Devanildo Braz da Silva [1]
DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/1643
INTRODUÇÃO
O agronegócio brasileiro é um setor com forte impacto na geração de empregos e riquezas, sendo, em muitas cadeias produtivas, referência mundial em termos de produtividade. Contudo, são diversas as peculiaridades entre as relações existentes nos elos das diferentes cadeias produtivas, o que demonstra a complexidade das relações econômicas desenvolvidas no âmbito do agronegócio.
Nessa ótica, a competitividade do agronegócio passa pela competitividade de seus diferentes elos, cada uma com particularidades próprias, o que faz com que alcançar e/ou manter competitividade não seja uma tarefa fácil. Assim, é importante que as organizações do agronegócio identifiquem o arranjo que proporcione maior competitividade, não somente internamente na firma, mas para além das suas fronteiras, de forma a tornarem-se competitivas pela eficiência nas transações que executam com fornecedores, parceiros e clientes, assim como com as organizações de apoio.
Com isso, formas tradicionais de gestão do sistema produtivo têm sido aperfeiçoadas, evoluindo-se para formas que englobam aspectos até então pouco explorados, como a coordenação por meio de contratos e a inserção da análise do papel das organizações de apoio e das instituições (regras formais e informais) para maior eficiência das trocas econômicas.
Nessa vertente, de aperfeiçoamento da gestão, tem-se a governança corporativa, que pode ser definida como o conjunto de mecanismos internos e externos que visam harmonizar a relação entre gestores e acionistas, dada a separação entre controle e propriedade. Os mecanismos internos referem-se ao Conselho de Administração, estrutura de propriedade, sistema de remuneração dos executivos, entre outros, enquanto os mecanismos externos estão relacionados ao mercado de fusões e aquisições e sistema legal/regulatório (FASSARELLA, 2012).
Dentre as diversas organizações atuantes no agronegócio, temos uma que traz características diferenciadas, que é a cooperativa. Bialoskorski Neto (2015, p. 186) diz que “nas sociedades cooperativas, o cooperado assume, ao mesmo tempo, as funções de usuário ou cliente da empresa e de seu proprietário ou ainda gestor, transferindo funções da sua economia individual para empresa cooperativada”. Complementa o autor supracitado, que o cooperativismo é realmente uma forma importante de organização dos produtores rurais, devido às estruturas de mercado encontradas no setor primário da economia, possibilitando a agregação de valor ao seu sistema de produção e o equilíbrio de poder de mercado.
Os estudos sobre governança corporativa ganharam relevância com o surgimento das modernas corporações, sendo que o centro das discussões sempre esteve relacionado à estrutura de propriedade, ao controle e ao conflito de interesses (FERREIRA, 2012). Assim, aplicar estudos dessa temática às cooperativas pode ser um diferencial que contribuirá para o fortalecimento das organizações cooperativas, sobretudo aquelas voltadas para o agronegócio.
Nesse contexto, o presente ensaio teórico tem como objetivo discutir aspectos relacionados à competitividade e governança no agronegócio, com aplicação às cooperativas.
AGRONEGÓCIO E COMPETITIVIDADE
O conceito relacionado ao agronegócio foi inicialmente abordado pelos professores John Davis e Ray Goldberg, nos Estados Unidos em 1957, cujo enfoque era o sistema de commodities. De acordo com os autores, ““agribusiness” é a soma total das operações de produção e distribuição de suprimentos agrícolas, das operações de produção nas unidades agrícolas, do armazenamento, processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a partir deles” (NEVES, 1996).
Com os avanços nos estudos acerca do conceito de agribusiness, a visão sistêmica passou a ser considerada nas análises e englobada ao conceito, sendo que em 1968, o pesquisador americano Ray Goldberg redefiniu o conceito, considerando o mercado de insumos agrícolas, a produção agrícola, operações de estocagem, processamento, atacado e varejo, e demarcando um fluxo que vai dos insumos até o consumidor final. Resumidamente, o conceito engloba todas as instituições que afetam a coordenação dos estágios sucessivos do fluxo de produtos, tais como as instituições governamentais, mercados futuros e associações de comércio (ZYLBERSZTAJN, 2005).
Embora haja outras abordagens para o estudo do agronegócio, no Brasil o conceito de agronegócios ganhou força e destacou-se sob a ótica sistêmica, chamado de Sistema Agroindustrial (SAG), que é definido por Zylberstajn (2005, p. 13), como “um conjunto de relações contratuais entre empresas e agentes especializados, cujo objetivo final é disputar o consumidor de determinado produto”. De acordo com o mesmo autor, o conceito de SAG envolve outros elementos além dos ligados à cadeia vertical, abrangendo o ambiente institucional e as organizações de suporte ao funcionamento das cadeias.
Um sistema agroindustrial específico é composto por firmas com diferentes níveis de coordenação. Essas firmas realizam transações, seja via mercado ou por contratos (formais ou informais), assim como as instituições estabelecem o ambiente no qual as transações ocorrem e interferem na definição dos objetivos das organizações envolvidas, assim como nas estruturas de governança adotadas (FARINA; AZEVEDO; SAES, 1997).
Assim, tem-se que a abordagem de SAG serve de suporte para a análise de arranjos institucionais em que as estruturas contratuais sejam voltadas para a produção de produtos de base agrícola. Nesse sentido, numa consideração genérica, um SAG tem quatro elementos fundamentais: setor produtivo, ambiente institucional, ambiente organizacional e as transações entre os agentes produtivos (ZYLBERSZTAJN; NEVES; CALEMAN, 2015).
Nos estudos de organizações, não somente das do agronegócio, competitividade é um tema recorrente. Conforme Farina (1999), competitividade não tem uma definição precisa; do ponto de vista das teorias de concorrência, pode ser definida como a capacidade sustentável de sobreviver e, de preferência, crescer em mercados correntes ou em novos mercados, tornando a competitividade uma medida de desempenho das firmas individuais.
Nesse sentido, Farina (1999) diz que não se pode ignorar os problemas organizacionais na análise da competitividade e da concorrência, ainda que isso apresente desafios para sua operacionalização. Complementa a autora, que a competitividade das empresas é o resultado de políticas públicas e privadas, individuais e coletivas, e não depende apenas da excelência de sua gestão (FARINA, 1999).
Contudo, intervenções setoriais geram efeitos sistêmicos e tendem a gerar intervenções involuntariamente sistêmicas (FARINA et al., 1997). Justifica-se, portanto, adotar sistemas agroindustriais específicos como unidade de análise da competitividade. Nesse caso, o que está em jogo é o desempenho de um sistema e não de uma firma individual (FARINA, 1999).
Conforme Farina (1999) a análise da competitividade dos SAG’s tem que se perguntar:
- a) se um determinado sistema agroindustrial deverá crescer ou, pelo menos, não decrescer nos mercados correntes e se tem capacidade de agregar novos mercados;
- b) se sua composição será alterada ou não: competitividade relativa de cada segmento e seus condicionantes, definindo uma configuração esperada;
- c) quais as estruturas de governança que viabilizam essa competitividade e em que direção deverá se alterar.
COOPERATIVAS E GOVERNANÇA CORPORATIVA
Ao mesmo tempo que os princípios cooperativistas representam o elo entre “as organizações no mundo cooperativista, esses mesmos princípios delimitam as estratégias passíveis de serem adotadas pelas organizações cooperativas, criando um contraste com as organizações de outra natureza, em especial, as firmas que têm finalidade de lucro com as quais as cooperativas” frequentemente concorrem (ZYLBERSZTAJN, 2002).
Nesse contexto, Zylbersztajn (2002, p. 6) diz que “na maioria das cooperativas no Brasil, o controle e as decisões estratégicas são definidos pelo mesmo agente”. Cook (1995 apud Zylbersztajn 2002) destaca cinco problemas típicos das cooperativas, relacionados aos direitos de propriedade e de decisão. São eles: problema de horizonte, problema do carona, problema do portfólio, problema do controle e custos de influência.
Ainda que funcionem com imperfeições, existem mecanismos de controle disponíveis para as empresas de capital diferentemente da empresa cooperativa, os quais são complementados pela ação dos conselhos e por auditorias externas. Além da separação entre propriedade e controle, há o fato de que, se o gerente ineficiente for também membro da cooperativa e a sua função puder resultar não da sua especialização, mas do exercício do poder dentro da cooperativa, levando a outra natureza de ineficiência (ZYLBERSZTAJN, 2002, p. 7).
Bialoskorski Neto (2015) destaca que quando discutimos o empreendimento cooperativo, temos de nos referir a algumas questões básicas, como: a questão da gestão da empresa cooperativa vista sob a ótica da eficiência empresarial; a autogestão do sistema cooperativista; e a questão do financiamento e da capitalização da empresa cooperativista. Completa o autor supra que “todas estas preocupações devem ser analisadas sob a ótica dos princípios doutrinários do cooperativismo, onde o foco central foi e sempre devera ser o cooperante e a função social do empreendimento” (BIALOSKORSKI NETO, 2015, p. 189).
De acordo com Klapper e Love (2004), a governança corporativa consiste em um conjunto de práticas que utilizam órgãos para estabelecer normas e poderes com o objetivo de prevenir e criar mecanismos que tornem a gestão da empresa eficiente e eficaz, com a finalidade de maximizar o seu valor. Andrade e Rossetti (2004) destacam que a governança corporativa está calcada em regras que propiciam maior credibilidade e criação de valor às empresas.
Nesse sentido, a governança corporativa tem por objetivo transparecer confiança, ética, moral e novos valores para os stakeholders, incluindo o governo, a sociedade e os empresários, visando preocupação com as ações da organização, e as consequências dessas ações (HERMALIN, 2005).
Contudo, não há um modelo único de governança que seja aplicável a todas as organizações, pois elas atuam em diferentes contextos e tem características particulares (natureza jurídica, forma de controle, tipo de controlador, cultura e identidade). Porém, independentemente da estrutura de governança escolhida, as empresas precisam atuar de forma ética e tem a obrigação de cumprir as leis e os regulamentos aplicáveis. Nesse sentido, a adoção das melhores práticas de governança corporativa corresponde a ações diferenciadas de gestão (BRANDÃO; FONTES FILHO; MURITIBA, 2018).
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) define governança corporativa como sendo o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas (IBGC, 2015).
De acordo com Zylbersztajn e Giordano (2015, p. 16), “o aperfeiçoamento da governança dos sistemas agroindustriais exige que sejam identificadas as falhas institucionais e as falhas organizacionais, compreender a sua natureza e implementar ações para a sua eventual correção”. Nesse contexto, têm-se os mecanismos de governança: conselho de administração, sistema de incentivos dos administradores (remuneração), concentração acionária e atuação dos investidores, proteção legal aos investidores, possibilidade de aquisição hostil e grau de competição no mercado, fiscalização dos agentes de mercado e estrutura de capital (IBGC, 2015).
Silveira (2010) diz que os mecanismos de governança devem estar presentes em qualquer companhia, em função da potencial existência de três problemas: conflito de interesses, limitações técnicas e vieses cognitivos. Diz o autor, que um bom sistema de bom sistema de governança pode levar a melhores decisões, por meio de um processo decisório mais estruturado, embasado e menos sujeitos conflitos de interesse e aos vieses cognitivos dos indivíduos.
Assim, aliar as práticas de governança, sobretudo os mecanismos alinhados aos resultados e confiança, pode ser um diferencial para as cooperativas, sobretudo aquelas ainda em processo de profissionalização da gestão, tornarem-se competitivas, atingindo, assim, seus objetivos, tanto sociais quanto econômicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este ensaio teve como objetivo discutir aspectos relacionados à competitividade e governança no agronegócio, com aplicação às cooperativas, o que, embora de forma embrionária, foi atendido. Contudo, deve ser visto apenas como ponto de partida para a análise desta temática, pois outros aspectos podem (e devem) ser analisados para efetivamente trazer a governança como indutora da competitividade de cooperativas.
Entretanto, as temáticas aqui discutidas devem ser entendidas no contexto em que se encontram, ou seja, como alicerces para discussões profundas no campo de aplicação da governança corporativa, com vistas a adoção de práticas modernas de gestão, em especial as cooperativas rurais.
INFORMAÇÕES SOBRE OS AUTORES
[1] Devanildo Braz da Silva
Mestrado. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7259-9604.Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4624810056908982.
REFERÊNCIAS
BIALOLKORSKI NETO, S. Agribusiness Cooperativo. In: ZYLBERSZTAJN, D.; NEVES, M. F.; CALEMAN, S. M. Q. (Orgs.). Gestão de Sistemas de Agronegócios. São Paulo: Atlas, 2015.
BRANDÃO, Carlos Eduardo Lessa; FONTES FILHO, Joaquim Rubens; MURITIBA, Sergio Nunes. Governança corporativa e inovação: tendências e reflexões. São Paulo: IBGC, 2018.
FARINA, E. M. M. Q.; AZEVEDO, P. F.; SAES, M. S. M. Competitividade: mercado, estado e organizações. São Paulo: Singular, 1997.
FARINA, E. M. M. Q. Competitividade e coordenação de sistemas agroindustriais: um ensaio conceitual. Gestão & Produção, v. 6, n. 3, p.147-161, Dez., 1999.
FASSARELLA, L. M. Governança Corporativa e Valor das Empresas Brasileiras do Setor de Agronegócios. In: XXXVI Encontro da ANPAD. Rio de Janeiro, 2012.
FERREIRA, Roberto do Nascimento. Governança Corporativa e Desempenho: uma análise em empresas brasileiras de capital aberto. Tese (Doutorado em Administração). Universidade Federal de Lavras. 2012.
HERMALIN, B. E. Trends in corporate governance. Journal of Finance, v. 60, n. 5, p. 2351-2384, 2005. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/j.1540-6261.2005.00801.x>. Acesso em: 4 maio 2019.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA (IBGC). Código das melhores práticas de governança corporativa. 5. ed. São Paulo: IBGC, 2015.
KLAPPER, Leora F.; LOVE, Inessa. Corporate Governance, Investor Protection, and Performance in Emerging Markets. Policy Research, Working Paper nº 2818. World Bank, Washington, 2002. Disponível em: https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/14319. Acesso em: 4 maio 2019.
NEVES, M. F. Agribusiness: conceitos, tendências e desafios. In: ZYLBERSZTAJN, D; GIORDANO, S. R.; GONÇALVES, M. L. Fundamentos do agribusiness. I Curso de Especialização em Agribusiness. UFPB/PEASA/USP/PENSA. Campina Grande-PB, 1996.
SILVEIRA, Alexandre di Miceli da. Governança corporativa no Brasil e no mundo: teoria e prática. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
ZYLBERSZTAJN, D. Quatro Estratégias Fundamentais para Cooperativas Agrícolas. In: XIV Seminário de Política Econômica: Cooperativismo e Agronegócio, Viçosa, 2002.
ZYLBERSZTAJN, D.; NEVES, M. F. Economia e Gestão dos Negócios Agroalimentares: indústria de alimentos, indústria de insumos, produção agropecuária, distribuição. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.
ZYLBERSZTAJN, D.; GIORDANO, S. R. Coordenação e Governança de Sistemas Agroindustriais. In: ZYLBERSZTAJN, D.; NEVES, M. F.; CALEMAN, S. M. Q. (Orgs.). Gestão de Sistemas de Agronegócios. São Paulo: Atlas, 2015.
ZYLBERSZTAJN, D.; NEVES, M. F.; CALEMAN, S. M. Q. (Orgs.). Gestão de Sistemas de Agronegócios. São Paulo: Atlas, 2015.