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Livros Acadêmicos

4. Índices de entupimento em fertirrigação via gotejamento

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Bruno Marcos Nunes Cosmo [1]

Maurício Guy de Andrade [2]

DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/1646

INTRODUÇÃO

O gotejamento representa um método de irrigação localizada que fornece água de forma uniforme, pontual e com baixo volume de água para as culturas. Práticas como a fertirrigação podem ser realizadas em conjunto com a irrigação via gotejamento (TESTEZLAF, 2017).

O sucesso da irrigação depende da operacionalidade do sistema. A uniformidade é uma característica fundamental e também a maneira tradicional de verificar a viabilidade da irrigação. Ela visa caracterizar e classificar a distribuição da solução irrigada (KLEIN et al., 2013). Vários fatores podem influenciar a qualidade da irrigação, como o entupimento.

O entupimento é caracterizado pela obstrução parcial ou total dos gotejadores e pode comprometer todo processo de irrigação. Ele pode ser causado por fatores físicos, químicos, biológicos ou por suas interações (partículas sólidas, microrganismos, biofilmes e afins) (NORONHA, 2013; CAVALCANTE, 2017).

A utilização de material biológico pode intensificar o entupimento e reduzir a uniformidade do sistema. Contudo, devido ao grande número de resíduos das cadeias agroindustriais, estes elementos estão comumente sendo empregados na produção agrícola (seguindo as legislações e normativas pertinentes) (BARROS et al., 2020).

O objetivo deste estudo foi avaliar o entupimento gerado pelo uso de diferentes soluções de fertirrigação e propor índices de análise.

MATERIAL E MÉTODOS

Esta publicação complementa o artigo “Statistical Quality Control and Electrical Conductivity for Evaluation of the Uniformity of Different Drip Fertigation Solutions” (COSMO et al., 2021), onde analisou-se o emprego do controle estatístico de qualidade para auxiliar nas avaliações de uniformidade da fertirrigação.

O experimento foi conduzido em casa de vegetação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) – Setor Palotina entre 2017 e 2018. Empregou-se sistema de irrigação por gotejamento instalado em suporte de madeira de 9,60 m² (6,00 x 1,60 m). Utilizou-se tubo gotejador Manari, modelo P1 (diâmetro interno de 16 mm). O sistema foi composto por 4 linhas laterais com 15 gotejadores cada. Os gotejadores apresentavam espaçamento de 0,40 m e vazão individual de 1,48 Lh-1 em pressão de trabalho de 85 kPa (conforme fornecedor).

Empregou-se bomba hidráulica (potência nominal: 735,99 W). A vazão foi controlada por duas saídas de água (alimentação do sistema e retorno do excesso de vazão). Utilizou-se filtro de 200 mesh instalado antes da entrada do sistema. Para mensurar a pressão no início e final do sistema foram utilizados manômetros digitais ITMPD-15 Instrutemp (modelo 8215) com precisão de ± 0,3% a 25 ºC.

A coleta de dados para avaliação de uniformidade da vazão seguiu a metodologia de Keller e Karmeli (1975). Adotou-se o delineamento inteiramente casualizado com 25 ensaios (repetições) por tratamento. Nas avaliações de entupimento considerou-se todos os gotejadores do sistema. O filtro de entrada do sistema foi limpo antes de cada tratamento ou conjunto de 10 ou 15 ensaios consecutivos do mesmo tratamento. Os ensaios seguiram a NBR ISO 9261 (ABNT, 2006).

A concentração de fertilizantes foi determinada conforme o levantamento de Trani et al. (2011). Buscou-se atender a demanda de nitrogênio da formulação NPK: 09-03-15 kg ha-1 em uma lâmina de irrigação de 5 mm para atender ou superar a demanda diária de diversas culturas em fertirrigação. Os tratamentos foram compostos por:

  1. I) Água (controle I);
  2. II) Fertilizante Forth Frutas (NPK: 12-05-15) [1,5 g L-1];
  3. III) Fertilizante Fortgreen (NPK: 20-10-20) [0,9 g L-1];
  4. IV) Água (controle II);
  5. V) Bio Bokashi Líquido (NPK: 1,00-0,15-**) [18,0 g L-1];
  6. VI) Água residuária da suinocultura (ARS) (NPK: 0,16-0,02-**) [112,5 g L-1];

Os tratamentos ii e iii são fertilizantes comerciais utilizados em fertirrigação, enquanto v e vi são compostos orgânicos. O nitrogênio total foi determinado pelo método de Kjeldahl e o fósforo por Espectrofotometría com Azul de Molibdênio. O Bio Bokashi Líquido é um composto comercial com densidade de 1,02 g mL-1 a 25ºC, pH de 4,43 e condutividade elétrica de 16,71 dS m-1. A ARS foi obtida em granja de terminação, apresentando densidade de 0,98 g mL-1 a 25ºC, pH de 8,92 e condutividade elétrica de 10,06 dS m-1.

Foram empregados dois controles (tratamentos com água). Os tratamentos i a iii, foram realizados em um sistema de tubos, enquanto os tratamentos iv a vi foram realizados em outro. Ambos os sistemas apresentavam tubos novos e com as mesmas especificações, porém, optou-se por utilizar um controle em cada sistema.

Para fins de caracterização foram determinadas a pressão inicial e final, vazão mínima e máxima, temperatura, condutividade elétrica e pH, durante a realização de cada tratamento. A condutividade foi mensurada com condutivímetro MS TECNOPO (modelo mCA150) e o pH com pHmetro MS TECNOPO (modelo mPA210).

O entupimento pode trazer grandes prejuízos para uniformidade e viabilidade do sistema de irrigação. Assim, realizou-se a determinação do Índice de Entupimento Total do Sistema (IET), Índice de Entupimento Reversível (IER), Índice de Entupimento Não Reversível (IENR) e Índice de Recuperação do Sistema (IR), propostos para este trabalho (Figura 1).

Figura 1. Índices de entupimento propostos

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A caracterização do sistema durante a condução de cada tratamento para temperatura, pH, condutividade elétrica, pressão e vazão foram apresentados na Tabela 1.

Tabela 1. Informações de temperatura, pH, condutividade elétrica (CE), vazão e pressão no sistema de fertirrigação em cada tratamento (Tr)

Tr Temp. pH CE** Vazão Pressão (kPa)
ºC dS m-1 L h-1 Inicial Final
i 26,5±4,5 8,3±0,1 0,18±0,00 1,30±0,02 84,7±1,5 82,9±2,0
ii 25,5±4,5 7,2±0,1 2,32±0,02 1,27±0,02 84,0±1,0 83,0±1,3
iii 27,0±5,0 7,2±0,1 1,37±0,03 1,29±0,02 84,2±0,9 83,2±0,8
iv 16,5±2,5 9,0±0,1 0,17±0,00 1,29±0,02 84,4±1,5 83,2±1,4
v 14,0±4,0 5,7±0,1 1,19±0,03 1,23±0,02 83,7±1,6 82,0±1,7
vi 15,0±3,0 9,1±0,0 1,41±0,04 1,23±0,02 83,5±1,7 82,0±1,7

A utilização dos fertilizantes minerais (ii e iii) gerou maior estabilidade entre a pressão inicial e final em comparação a água (i). A incorporação destes fertilizantes também gerou redução de vazão e elevação da condutividade elétrica. No grupo de tratamentos iv-vi, a incorporação dos fertilizantes orgânicos gerou maior redução entre a pressão inicial e final em comparação com a água (iv).

O aumento de solutos na composição da água de fertirrigação tende a reduzir a vazão do sistema, pois gerou maior perda de carga no mesmo, reduzindo a pressão e consequentemente a vazão (GOÉS, 2021). A condutividade elétrica é elevada em virtude do aumento dos solutos. O pH da fertirrigação tende a reduzir em função de características acidificantes dos sais fertilizantes (BERNERT et al., 2015).

Para o entupimento considerou-se a condução total de cada tratamento e não os ensaios isolados separadamente. Os índices de entupimento propostos foram apresentados na Tabela 2. Em complementação são apresentados os coeficientes de Uniformidade de Christiansen (CUC) e de Uniformidade de Distribuição (CUD), determinados em Cosmo et al. (2021).

Tabela 2. Índices de entupimento total (IET), de entupimento reversível (IER), de entupimento não reversível (IENR) e de recuperação (IR) no sistema de fertirrigação em cada tratamento

Trat. Índices de Entupimento (%) Localização do Entupimento CUC CUD
IET IER IRNR IR %
i 00,00 —– —– —– —– 95,2 93,7
ii 5,00 100,00 00,00 100,00 Aleatório 95,0 93,4
iii 00,00 —– —– —– —– 95,5 93,9
iv 00,00 —– —– —– —– 95,4 93,8
v 5,00 100,00 00,00 100,00 Terço Inicial 95,5 92,8
vi 10,00 100,00 00,00 100,00 Terço Inicial 95,2 91,3

O entupimento foi observado apenas nos tratamentos ii, v e iv, ocorrendo de forma reversível em todos os casos. Seguindo a classificação de CUC e CUD, ambos são classificados como excelentes (>90%) em todos os tratamentos. Contudo, nos tratamentos v e vi, nota-se uma redução maior de CUD e o entupimento ocorreu de forma localizada no início da linha. Estes gotejadores estão mais suscetíveis ao entupimento, pois, recebem as partículas primeiro (PEREIRA, 2019).

O entupimento é favorecido por soluções com maior concentração de partículas sólidas (NORONHA et al., 2013) (tratamentos v e vi). A fertirrigação com elementos orgânicos apresentou maior limitação relacionada ao entupimento e menor uniformidade em comparação aos elementos minerais. Contudo, as variações foram pequenas e outros fatores ainda podem ser considerados.

O manejo e a interação entre outros parâmetros podem implicar na viabilidade do processo. Por exemplo, a oscilação de temperatura e altas temperaturas tendem a reduzir a uniformidade do sistema. Assim, práticas como a irrigação noturna, período com temperaturas mais amenas e menor oscilação, representa uma alternativa para elevar a uniformidade (SOUZA et al., 2014).

Valores de pH elevado são mais suscetíveis ao entupimento, pois favorecem a precipitação de carbonatos de cálcio e magnésio e a formação de fosfato de cálcio. pH entre 5,5 a 7,0 são considerados adequados para fertirrigação. Com relação à condutividade elétrica, até 2,0 dS m-1 é considerado o limite para o funcionamento adequado do sistema (BERNERT et al., 2015). O pH e a condutividade elétrica são variáveis influenciadas pela concentração de nutrientes em solução.

Dentre as características mecânicas que afetam a uniformidade e o entupimento, destaca-se o número de filtros entre o reservatório e a entrada do sistema, tipo de filtro e malha utilizada. Os materiais filtrantes também apresentam diferentes capacidades de retenção (TESTEZLAF, 2017). O diâmetro dos emissores está relacionado com o entupimento parcial ou total dos mesmos, bem como o tipo de gotejador e a vazão de operação (LAVANHOLI, 2016).

Diversos parâmetros podem ser manejados para permitir o uso de diferentes compostos em fertirrigação. Dentre as alternativas para viabilizar a aplicação de compostos orgânicos primários como a ARS, pode-se mencionar a produção de biofertilizantes para garantir maior estabilidade e menor toxicidade do composto (SANTOS et al., 2014).

Conclui-se que existem inúmeras possibilidades de fertirrigação via gotejamento. Contudo, são necessários estudos para definir as melhores combinações de manejo para determinadas soluções (enfatizando-se os compostos orgânicos).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreender os parâmetros que afetam os sistemas de irrigação gera subsídios para manejá-los adequadamente. O uso de compostos orgânicos na fertirrigação é uma alternativa viável, porém, que ainda exige estudos. Portanto, a análise do entupimento é uma metodologia simples, mas que impacta diretamente no desempenho do sistema.

INFORMAÇÕES SOBRE OS AUTORES

[1] Bruno Marcos Nunes Cosmo
Doutorando em Agronomia (Agricultura) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Botucatu (SP). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3252-5349. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5681872370469923.

[2] Maurício Guy de Andrade
Professor Doutor, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Palotina (PR). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4620-1401. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4821884579392567.

REFERÊNCIAS

ABNT. NBR ISO 9261: Equipamentos de irrigação agrícola – Emissores e tubos emissores – Especificação e métodos de ensaio. São Paulo: ABNT, 2006.

BARROS, N. S. et al. Causas e soluções para desobstrução de emissores no método de irrigação localizada. Enciclopédia Biosfera, v.17, n.32, p.201-213, 2020.

BERNERT, M. R. et al. Características do pH e condutividade elétrica no manejo da fertirrigação. PA&T, v.8, n.1, p.80-87, 2015.

CAVALCANTE, F. L. Desinfecção solar de águas cinza para aproveitamento agrícola no semiárido – RN. 2017. 211f. Tese (Doutorado em Manejo de Solo e Água) – UFERSA, Mossoró, 2017.

COSMO, B. M. N. et al. Statistical Quality Control and Electrical Conductivity for Evaluation of the Uniformity of Different Drip Fertigation Solutions. Irriga, v.1, n.2, p.264-280, 2021.

GOÉS, N. C. K. Controle estatístico da fertirrigação por gotejamento na declividade da linha lateral. 2021. 42f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Agrícola) – UNIOESTE, Cascavel, 2021.

KELLER, J.; KARMELI, D. Trickle irrigation design. Glendora: Rain Bird Sprinkler Manufacturing, 1975. 133p.

KLEIN, M. et al. Uniformidade de irrigação e fertirrigação em um sistema de irrigação familiar por gotejamento sob diferentes cargas hidráulicas. Engenharia Ambiental, v.10, n.3, p.56-69, 2013.

LAVANHOLI, R. Avaliação de procedimento de ensaio para determinação da sensibilidade de gotejadores à obstrução por partículas sólidas. 2016. 66f. Dissertação (Mestrado em Ciências) – USP, Piracicaba, 2016.

NORONHA, C. R. S. Dinâmica de obstrução de gotejadores em sistema de fertirrigação operando com águas residuárias domésticas e a ação de bactérias na desobstrução. 2013. 85f. Tese (Doutorado em Engenharia Agrícola) – UFV, Viçosa, 2013.

PEREIRA, D. J. S. Contribuição ao protocolo de normatização de ensaios para avaliação da sensibilidade de gotejadores à obstrução causada por partículas sólidas. 2019. 54f. Dissertação (Mestrado em Ciências) – USP, Piracicaba, 2019.

RIBEIRO, A. L. P. Boas práticas agrícolas para a produção de hortaliças. Nova Xavantina: Pantanal, 2021.

SANTOS, A. P. G. et al. Produtividade e qualidade de frutos do meloeiro em função de tipos e doses de biofertilizantes. Horticultura Brasileira, v.32, n.4, p.409-416, 2014.

SOUZA, J. M. et al. Desempenho de um sistema de irrigação por aspersão durante os períodos diurno e noturno na região sul do Espirito Santo. Revista Agroambiente On-line, v.8, n.3, p.416-423, 2014.

TESTEZLAF, R. Irrigação: Métodos, sistemas e aplicações. Campinas: UNICAMP, 2017.

TRANI, P. E. et al. Fertirrigação em Hortaliças. 2ª ed. Campinas: Instituto Agronômico, 2011.

Bruno Marcos Nunes Cosmo

Bruno Marcos Nunes Cosmo

Engenheiro Agrônomo, Doutorando em Agricultura (Agronomia) na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) – Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA), Botucatu-SP.

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