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Bases teóricas para avaliação neuropsicológica da linguagem em crianças do espectro autista

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

FLEURY, Marcia Mathias Netto [1]

FLEURY, Marcia Mathias Netto. Bases teóricas para avaliação neuropsicológica da linguagem em crianças do espectro autista. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 11, Vol. 03, pp. 27-37. Novembro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/criancas-do-espectro-autista

RESUMO

A Neuropsicologia Infantil é a ciência que busca identificar alterações no desenvolvimento cognitivo e comportamental da criança e, por meio de testagens neuropsicológicas, planeja a intervenção adequada para cada caso. O Transtorno do Espectro Autista é um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado por déficits na linguagem e na interação social. Esta pesquisa teórica aborda os itens da linguagem de crianças do Espectro Autista com o objetivo de compreender como se elabora uma avaliação criteriosa para este grupo de crianças. Buscamos neste artigo definir os processos básicos de desenvolvimento normal da linguagem, assim como trazemos autores que desenvolveram estudos na área da linguagem do Espectro Autista: Catia Crivelenti de Figueiredo Walter e Débora Regina de Paula Nunes (2008); Thammy Bastos Yoshikawa e Bruna Brandão Velasques (2014); Jaime Zorzi (2008), entre outros. Capovilla (2004) e Ramos (2016) discorrem sobre avaliação neuropsicológica da criança. Exploramos estes estudos para entender: quais critérios devemos empregar para avaliarmos a linguagem expressiva e compreensiva das crianças do Espectro Autista? Como principais resultados constatamos que a Neuropsicologia vem contribuindo para o diagnóstico dos transtornos na linguagem da criança, como também colabora no diagnóstico diferencial dos transtornos, principalmente quando envolvem déficit cognitivo ou alteração neurológica. A testagem neuropsicológica permite uma avaliação global das capacidades da criança, suas dificuldades no cotidiano, na aprendizagem da linguagem oral e na linguagem escrita. Na avaliação da linguagem do Espectro Autista, vemos que há uma gama de peculiaridades importantes a serem observadas na fala e no discurso deste indivíduo, as quais facilitarão a intervenção, visando adequação deste indivíduo ao meio social e ao seu desenvolvimento global.

Palavras-chave: Bases teóricas, Transtorno do Espectro Autista, Avaliação da linguagem.

INTRODUÇÃO

A Neuropsicologia infantil é a ciência que busca identificar alterações no desenvolvimento cognitivo e comportamental da criança, e, por meio de testagens neuropsicológicas, planeja a intervenção adequada para cada caso.

A avaliação neuropsicológica da criança utiliza instrumentos adequados, ou seja, testes e escalas para estimar seu desenvolvimento.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado por déficits persistentes na linguagem e na interação social, com presença de comportamentos restritivos e repetitivos de atividades e interesses. Esta pesquisa teórica aborda os itens da linguagem receptiva e expressiva de crianças do Espectro Autista, com o objetivo de compreender como se elabora uma avaliação criteriosa para este grupo de crianças.

Buscamos neste artigo definir os processos básicos de desenvolvimento normal da linguagem, assim como trazemos autores que desenvolveram estudos na área da linguagem do Espectro Autista: Catia Crivelenti de Figueiredo Walter e Débora Regina de Paula Nunes (2008); Thammy Bastos Yoshikawa e Bruna Brandão Velasques (2014); Jaime Luiz Zorzi (2008); Carlos Gadia (2006); entre outros, Capovilla (2004) e Ramos (2016) discorrem sobre a avaliação neuropsicológica da criança. Explanamos estes estudos para entendermos quais os critérios e itens que devemos empregar para avaliarmos a linguagem expressiva e compreensiva das crianças do Espectro Autista.

BASES TEÓRICAS

Walter (2008, p. 136) define a comunicação como “a capacidade de receber, enviar, processar e compreender conceitos de sistemas verbais, não verbais ou gráficos”. Nos primeiros meses de vida, o bebê comunica-se, pelo olhar, por vocalizações e gestos. Utiliza-se desses atos para solicitar o que quer. Aos 4 meses, ele é capaz de sorrir para a mãe, e aos 5 meses suas vocalizações demonstram prazer ou desprazer, ansiedade ou raiva. Aos 7 meses, ele já emite sequências complexas de sons.

Antes da comunicação social, estabelece-se a comunicação “protoimperativa”, ou seja, o bebê já percebe que seu comportamento pode afetar o outro. A comunicação social ou “protodeclarativa” surge quando ele é capaz de apontar um objeto, com o propósito de iniciar o contato social. Essa comunicação aparece aos 9 meses de idade. A forma convencional da linguagem aparece por volta dos 12 meses. Aos 3 anos, a criança já se comunica por frases.

Para Walter (2008, p. 136), crianças com autismo quase não dirigem o olhar para pessoas ou para objetos. O sorriso é atípico, e elas preferem sons não verbais. Costumam balbuciar tardiamente. Entre 12 e 24 meses tendem a responder pouco a comandos verbais e ao próprio nome. Algumas deixam de falar palavras aprendidas aos 18 meses.

A linguagem é aprendida, e a imitação requer que a criança elabore representação mental. Segundo a autora, no desenvolvimento da linguagem, a imitação é uma ferramenta fundamental para as reproduções verbais do que as crianças ouvem no ambiente. A atenção compartilhada nos momentos de comunicação propicia o desenvolvimento de fatores importantes para a socialização: atenção no parceiro, compartilhamento de afetos e compartilhamento de experiências.

Ainda em Walter (2008, p. 140), os jogos sensório-motores, funcionais, simbólicos e sociodramáticos são atividades motivadoras que requerem manipulação, exploração, imitação e imaginação. Eles estão presentes nas crianças típicas, e sua utilização é de forma precária em autistas.

Zorzi (2008, p. 128) defende que o autismo é um distúrbio do desenvolvimento da categoria das psicoses infantis e aponta para características gerais encontradas nestes indivíduos, relacionadas à linguagem: algumas crianças autistas não apresentam linguagem; outras apresentam um padrão gramatical simples; muitas usam linguagem sem fins de comunicação. Há também as que apresentam ecolalia e confusão de termos eu/você, aqui/lá, acender/apagar etc.

Segundo Santos (2015, p. 331), nos Transtornos do Espectro Autista os prejuízos encontrados na área da comunicação são muito variáveis. Há casos que apresentam ausência total de fala, casos com dificuldades para iniciar e manter uma comunicação. Algumas crianças podem apresentar fala repetitiva e estereotipada. Muitas vezes, manifestam, no meio de uma conversa, alguma palavra isolada do contexto daquele momento. Demonstram, também, dificuldade no ritmo, na acentuação e inflexão anormal. Em alguns autistas não se verifica alteração na fala, e, sim, uma entonação pedante. A compreensão da fala quase sempre se encontra comprometida, pois o indivíduo costuma ter entendimento literal, com dificuldades em compreender metáforas e as ambiguidades da língua, por exemplo.

Bastos (2014, p. 111) aponta que o Espectro Autista é “um transtorno que se manifesta por um conjunto de comportamentos atípicos atribuídos a um desenvolvimento neurológico comprometido; seus sintomas variam amplamente e, por isso, definimos esta patologia como um espectro de transtornos”, os quais são representados por um trio de comprometimentos na interação social, na linguagem e na imaginação. O autismo acomete mais os homens, geralmente o diagnóstico é realizado aos 3 anos de idade, e é feito por meio de escalas e questionários criados especificamente para este fim.

Ainda em Bastos (2014, p. 112), muitos aspectos e comportamentos neurológicos analisados em crianças autistas apontam para transtornos no desenvolvimento dos neurônios e das sinapses no cérebro imaturo, como, por exemplo, déficit no desenvolvimento social e na linguagem, que incute desordenamento no circuito das áreas neocorticais e límbicas específicas do córtex cerebral, assim como alterações em relação aos estímulos sensório-motores (estereotipias se conectam ao tronco cerebral, cerebelo, tálamo e gânglios de base).

Segundo a autora, pesquisas recentes defendem que o autismo é um transtorno genético, com hereditariedade estimada em 90% dos casos, entretanto, fatores ambientais o desencadeiam, como: infecções virais maternas, acidentes pré, peri e neonatais, uso de medicamentos na gravidez, interação entre os fatores genéticos e os ambientais que dão origem ao autismo.

As pesquisas neurobiológicas sobre o autismo, de imagens e das neurociências do desenvolvimento, já demonstram conhecimento sobre as possíveis etapas anormais do desenvolvimento do cérebro do autista, possibilitando propostas de avaliação e de intervenção.

Segundo Walter (2008, p. 133), as crianças com autismo apresentam, nos primeiros anos de vida, transtornos da linguagem que afetarão seu desenvolvimento global, deixando de interagir com o mundo que as cerca, deixando de aprender não só a linguagem, mas de desenvolver-se nas áreas social, emocional e cognitiva.

A autora (2008, p. 135) revela que:

70% dos indivíduos com autismo apresentam déficit cognitivo. Metade se enquadra na faixa de retardo, sendo que os demais apresentam uma faixa moderada ou severa. O grau de déficit intelectual é, comumente, profundo ou severo. De uma forma geral, nos Transtornos Invasivos do desenvolvimento (TID) têm em comum a diminuição, ou perda das habilidades sociais, da comunicação, da imaginação e a presença de comportamentos atípicos, inclusive interesses repetitivos e restritos.

Na interação social encontramos falta de respostas às emoções de outros indivíduos ou inadequação nas respostas, e principalmente falta de reciprocidade em oportunidades de contatos sociais.

Ainda em Walter (2008, p. 136), “os padrões de comportamento, interesses e atividades são bastante restritos, repetitivos e estereotipados”, levando a criança a uma rotina sem novidades e sem novas brincadeiras. Na comunicação percebem-se alterações por respostas inadequadas aos estímulos auditivos e visuais geradas por problemas na compreensão da linguagem oral. Observam-se crianças autistas que não falam ou que apresentam ecolalia ‒ uso inadequado de pronomes, estrutura gramatical imatura e inabilidade para abstração.

Segundo Gadia (2007, p. 427), a avaliação de pessoas com Transtorno do Espectro Autista necessita de uma equipe multidisciplinar (o autor cita a Escala de Comportamento Adaptativo de Vineland). A Escala de Observação do Espectro Autista (ADOS ‒ sigla em inglês) e a Entrevista Diagnóstica de Autismo Revisada (ADI-R) passaram a ser usadas como padrão, em pesquisas, nos anos 1990, para avaliação destes indivíduos. Ambas fazem parte da avaliação psicológica e abrangem os indivíduos com e sem linguagem. Fazem parte destas testagens: as habilidades sociais, de comunicação e o comportamento.

Para Gadia (2007, p. 427), a Escala de Comunicação e Comportamento Simbólico (em inglês, CSDS), usada como screening, triagem, foi desenvolvida para avaliar crianças nas seguintes áreas pragmáticas da linguagem: condição para respostas com emoção, estabelecimento de contato visual, uso de linguagem para regular o comportamento do outro, interação social, estabelecimento de atenção conjunta. Avaliam-se também o uso de gestos e a capacidade de compreender a linguagem oral.

Gadia (2007, p. 428) mostra que, para avaliar a percepção e a expressão da linguagem, são usados:

A Lista de Desenvolvimento de Comunicação e linguagem, dos 6 aos 24 meses; a Escala de Linguagem, do lactente aos 3 anos de idade; a Escala do Desenvolvimento de Linguagem de Reynell, de 1 a 7 anos de idade; a Escala de Linguagem do Pré-escolar, em inglês PLS-4, do recém-nascido aos 7 anos de idade; a Escala de Linguagem Oral e Escrita, dos 3 aos 21 anos de idade; e o teste que avalia a capacidade de nomear a figura apresentada, com uma única palavra, conhecido pela sigla em inglês EOWPVT.

Scheuer (2005, p. 911) registra que a atenção deve ser analisada como um farto sistema complexo, diverso, que envolve a vigilância, a seleção perceptual e o controle das informações. É pelo sistema atencional que as pessoas selecionam estímulos ambientais que serão a base do seu aprendizado futuro, “por meio de uma entrada sensorial auditiva, das propriedades sonoras e visuais para os grafemas e palavras que a linguagem se organiza”.

As crianças autistas costumam ser seletivas, apresentando falhas no sistema atencional, promovendo dificuldades na aquisição da linguagem. Segundo Scheuer (2005, p. 912), “a atenção e a memória estão relacionadas”. Os estímulos precisam ser armazenados em algum lugar do cérebro para serem utilizados mais tarde, em outro momento, de forma que o sistema atencional ajuda neste armazenamento de informações. No entanto, memória e linguagem são sistemas que funcionam integrados. O desenvolvimento fonológico passa pela intenção de se comunicar, que implica lembrar. Sendo assim, vê-se que a memória é essencial para a cognição, para a organização da conduta humana e para a integração das informações.

Segundo Ramos (2016), a Neuropsicologia Clínica se preocupa com a aplicação de conhecimentos de investigações clínicas e experimentais relacionadas ao cérebro e ao comportamento, identificando, aferindo e discorrendo mudanças comportamentais na vida de pacientes com comprometimento neurológico. A Avaliação Neuropsicológica (ANP) é um meio de investigação que utiliza entrevistas, observações, testes de rastreio e psicométricos para detectar o rendimento cognitivo funcional e procurar a integridade ou o comprometimento de uma dada função cognitiva.

Ainda em Ramos (2016), a avaliação neuropsicológica busca, em uma variedade de condições neuropsiquiátricas, obter informações gerais e singulares de funcionamento cognitivo de certo indivíduo, e ainda facilita a obtenção de informações acerca do funcionamento cognitivo que não foi detectado, todos em neuroimagem. Estes itens serão valiosos para o tratamento do indivíduo.

Sobre a avaliação da linguagem receptiva da criança, Capovilla (2004, p. 306) defende que o Teste de Vocabulário por Imagens Peabody (TVIP) “é uma prova de vocabulário receptivo, que avalia a compreensão do vocabulário. Nele a criança aponta a figura que corresponde à palavra que ouve”. O autor esclarece que o TVIP “permite avaliar crianças com severos impedimentos neuromotores e da fala”.

Sobre a linguagem expressiva o autor aponta a Lista de Avaliação de Vocabulário Expressivo (LAVE), que a criança emite, segundo relato da mãe. Este teste foi desenvolvido para diagnosticar atraso de linguagem em crianças a partir de 2 anos de idade.

Ainda em Capovilla (2004), na avaliação neuropsicológica o avaliador deve planejar os instrumentos que usará, em função dos possíveis distúrbios que o cliente pode apresentar. A análise é feita por meio dos dados colhidos na entrevista com a família e também em avaliações de outros profissionais. É importante que o neuropsicólogo tenha um protocolo de avaliação bem elaborado, abrangendo as principais áreas do funcionamento cognitivo.

Os métodos empregados pelo neuropsicólogo devem estar de acordo com sua formação e suas necessidades. Alguns testes empregados na avaliação neuropsicológica são oriundos da Psicologia, da psicometria, e fazem parte da chamada avaliação quantitativa. Pode-se dizer que a avaliação quantitativa é a medição das funções psíquicas por meio de testes normalizados com o objetivo de estabelecer uma base quantificável de distinção entre os indivíduos (RAMOS, 2016).

Capovilla (2004) sugere atenção na avaliação neuropsicológica à proposta “estandardizada”, que procura avaliar o distúrbio baseado em um padrão que pode ser normativo, ou seja, decorrente de determinada população apropriada. Segundo Capovilla (2004), a avaliação qualitativa é bem apropriada em determinados casos, como, por exemplo, naqueles nos quais se precisa de uma avaliação que indique se houve melhora ou piora do cliente. Os dados qualitativos expressam bem os ganhos e as fragilidades dos indivíduos que são conseguidos pelas observações do cliente, pelo avaliador e também por questionários feitos junto à família e ao próprio cliente, quando este tem linguagem oral.

A bateria de testes básica trata principalmente da atenção, do processamento visoespacial, da memória, das funções linguísticas (linguagem oral, linguagem escrita, leitura e cálculo), das funções executivas, da formação de conceitos, das habilidades motoras, da orientação espacial e dos estados emocionais (RAMOS, 2016). Nota-se que, para avaliar a linguagem de uma criança do espectro autista, muitas destas áreas citadas também serão utilizadas.

A avaliação neuropsicológica no Espectro Autista precisa ser delineada de acordo com a situação de cada criança. Os instrumentos devem atender à individualidade. Esta avaliação será útil para orientar os pais quanto à forma como devem agir com seu filho, assim como fornecer à escola dados importantes para o currículo adaptado, necessário ao desenvolvimento das habilidades e ao acompanhamento da criança. Ainda em Ramos (2016): “A criança com Transtorno do Espectro Autista apresenta dificuldades quanto às funções executivas, na coerência central, na percepção do contexto e nas respostas a ele. Pode também apresentar falta de linguagem oral ou atraso de linguagem”.

Velasques (2014, p. 131) aponta que o “Autismo é uma síndrome complexa que apresenta variações de comportamento dentro de um espectro”. Faz parte deste espectro a síndrome de Asperger, que se diferencia por apresentar os mesmos déficits já citados acima, porém, mais suaves. Na área social, observa-se que essas pessoas não conseguem tirar do ambiente o que é socialmente adequado, demonstram falta de empatia e falta de interesse nas relações sociais. Estes indivíduos, apesar de não apresentarem déficits cognitivos, têm dificuldades como interpretar metáforas, piadas, ironias, tudo o que requeira abstração.

Segundo Velasques (2014, p. 133), indivíduos com Asperger não apresentam atrasos na fala. A fala “se desenvolve com um tônus pedante, pragmática e bem estruturada gramaticalmente, entretanto, costuma ter conteúdo atípico para a faixa etária correspondente.” Podem apresentar ecolalias e fala monótona ou robótica. Quando pequenos, apresentam sons (ruídos) atípicos e reversão pronominal. Têm dificuldades em relação à linguagem não verbal, ao contato visual e aos gestos corporais.

Ainda em Velasques (2014, p. 132), indivíduos com síndrome de Asperger, apesar de desejarem comunicar-se, podem se isolar, por se sentirem inadequados na interpelação social, preferindo se esquivar das situações a se comportarem de maneira diferente, entretanto:

Grande parte desta população segue um desenvolvimento próximo ao típico, chegando às universidades, constituindo famílias, estabelecendo relacionamentos afetivos e convivendo em sociedade, mesmo tendo tamanha dificuldade em decodificar e compreender as tantas informações advindas do meio e das pessoas, como o entendimento de suas ações e emoções, fundamentais para a manutenção de quaisquer trocas sociais.

A avaliação de uma criança está aliada ao que se conhece a respeito da sua patologia ou condição. Velasques (2014) indica pesquisas do Espectro Autista (utilizando ressonância magnética) que mostram que nestas pessoas “a ativação da amígdala” (relacionada com o processamento das emoções) e do reconhecimento de faces humanas (giro fusiforme) é quase nula, enquanto a área ligada à identificação de objetos ‒ “giro inferior temporal” ‒ é ativada para processamento das expressões faciais. Portanto, o rosto é percebido como se fosse objeto. Para os pesquisadores, esta informação pode apontar para a inibição social e a dificuldade em entender as intenções alheias, como também para o comportamento dos autistas preferindo os objetos às relações pessoais.

Velasques (2014) aponta que essas dificuldades podem estar ligadas a uma disfunção nos neurônios-espelho. Esses neurônios se situam em duas áreas do cérebro: na região frontal, responsável pelo planejamento, pela decisão e pela execução do ato, e na região frontoparietal, responsável pela tomada de decisões e pela conexão das emoções. Por meio deles, coordenamos mentalmente nossas ações e também geramos aprendizagens. São associados, pelos estudiosos, à imitação, ao aprendizado de novas habilidades e da leitura das intenções não verbais, e aos gestos das outras pessoas.

Ainda em Velasques (2014, p. 135), “a aparente ineficiência desse espelhamento neuronal encontrada neles pode estar relacionada com déficits motores perceptíveis, indicando uma disfunção nesse sistema”. Os estudos do mecanismo-espelho não explicam a cognição social, entretanto, sugerem como os comportamentos sociais complexos são planejados. Assim, os neurônios-espelho podem estar relacionados aos déficits empáticos encontrados nos autistas.

A imitação é a principal função dos neurônios-espelho, que serve de vínculo para que os indivíduos transmitam habilidades, linguagem e cultura por observação de habilidades cognitivas refinadas. O desenvolvimento deste processo inicia-se ao nascer, quando o bebê já é capaz de abrir e fechar a boca, quando reconhece pessoas do seu meio familiar. Sendo assim, pode-se dizer que desde tenra idade a criança inicia este processo de imitação do que os pais executam antes mesmo da linguagem, com os sinais não verbais, com a manipulação de objetos, enfim, inicia seu processo de compreensão e de comunicação.

CONCLUSÃO

Concluímos que a Neurociência e a Neuropsicologia vêm contribuindo para o diagnóstico dos transtornos na linguagem da criança, como também colaboram no diagnóstico diferencial dos transtornos, principalmente quando envolvem déficit cognitivo ou alteração neurológica. Para tanto é necessário que o neuropsicólogo tenha uma bateria de testes específicos e gerais que envolvam a atenção, a memória, a percepção, as funções linguísticas, as funções executivas, por estarem entrelaçadas no funcionamento cognitivo do indivíduo.

A avaliação neuropsicológica é utilizada em casos nos quais existem possiblidades de que dificuldades cognitivas ou comportamentais verificadas possam ter origens neurológicas. Podem auxiliar na compreensão e na intervenção de problemas relacionados ao desenvolvimento infantil, comprometimentos psiquiátricos, alterações de conduta e outros casos.

A testagem neuropsicológica permite uma avaliação global das capacidades da criança, suas dificuldades no cotidiano, na aprendizagem da linguagem oral e na linguagem escrita. A testagem permite conhecer as dificuldades da criança para elaborar intervenção apropriada para cada caso. No caso da avaliação da linguagem no Espectro Autista, vemos que há uma gama de peculiaridades importantes a serem observadas na fala, na falta de linguagem e no discurso deste indivíduo, as quais facilitarão esta intervenção, visando adequação deste indivíduo ao meio social e ao seu desenvolvimento global.

Levando-se em conta que a linguagem é um fenômeno sociocultural, estabelecida e transformada historicamente, e que o funcionamento cerebral é disposto no que diz respeito às funções corticais superiores, como linguagem, memória e pensamento, conclui-se que tudo isso é organizado a partir também das interações familiares, onde o indivíduo vive desde tenra idade, e que estes itens abordados são extremamente importantes na avaliação da linguagem da criança autista.

Sendo assim, fica visível a importância das entrevistas bem elaboradas com a família, estabelecendo relação com possíveis alterações, e, desta forma, ajudando a clarificar o diagnóstico. Outro aspecto importante para a avaliação e o diagnóstico diferencial é o acesso aos laudos e às avaliações de outros profissionais.

Para terminar, deixamos uma reflexão: uma avaliação é produtiva quando uma questão é bem respondida, e quando o avaliador tem experiência suficiente para traduzir toda a questão que está disponível naquele momento.

REFERÊNCIAS

CAPOVILLA, F. C. Neuropsicologia e Aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar. São Paulo: Editora Nemnon, 2004.

COSTA, D. I.; AZAMBUJA, L. S.; PORTUGUZ, M. W; COSTA, J. C. Avaliação Neuropsicológica da Criança. Jornal de Pediatria, vol. 80, n. 2, p. 111-6,2004. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 08 ago. 2021.

FERREIRA, Léslie Piccolotto. Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Rocca, 2005.

LAMÔNICA, Dionísia Aparecida Cusin.  Estimulação da Linguagem: aspectos teóricos e práticos. Pulso: São José dos Campos, 2008.

RAMOS, Ari Alex. O Crescimento da Neuropsicologia no Brasil: uma revisão sistemática. Psicologia: ciência e profissão, vol. 36, nº 2, p. 471-485, abril/junho de 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 21 jul. 2021.

ROTTA, Neura Tellechea. Transtornos da Aprendizagem: abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2007.

SANTOS, Flávia Heloisa. Neuropsicologia Hoje. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.

VELASQUES, Bruna Brandão. Neurociências e Aprendizagem; processos básicos e transtornos. Rio de Janeiro: Rubio, 2014.

ZORZI, Jaime Luiz. A Intervenção Fonoaudiológica nas Alterações da Linguagem Infantil.  Rio de Janeiro: Revinter, 2008.

[1] Fonoaudióloga, pós-graduada em Psicomotricidade e Neuropsicologia, mestra em Educação (UFF). ORCID: 0000-0001-9112-4348.

Enviado: Julho, 2022.

Aprovado: Novembro, 2022.

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Marcia Mathias Netto Fleury

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