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A orientação educacional no Brasil e o orientador educacional na contemporaneidade

RC: 149800
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/pedagogia/orientacao-educacional-no-brasil

CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

SANTOS, Adriano Rodrigues dos [1]

SANTOS, Adriano Rodrigues dos. A orientação educacional no Brasil e o orientador educacional na contemporaneidade. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 11, Vol. 01, pp. 05-20. Novembro de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/pedagogia/orientacao-educacional-no-brasil, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/pedagogia/orientacao-educacional-no-brasil

RESUMO

A orientação educacional configura-se como uma das dimensões do trabalho pedagógico desenvolvido nas escolas de Educação Básica. O profissional que atua nessa área é o responsável por promover articulações e diálogos com os diversos membros que fazem parte da comunidade escolar e de seu entorno. Com isso, o orientador educacional, por meio de ações diversificadas, visa promover o bem-estar no ambiente escolar e, consequentemente, a melhoria da qualidade das interações e dos processos de ensino e aprendizagem. Além disso, o trabalho desse profissional pode contribuir para a formação de sujeitos autônomos, ativos, reflexivos e capazes de atuarem em sociedade de forma cidadã, solidária e coletiva. Partindo disso, este artigo tem como objetivo apresentar uma revisão bibliográfica, de caráter interpretativo, sobre a orientação educacional no Brasil e sobre o papel e a importância do orientador educacional na sociedade contemporânea. Para o estudo, foram utilizados artigos e livros sobre o tema que destacam a trajetória da profissão e realizam um mapeamento reflexivo da área, partindo de seu surgimento até os dias de hoje. Trata-se, portanto, de um estudo descritivo exploratório constituído pela análise de textos publicados em periódicos e livros de referência da área. Como resultado, o artigo destaca a importante atuação desse profissional para o desenvolvimento de uma práxis pedagógica emancipatória, inclusiva e democrática, voltada para a formação de cidadãos críticos, reflexivos e conscientes do seu papel como agentes de transformação pessoal e social. Nesse contexto, conclui-se que a orientação educacional é uma área que deve articular o conhecimento científico, a pesquisa, com a prática pedagógica, tendo como finalidade encontrar caminhos e soluções adequados para o atendimento das demandas sociais contemporâneas, que atingem diretamente a comunidade escolar.

Palavras-chave: Orientação educacional, História da educação, Pesquisa em educação, Educação emancipadora.

1. INTRODUÇÃO

O profissional da área de orientação educacional, no exercício de seu trabalho, atua como um incentivador e promotor de ações direcionadas para o bom andamento das atividades pedagógicas, fomentando o bem-estar de todos e o processo de desenvolvimento integral dos estudantes. Assim, com o apoio desse profissional, a escola pode se constituir como um espaço de formação de estudantes ativos, autônomos, conscientes, críticos e capazes de encontrar formas de enfrentamento e superação dos desafios contemporâneos para o alcance de sua emancipação. Concretizando-se, assim, nos termos de Freire (2014, p. 51), “um processo educativo de conscientização” por meio de um “trabalho de promoção e critização”.

De acordo com Grinspun (2018), a orientação educacional pode proporcionar avanços importantes na reflexão sobre o currículo e sobre os papéis da escola e da atuação dos professores na formação cidadã dos estudantes. Nas palavras da autora,

…a necessidade da Orientação nas escolas é que ela vai permitir avançar – junto com os professores – em um conteúdo que possibilite ir além dos conhecimentos programados no currículo, atingindo um currículo que seja comprometido com a construção do sujeito/aluno na formação de sua cidadania (Grinspun, 2018, p. 80, grifo da autora).

Nessa perspectiva, é função da orientação educacional atuar na compreensão ampla dos diversos problemas que atingem os estudantes para que, com isso, a escola possa ter uma atuação mais efetiva no processo de formação dos sujeitos. Assim sendo, “…a Orientação não tem mais preocupação prioritária com alunos problemas, mas tenta ajudar os problemas dos alunos e de toda comunidade escolar, em uma perspectiva de melhor compreensão do sujeito e de suas relações dentro e fora da escola” (Grinspun, 2018, p. 80, grifos da autora).

Nessa concepção, o serviço de orientação EDUCACIONAL pode desempenhar um papel crucial na proposição de práticas pedagógicas transformadoras. Para isso, é fundamental que o orientador educacional tenha consciência de que a pesquisa é uma atividade relevante para sua atuação profissional. Nessa linha de pensamento, Corbellini (2021) pontua que:

O OE é integrante da escola e, dessa maneira, deve contribuir para a construção coletiva desse espaço de forma ética e pautada em conhecimentos científicos da sua prática e, para tanto, é preciso que não somente seja reprodutor, mas que seja pesquisador e propositor de novas práticas, posicionando-se de forma crítica e suscitando transformações que contribuam com o cotidiano social (Corbellini, 2021, p. 163).

Ante o apresentado, pode-se considerar que, a partir da prática da investigação científica, é possível a realização de uma leitura ampla do mundo, a qual pode contribuir para que a comunidade escolar e os estudantes desvelem a realidade e suas contradições sociais. Nesse processo, por meio de análises, reflexões, discussões e proposições de práticas pedagógicas democráticas e emancipatórias, o pensamento crítico de toda a comunidade escolar pode ser promovido e, consequentemente, uma escola mais inclusiva, consciente e participativa pode ser consolidada.

Diante do exposto, este artigo de revisão de literatura, justifica-se pela necessidade de conscientização dos profissionais da orientação educacional sobre a importância da pesquisa na área e sobre a relevância do fomento de práticas educacionais emancipatórias que tenham como objetivo a transformação das estruturas sociais. Esse processo objetiva a construção de uma sociedade mais inclusiva, participativa, respeitosa, solidária, humana. Desse modo, busca-se, com este artigo, oferecer aos profissionais uma oportunidade de revisão e reflexão sobre sua formação profissional, fomentando uma atuação profissional cidadã conectada com os desafios do mundo contemporâneo. Atuação que deve acontecer de forma crítica e coletiva, considerando todos os sujeitos envolvidos no processo educativo, isto é, atuando e refletindo “com os indivíduos com quem trabalha para conscientizar-se junto com eles das reais dificuldades da sociedade” (Freire, 2014, p. 74).

Nesse cenário, este artigo de revisão bibliográfica, de caráter interpretativo, aplicando como critérios de escolha dos materiais consultados a relevância e a pertinência ao tema, divide-se em duas sessões. A primeira apresenta uma breve contextualização histórica sobre a profissão no Brasil e a segunda apresenta uma reflexão teórica sobre a importância e o papel do orientador educacional na contemporaneidade.

2.  A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NO BRASIL

As primeiras práticas de orientação educacional no Brasil tiveram origem no estado de São Paulo na terceira década do século XX. Roberto Mange, em 1924, fundou em São Paulo um Serviço de Seleção e Orientação Profissional no Liceu de Artes e Ofícios. Em 1931, Lourenço Filho, à época diretor do Departamento de Educação de São Paulo, criou o Serviço de Orientação Educacional e Profissional. Nesse período, a orientação educacional tinha como preocupação a escolha profissional, seguindo os modelos estadunidense e francês de orientação educacional, que exerceram forte influência no modelo de orientação educacional brasileiro (Almeida, 2019, p. 114)[2].

No Brasil, em âmbito legal, a orientação educacional foi introduzida pela Lei Orgânica do Ensino Industrial (1942), em seguida, na Lei Orgânica do Ensino Secundário (1942), depois na Lei Orgânica do Ensino Comercial (1943) e na Lei Orgânica do Ensino Agrícola (1946). É ratificada pela Lei nº 4.024 de 20/12/61 e pela Lei nº 5.692 de 11/08/71 (Almeida, 2019, p. 114).

Na história da educação brasileira, a orientação educacional passou por diversos períodos. Cada um desses períodos foi marcado pelas motivações e inquietações históricas da época. Houve, também, inter-relações com diversos interesses: políticos, econômicos e sociais. Esses pontos de vista, por vezes, se entrecruzavam com os dispositivos das legislações educacionais de cada momento, como apontam os estudos de Gomes (2018), Almeida (2019) e Wouters e Santos (2019).

Gomes (2018) apresenta uma reflexão sobre a história da orientação educacional no Brasil, sistematizando-a, para fins didáticos, em oito períodos, a saber: implementador, institucional, transformador, disciplinador, questionador, orientador, reconceitualizador e renovador (ou articulador). No quadro abaixo2, estão sintetizados os períodos da orientação educacional no Brasil e as principais características de cada período.

Quadro 1. Os períodos da orientação educacional no Brasil

PERÍODO PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
Implementador – 1920 a 1941 As ideias sobre orientação educacional e orientação profissional são introduzidas no Brasil. O que imperava, à época, era a formação de sujeitos idealizados, como o aluno modelo, o profissional exemplar. Com isso, o objetivo era ajustar os indivíduos, modelando-os de acordo com a ordem social vigente.
Institucional – 1942 a 1960. Marcado pelas leis orgânicas e pela criação do primeiro curso de orientação educacional pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) em 1945. Nesse período, ocorreu a organização do primeiro manual de trabalho de orientadores educacionais em 1952. Além disso, em 1968, pela Lei nº 5.564, de 21 de dezembro, a profissão de orientador educacional foi legalmente instituída.
Transformador – 1961 a 1970. Teve como marco a primeira edição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº. 4.024, de dezembro de 1961. Seu título VIII, artigos 62 e 63, trouxe artigos importantes para o orientador educacional no que se refere à formação desse profissional. Isso influenciou a reformulação dos cursos de Pedagogia, após 1964, com a criação de habilitações, entre elas, a de orientação educacional. Nesse período, também foram criadas associações de orientadores e de supervisores educacionais, como a Associação dosOrientadores Educacionais do Rio Grande do Sul (AOERGS) em 1966; a Federação Nacional dos Orientadores Educacionais (FENOE), em 1966, e a Associação dos Orientadores Educacionais de Santa Catarina (AOESC) em 1970.
Disciplinador – 1971 a 1980. É instituída, em 1971, a segunda edição da LDBEN, na qual se torna obrigatória a orientação educacional. Em 1973, com a Lei nº. 72.846, a profissão de orientador educacional torna-se a primeira profissão regulamentada na área da educação.
Questionador – a partir da década de 1980. Foi marcado pelo fim do Regime Militar (1985), pela promulgação de uma nova Constituição Federal (1988) e pela necessidade de revisão da LDBEN. A terceira edição da LDBEN foi sancionada em dezembro de 1996, sendo fruto de muitos questionamentos, embates e discussões. Com o novo normativo, a orientação educacional foi omitida, o que ocasionou a diminuição do reconhecimento da importância desse serviço e do profissional nas escolas.
Orientador – a partir do meio da década de 1990. Marcado pelo enfraquecimento da profissão. Ocorreu a extinção da FENOE. Somado a isso, com a omissão na LDBEN, a orientação educacional tornou-se facultativa nas escolas.
Reconceitualizador – dos anos 2000 em diante. Nesse período, as associações e os orientadores educacionais têm buscado a ressignificação da profissão, dando a ela um novo sentido, adequando-a às demandas da escola e da sociedade contemporâneas. Nessa perspectiva, o foco deixa de ser a formação de um aprendiz ideal e passa-se a considerar o sujeito real.
Renovador ou Articulador –

em    continuidade   ao período anterior e conectado às dinâmicas da atualidade.

Nesse período, entre outras atribuições e linhas de atuação, o orientador educacional é compreendido como um profissional que atua num processo dialógico entre escola e sociedade, constituindo-se como um pesquisador da realidade a fim de melhor detectar e encaminhar as necessidades educativas da comunidade escolar.

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Gomes e Grinspun (2018).

A partir das considerações apresentadas no quadro acima, pode-se afirmar que a orientação educacional foi se transformando e ganhando novas interpretações, práticas e significados ao longo de sua história. Inicialmente, estava embasada em uma fundamentação psicológica, de caráter clínico, terapêutico, voltada para a formação de um sujeito ideal. Atualmente, a orientação educacional evidencia os fundamentos sociais, voltados para o caráter pedagógico da práxis educacional, bem como para a atualização e o estudo permanentes, visando a implementação de uma ação pedagógica conectada com os alunos reais e com as demandas da sociedade. Esses fundamentos objetivam a formação de cidadãos críticos, reflexivos, dispostos a transformar a realidade pessoal e coletiva e que contribuam para a construção de um mundo socialmente mais equilibrado. Nesse sentido, Grinspun (2014) argumenta que:

A escola deve ser grande nos seus propósitos, pois grande é a sua responsabilidade com seus alunos (in)formando-os para a leitura crítica e a transformação do mundo vivido. A escola não contém só os conhecimentos, os saberes, a instrução; ela deve estar preocupada com valores, atitudes e conhecimentos que contribuam com a sociedade inclusiva, solidária e participativa que queremos construir (Grinspun, 2014, p. 104-105).

Somado a isso, Grinspun (2014, p. 114) elenca cinco pontos fundamentais para serem trabalhados na escola pela orientação educacional: autonomia, participação, responsabilidade, reflexão e solidariedade. Ao trabalhar prioritariamente esses pontos, a orientação educacional “[…] ajuda a escola e seus alunos a entendê-la como um espaço que reflete e repercute as ações da sociedade”. A partir disso, pode-se considerar que o processo de formação de cidadãos autônomos, participativos, responsáveis, reflexivos e solidários é fundamental para que a escola se configure como um lugar que valoriza a diversidade de pensamento, a escuta e o respeito às opiniões divergentes.

A orientação educacional como atividade pedagógica voltada para a ajuda, para o apoio, para o direcionamento, busca desvelar as contradições sociais, promover a pergunta, a pesquisa, a criação, a criatividade, possibilitando, desse modo, que o aprendiz faça uma leitura crítica de mundo. Nesse percurso, uma das intenções é possibilitar que o estudante identifique suas potencialidades, interesses e necessidades para que, então, ele possa transformar sua realidade pessoal e a de seu redor, seja social, política, econômica e/ou cultural. Isso é fundamental, pois, de acordo com Freire (1996, p. 32), “[…] uma das tarefas precípuas da prática educativa progressista é exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil”.

Portanto, de acordo com Grinspun (2008, p. 93), a orientação educacional “deve ser vista como a área que pode caminhar junto com todos que buscam uma educação de melhor qualidade e, se possível, numa dimensão mais ampla de um mundo melhor”. Nessa perspectiva, nota-se que a orientação educacional tem como propósitos compreender o mundo e a realidade em que estão inseridos alunos, professores, gestores e comunidade. Além disso, ela objetiva interpretar, analisar e refletir criticamente sobre a relação escola e sociedade, bem como orientar e trabalhar com o aluno real, a partir de suas motivações, interesses, fragilidades e ideais.

3. A IMPORTÂNCIA E O PAPEL DO ORIENTADOR EDUCACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

Para a consolidação de seus propósitos enquanto instituição promotora da construção de conhecimentos e formação de cidadãos, a escola precisa estar conectada com o que acontece fora dela. Nessa visão, diversos são os temas que devem fazer parte do currículo escolar para que os estudantes tenham a oportunidade de discutir, analisar e refletir sobre o contexto atual. Grinspun (2018, p. 105-106) sugere alguns temas sociais relevantes, como a relação entre pais e filhos, as relações entre os jovens, as drogas, as doenças sexualmente transmissíveis, o bullying, as novas tecnologias, a inteligência artificial, o mercado de trabalho, a escolha de uma profissão, a importância da leitura etc. Trabalhar esses temas, por meio de diversas possibilidades metodológicas, levando-se em consideração a criatividade e a autonomia dos profissionais de educação, é uma oportunidade que pode contribuir sobremaneira para a promoção de práticas pedagógicas centradas na autonomia educacional (Grinspun, 2018). Essa perspectiva tem como objetivo levar o “aluno a agir, o mais conscientemente possível, de acordo com suas reflexões e avaliações do e no contexto atual” (Grinspun, 2018, p 107).

De acordo com Campos (2021):

…a função do Orientador Educacional, está longe de ser uma função em desuso, como muitos acreditaram que aconteceria após a reformulação do curso de Pedagogia pelas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais (Resolução CNE/CP n. 1, de 15 de maio de 2006) que torna extinta a formação baseada nas habilitações específicas, o que se percebe, no entanto, é um vasto e não menos importante campo a ser explorado e desvelado por este profissional. O Orientador Educacional é hoje, um dos profissionais essenciais, na construção de uma educação que considera o indivíduo como cidadão capaz de transformar a sociedade em que está inserido (Campos, 2021, p. 395).

Nas escolas públicas, onde a exclusão é proibida pela legislação e o trabalho educacional deve promover práticas pedagógicas voltadas para a superação das múltiplas formas de desigualdade, discriminação e preconceito “a figura do Or.E. torna-se não só importante como também necessária. Por esse e por outros motivos, nas escolas públicas, a OE é mais necessária que nas escolas particulares, embora ambas pudessem se beneficiar sobremaneira com a existência dela” (Giacaglia e Penteado, 2021, p. 83). Ainda nessa perspectiva, as autoras defendem que “a escola pública, que recebe uma clientela mais diversificada e menos privilegiada, tem muito mais razões para ter um Orientador Educacional no seu corpo técnico” (Giacaglia e Penteado, 2021, p. 365).

Ademais, é importante salientar que a orientação educacional não se configura como uma dimensão redentora e salvadora da educação. Nas palavras das autoras, “a simples existência de um Or.E. ou de um SOE não garantiria a inexistência de problemas e de alunos problemáticos nas escolas, mas, certamente, muitos incidentes poderiam ter sido prevenidos” (Giacaglia e Penteado, 2021, p. 84).

A atuação do orientador educacional perpassa múltiplas dimensões (pedagógicas, sociais, familiares etc.) e precisa estar diretamente conectada com a realidade contemporânea. Nesse sentido, Corbellini (2021) argumenta:

Computa-se que a educação é condição sine qua non para a construção de um mundo melhor e, para tanto, ter profissionais com um olhar amplo dentro das escolas, enxergando e planejando de forma conjunta tornou-se um elemento imprescindível para este alcance e essa deve ser uma das lutas do OE, atuando com o aluno, com a escola, com a família, com a comunidade e a sociedade (Corbellini, 2021, p. 87-88).

Diante disso, é fundamental que a escola atue como uma instituição que promova o equilíbrio social, a igualdade de condições de acesso, permanência e sucesso educacional, bem como a inclusão e a democracia. As questões de classe, gênero e raça são dimensões humanas que devem também fazer parte do planejamento escolar para que seja possível a proposição de práticas escolares inclusivas e transformadoras que sejam capazes de atender a todos com qualidade, em uma dimensão de equidade.

Logo, o trabalho do orientador educacional, no contexto contemporâneo e globalizado, não pode ter como foco apenas a resolução e o encaminhamento de temáticas relacionadas aos chamados alunos problemas. Hoje, todos os dilemas dos alunos e da escola são suscetíveis a reflexões, análises e intervenções, desde que contribuam para a promoção da aprendizagem e do desenvolvimento integral dos educandos. Assim, deve-se abordar o estudante “[…] na possibilidade de sua totalidade, desenvolvendo o sentido da singularidade, da autonomia, da dimensão da solidariedade, no verdadeiro significado do humano” (Grinspun, 2008, p. 73).

Nesse sentido, a prática educativa, como promotora da humanização, deve se configurar como um projeto colaborativo, coletivo, de estabelecimento de parcerias para a consolidação de um projeto educativo voltado para a conscientização, para a emancipação e para a transformação social. Nas palavras de Saviani (2008, p. 185) e em conformidade com os pressupostos da pedagogia histórico-crítica, “a educação é entendida como o ato de produzir direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”. Em diálogo com essa visão, Grinspun (2008, p. 88) afirma que:

O Orientador atua junto com os demais professores da escola, participando de um projeto coletivo, de uma formação de um homem coletivo, procurando identificar as questões das relações de poder, das resistências dentro e fora da escola e do como e do porquê devemos agir juntos em prol de uma educação transformadora e, especialmente, junto aos alunos no desenvolvimento do que caracteriza sua subjetividade (Grinspun, 2008, p. 88).

Acrescenta-se que esse processo de atuação coletiva deve favorecer e incentivar a participação dos estudantes por meio do diálogo e da escuta. Com isso, cabe ao orientador promover condições e meios para que os alunos se manifestem, tendo suas vozes ouvidas e respeitadas. De acordo com Grinspun (2012, p. 191), “se o aluno é o promotor da sua história, ouvi-lo não é nenhuma atitude de atendimento específico, mas sim uma obrigação que se insere em uma medida educacional”.

Na atualidade, o orientador educacional se configura também como um profissional da pesquisa. Em outras palavras, um profissional que, em sua atuação, também é um pesquisador que contribui para uma leitura mais ampla, crítica, analítica e reflexiva do mundo e de seus fenômenos. Nesse sentido, Freire (1996, p. 29) defende que:

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (Freire, 1996, p. 29).

Nessa perspectiva e em consonância com as especificidades do trabalho do orientador educacional,

Espera-se hoje que o orientador educacional se torne um pesquisador permanente, que leia, interprete e critique a realidade e escreva, que tenha o currículo também como campo de atuação porque este é mais que relação de conteúdo, de metodologia, é também um conjunto de fenômenos, de fatos, situações que ocorrem dentro e fora da sociedade (Gomes, 2018, p. 62).

Assim, pode-se dizer que não há ensino de qualidade sem pesquisa. A partir da pesquisa, da leitura, da análise e da reflexão sobre a realidade, é que se ganha repertório para uma atuação social cidadã. Com esse aparato sociocultural, o sujeito é motivado e tem, de fato, capacidade para realizar intervenções e mudanças significativas e transformadoras em sua realidade (Freire, 2014).

Além disso, cabe ao orientador educacional o papel de instigar o educando a perguntar, pesquisar e criar. Perguntar como estímulo à curiosidade, ao pensamento e à busca

permanente pela ampliação de conhecimentos. Pesquisar como forma de procura por respostas e alternativas às ações desenvolvidas, oportunizando o conhecimento de possibilidades e necessidades. Criar como oferecimento de condições para a criação de alternativas e estratégias para a aquisição de conhecimento e melhores caminhos para a conquista e a realização de propostas de vida (Grinspun, 2014, p. 115).

Perguntar, pesquisar e criar são, portanto, práticas que dialogam com a curiosidade, que faz parte da nossa vida e nos mobiliza para a criação de novas realidades, para a intervenção e a transformação do mundo. Esse trabalho, exige uma prática pedagógica contextualizada, tendo como foco a relação entre escola e sociedade, e comprometida com o coletivo. Ao refletir sobre a atuação do orientador educacional nos dias de hoje, Campos (2021) acrescenta que:

Atualmente, o Orientador Educacional busca compreender a sociedade em que se insere o aluno, interpretar a relação escola e sociedade, com a finalidade de trabalhar de maneira contextualizada, envolvido com o cotidiano da escola, dos seus alunos e de suas representações. A Orientação Educacional parte, portanto, de um trabalho voltado à individualização para, uma atuação voltada à coletividade e a participação, comprometida com a formação do cidadão (Campos, 2021, p. 386).

Assim, a pesquisa em educação, em especial em orientação educacional, deve ter como propósito a investigação e a compreensão dos problemas, das contradições e diversas demandas sociais contemporâneas. A partir disso, cabe ao orientador educacional compartilhar os novos saberes com a intenção de promover a reflexão e formar cidadãos autônomos e conscientes. Nessa perspectiva, Silva e Pereira (2021) argumentam que:

Compartilhando saberes e propósitos, o OE participa da criação intencional (coletiva) de processos educativos contextualizados às necessidades, possibilidades e interesses dos estudantes para autogovernar-se ante os desafios de uma sociedade contraditória sob diferentes aspectos: econômico, ético, cultural, étnico-racial, gênero, sexual, religioso, entre outros (Silva e Pereira, 2021, p. 89).

Pesquisar e criar novas possibilidades de atuação e intervenção no contexto educacional são, portanto, práticas que podem contribuir para a construção de uma escola mais humana, democrática, inclusiva, que valoriza a diversidade e esteja disposta a enfrentar as assimetrias de poder presentes em nossa sociedade. Nesse viés, é fundamental que a orientação educacional seja valorizada, configurando-se como uma dimensão de apoio especializado à gestão escolar. Nesse sentido, Wouters e Santos (2019), defendem uma necessária criação de políticas de valorização do orientador educacional, possibilitando que esse profissional contribua com os processos de encaminhamento e superação dos desafios enfrentados pela gestão, “atuando como parte de uma equipe interdisciplinar que seja capaz de auxiliar especialmente no que se refere aos processos de ensino e aprendizagem” (Wouters e Santos, 2019, p.12).

Ademais, a orientação educacional e o profissional responsável por atuar nessa dimensão têm como missão promover e articular junto aos membros de toda a comunidade escolar práticas pedagógicas que fomentem a mudança social, a superação dos modelos e das práticas sociais excludentes e a construção de uma escola que valorize a coletividade, a solidariedade, a diversidade, a inclusão, o respeito.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A revisão bibliográfica aqui apresentada não esgota as leituras e a complexidade que envolvem a orientação educacional no Brasil frente aos desafios da atualidade.

O fortalecimento da pesquisa nessa área é fundamental para a proposição de soluções e encaminhamentos mais assertivos para os desafios contemporâneos enfrentados pelos sujeitos que integram a comunidade escolar. Além disso, o diálogo e o compartilhamento de novos saberes, oriundos da pesquisa, podem contribuir para a promoção do pensamento crítico e da conscientização desses sujeitos.

Assim, por meio de um processo educativo que promova a disseminação e a construção de saberes sistematizados, é possível a consolidação de uma educação inclusiva, democrática, emancipatória, transformadora, com qualidade social para todos, com a valorização da interdisciplinaridade e com a promoção do trabalho coletivo.

Para a construção desse processo educativo, a presença e a atuação do orientador educacional são fundamentais e devem ser valorizadas. No exercício de seu trabalho pedagógico, esse profissional deve estar atento aos acontecimentos e aos fenômenos sociais, políticos, econômicos, culturais, comportamentais, tecnológicos da contemporaneidade. A partir disso, poderá ter embasamento necessário para promover uma leitura crítica e reflexiva da sociedade e, consequentemente, do currículo escolar. Nesse contexto, o orientador educacional se constitui como pesquisador e profissional responsável por disseminar conhecimentos que contribuam para a construção de uma proposta pedagógica libertadora, crítica, transformadora e emancipatória, apoiando a gestão, os professores, os estudantes e toda a comunidade escolar no enfrentamento e na superação dos desafios presentes na escola.

REFERÊNCIAS

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APÊNDICE – NOTA DE RODAPÉ

2. Para maior detalhamento das Leis Orgânicas que introduziram a orientação educacional no Brasil, sugere-se a leitura dos trabalhos de Almeida (2019) e Giacaglia e Penteado (2021).

[1] Mestre em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Licenciado em Pedagogia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Licenciado em Letras (Português) e Bacharel em Tradução (Inglês-Português) pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em Orientação Educacional pela Gran Faculdade. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3709-2194. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2436295302639477.

Enviado: 27 de abril, 2023.

Aprovado: 05 de setembro, 2023.

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Adriano Rodrigues dos Santos

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