirir as moedas digitais, produtos diversos e outras negociações sob o anonimato, aspecto este que muito lhes interessa (TELLES, 2018).

7. CONCLUSÃO

A criptomoeda é a moeda da era moderna que surgiu discretamente, mas que tem ocupado o espaço no mundo financeiro. Contudo, verifica-se a chegada do momento onde o alto volume de transações e as exigências de velocidade culminam em tecnologias em constante desenvolvimento.

Os meios eletrônicos de pagamento e as transferências eletrônicas de direitos creditórios cada vez mais rápidos e diretos, são precedentes da criptomoeda, mas não são a criptomoeda, já que consistem apenas em ser os meios de transação, enquanto a moeda real e palpável é a moeda-papel, que está depositada em diferentes instituições financeiras devidamente regulamentadas e garantidas legalmente.

A segurança da criptomoeda para torná-la não manipulável, livre de falsas emissões está na criação do blockchain, que é a criação dos blocos e seu encadeamento e chaveamento, de forma que o torna único e imutável. Pode-se até dividi-lo, formando novos blocos com novos códigos, porém não se consegue duplicar blocos com o mesmo valor gerado, pois ele é único, não há como duplicar a moeda.

Dessa forma, os desafios são inúmeros para credibilizar totalmente a criptomoeda, já que: 1. hoje, a criptomoeda é um oceano escuro onde valores de origem duvidosas são parte de seus ativos; 2. diferentes países começam a criar medidas regulatórias para o uso das criptomoedas em seus territórios, ensejando mitigar fraudes e lavagem de dinheiro; 3. enquanto há governantes que começam a criar suas moedas digitais, a fim de inibir o uso das criptomoedas, outros países proibiram seu uso; 4. apesar da segurança transacional do blockchain, a falta de regulação não dá garantias reais sobre os lastros monetários, gerando um ambiente altamente especulativo e de alto risco.

Como exemplo, pode-se mencionar que muitas empresas estão lançando suas próprias moedas digitais em jogos, ou em lojas como se fossem fichas de cassino. Não há garantias reais, pois a qualquer momento podem ser equiparadas a pirâmides.

Dessa forma, conclui-se que a criptomoeda deve ser regulada, como todo mercado financeiro, seja local ou globalmente. O conceito é um grande passo para a evolução, mas sua utilização deve ser organizada.

REFERÊNCIAS

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DESK, Coin. A ordem executiva de Joe Biden quebrará as barreiras da indústria cripto? Matéria publicada em 15 de abril de 2022. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/mercados/a-ordem-executiva-de-joe-biden-quebrara-as-barreiras-da-industria-cripto/; acesso em 20 jul 22.

EXAME. Future of Money. Como funciona a tecnologia blockchain? Matéria publicada em 24 dez 2021. Disponível em: https://exame.com/future-of-money/como-funciona-a-tecnologia-blockchain/; acesso em 11 ago 2022.

IGNACIO, Bruno. Nova lei para bitcoin tem brecha que pode derrubar mercado cripto nos EUA. Matéria publicada em 09 nov 2021. Disponível em: https://tecnoblog.net/noticias/2021/11/09/nova-lei-para-bitcoin-tem-brecha-que-pode-derrubar-mercado-cripto-nos-eua/; acesso em 10 ago 2022.

MARRA, Fabiane Barbosa. Desafios do direito na era da internet: uma breve análise sobre os crimes cibernéticos. Rev. Campo Jurídico, barreiras-BA v.7 n.2, p.145-167, jul./dez. 2019. Disponível em: Data de aprovação: DOI: https://doi.org/10.37497/revcampojur.v7i2.289; acesso em 22 jul 2022.

MAZZOLA, Carolina. O que é mineração de criptomoedas? Artigo publicado em 25 abr 2022. Disponível em: https://blog.nubank.com.br/o-que-e-mineracao-de-criptomoedas/; acesso em 11 ago 2022.

OLIVEIRA, Daniel Nicolau de. Por que regularam o bitcoin?: um estudo da regulação dos Estados Unidos e do Japão. Artigo Científico apresentado ao Curso de Ciências Econômicas do Instituto de Economia e Relações Internacionais (IERI) da Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia 2019. Disponível em: https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/28062/1/PorqueRegularamBitcoin.pdf; acesso em 22 jul 2022.

PINHEIRO, Murilo Nobre Fernandes. O uso de bitcoins em crimes de lavagem de dinheiro. Artigo Científico apresentado à Escola de Direito, Negócios e Comunicação, Curso de Direito, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GOIÁS). Goiânia, 2021.  Disponível em: https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/bitstream/123456789/2860/1/TCC%20-%20MURILO%20NOBRE.pdf; acesso em 22 jul 2022.

REZENDE, Pedro A. D.  Criptografia e Segurança na Informática. Ciência da Computação. Universidade de Brasília. 2011. Disponível em: http://www.escolaelectra.com.br/alumni/biblioteca/Criptografia_e_seguranca.pdf; acesso em 16 ago 2022.

RODRIGUES, Gustavo; KURTZ, Lahis. Criptomoedas e regulação antilavagem de dinheiro no G20. Instituto de Referência em Internet e Sociedade: Belo Horizonte, 2019. Disponível em: http://bit.ly/2m9pOz0; acesso em 22 jul 2022.

SCHROEDER, Pete. Tesouro dos EUA quer informação de riscos e benefícios de criptomoedas. Matéria publicada em 13 jul 2022. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2022-07/tesouro-dos-eua-quer-informacao-de-riscos-e-beneficios-de-criptomoedas; acesso em 10 ago 2022.

SOUSA, Renan. LEI BIDEN.O que diz a tão esperada ‘Lei Biden’ sobre bitcoin (BTC) e criptomoedas? Saiba porque ela é considerada boa para o mercado — e pode fazer os preços ‘irem para a lua’. Matéria publicada em 09 de março de 2022. Disponível em: https://www.seudinheiro.com/2022/criptomoedas/lei-biden-criptomoedas-mercado-casa-branca/; acesso em 20 jul 22.

TELLES, Christiana Mariani da Silva. Sistema Bitcoin, Lavagem de Dinheiro e Regulação.   Dissertação [Mestrado] apresentada à Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas. Área de concentração: Governança Regulatória, Instituições e Justiça. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em:https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/27350/DISSERTACAO-FINAL-13fev19-Christiana%20M%20S%20Telles.pdf?sequence=1&isAllowed=y; acesso em 18 ago 2022.

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VEDOVATO, Felipe Luiz. As criptomoedas como instrumento do crime de lavagem de dinheiro. Monografia [Graduação] apresentada ao Curso de Direito do Departamento de Ciências Sociais, Pró-Reitoria de Ensino, Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões. ERECHIM (RS) 2019. Disponível em: https://www.uricer.edu.br/cursos/arq_trabalhos_usuario/4601.pdf; acesso em 22 jul 2022.

[1] Pós-graduação. ORCID: 0000-0003-1399-5791.

Enviado: Agosto, 2022.

Aprovado: Agosto, 2022.

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