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A atuação hospitalar do enfermeiro em situações de desastres: um olhar sobre o desastre de 2011 em Nova Friburgo

RC: 125564
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

PEREZ, Jéssica Ramos Ferraz [1], PEREIRA, Geysiane da Rosa [2], SOUSA, Natalee Shottz Canella [3], FAZOLI, Kelly Leal Silveira [4]

PEREZ, Jéssica Ramos Ferraz. Et al. A atuação hospitalar do enfermeiro em situações de desastres: um olhar sobre o desastre de 2011 em Nova Friburgo. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 08, Vol. 06, pp. 18-31. Agosto de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/atuacao-hospitalar

RESUMO

Os desastres naturais constituem um tema presente no cotidiano das pessoas, independentemente de estas residirem ou não em áreas de risco. Ainda que o termo traga associação à terremotos, tsunamis, erupções vulcânicas, ciclones e furacões, os desastres contemplam outros fenômenos locais específicos como, por exemplo deslizamentos, inundações e erosões, podendo ocorrer naturalmente ou induzidos pelo homem. No Brasil não ocorrem muitos fenômenos de alta destruição, como furacões ou terremotos, por esse motivo alguns países estão melhor preparados para tais eventos, através de políticas de enfrentamento, prevenção e alerta de desastres. Porém, os planos de enfrentamento e gestão de desastres ainda estão em fase de consolidação, evidenciado por uma das tragédias marcantes na região serrana do Rio de Janeiro, em 2011. Essa tragédia, ocorrida em 2011, levou à morte de mais de quatrocentas pessoas, além de milhares de desabrigados. Considerando o fato e as proposições anteriores, questiona-se: qual a percepção dos enfermeiros sobre o atendimento ofertado às vítimas, em ambientes de desastre? Assim, o objetivo geral do presente estudo é compreender a percepção dos enfermeiros sobre diferentes aspectos relacionados ao atendimento ofertado às vítimas da tragédia supracitada. Esta é uma pesquisa de abordagem qualitativa, com caráter exploratório e descritivo. Conclui-se que a percepção geral dos profissionais é ser necessário que o Estado avance sobre as políticas de prevenção e atuação frente às catástrofes. 

Palavras-chave: Assistência hospitalar, Enfermeiro, Desastre, Plano de enfrentamento.

1. INTRODUÇÃO

Os desastres naturais constituem um tema presente no cotidiano das pessoas, independentemente de estas residirem ou não em áreas de risco. Ainda que o termo traga associação à terremotos, tsunamis, erupções vulcânicas, ciclones e furacões, os desastres contemplam outros fenômenos locais específicos como, por exemplo, deslizamentos, inundações e erosões, podendo ocorrer naturalmente ou induzidos pelo homem (TOMINAGA; SANTORO; AMARAL, 2009).

Quanto à origem, os desastres são divididos em naturais, aqueles causados por fenômenos e desequilíbrios da natureza que atuam independentemente da ação humana; humanos, resultantes de ações ou omissões humanas e estão relacionados com as atividades do homem, como agente ou autor; e mistos, causados pela ação da natureza e agravados pela ação humana.

No Brasil não ocorrem muitos fenômenos de alta destruição, como furacões ou terremotos, por esse motivo alguns países estão melhor preparados para tais eventos, através de políticas de enfrentamento, prevenção e alerta de desastres. No Brasil, porém, os planos de enfrentamento e gestão de desastres ainda estão em fase de consolidação, evidenciado por uma das tragédias marcantes na região serrana do Rio de Janeiro, em 2011.

Essa tragédia, ocorrida em 2011, levou à morte de mais de quatrocentas pessoas (DOURADO; ARRAES; SILVA, 2012), além de milhares de desabrigados. Infelizmente foi perceptível o despreparo das equipes de saúde, visto que suas atitudes eram baseadas no instinto, sem base em procedimentos direcionados à situação. Considerando o fato e as proposições anteriores, questiona-se: qual a percepção dos enfermeiros sobre o atendimento ofertado às vítimas, em ambientes de desastre?

Esta é uma pesquisa de abordagem qualitativa, com caráter exploratório e descritivo. O objetivo geral do presente estudo é compreender a percepção dos enfermeiros sobre diferentes aspectos relacionados ao atendimento ofertado às vítimas da tragédia supracitada. Colaborando, os objetivos específicos são: apresentar a catástrofe ocorrida em Nova Friburgo em 2011; conhecer os planos de enfrentamento da equipe de saúde em desastres; e, entender a assistência hospitalar de Enfermagem às vítimas da tragédia.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 A TRAGÉDIA NA CIDADE DE NOVA FRIBURGO EM JANEIRO DE 2011 

A Região Serrana localiza-se na porção central do estado do Rio de Janeiro. De acordo com a Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores do Rio de Janeiro (CEPERJ), esta região compreende os municípios de “Bom Jardim, Cantagalo, Carmo, Cordeiro, Duas Barras, Macuco, Nova Friburgo, Petrópolis, Santa Maria Madalena, São José do Vale do Rio Preto, São Sebastião do Alto, Sumidouro, Teresópolis e Trajano de Morais” (BRASIL, 2007, p.7). Suas duas principais vias de acesso são a BR-040, que liga a capital do estado a Brasília e a BR-116, que liga o Ceará ao Rio Grande do Sul e corta o estado do Rio de Janeiro, passando pela Região Serrana (PREFEITURA MUNICIPAL DE SAÚDE DE NOVA FRIBURGO, 2014).

A cidade de Nova Friburgo encontra-se a 136 km do Rio de Janeiro, ocupa uma área de 933, 414 km² e possui uma população total (urbana e rural) de 184.460 habitantes, de acordo com a estimativa de população do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2014). O município está localizado entre as montanhas que formam a Serra do Mar e é de perfil montanhoso, com altitudes variando de 846 m a 2.300m. Além de possuir uma das maiores áreas de Mata Atlântica do Brasil com extensão total de cerca de 933,5 km, 4% do território é ocupado por cidades e vilas (PREFEITURA MUNICIPAL DE SAÚDE DE NOVA FRIBURGO, 2014).

Nova Friburgo possui três bacias Hidrográficas: Bacia Hidrográfica do Rio Bengalas, Bacia Hidrográfica do Alto do Rio Grande, Bacia Hidrográfica do Rio Macaé:

a macro drenagem da cidade de Nova Friburgo, principalmente das bacias do Rio Grande, do Córrego d’Antas e do Rio Bengalas foi seriamente comprometida com relação as suas características hidráulicas básicas, apresentando problemas como barramento do escoamento, calhas completamente assoreadas e até mesmo mudança de curso 26 dos rios. (CAVALCANTE FILHO et al. 2011, p. 13)

Afluentes de médio e pequeno porte também foram afetados, a exemplo dos córregos Três Cachoeiras, Suíço, da Buracada e o Ribeirão do Capitão. A bacia do rio Bengalas, a principal do município, possui um índice de urbanização elevado, que inclui as sub-bacias dos seus formadores, com cerca de 191,4 km² e extensão total 12,3 km². (PREFEITURA MUNICIPAL DE SAÚDE DE NOVA FRIBURGO, 2014).

2.1.1 O DESASTRE

O clima da região serrana do Rio de Janeiro é classificado como Tropical de Altitude, com média pluvial anual podendo alcançar 2.500mm. A cidade caracteriza-se pelo clima mesotérmico brando superúmido, com temperaturas amenas durante todo o ano, em janeiro, a média pluviométrica da cidade é de 227mm. As condições climáticas nos dias que antecederam a data da tragédia vinham sendo bastante instáveis, com chuvas finas e constantes, o que contribuiu para deixar o solo encharcado gradativamente (DOURADO; ARRAES; SILVA, 2012).

Cavalcante Filho et al. (2011) explica que a principal causa dos altos índices pluviométricos registrados na Região Serrana foi a atuação da chamada Zona De Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), caracterizada por uma banda de nebulosidade que se estende desde a região Amazônica até o Oceano Atlântico, passando pelas regiões centro-oeste e sudeste do Brasil, transportando alta umidade da Amazônia pelo país.

Na madrugada de 12 de janeiro de 2011, a Região Serrana do estado do Rio de Janeiro foi atingida pelo maior desastre climático/ambiental registrado na história do país. Segundo Cavalcante Filho et al. (2011) a localidade foi afetada por intensa precipitação pluviométrica; registrado que em 48 horas choveu mais que nos dois primeiros meses do ano de 2010, com registro de 170 mm de chuva, frente aos 281,6 registrados no evento, provocando inúmeros deslizamentos de terra e inundações, desabrigando mais de 29.000 habitantes.

Os números de fatalidades divergem, mas oficialmente foram mais de 900 mortes, 300 desaparecimentos e 50.000 desabrigados (DOURADO; ARRAES; SILVA, 2012). Dentre os sete municípios afetados destaca-se o de Nova Friburgo, com as chuvas mais intensas já registradas e o maior índice pluviométrico da história da cidade. No município se concentrou a maioria das vítimas fatais, 426 mortos (PINHEIRO; ANDRADE; MOURA, 2011).

A cidade foi a que recebeu o volume mais intenso de chuvas, alcançando 1.220mm nos 75 dias anteriores à tragédia, uma média equivalente à esperada para um ano (Terra Notícias, 2011). E seu relevo agravou as consequências das chuvas, porque, segundo reportagem publicada na 56ª edição da Revista Piauí, a cidade encontra-se no meio de um vale em que as construções estão susceptíveis a deslizamentos e/ou enchentes (DIEGUEZ, 2011).

2.2 PLANOS DE ENFRENTAMENTO DE DESASTRES\CATÁSTROFES 

O sistema municipal de Proteção e Defesa Civil de Nova Friburgo aprovou o Plano de Contingência de Proteção para Enchentes, Alagamentos, Enxurradas, Deslizamentos de Grande Impacto e Incêndio Florestal. O Plano de Contingência de Proteção e Defesa Civil (PLANCON) tem por objetivo a redução de desastres, que abrange a preparação para emergências e resposta aos desastres. Ele prevê um conjunto de ações preventivas, de socorro, de assistência e reabilitação de cenários, a fim de reduzir os danos e prejuízos decorrentes (PREFEITURA MUNICIPAL DE NOVA FRIBURGO, 2014b).

Considerando, é importante explicar a atuação dos órgãos envolvidos:

Responsabilidade primária: Secretaria Municipal De Ordem Urbana;

Na preparação: Defesa Civil;

No monitoramento: CEMADEN (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais)-RJ E NACIONAL;

No alerta: Defesa Civil;

No alarme: Defesa Civil;

No socorro: CBMERJ (Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro);

Na assistência às vítimas: Secretaria De Saúde;

Na reabilitação de cenários: Todos os órgãos públicos;

Na desmobilização: Defesa Civil (PREFEITURA MUNICIPAL DE NOVA FRIBURGO, 2014b, p. 17).

Conforme a Secretaria Municipal de Saúde (2014), após o desastre ocorrido em janeiro de 2011, o Hospital Municipal Raul Sertã (HMRS) sofreu algumas modificações e elaborou estratégias para reduzir os riscos e prestar uma assistência adequada. Dentre as modificações foram feitas obras no almoxarifado para que se encontre ao nível mais alto que o pátio interno, o raio X está em obras com o mesmo objetivo e a farmácia, foi recolocada um andar superior.

Os médicos e enfermeiros plantonistas ficaram responsáveis por ordenar e organizar os setores, visando proteger os pacientes e o patrimônio humano e físico do hospital. A prioridade consiste em proteger os setores mais vulneráveis, como o Centro de Terapia Intensiva (CTI), sala de trauma, serviço de nefrologia, setor de imagem, banco de sangue, almoxarifado, serviço de nutrição e de manutenção. Ainda em se tratando de mudanças culturais, há a estratégia do Plano de Contingência Familiar, um plano que está disponível para download no site da Secretaria de Estado de Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro (SEDEC/RJ) que consiste em um pequeno plano de contingência familiar e instruções para montagem de uma mochila e uma caixa de emergência para situações de desastres.

Há também os agentes comunitários escolares, estes oferecem cursos sobre o Sistema Nacional de Proteção de Defesa Civil, de no máximo cinco módulos cujo público-alvo são os alunos de escolas públicas e seus familiares moradores de áreas com risco geológico. Nestes cursos são abordados temas como educação ambiental, percepção de riscos de desastres, sistemas de alerta e alarme em caso de chuvas fortes, terminologias e conceitos básicos sobre Defesa Civil etc. Nas comunidades, a estratégia utilizada é a criação das Unidades de Proteção Comunitária (UPCs) que garantem a presença constante da Defesa Civil nas áreas com alto risco para desastres, trabalhando na melhoria da percepção comunitária dos riscos, proporcionando mudanças de comportamento e aumentando o nível de resiliência local.

Outra estratégia utilizada nas comunidades é a realização de exercícios simulados de desocupação das áreas abrangidas pelo Sistema de Alerta e Alarme de Sirenes. Consiste numa simulação de desocupação realizada mensalmente, no dia 10 às 10h 00min da manhã com a população, verificando a efetividade dos protocolos de desocupação, pontos de apoio etc. neles também é possível se receber um feedback da população a respeito dos procedimentos a serem adotados no caso de um desastre.

Ainda, há o Dia Estadual de Redução de Desastres, celebrado anualmente no dia 29 de novembro. Esta data, cujo slogan é “Sociedade mobilizada e empenhada na redução de desastres” foi escolhida pelo governo do estado com o objetivo de envolver a população nas ações de redução de riscos, visando à modificação gradual da cultura nacional a esse respeito.

3. METODOLOGIA

Esta é uma pesquisa de abordagem qualitativa, com caráter exploratório e descritivo. Nesta modalidade, busca-se levantar, registrar e analisar informações sobre o sujeito, objeto de estudo, contextualizado em um determinado ambiente (SEVERINO, 2010). O cenário utilizado para essa pesquisa foi o município de Nova Friburgo, situado na região serrana do Rio de Janeiro. A coleta de dados ocorreu entre outubro e novembro de 2015, com início após quatro anos e nove meses do evento.

Os sujeitos participantes desta pesquisa compreenderam 10 enfermeiros que tiveram atuação intra-hospitalar na tragédia ocorrida na cidade de Nova Friburgo em janeiro de 2011, tanto de instituições públicas como privadas. A faixa etária dos participantes foi de 27 (vinte e sete) a 53 (cinquenta e três) anos, sendo sete mulheres e três homens, todos lúcidos e comunicativos, cuja condição clínica permitia a participação sem danos ou prejuízos à sua saúde física. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para preservar suas identidades, foi utilizada a letra E, seguida do número ordinal correspondente à ordem da entrevista na identificação das falas, assim apresentadas a título de exemplo: E.1, E.2, E.3.

O instrumento utilizado para esta pesquisa foi o de entrevista não-diretiva; onde, através de um diálogo descontraído, as entrevistadoras ouviram atentamente os sujeitos e registraram quaisquer informações importantes, intervindo apenas quando necessário para estimular o entrevistado a continuar oferecendo seu depoimento sem constrangimentos (SEVERINO, 2010).

4. ANÁLISE DE DADOS

O profissional de enfermagem tem sua atuação frente a um desastre respaldada na Lei do Exercício Profissional de Enfermagem n° 7498/86, que estabelece como atividade privativa do enfermeiro a assistência direta ao paciente crítico, cabendo-lhe: planejamento, organização, coordenação, execução e avaliação dos serviços de assistência de enfermagem.

O Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) editou a resolução COFEN n° 423, que em seu artigo 1° determina que “No âmbito da equipe de Enfermagem, a classificação de risco e priorização da assistência em Serviços de Urgência é privativa do enfermeiro, observadas as disposições legais da profissão. Para executar a classificação de risco e priorização da assistência, o enfermeiro deverá estar dotado dos conhecimentos, competências e habilidades que garantam rigor técnico-científico ao procedimento” (BRASIL, 2012).

Foi percebido que o enfoque de atuação do enfermeiro se deu nas ações assistenciais, no entanto, a parte gerencial, principalmente de organização de turnos de trabalho não foi deixado de lado:

“(…) a gente ali estruturava o plantão, dividia os pacientes, né!? E estruturou também para receber os pacientes que estavam vindo porque vieram muitas pessoas machucadas, então a gente teve que estruturar o CTI todo ali naquele espaço, pra receber os pacientes e pra cuidar daqueles que já estavam ali, né!?” (E.5)

“Você não precisava estar mandando, pedindo… ninguém fazer nada… chegava e já era atendido. Quem tava livre… se você já tava tomando conta aqui de um… o outro já pegava o que tava chegando.“ (E.6)

“(…) o secretário de saúde tava presente na época, né!? Tentando gerar um pouco… fazendo essa parte de gerência. Mas em si lá no hospital não tinha ninguém que delegasse as funções… o que é que cada um ia fazer… até por conta de ser uma situação de calamidade pública. Então a gente ia atendendo conforme iam chegando as necessidades, né!?” (E.10)

Segundo Gebbie e Qureshi (2002) a primeira pergunta que um enfermeiro deve se fazer diante de um desastre é “Qual é o meu papel aqui?”. No entanto, é importante destacar que os profissionais de saúde, na tragédia de janeiro de 2011 em Nova Friburgo, se encontraram diante de uma situação nunca vivida e, apesar da maior parte dos entrevistados possuírem alguns anos de experiência em 52 setores de alta complexidade (CTI e emergências), não possuíam experiências prévias em uma situação tão extrema quanto a vivenciada naquele período.

“Tudo o que aparecia… a gente estava sem referência para encaminhar para hospital qualquer coisa cirúrgica… a maioria era trauma a gente estabilizava para poder tentar transferir o paciente para algum local.” (E.8)

“A gente fazia o que precisava… ninguém ficou „você faz isso, você faz aquilo… ‟, conforme os pacientes foram chegando a gente foi atuando. É uma atuação mesmo do momento que você fazia, tipo assim, que você precisasse no momento.” (E.9)

No entanto, é necessário que todos os membros das equipes saibam o seu papel durante a prestação de atendimento às vítimas de catástrofes, para que não haja desorganização e sobrecarga de serviço, comprometendo a assistência. “(…) como não existe um gerenciamento de catástrofe, todo mundo faz tudo. Teria que ter uma coordenação e um gerenciamento, mas acabando que todo mundo fez um pouco de tudo.” (E.6). Nesse sentido, Marin (2013) diz serem três as divisões principais do trabalho do enfermeiro na resposta a um desastre, gerência, atenção à saúde (assistência) e comunicação (entre os profissionais atuando na unidade hospitalar e desta com o exterior).

Outro fator importante, seja pela comoção emocional gerada pelo desastre ou para compensação pela falta de experiência prévia com situações semelhantes, a união da equipe foi apontada por alguns dos entrevistados como um dos principais pontos positivos da assistência da equipe de saúde no desastre de janeiro de 2011 em Nova Friburgo.

“A nível de enfermeira… de mão de obra de enfermagem, eu acho que numa situação dessa muitos se demonstraram com muita boa vontade… aqueles que não tinham muita experiência faziam determinadas coisas os outros com mais experiência… eu acho assim foi uma dinâmica muito boa… não que a gente queira que aconteça mas não é o que a gente vê no nosso dia a dia, infelizmente , mas assim foi uma união muito grande todo mundo trabalhando todo mundo vindo, quem não estava trabalhando veio, todo mundo querendo ajudar da melhor maneira possível.” (E.4)

“Hoje em casa eu tava pensando nisso… o quanto a gente trabalhou junto, ajudando sabe… não existiu maqueiro, não existia a faxineira… todo mundo ajudando o outro foi muito junto… foi uma coisa bem equipe, até porque não tinha como você ah… eu só vou puncionar, eu só vou medicar… não tinha como, que era muita gente muita coisa pra fazer.” (E.9).

Outro fator importante é a estrutura física dos hospitais e treinamento das equipes:

“(…)mas o **** [hospital no qual E.6 atuou na tragédia] ficou muito sobrecarregado porque a emergência alagou aqui em baixo… a gente ficou atendendo na portaria… a capela era a enfermaria. A gente colocou as macas e as camas na capela, tiramos os bancos e ali que era feito o atendimento, depois que a gente lavava o paciente, tirava o grosso né!?” (E.6)

“(…) aí os pacientes do CTI tavam todos ali na recepção de cima, né?! E dentro da igrejinha, da capela ali. Aí a gente… ajudei ali a estruturar toda a enfermaria que foi improvisada, cuidando dos pacientes.” (E.5) “O CTI do hospital tava todo alagado, a gente não tinha acesso nem a equipamento e nem acesso humano lá, né!?” (E.10)

“E o estrago foi muito rápido (…) a geladeira tombou com a força da água… a geladeira de vacina. Eu falei „ah, gente, não salvaram a geladeira de vacina! ‟. Mas também faltou luz. Tem o gerador, mas eu não sei o que houve… acho que… acho que entrou água, é isso mesmo.” (E.6)

Corroborando, foi constatado que não houve melhorias desde a tragédia e que na ocorrência de um novo evento, nada irá mudar:

“Assim… eu no tempo que eu to aqui que vai fazer sete anos, depois da tragédia que são quatro anos decorridos eu não vi nenhuma melhora da rede sanitária, da rede de esgoto aqui não, entendeu? Aqui o CTI começou a alagar porque os esgotos estavam entupidos eu realmente assim que eu tenha visto não… eu não vi melhoria de rede de esgoto, entendeu? Aqui você não tem um plano de fuga… vai acontecer a mesma coisa você vai ter que ir lá pra cima ficar na portaria principal… aonde você vai? O CTI é primeiro andar do hospital. Se a rua tiver com bueiros entupidos e se não tiver… vai alagar de novo. (E.3)

“A estrutura do hospital está a mesma coisa. O CTI está em reforma, então se acontecer um negócio desse de novo, Deus me livre.” (E.1)

“(…) hoje ainda com tudo o que a gente viveu, chegar uma catástrofe de novo, eu não vejo que a gente teria condições de atendimento, entendeu? Eu acho que a gente vai atender, mas a gente vai ficar meio que comparado a 2011. A gente não tem infraestrutura, a gente não tem pessoal. Na minha opinião a gente não evoluiu.” (E.2)

Aliada a estrutura física inadequada está a falta de treinamento prévio para o atendimento de múltiplas vítimas, que também foi um fator observado nos relatos dos entrevistados:

“E o sentimento do pessoal de medo, desespero, ninguém sabia o que que tava acontecendo direito, né?! Aquele alvoroço que foi causado e os pacientes assustados e a gente puncionando e fazendo tudo no meio da lama, não tinha como… era meio que aspecto de guerra né!? Porque não tinha nada limpo a nossa volta, tudo sujo e tinha que fazer medicação, fazer punção, passar sonda.” (E.5) “As crianças chegavam mortas e todo mundo voltava-se para as crianças (…) e nosso atendimento sem dúvida parava todinho pra criança porque todo mundo ficava muito em cima, era uma criança… expectativa muito grande (…).” (E.2)

Os relatos dos entrevistados também revelaram que a ausência de um treinamento prévio para um desastre de grande porte foi sentida e que, na possibilidade de uma nova ocorrência, este tipo de preparação é essencial:

“Mas eu acho que o hospital a partir de agora ele tem que se estruturar pra um novo evento desses. Mesmo que não seja na mesma proporção, mas… que seja uma enchente menos… mas que tenha um plano B (…) eles não iam se preparar… é difícil se preparar pra algo que a gente não espera e que nunca aconteceu, mas já que aconteceu daquela vez, o hospital já pode estar preparado pra um próximo.” (E.5)

“(…) não se tem uma equipe de gerenciamento de risco, então não se têm uma central para delegar, então cada um atuou de uma forma. Tanto que teve gente aqui no **** [hospital no qual E.6 trabalha atualmente] que ficou uma semana trabalhando, outros vieram de casa, outros não conseguiram vir. Pela falta de coordenação todo mundo fez um pouco de tudo.” (E.6)

Outro assunto abordado nas entrevistas foi o plano de contingência para catástrofes do hospital referência da região para atendimento de urgência e emergência. No entanto, observou-se que apenas dois dos entrevistados tinham conhecimento da existência do plano, no entanto nunca tinham o visto:

“Plano? Não… eu acho que isso é só no papel.” (E.10) “Não conheço nenhum plano. E isso é o pior, os funcionários não terem acesso a isso, entendeu? Porque que eu saiba não tem, eu não tive. Eu não lembro de terem me passado nenhum plano, nenhuma estratégia do que vai ser feito se tiver uma enchente novamente.” (E.5)

“Sim, existe, mas eu nunca tive acesso a ele não.” (E.9)

“Plano? Eu não vi. Eu não conheço não… pode até ter. Mas assim… chamar o pessoal, divulgar, dar uma palestra falando o que que é… eu não sei disso não. Mas aí eu não sei… eu não conheço, não ouvi falar nada não.” (E.6)

“Não conheci, só fiquei sabendo que existe.” (E.1)

Finalmente foi perguntado aos entrevistados sobre as mudanças que ocorreram no hospital referência da cidade da época do desastre de janeiro de 2011 para os dias de hoje. Foi unânime a opinião de que além da experiência profissional adquirida por vivenciar a tragédia nada mais mudou. Dentre as deficiências 59 apontadas pelos sujeitos da pesquisa, além da estrutura física ruim do hospital, a carência de educação continuada foi um tema recorrente:

“Porque pra atuar nesse evento tem que ser… são equipes que tem que estar passando por treinamento sempre, treinamento com múltiplas vítimas sempre, fazendo sempre… renovando os protocolos, fazendo simulação.” (E.5)

“Não, acho que faltou isso realmente… dar cursos… fazer palestras… tipo assim… fazer na época da chuva… poderiam alertar mais. Até pra pessoa ficar ligada, porque ele acha assim „Ah nunca mais vai acontecer‟ aí acontece… pode acontecer. Então, eu acredito que deveria ter mais uma… mais palestras… justamente nesse período, né!? Que começam as chuvas… se tiver deslizamento, o que vai ser feito, pra onde que vai ser conduzido, o que pode melhorar , né!? Ficou faltando… como sempre.” (E.6)

“No hospital não tivemos nenhum treinamento específico, nada demais… já tiveram cursos o pessoal foi, mas nada assim obrigado, voltado para uma catástrofe não me lembro…” (E.4)

Também foram relatados a existência de treinamentos focados em explicações técnicas a respeito de desastres e não na assistência aos pacientes:

[…] “adesão? Eu acho que não, as pessoas levam tudo muito de qualquer jeito, infelizmente. Tanto que aqui se você faz… promove um curso meia dúzia que participa. Então eu acho que, não sei se teria muita adesão não. Muitas até já esqueceram por tudo que passaram, infelizmente.” (E.9)

“A educação continuada é válida… não só para o atendimento de emergência ou de calamidade pública como pra atendimento na continuidade da assistência, sempre é válido! E a adesão é… eu acho que a adesão… a adesão vem do próprio profissional de educação continuada, ele que começa a agregar essas pessoas, 60 né!? Até porque a educação continuada é… ao meu ver não é por livre e espontânea demanda, ninguém vai querer ir lá prestar curso, você tem que ter uma pessoa que vai contaminar as outras pessoas com o intuito de querer estudar e vai ofertar isso para as outras pessoas, pros outros profissionais.” (E.10)

Dentre as experiências relatadas, destaca-se a positiva de um entrevistado que atua na chefia de uma unidade privada dentro do hospital público geral da cidade:

“Eu fiz na **** [setor que E.4 chefia] treinamento, tá!? A gente fez uma abordagem que assim que começar a chover o que vai fazer, o que a gente faz primeiro o que a gente faz depois… e nós treinamos os funcionários. A chave da água tá tudo pré estabelecido, entendeu? Hoje a gente tem um quadro pra dias de chuva forte e a chave do tratamento de água, que o setor precisa de água, não vive sem a água e a água tem que ser pura… ele está em lugar estratégico que todo mundo sabe e cada um sabe a sua função… […] (E.4)

A resposta supracitada expõe que há um preparo prévio para catástrofes, fundamental para prevenir desastres como o que ocorreu anteriormente. Desse modo, os enfermeiros possuem instrução prévia sobre os procedimentos a serem realizados, evitando o caos no momento de atuação. Esse preparo é fundamental e deve ser realizado por todas as regiões que possuem risco ou alto risco de catástrofes.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreende-se que os desastres naturais/antropogênicos caracterizados de formas súbitas ou graduais surgem surpreendentemente e direcionam respostas inesperadas. Considera-se que os planos de contingência são válidos na medida em que, os números de vítimas são alarmantes, e necessitam de um conjunto de ações preventivas, de socorro, de assistência e reabilitação de cenários, a fim de reduzir os danos e prejuízos decorrentes de desastres, bem como proteger a sociedade de eventos adversos.

É de clarificar que a enfermagem, requer uma devoção quase exclusiva e um preparo rigoroso. A excelência na assistência de enfermagem está relacionada a variadas competências, fatores essenciais no atendimento a múltiplas vítimas, que requer dedicação, habilidade e confiança. Observa-se que em resposta efetiva em situação de desastre é necessário que o enfermeiro considere no atendimento hospitalar em situações de desastres: o planejamento, o gerenciamento, a coordenação e a organização.

Com base nas entrevistas foi percebido que apesar da importância inegável da atuação do enfermeiro no gerenciamento de situações de emergência, na tragédia descrita, a atuação assistencial foi a principal, ainda que o gerenciamento e a comunicação tenham sido satisfatoriamente realizados.

Para responder à questão de pesquisa de maneira geral, é importante pontuar algumas percepções retiradas da fala dos entrevistados, entre essas: há falta de empatia de alguns profissionais para o trabalho em equipe; falta estrutura física para comportar atendimento aos feridos; os planos de intervenção (preventivos ou remediativos) se limitam a teoria das instituições públicas; há falta de preparo profissional para a prática dos incidentes relacionados; e, existe um padrão a ser seguido, que colabora com o atendimento e suporte às vítimas. Considerando essas percepções, conclui-se que a percepção geral dos profissionais é ser necessário que o Estado avance sobre as políticas de prevenção e atuação frente às catástrofes.

REFERÊNCIAS 

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. 1.° Seminário de Gestão Participativa em Saúde da Região Serrana do Rio de Janeiro. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2007. 68 p.

BRASIL. CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução COFEN n° 423/2012. Normatiza no âmbito do sistema COFEN/Conselhos Regionais de Enfermagem, a participação do Enfermeiro na atividade de classificação de riscos. COFEN, 2012. 

CAVALCANTE FILHO, E. C. et al. Tragédia Climática e Ambiental na Região Serrana/ 2011: Diagnóstico, Desafios e Ações. XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos. Maceió. 2011. 

DIEGUEZ, C. A catástrofe de Friburgo, obra nacional. Revista Piauí. São Paulo, maio de 2011. ed. 56. Questões recorrentes, 2011. Disponível em: . Acesso em 15 de maio de 2015. 

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[1] Mestranda em Atenção Primária à Saúde pela UFRJ. Pós-graduada em Enfermagem Clínica e Cirúrgica pela UNIRIO/Marinha do Brasil. Pós-graduada em Terapia Intensiva pela UERJ. Graduada em Enfermagem pela UNESA. ORCID: 0000-0002-0538-2998.

[2] Pós-graduada em Enfermagem Clínica e Cirúrgica pela UNIRIO. Pós-graduada em Assistência de Enfermagem Domiciliar pela FAVENI. Graduada em Enfermagem pela UNESA. ORCID: 0000-0003-2948-5091.

[3] Graduada em Enfermagem pela UNESA. ORCID: 0000-0002-8632-1360.

[4] Orientadora. ORCID:0000-0003-4583-8774.

Enviado: Junho, 2022.

Aprovado: Agosto, 2022.

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Jéssica Ramos Ferraz Perez

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