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Uso de cigarro eletrônico: efeitos e riscos – revisão integrativa de literatura

RC: 131874
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/cigarro-eletronico

CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

AGUIAR, Gislanne dos Santos [1], SILVA, Henrique Lago [2], GOMES, Eduan dos Santos [3], SOUSA, Hugo Antônio Ribeiro de [4]

AGUIAR, Gislanne dos Santos. Et al. Uso de cigarro eletrônico: efeitos e riscos – revisão integrativa de literatura. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 11, Vol. 04, pp. 22-35. Novembro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/cigarro-eletronico, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/cigarro-eletronico

RESUMO

Introdução: Os cigarros eletrônicos (CE) também podem ser chamados de e-cigarros ou Dispositivos Eletrônicos para Fumar. Nos últimos anos, houve um incremento no uso e na taxa de experimentação destes dispositivos, com aumento na prevalência entre a população de 15 a 24 anos, com predomínio entre jovens que nunca haviam feito uso de tabaco anteriormente. Problematização: Isto posto, a pergunta norteadora elaborada para o presente estudo foi: quais riscos e complicações o cigarro eletrônico pode acarretar à saúde dos usuários? Objetivo: Logo, teve-se como objetivo geral avaliar as complicações e os riscos à saúde relacionados ao uso de cigarro eletrônico. Metodologia: Diante disso, este estudo fundamentou-se em uma revisão integrativa, qualitativa e descritiva, envolvendo as seguintes bases de pesquisa científicas eletrônicas: Scientific Electronic Library Online (SciELO) e PubMed (MEDLINE), com auxílio de descritores, como: “Cigarro eletrônico”, “Vaping”, “dispositivos eletrônicos para fumar”, “E-cigarettes” e “Electronic nicotine delivery systems”. Os artigos passaram por um processo de seleção e, por fim, foram eleitos 22 trabalhos para discussão. Resultados: Dessa forma, como resultados, observou-se que, apesar dos CEs surgirem inicialmente como uma alternativa ao cigarro tradicional, eles não são inofensivos. O CE com nicotina, comparado a outras medidas para a abstinência do tabaco, reduziu em maior número os sintomas de abstinência e manteve a abstinência primária de uso nos usuários de cigarro de combustão. Contudo, como consequência, o CE induziu inúmeras alterações respiratórias, o aumento da pressão arterial sistólica e diastólica e da frequência cardíaca, o incremento na expressão da enzima mieloperoxidase plasmática, elevações dos biomarcadores relacionados à inflamação, e piorou, consideravelmente, o risco cardiovascular. Assim, verificou-se que o uso frequente destes dispositivos está relacionado com a complicação grave de lesão pulmonar induzida pelo cigarro eletrônico (EVALI), que teve destaque em 2020, nos Estados Unidos, onde sintomas respiratórios estavam associados ao uso de CE. Conclusão: Portanto, reconhece-se que o uso de cigarro eletrônico deve ser desestimulado a fim de proteger os indivíduos das lesões cardiovasculares e respiratórias graves conhecidas, relacionadas ao hábito de fumar, que alteram o metabolismo e a fisiologia das vias áreas, além da possível toxicidade a longo prazo ainda desconhecida relacionadas a esses dispositivos.

Palavras-chave: Cigarro eletrônico, Dispositivos Eletrônicos para Fumar, Tabagismo, Lesão pulmonar.

1. INTRODUÇÃO

O tabaco é responsável por milhões de mortes a cada ano. Somente em 2017, houveram cerca de 8 milhões de óbitos por doenças relacionadas ao uso de tabaco. Nesse contexto, apesar da taxa de uso ter diminuído, as consequências relacionadas à sua utilização ainda influenciam nos índices de óbitos e morbidade atuais, uma vez que seus efeitos deletérios também surgem a longo prazo. Por essa razão, a Organização Mundial de Saúde (OMS) se esforça para reverter a epidemia do tabaco através de compromissos globais acordados entre os países (WHO, 2019).

O hábito de fumar possui uma relação complexa entre estímulo ambiental e condicionamento psicossocial. O vício pelo cigarro envolve limites físicos, culturais e socioeconômicos, pois, além de aumentar o risco de cânceres e de problemas cardiovasculares e a incidência de doenças no sistema, de disfunção erétil e de infertilidade, o cigarro também é custoso, gerando um impacto econômico, e pode gerar consequências socioculturais quanto utilizado em idade precoce (VARGAS et al., 2021; GLANTZ e BAREHAM, 2018).

Diante disso, na tentativa de cessar o tabagismo, cresceu um método alternativo chamado cigarro eletrônico. Este método simula o uso de cigarros tradicionais, sugerindo auxílio na cessação do tabagismo tradicional e melhora dos sintomas de abstinência – exemplares com nicotina (VILARDI e VILARDI, 2015; HAJEK et al., 2019).

Os cigarros eletrônicos também podem ser chamados de Electronic Nicotine Delivery Systems (ENDS), e-cigarettes ou Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEF), sendo compostos por vaporizador, atomizador (armazena o e-líquido) e bateria. E o seu uso é semelhante aos cigarros tradicionais, em que ao realizar o trago e pressionar um botão, o líquido é aquecido e vaporizado, atingindo as vias aéreas inferiores (VILARDI e VILARDI, 2015).

Apesar de inicialmente surgir como uma alternativa ao cigarro tradicional, os cigarros eletrônicos não são inofensivos. Para o cigarro tradicional levar a nicotina aos pulmões ele queima o tabaco, já os cigarros eletrônicos usam a vaporização dos e-líquidos, de modo que, neste processo, inúmeras substâncias químicas, como nicotina, cannabis, propilenoglicol, glicerina vegetal e até metais pesados chegam aos pulmões. Isto posto, vale ressaltar que os efeitos destas substâncias a longo prazo ainda não são bem compreendidos (PINTO et al., 2020; GLANTZ e BAREHAM, 2018).

Os cigarros eletrônicos, assim como o cigarro tradicional, estão relacionados ao aumento do risco de câncer, se comparados a população não fumante. O risco de problemas cardiovasculares também é maior nos usuários de cigarro eletrônico (CE), pois há o aumento do estresse oxidativo, o aumento de mediadores inflamatórios e a indução de alterações plaquetárias prejudiciais, culminando em lesão tecidual e citotoxicidade (GLANTZ e BAREHAM, 2018; VARGAS et al., 2021).

Diante disso, ressalta-se que, em 2019, houve um surto de casos de Lesões pulmonares associadas ao uso de cigarro eletrônico (EVALI) nos Estados Unidos, sendo responsável pelo aumento de casos semelhantes no pronto-socorro com sintomas de dor torácica e/ou falta de ar associada ao uso de cigarros eletrônicos (HARTNETT et al., 2020; PINTO et al., 2020; CIVILETTO e HUTCHISON, 2019).

A importação, comercialização e propaganda de cigarros eletrônicos são proibidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2009, no entanto, esta medida não conseguiu frear o uso deste dispositivo no país, o qual é disseminado entre os jovens brasileiros que adquirem os produtos no comércio ilegal, gerando impactos na saúde individual e na saúde pública.

Sendo assim, o presente estudo é de interesse geral, pois busca analisar e sistematizar a literatura, a fim de identificar a influência do uso de cigarro eletrônico sobre a saúde dos usuários e relatar as complicações relacionadas à sua utilização.

Para tanto, realizou-se uma revisão com enfoque em sintetizar, atualizar e sistematizar o tema principal, visando contribuir para a compreensão dos riscos e das complicações relacionados ao uso de cigarro eletrônico. Logo, este estudo buscou responder a seguinte questão norteadora: quais riscos e complicações o cigarro eletrônico pode acarretar à saúde dos usuários?  Tendo como objetivo geral avaliar as complicações e os riscos à saúde relacionados ao uso de cigarro eletrônico. Além disso, teve-se como objetivo específico: avaliar os efeitos e as complicações relacionadas ao uso atual ou prévio de cigarros eletrônicos sobre os sistemas cardiovascular e respiratório.

2. MÉTODOS

Este é um estudo qualitativo e descritivo, do tipo revisão integrativa, que possui como enfoque os riscos e as complicações associadas ao uso de cigarro eletrônico. A pesquisa foi realizada no período de agosto a outubro de 2022, nas principais bases de pesquisas científicas eletrônicas, como: Scientific Electronic Library Online (SciELO) e PubMed (MEDLINE). Sendo realizada a busca, a leitura e a seleção dos artigos científicos que interessavam ao tema.

A pesquisa nas plataformas foi realizada com auxílio de descritores, como: “Cigarro eletrônico”, “Vaping”, “dispositivos eletrônicos parahttps://doi.org/10.32749/ fumar”, “E-cigarettes” e “Electronic nicotine delivery systems”.

Assim, como critérios de inclusão, foram utilizados artigos publicados a partir de 2018, de acesso livre e disponíveis em português ou em inglês. E, como critérios de exclusão, foram excluídos artigos que fugiam do tema principal da pesquisa, que mesclavam outras patologias, que eram revisionais e de metanálise, que eram repetidos e/ou que não se enquadravam na descrição dos critérios de inclusão.

Diante disso, foram encontrados 336 trabalhos, dentre os quais foram selecionados 119 que cumpriam parcialmente os critérios de inclusão, como: ano de publicação, idioma e disponibilidade livre. Posteriormente, dos 119 trabalhos que foram selecionados, escolheu-se 51 por meio da leitura do resumo, chegando, por fim, em 22 estudos mediante sua leitura na íntegra (figura 1).

Figura 1 – Fluxograma para seleção de artigos

Fluxograma para seleção de artigos
Fonte: Autoria própria.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 BREVE PERFIL E EPIDEMIOLOGIA DE USO

Nos últimos anos houve um incremento no uso de cigarros eletrônicos, tanto no Brasil como no mundo. A taxa de experimentação do cigarro eletrônico é de 2,7% entre a população jovem. A estimativa de uso de CE na população com 15 anos ou mais, em algum momento da vida, é de aproximadamente 1,63% a 6,7%. Enquanto 0,61% a 2,32% fazem o uso dos dispositivos atualmente, com predomínio de usuários do sexo masculino (BERTONI et al., 2021; OLIVEIRA, 2018; BERTONI e SZKLO, 2021).

Os dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, que contou com uma amostra de 159.245 jovens brasileiros de 13 a 17 anos, concluiu que 16,8% já experimentaram o cigarro eletrônico e 22,6% já haviam experimentado o cigarro tradicional (MALTA et al., 2022).

Nessa linha, Pearson, Reed e Villanti (2020) demonstraram que os CE são bem conhecidos no grupo de jovens norte-americanos entre 18 e 34 anos, fumantes ou não. No trabalho, foram expostos quatro dispositivos eletrônicos de fumar e 65 a 90% dos jovens identificaram corretamente os dispositivos, enquanto apenas 4% destes faziam uso frequente ou ocasional de CE.

Nessa perspectiva, no Brasil, identificou-se que a região Centro-oeste possui a mais alta prevalência de usuários de vapers. Apesar disto, metade do número absoluto de usuários de CE se concentra na região sudeste. A faixa etária de usuários de 15 a 24 anos foi a mais prevalente, número cerca de 40 vezes maior que em pessoas maiores de 40 anos (BERTONI e SZKLO, 2021; MALTA et al., 2022).

O número de usuários atuais de CE que nunca fumaram o cigarro tradicional antes concentra em cerca de 62%, o que acende um alerta, pois, cada vez mais jovens estão fazendo uso experimental e/ou regular de cigarros eletrônicos. Logo, pode-se relacionar isto ao intenso modismo e às propagandas relacionadas aos dispositivos, que trazem um visual high-tech e aditivos de sabor e aromatizantes nos e-líquidos, com objetivo de promoção e estímulo ao consumo, visando esta população (BERTONI e SZKLO, 2021; MALTA et al., 2022).

A estratégia de aromatizantes e saborizantes é usada para mascarar o gosto nocivo da nicotina ultra concentrada, que tem sido frequentemente empregada nos dispositivos da nova geração, os quais são associados aos modelos modernos, ultracompactos e personalizáveis, atraindo ainda mais os jovens (CIVILETTO e HUTCHISON, 2022).

Estes dispositivos podem acabar contribuindo para a criação de um grupo de novos usuários dependentes de nicotina através do uso de CE, que poderão, em outro momento, buscar o cigarro tradicional para satisfazer a dependência de nicotina. Dito isso, vale lembrar que o uso do cigarro tradicional e o uso abusivo de álcool estão associados ao uso de cigarro eletrônico (BERTONI e SZKLO, 2021; BERTONI et al., 2021).

3.2 CIGARRO ELETRÔNICO COMO ALTERNATIVA NA CESSAÇÃO DO TABAGISMO

O cigarro eletrônico surgiu, teoricamente, como alternativa ao cigarro tradicional na tentativa de cessar o tabagismo. Este dispositivo com nicotina, comparado a outras medidas para a abstinência do tabaco (adesivo de nicotina, produto oral), reduziu em maior número os sintomas de abstinência e manteve a abstinência primária do cigarro de combustão. Porém, o CE foi mantido por mais tempo que as medidas, e os efeitos a longo prazo destes ainda são desconhecidos, alertando para um potencial risco (HAJEK et al., 2019).

Já o uso a curto prazo, como no estudo de Veldheer et al. (2018), não demonstrou danos adicionais com uso por 3 meses. E o CE se manteve benéfico na redução dos sintomas de abstinência comparado ao grupo que usou o cigarro eletrônico falso, que não continha nicotina, nem vaporizador.

Nessa linha, os resultados de Yonek et al. (2021) corroboraram com o estudo anterior, o qual reconheceu o uso duplo do cigarro eletrônico e do cigarro tradicional como benéfico quando usados num período de transição para apenas o CE ou para abstinência completa, uma vez que o grupo que usou CE como estratégia para cessar o consumo de cigarro foi mais propenso a alcançar a abstinência.

Sendo assim, destaca-se que a mudança de cigarro tradicional para cigarro eletrônico melhora a função e a rigidez vascular no período precoce de um mês, principalmente em usuários crônicos de tabaco com menos de 20 maços/ano, que iniciam a transição para o CE. Isto fez George et al. (2019) concluir que a melhora inicial após a cessação não parece estar relacionada com a ausência de nicotina, mas de algum outro material danoso presente nos cigarros de combustão.

O uso de cigarro eletrônico gera inúmeras alterações respiratórias, como a diminuição da concen

3.3 EFEITOS DO USO DE CIGARRO ELETRÔNICOS SOBRE O SISTEMA CARDIORRESPIRATÓRIO

tração de óxido nítrico no ar exalado, que pode ter relação com o estresse oxidativo nas vias aéreas, sugerindo que o CE perturba a homeostase pulmonar, talvez na forma de inflamação por irritação pelo aerossol produzido (CHAUMONT et al., 2018).

O cigarro também leva ao aumento da temperatura das vias aéreas e à redução do fluxo aéreo, e gera alterações espirométricas, como a redução do volume expiratório no primeiro segundo (VEF1) e a redução do índice de tiffeneau, que possuem valores semelhantes em usuários de CE e nos usuários de cigarro tradicional (CHAUMONT et al., 2018).

Nesse sentido, Civiletto e Hutchison (2022) demonstraram o aumento agudo da velocidade da onda de pulso carótido femoral, sendo maior em usuários de CE comparados aos de narguilé, o que pode estar relacionado com as alterações de enrijecimento da parede dos vasos. Também, encontraram elevações dos biomarcadores relacionados com inflamação: aumento da proteína C reativa, fibrinogênio e fator de necrose tumoral após o uso do dispositivo eletrônico para fumar.

Diante disso, observa-se que o tabagismo gera um incremento significativo no risco cardiovascular, onde os fumantes de ao menos um cigarro apresentam alterações de repolarização ventricular e frequência cardíaca elevada. O incremento é tão significativo, que até os não fumantes atuais, ao usarem o cigarro eletrônico, têm seu risco cardiovascular consideravelmente aumentado e desenvolvem alterações no padrão celular, com predomínio de células imunes e incremento no estresse oxidativo (KELESIDIS et al., 2021; MICHELLE et al., 2020).

Nesse contexto, na tentativa de elucidar se as alterações relacionadas ao uso de cigarro eletrônico são oriundas apenas da nicotina ou das próprias substâncias vaporizadoras, Chaumont et al. (2018) comparou os efeitos microvasculares entre usuários de CE com nicotina, de CE sem nicotina e de CE falso (sem nicotina e sem e-líquido).

Com isso, verificou-se que o CE contendo nicotina induziu aumento da pressão arterial sistólica por ao menos 60 minutos, e da pressão diastólica e frequência cardíaca por pelo menos 120 minutos. A expressão da mieloperoxidase plasmática também aumentou, relacionando-se com o estresse oxidativo, aumentando, dessa forma, o risco cardiovascular. E, além disso, o CE contendo nicotina também foi relacionado com certo grau de irritação de via aérea (BIONDI-ZOCCAI et al., 2019; EATON, KWAN e STRATTON, 2018; CHAUMONT et al., 2020; GONZALEZ e COOKE, 2021).

Nessa linha, no uso do CE sem nicotina não houve o incremento da mieloperoxidase e não se conseguiu relacionar a alterações de função endotelial, micro e macro vascular, com a vaporização e inalação de veículos do cigarro eletrônico em fumantes ocasionais. Porém, conseguiu-se correlacionar com efeitos atribuíveis a nicotina e a populações suscetíveis ao uso crônico (CHAUMONT et al., 2018; EATON, KWAN e STRATTON, 2018; GONZALEZ e COOKE, 2021; ANTONIEWICZ et al., 2019).

Entretanto, tem-se que os dados anteriores foram discordantes dos resultados encontrados por Chaumont et al. (2020), os quais demonstraram a indução de inflamação, alterações do muco e surfactante, diminuição da saturação de oxigênio (O2) e fração da oxi-hemoglobina em fumantes com alta carga tabágica mesmo em usuários de CE sem nicotina, sugerindo que o uso de CE livre de nicotina também é responsável por danos às vias aéreas, pois grandes quantidades de propilenoglicol (PG) e glicerol (GLY) liberados durante a vaporização são depositados, principalmente, no epitélio das grandes vias aéreas, bronquíolos terminais e alvéolos, alterando a fisiologia local. Assim, quando o CE foi associado à nicotina, os resultados encontrados foram semelhantes, sugerindo que a nicotina não é a responsável pelos dados observados (CHAUMONT et al., 2020).

Posterior a isso, Gonzalez e Cooke (2021) relacionaram o uso de cigarro eletrônico contendo nicotina em jovens não fumantes com a inibição do sistema simpático periférico e do barorreflexo e o aumento da liberação de catecolaminas pelo sistema simpático cardíaco, resultando em alterações anteriores na pressão arterial e frequência cardíaca. Todavia, não se conseguiu relacionar efeitos ao uso de solventes presentes nos e-líquidos.

Assim sendo, de maneira geral, as alterações cardiovasculares dos dispositivos eletrônicos para fumar são importantes, mas menos impactantes que as do cigarro tradicional a combustão. Ao fazer uso dos CE tem-se a redução da biodisponibilidade de óxido nítrico, relacionado a uma disfunção endotelial; a diminuição de vitamina E, a qual possui efeito antioxidante endógeno; o aumento de 8-iso-PGF1a, um isoprostano relacionado com dano oxidativo; e o aumento de p-selectina, envolvida na função plaquetária (BIONDI-ZOCCAI et al., 2019).

Nesse contexto, com a interrupção do uso de cigarros eletrônicos por dois anos, Chaumont et al. (2020) comprovaram as modificações no padrão cardiorrespiratório, com redução da frequência cardíaca e da inflamação pulmonar, mas não na modificação de variáveis espirométricas relacionadas à morbidade pulmonar, como: VEF ou capacidade de difusão pulmonar; sugerindo alterações de função nas vias aéreas que melhoram após a interrupção do uso.

3.4 COMPLICAÇÕES RELACIONADAS AO USO DE CIGARRO ELETRÔNICO

Há relatos do surgimento de Lesões pulmonares induzidas pelo uso de cigarro eletrônico (EVALI), porém, com etiologia incerta. Nesse contexto, sugerem-se alterações relacionadas ao depósito de Vitamina E, encontradas no lavado bronco-alveolar, com diluentes de dispositivos para fumar falsos. Nos Estados Unidos, houve uma série de casos de lesão pulmonar associadas ao uso de CE. Em 2020, o número de pacientes chegou a 2.800 neste país, com um total de 68 óbitos relatados (ZULFIQAR e RAHMAN, 2022).

A Lesão pulmonar induzida pelo cigarro eletrônico leva a alterações pulmonares histológicas como as sugeridas ao analisar o tecido de indivíduos com suspeita de EVALI, nos quais foram encontradas lesões pulmonares agudas e subagudas com dano alveolar difuso, pneumonia em organização, pneumonia fibrinosa aguda e achados sugestivos de pneumonite química (REAGAN-STEINER et al., 2020; ZULFIQAR e RAHMAN, 2022).

Os pacientes apresentavam como sintomas de EVALI: tosse, dor no peito, falta de ar, dor abdominal, náuseas, vômitos, diarreia, febre, calafrios ou perda de peso. E o quadro se relacionou com o uso prévio de E-cigarettes, sobretudo os continham Tetra-hidrocarbinol (THC) (ZULFIQAR e RAHMAN, 2022).

Nesse cenário, ressalta-se que o diagnóstico é clínico epidemiológico, relacionando sintomas com o uso dos dispositivos eletrônicos para fumar. Assim, orienta-se a realização de radiografia simples ou tomografia computadorizada de tórax em caso de sintomas mais graves, onde costuma aparecer um padrão de opacidades em vidro fosco com predomínio de bases pulmonares (ZULFIQAR e RAHMAN, 2022).

Nesse sentido, o tratamento é basicamente orientação para cessação de uso de cigarros eletrônicos, suporte clínico e respiratório com uso de oxigênio suplementar conforme a demanda e uso de corticosteróides. Diante disso, é importante descartar que causas infecciosas podem gerar confusão no diagnóstico. E, em relação ao prognóstico, observa-se que 76% dos casos necessitam de suporte de O2 (ZULFIQAR e RAHMAN, 2022)

4. CONCLUSÃO

Os cigarros eletrônicos surgiram na tentativa de ser uma alternativa menos danosa em relação ao cigarro a combustão, pois apresentaram bons resultados no auxílio à cessação do tabagismo tradicional quando usado como medida de transição. Nesse sentido, o CE demonstrou-se benéfico no controle dos sintomas de abstinência e em cessar o uso de cigarro tradicional.

Apesar disso, este estudo buscou investigar: quais riscos e complicações o cigarro eletrônico pode acarretar à saúde dos usuários? E isso com enfoque no seu crescente uso indiscriminado entre jovens de 15 a 24 anos, não fumantes, e sem o objetivo de ser um método de transição para cessação do uso de cigarro, sendo utilizado apenas com fins recreativos, trazendo inúmeros prejuízos a saúde cardiovascular e respiratória da população e nenhum benefício para este grupo.

Com isso, observou-se que o cigarro eletrônico contendo nicotina demonstrou ser o mais danoso, porém, o cigarro sem nicotina não está isento de riscos, possuindo apenas uma magnitude menor sobre a saúde se comparado aos anteriores. Todavia, ambos dispositivos estão relacionados ao estresse oxidativo e a alterações de vias aéreas, capacidade pulmonar, sistema nervoso e dano alveolar, sendo, ainda, possíveis fontes de liberação de substâncias tóxicas durante a vaporização dos líquidos contidos nos dispositivos.

Diante disso, sugere-se que o uso de cigarro eletrônico deve ser desestimulado a fim de proteger os indivíduos das lesões cardiovasculares e respiratórias conhecidas, relacionadas ao hábito de fumar dispositivos eletrônicos contendo nicotina ou não, e da possível toxicidade a longo prazo, ainda desconhecida.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo tem relevância, pois contribui para a construção do conhecimento científico na área, visto que destacou a relação entre as alterações estruturais e metabólicas das vias aéreas respiratórias, assim como a presença de lesões e o desequilíbrio da fisiologia cardiovascular, de maneira aguda ou crônica, com o uso de cigarros eletrônicos, contendo nicotina ou não em sua composição.

Apesar disto, este estudo apresenta algumas limitações, como a não inclusão de dissertações, monografias, teses, livros e documentos científicos em outras línguas, pois se considerou apenas trabalhos disponíveis em inglês e português.

Além disso, observa-se que, mesmo com abundantes estudos na área, os resultados encontrados na literatura não são comumente organizados e sistematizados entre si, com o objetivo de facilitar a obtenção de um recorte geral otimizado do cenário, facilitando o uso clínico da informação oriunda da medicina baseada em evidências.

REFERÊNCIAS

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[1] Graduando em Medicina. ORCID: 0000-0002-2625-1938.

[2] Graduado em Medicina. ORCID: 0000-0002-2305-1076.

[3] Graduando em Medicina. ORCID: 0000-0003-4457-9133.

[4] Orientador. Mestrado em Ciências da Saúde, Graduação em Fisioterapia. ORCID: 0000-0001-8597-0601

Enviado: Outubro, 2022.

Aprovado: Outubro, 2022.

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Gislanne dos Santos Aguiar

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