REVISTACIENTIFICAMULTIDISCIPLINARNUCLEODOCONHECIMENTO

Revista Científica Multidisciplinar

Pesquisar nos:
Filter by Categorias
Administração
Administração Naval
Agronomia
Arquitetura
Arte
Biologia
Ciência da Computação
Ciência da Religião
Ciências Aeronáuticas
Ciências Sociais
Comunicação
Contabilidade
Educação
Educação Física
Engenharia Agrícola
Engenharia Ambiental
Engenharia Civil
Engenharia da Computação
Engenharia de Produção
Engenharia Elétrica
Engenharia Mecânica
Engenharia Química
Ética
Filosofia
Física
Gastronomia
Geografia
História
Lei
Letras
Literatura
Marketing
Matemática
Meio Ambiente
Meteorologia
Nutrição
Odontologia
Pedagogia
Psicologia
Química
Saúde
Sem categoria
Sociologia
Tecnologia
Teologia
Turismo
Veterinária
Zootecnia
Pesquisar por:
Selecionar todos
Autores
Palavras-Chave
Comentários
Anexos / Arquivos

Desenvolvimento do Senso crítico através do Slam

RC: 47586
427
5/5 - (1 vote)
DOI: ESTE ARTIGO AINDA NÃO POSSUI DOI
SOLICITAR AGORA!

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

DZIEDICZ, Jaqueline Cristina Pacheco [1], ZANELLA, Camila [2]

DZIEDICZ, Jaqueline Cristina Pacheco. ZANELLA, Camila. Desenvolvimento do Senso crítico através do Slam. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 03, Vol. 08, pp. 101-114. Março de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/literatura/senso-critico

RESUMO

O presente trabalho teve como ideia principal desenvolver nos alunos o senso crítico e como isso poderia fazer diferença na vida deles de modo construtivo, visto que nas aulas presenciadas eles se calavam diante de qualquer tema que envolvesse opinião própria. Essa reação enfatizou a carência na procura do entendimento, durante a busca por conhecimento, da parte deles, de certos temas e até mesmo um pouco de desinteresse por não saber a profundidade destes, o que acabava ocasionando apenas a reprodução presente no discurso do senso comum. Para trazer uma dinâmica diferenciada nesse processo de aprendizagem, foi escolhido o Slam, que vem sendo apresentado como batalha poética da periferia e trabalha tanto a crítica como a cultura, em forma de protesto e poesia, mostrando uma perspectiva nova para esses alunos, despertando o interesse deles através da forma como a prática intensa do Slam ocorre e como vem ganhando espaço.

Palavras-chaves: Slam, aprendizado, senso crítico.

INTRODUÇÃO

É importante desenvolver nos alunos desde cedo o senso crítico, para que saibam defender um ponto de vista sem acabar apenas reproduzindo um senso comum.

O grande problema é que os estudantes, muitas vezes, não sabem como se expressar. Vemos na grande maioria essa dificuldade em certos assuntos mais polêmicos e a falta de base para serem mais críticos. Portanto, este projeto foi desenvolvido com o objetivo de trabalhar esta falta de diálogo crítico, em meio aos estudantes, utilizando a poesia Slam.

Grande parte dos alunos silencia-se quando o assunto é mais profundo e requer uma base mais teórica e sólida, ou que seja considerado tabu. A meta foi fazer com que através de temas pré-estabelecidos e formação de grupos em sala, fossem debatidos temas diversos levando cada aluno, dentro e fora do grupo, a analisar temas como política, preconceito, racismo, feminismo, desigualdade social, machismo, entre outros. Para o desenvolvimento do projeto foi utilizado como base teórica os autores: Madalena Freire, Roberta D’Avila, Clarilza Prado de Souza, Lidyane Cristina Galdino Leal e Marcelo Giovanni Pocai Stella.

Com o projeto esperávamos que os discentes passassem a compreender melhor a importância do diálogo crítico dentro da realidade em que vivem, sendo detentores dos próprios ideais. E dentro desta perspectiva, a análise que se deve fazer da consciência crítica por si mesmos, nas várias áreas de suas vidas. Não ficando a mercê da reprodução do que outros indivíduos pensam e propagam na sociedade, e assim, podendo falar com propriedade e compreensão geral da verdadeira essência dos temas tratados.

Para tal finalidade, esta intervenção circundou, através da poesia, o propósito de ajudar a desenvolver o senso crítico nos alunos, compreendendo o movimento Slam como prática poética, utilizada nas periferias em forma de batalhas de rua, em que os indivíduos que participam falam aberta e democraticamente sobre temas variados, complexos e que fazem parte da sua realidade social.

Nesse processo foi necessário entender a perspectiva dentro do Slam como uma nova forma de poesia, que se adentra a esses temas e traz com intensidade a crítica aberta, vinda de indivíduos comuns na sociedade (pais, mães, filhos, trabalhadores das classes operárias, estudantes, homens, mulheres, homossexuais), pessoas da periferia, jovens e adultos que praticam a reflexão cotidiana sobre fatos aos quais se sentem oprimidos e/ou sem defesa, e desejam exprimir e dividir suas indignações com a sociedade.

Nas observações feitas durante os estágios, de Ensino Fundamental Anos Finais e Médio, na rede pública de ensino, foi constatada a baixa participação de alunos nas atividades relacionadas às rodas de discussões em torno de temas que dependem da exposição de opinião ou embasamento crítico, para que haja uma reflexão mais abrangente.

Identificando esta ausência de reflexão por parte dos alunos, estes, que já teriam condições de um pensamento crítico, relacionados à maturação de ideias, para compartilhar suas vivências sociais e seus posicionamentos perante os temas trazidos à sala de aula sem nenhum empecilho, achou-se conveniente o desenvolvimento do projeto dentro da temática. E assim, foi estruturado para ampliar a dimensão do senso crítico com os alunos em questão e proporcionar a eles um aprendizado mais efetivo e que pudesse fazê-los tratar das próprias opiniões de forma mais consciente e responsável.

O projeto foi iniciado com os alunos, executando a apresentação do cenário histórico do Slam. Foi contextualizado a eles que sua origem deu-se em 1984 numa escola de Chicago, nos Estados Unidos, de onde as batalhas logo se espalharam pelas periferias, em forma de protestos trazendo representatividade às minorias. No Brasil, surgiu em meados dos anos 2.000 e teve seu primeiro campeonato em São Paulo, onde, atualmente, se concentra o maior número de Slams do país. A prática estendeu-se rapidamente por diversos estados, ganhando abrangência nacional.

O tema foi estabelecido para iniciar o projeto dentro da falta identificada e a partir disto o levantamento bibliográfico foi colocado como base para o desenvolvimento, com teóricos que debatiam a questão, apresentavam e esclareciam o Slam como ferramenta de ensino e aprendizagem, construção sociocultural, inserção, entretenimento e que ainda, de acordo com D’Alva (2011), carrega em sua essência literaturas de vidas diversificadas, difícil de ser simplificado, pois trata-se de um movimento que vem se expandindo gradualmente. Este levantamento fez-se de suma importância para destacar a relevância do tema discutido e fundamentado por teóricos que já trouxeram as especificidades do Slam, da diversidade de contextos que ele trabalha e como tem impacto perante a sociedade e os jovens, sobretudo. Inserimos teorias que colocam em voga a importância do trabalho em grupo, sobre o que é relevante para a construção do ser social e os impactos dos múltiplos aprendizados entre os indivíduos diante desta troca de conhecimentos.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E METODOLOGIA

O projeto foi desenvolvido em duas escolas, Escola Estadual Ernani Vidal e Colégio Estadual Ângelo Gusso. Na primeira escola, com Ensino Fundamental Anos Finais, em duas turmas da manhã de 9º ano, em um total de 61 alunos, sendo 30 meninas e 31 meninos, com idade entre 13 e 17 anos e na segunda escola, com Ensino Médio no formato EJA (Educação de Jovens e Adultos), em uma turma unificada do turno da noite de 1º ao 3º ano, com um total de 17 alunos, sendo 08 mulheres e 09 homens, com idade entre 18 e 45 anos.

Os alunos foram divididos em grupos de até 04 pessoas, para a criação de Slams, com as seguintes temáticas: Racismo, violência policial, machismo, desigualdade, feminismo, violência contra a mulher, abandono de crianças e animais, meio ambiente, possibilitando também que os alunos sugerissem temas, após conversa entre o grupo e a professora. Da parte dos alunos do ensino regular, foram feitas algumas sugestões como, maus tratos a animais e crianças, desigualdade social e suicídio. Já o ensino médio em formato EJA não mencionou nenhuma objeção ou sugestão para a proposta.

Cada ideia e dúvida deles foram ouvidas, discutidas e esclarecidas, à medida que se sentiam a vontade em falar, para que saíssem da explicação ao projeto em si sem dúvidas complexas e pudessem executar o trabalho proposto com maior esclarecimento possível, explorando a potencialidade do grupo.

Diversos autores dedicam-se a análise de resultados dos estudos em grupo. Entre eles, a educadora Freire (2011), no texto “o que é um grupo?”, especifica que o indivíduo é constituído a partir da relação com o outro, sendo assim fica estabelecido dentro desta concepção que ao ajudarem-se por um objetivo em comum, desenvolvem-se novas perspectivas e habilidades, mesmo que imperceptíveis aos indivíduos relacionados. Nessa construção do grupo é possível identificar um pouco de cada um, em todos. A autora esclarece que:

A identidade do sujeito é um produto das relações com os outros. Neste sentido todo individuo está povoado de outros grupos internos na sua história. Assim como também povoado de pessoas que o acompanham na sua solidão, em momentos de dúvidas e conflito, dor e prazer. Desta maneira estamos sempre acompanhados por um grupo de pessoas que vivem conosco permanentemente. Em termos gerais a influência deste grupo interno permanece inconsciente. Algumas vezes só no esquecimento (pré-consciente) e não nos damos conta que estamos repetindo, reproduzindo estilos, papéis que têm que vir com vínculos arcaicos onde outros personagens jogam por nós. Todos estes integrantes do nosso “eu” interno estão presentes na hora de qualquer ação, na realização de uma tarefa. Por isso, nosso ser individual nada mais é que um reflexo, onde a imagem de um espelho que nos devolvem é de um “eu” que aparenta unicidade, mas que está composta por inumeráveis marcos de falas, presenças de modelos dos outros. (FREIRE 2011.s.p)

Para a realização da tarefa, a separação em grupos foi proposta para que, dentro dele, cada aluno pudesse trazer um pouco de seu conhecimento. Portanto, o grupo se organizou e trabalhou na coleta das opiniões de cada participante, a fim de encontrar os pontos chaves do tema e conciliar as informações de modo coerente e que pudesse ser desenvolvido representando à ideia central. Foram necessárias, inúmeras vezes, que a professora incentivasse e ajudasse nas pesquisas dos temas, tanto com os alunos de Ensino Fundamental Anos Finais, quanto no Ensino Médio, trazendo ideias, materiais e participasse das reflexões, para desenvolver o lado reflexivo e crítico que era ponto principal na construção da poesia Slam. Com este trabalho deveriam ser capazes de captar a crítica presente nos contextos trabalhados como desafio, e o porquê dela, podendo ser desenvolvida em cada tema proposto entendendo sua importância e profundidade nas relações sociais, estabelecendo o crescimento intelectual e tornando-os melhor capacitados para os embates futuros.

Para iniciar, foi apresentado a eles, o Slam como poesia, que é utilizada pela periferia, em forma de batalhas poéticas, para expor ideias e sentimentos com relação a temas diversos, onde cada participante defende seu ponto de vista, traz sua representatividade, é autor do próprio poema e é responsável pela sua apresentação, devendo respeitar os critérios das batalhas.

As batalhas tem o foco nas palavras, na originalidade das poesias apresentadas, na expressão corporal e na força usada no recurso da voz, que normalmente é passada ao público de forma impactante. Enfeites e apetrechos são dispensados nas apresentações, assim como qualquer tipo de instrumento musical, ficando por conta exclusivamente do Slammer (como é conhecido o indivíduo que apresenta o seu slam, ou o poeta), que faz uso exclusivo da voz, impondo sua atitude performática, através de gestos marcantes, e o tempo também é cronometrado não podendo passar de 3 minutos, trazendo mais dinamismo à apresentação. Portanto, o projeto foi adaptado para que além do conhecimento desta nova modalidade de poesia contemporânea, pudessem criar a partir dela.

Vídeos de Slams, com temas variados, fizeram parte desta integração para que eles tivessem uma ideia mais ampla de como é feito nas batalhas originais, visualizando de alguma forma e de modo que trabalhasse também no despertar do interesse deles, fazendo-os entrar num novo contexto, onde suas críticas pudessem ser construídas e expressadas de alguma maneira.

Após esta interação, houve uma tentativa de debate para que os alunos pudessem salientar aquilo que foi mais impactante nos vídeos. Com os alunos de Ensino Fundamental Anos Finais, a reflexão foi mais passiva e existiu de forma branda e até “tímida”, visto que alguns tentaram chegar a um pouco de vista. Já com os alunos de Ensino Médio pudemos perceber certo desinteresse pelas questões, onde pouco se argumentou e apenas um aluno demonstrou ter opinião formada sobre uma ou outra questão, tendo baixíssima participação da turma em geral. Com isso, pudemos perceber a dificuldade mesmo com alunos mais velhos em formular pensamentos críticos, os quais imaginamos as vezes, que por maturidade teriam um pensamento mais sólido, mais significativo e construtivo. No entanto, verificou-se uma maior dificuldade até do que a dos alunos mais novos, do ensino regular. Diante destes quadros foi proposta a escrita de poesias com os temas citados anteriormente, dando a eles condição de construir através do Slam sua criticidade e reflexão, com base em pesquisas e diálogo com os próprios colegas.

A visão sobre o que é senso crítico, que propusemos a ser trabalhado, seria a capacidade de refletir e explanar sobre qualquer informação sem aceitar algo que é imposto, de imediato, questionando frequentemente e buscando as próprias conclusões, ou seja, é uma característica que só se é desenvolvida na prática, através da busca pelo conhecimento. Ao contrário disso, temos o senso comum, que é uma única e mesma opinião aceita por um grupo de pessoas, sem a devida analise de fatos para se chegar a uma conclusão. Diversos estudos relacionam o desenvolvimento do senso crítico, entre eles Da Silva (2003), em seu artigo para a revista Brasileira de Linguística Aplicada, introduz:

O desenvolvimento do senso crítico é um dos principais objetivos presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais, já que neles se torna clara a intenção de promover um ensino voltado para a formação de cidadãos. Além disso, o trabalho com a argumentação é considerado fator relevante para o exercício de cidadania. Acreditamos que a prática relativa à identificação ou seleção de argumentos pode ser um a excelente oportunidade para o desenvolvimento do senso crítico, desde que o professor possua alguns referenciais teóricos sobre o assunto e empregue uma metodologia adequada. (p.57)

Os alunos utilizaram em torno de quinze dias para criação da poesia. Nesse tempo tiveram acesso à professora para trazer as dúvidas pertinentes e cada grupo teve pelo menos duas aulas em que a mesma reuniu cada grupo, sozinho, durante quinze minutos para ficar a par de cada situação que foi trazida pelos alunos, podendo identificar as dificuldades que se faziam presentes, escutar ideias e auxiliar na construção da sua base, propondo leituras e vídeos que trouxessem mais clareza aos temas. Todos os grupos participaram de forma efetiva destes encontros e os grupos com maior dificuldade foram incentivados pela docente a buscar o conhecimento, trazendo leituras e fazendo-os questionar a si mesmos sobre os contextos, se achavam certo ou errado, se fazia parte do seu convívio social e o que extrair dali em diante, permitindo assim a construção de um saber mais amplo e produtivo.

A apresentação oral foi feita aos professores, regente e estagiária, no Ensino Fundamental Anos Finais, em único dia, utilizando duas aulas, onde se reuniram as duas turmas de nono ano, no auditório de apresentações da escola. Com a turma de Ensino Médio, foi utilizada apenas uma aula, também em único dia, devido a menor quantidade de alunos, na própria sala de uso diário.

Na apresentação, o tempo estipulado para cada grupo foi de no mínimo 1 minuto e 30 segundos, e máximo 3 minutos, onde o único recurso utilizado foi a voz e a expressão corporal.

Foi avaliado, o conteúdo presente na escrita, a originalidade, se estava de acordo com a proposta do tema, trazendo reflexão e a existência da crítica na construção da poesia. O desempenho da fala foi levado em consideração, pois, assim como o tempo que havia sido estipulado para cada apresentação, é uma característica do Slam e foi utilizada como meio de avaliação do aprendizado.

Uma tabela de avaliação foi criada para registrar a pontuação dos alunos e os critérios utilizados foram voltados para o conteúdo proposto e trabalhado, no sentido de avaliar os aspectos da proposta e executados em sala. Entre eles a clareza, linguagem, pesquisa efetiva presente nos temas, tempo da apresentação e individualidade, já que a apresentação era em grupo e os indivíduos tendem a corresponder de formas diferentes ao processo de aprendizagem. Esta proposta fundamentou com fidedignidade os aspectos práticos e possibilitou ao professor uma análise mais detalhada das condições, o envolvimento e entendimento dos alunos, como explica Souza (1994):

O processo avaliativo parte do pressuposto de que se defrontar com dificuldades é inerente ao ato de aprender. Assim, o diagnóstico de dificuldades e facilidades deve ser compreendido não como um veredito que irá culpar ou absolver o aluno, mas sim como uma análise da situação escolar atual do aluno, em função das condições de ensino que estão sendo oferecidas. (p.89)

A contextualização referente ao que é o Slam, como surgiu, de que forma é tratado, como e onde as batalhas acontecem, precisou estar bem esclarecida para os alunos, no intuito de que eles conseguissem construir as próprias poesias enxergando os contextos de cada tema dentro da sociedade e do próprio cotidiano, onde ele interage ativamente e participa da sua comunidade como um todo, passando a enxergar-se como parte de um grupo que vivencia as mazelas sociais.

O Slam pode ser denominado como um tipo de poesia da periferia, que são apresentados informalmente a um público, como uma competição (batalha de Slams), onde os participantes usam a voz como instrumento, normalmente, e trazem temas do cotidiano mesmo ou da atualidade, de opressão ou omissão, e que causam forte impacto perante a sociedade, para serem debatidos, discutidos ou apenas ouvidos de forma diferente. Muitos destes temas, quando trazidos à voga, causam certa revolta e/ou comoção por parte dos participantes das batalhas, como no caso do feminismo, que é um dos temas mais abordados pelas mulheres que se apresentam nos eventos. Poesias faladas sobre racismo, preconceito, homofobia, violência, política, machismo entre outros são trazidos com veemência ao público. Fato, é que independente do que se trata, a poesia falada, o Slam, revela nos indivíduos diversos sentimentos e reflexões.

O movimento Slam propicia uma maior e nova consciência dentro da literatura, marginal e periférica, e serve como base para outras descobertas dentro da própria cultura, trazendo uma nova visão para os praticantes da poesia Slam, e de seus apreciadores, onde passam a ser percebidos como sujeitos da própria história, atuando como senhores das suas ideias, apresentando com maestria uma nova forma de lutar e serem ouvidos. Sobre isso Stella (2015) salienta:

Esse movimento está inscrito num cenário mais amplo, que se denominou no presente trabalho como campo literário marginal periférico, pois os estudos sobre literatura marginal e saraus periféricos apontam que essas manifestações culturais criadas entre o fim da década de 1980 e no decorrer da década de 1990, podem servir como uma base para outros desdobramentos culturais, já que além da promoção de atividades culturais eles reorientam a própria visão do que é periferia e marginalidade. (STELLA, 2015)

 Dentro do movimento Slam os participantes não se sentem acuados, nem mesmo pressionados, encontram apenas a democracia em forma de batalhas agitadas e um jeito de falar em forma de protesto para colocar em prática a reflexão sobre aquilo que vivenciam, expressar opiniões, retratar a própria realidade ou até mesmo usar a liberdade de expressão apenas para o entretenimento – como em alguns casos em que são declamadas poesias românticas. Porém, para que ocorra essa interação é necessário que haja a plateia, o público, pois depende dessa coletividade para que o objetivo, de ser ouvido, aconteça, caso contrário ela perde a razão de ser, conforme esclarece D’avila (2014):

Nesse sentido, os slams, que inicialmente têm como mote a competição, tomam a proporção de uma celebração, que conta com um mestre de cerimônias, chamado slammaster, e onde a palavra é comungada entre todos, sem hierarquias. Um círculo poético onde as demandas ‘do agora’ de determinada comunidade, suas questões mais pungentes, são apresentadas, contrapostas e organizadas de acordo com suas vivências e experiências. Tudo isso acontece de forma dinâmica, roteirizada, em um percurso bem definido que conta com claros pontos de partida e de chegada (uma abertura e um fechamento), criando entre esses dois momentos um espaço imponderável que é preenchido com performances-poema e onde tudo pode acontecer. (p. 121)

E através desta consciência, é que foi proposto na escola como projeto de intervenção, a criação de Slams em grupo para que fosse apresentado, para que além da escrita trabalhada e a pesquisa incentivada, a representatividade florescesse em cada aluno, trabalhando também a oralidade dos envolvidos de forma mais efetiva.  Sendo assim, utilizando a interpretação e a entonação da voz de cada um deles como forma de incentivo ao aprendizado, onde eles pudessem participar da criação, tanto na construção dos seus argumentos dentro do tema relativo, quanto na forma como seria apresentado aos colegas da turma.

Temos que destacar a importância da construção da poesia, que é considerada há muito tempo o ponto de partida para que o indivíduo expresse aquilo que sente, liberte a sua consciência e compreenda a sua essência, complexidade e desenvolva a humanização – tão importante e, por vezes, difícil de encontrar no cenário atual da sociedade – de um ser com o outro.

A poesia possibilita o autor a exercitar e desenvolver a criatividade e a crítica diante da própria existência e também da do próximo, trazendo uma maior compreensão nas relações sociais, permitindo que passemos a nos colocar no lugar do outro ou a pelo menos nos tocar de alguma maneira quando refletimos. E é nesse âmbito que se desenvolve o gosto pela leitura, quando se consegue compreender que ela pode nos representar de alguma maneira, pode representar nossas lamúrias, nossos encantos (e desencantos) com a vida. E que além de melhorar este relacionamento interpessoal, enriquece o vocabulário, que por vezes é tão básico pela falta de contato com obras literárias, passando a proporcionar a utilização das palavras, faladas ou escritas, como recurso de expressão ativa no meio social. Como cita Leal:

A poesia desperta múltiplos sentidos, realçando signos e significantes. O poema demanda de seu leitor um olhar mais atento, uma ativa mobilização do lado intelectual e afetivo, requerendo um entrelaçamento contínuo de emoções e desejos, a poesia leva os alunos a se perceberem como sujeitos construtores de significados, aqueles que não se contentam com as versões recebidas, mas que questiona e transforma a realidade interior e exterior é uma fonte de saber. (LEAL, 2003, s.p)

Neste trabalho, os alunos puderam mostrar o reflexo da leitura, do debate, da pesquisa e da compreensão do tema que analisaram, trazendo apresentações consistentes, originais e que deixaram evidente a construção das suas críticas e a relevância que tiveram na mudança no pensamento relacionado a diversos assuntos. Aqueles que, às vezes, ficam confusos e acabam sendo “construídos” pelo senso comum, puderam ser trabalhados com ajuda e incentivo da professora através de diversas pesquisas e busca por materiais que pudessem enriquecer estas análises.

Com o desenvolvimento deste projeto evidenciou-se que os alunos, principalmente do Ensino Fundamental Anos Finais, se sentiram instigados, através da contextualização do Slam, como ferramenta de discussão, entretenimento e arte, a buscar o conhecimento sobre os temas propostos e outros mais, no dia a dia, que surgem e precisam ser discutidos, esclarecidos e debatidos de forma consciente e concreta, para que faça diferença em suas vidas e os ajude a construir argumentos sólidos e que os represente dignamente.

CONCLUSÃO

Constatou-se que, em relação aos alunos da Escola Estadual Ernani Vidal, dos nonos anos, foi desenvolvida a curiosidade e, no que se diz respeito a criticidade, foi trabalhada com êxito no âmbito social, com a maioria destes alunos, de forma ativa, mesmo depois de findado o projeto proposto, e proporcionou a eles o aprendizado na busca pelas informações a discutirem em torno delas tendo um posicionamento. Diversos alunos conseguiram estar abertos a escutar aquilo que outros indivíduos pensam sem fazer daquilo o próprio pensamento, sem refletir antes, ou seja, sem ser apenas uma “marionete do senso comum”, assim o exercício fez com que buscassem embasamento para a tratativa dos temas que foram envolvidos e ficaram melhor preparados para buscar quaisquer assuntos que surgirem.

Com o trabalho, sendo em grupo, verificamos que os alunos desenvolveram sobre os colegas uma postura respeitosa, escutando as opiniões uns dos outros a fim de construir suas ideias e motivando-se à pesquisa para aprofundamento das temáticas e melhor abordagem.

Com os alunos do Colégio Estadual Ângelo Gusso, da modalidade unificada do EJA, representando 1º a 3º ano do ensino médio, a participação e execução do projeto foi baixíssima, não obtendo o mesmo aproveitamento efetuado diante do ensino regular.  Efetivamente, pode-se dizer que apenas um grupo, dos cinco que foram formados, se interessou e trouxe a contento a proposta estabelecida, apesar de qualquer esforço feito pelo professor regente e estagiária, permanecendo mais fechados e introspectivos.

Portanto, com o projeto realizado conclui-se que havia uma deficiência no aprendizado dos jovens com relação ao desenvolvimento do senso crítico, que precisava ser trabalhado de forma objetiva e que os fizesse entender a importância da análise na construção dos próprios argumentos.

A forma como foi trabalhado o projeto, utilizando a prática do Slam, e desenvolvido com os alunos, apresentando e enriquecendo o ensino e aprendizagem foi essencial neste processo para que se tivesse algum êxito. Ficando claro também que a prática das batalhas poéticas esta em ascendência no país e reflete um movimento sociocultural moderno, muito forte e representativo diante da juventude, que tende a se identificar com essa nova forma de produzir poesia e protestos, podendo extravasar suas complexidades a um público que pede a originalidade e ousadia. Ao mesmo tempo que os estimula a crescer cognitivamente e os faz ser parte de algo que está em pleno desenvolvimento.

Os alunos do Ensino Fundamental Anos Finais, se sentiram estimulados a pesquisar sobre diversos assuntos e fazer a conexão deles com a poesia, vindo até a professora para obter esclarecimentos e demonstrando grande interesse em executar a tarefa proposta, a fim de expor às opiniões construídas com base nas pesquisas realizadas e nos debates em sala de aula.

Obteve-se como resultado, dezesseis apresentações diferentes, ainda que com temas iguais, trazendo crítica e reflexão sobre vários assuntos, que antes eram considerados difíceis de falar em sala de aula ou de formular uma opinião concreta.

O trabalho possibilitou também, nas apresentações, manifestações calorosas de identificação com temáticas trazidas o que acabou gerando mais conversa sobre os assuntos tratados e maior reflexão em torno da crítica, tornando o objetivo que traçamos como ponto de partida, que era desenvolver o senso crítico nos alunos, mais evidente.

Perante a falta de interesse do Ensino Médio tivemos apenas uma apresentação satisfatória, com um grupo de 04 alunos, que trouxe o desenvolvimento em torno da desigualdade social, bem construída e estruturada, de acordo com o que foi proposto a eles, respeitando tempo e demais características da prática do Slam. Demonstrando domínio quanto ao tema e citando as pesquisas elaboradas, conforme previa a proposta. Os demais alunos demostraram total despreparo e falta de interesse. O que nos leva a concluir que a idade dos indivíduos não tem relação com seu desempenho intelectual, apenas a vontade de aprender e aquilo que os motiva.

Tivemos alunos do ensino regular, de 13 a 17 anos, que demonstravam, no início do projeto, despreparo e falta de incentivo, com relação ao seus argumentos de teor critico, mas que quando desafiados e instruídos ao caminho do conhecimento, de como estar capacitado para se posicionar com autenticidade e segurança, alcançaram com êxito o resultado esperado, tornando- se detentores das suas palavras e dos seus próprios pensamentos, abrindo caminho para outros conhecimentos. E do outro lado tivemos alunos de 18 a 45 anos, maduros e experientes, mas desinteressados e desmotivados a frente de qualquer proposta trazida pelos professores.

Os estágios observados, foram totalmente diferentes um do outro. De um lado a Educação de Jovens e Adultos, com 17 alunos, que na teoria pode-se acreditar que estão lá por que não tiveram oportunidade quando mais novos e gostariam de adquirir aquilo que não puderam antes, o conhecimento. No entanto, nos deparamos com alunos que se encontravam em sala fisicamente apenas pela presença no diário de classe, mas não estavam presentes para nenhum tipo de aprendizado, amarrando o professor regente sempre a um ensino tradicional. De outro lado, uma escola de ensino regular, com quase 40 alunos por turma, jovens em formação, que quase sempre cedem ao temperamento instável, mas que nos surpreenderam de forma prazerosa com relação à proximidade com o gosto e a busca pelo conhecimento quando orientados. Sabemos que não se alcança 100% nesse aprendizado, mas não houve um aluno que não tenha tentado e foi valorizado por suas tentativas e esforços.

O que leva ao pensamento de que a base de ensino dos anos iniciais, ou seja, a educação desde o princípio da formação das crianças, e também dos jovens, precisa ser bem estruturada, afim de que estas especificidades, como a análise crítica e o seu desenvolvimento sejam exploradas desde cedo, tornando-os indivíduos pensantes e reflexivos.  E então, lá na frente não seja tão sentida a sua falta e possa ser desenvolvido outros aspectos, com mais afinco.

REFERÊNCIAS

D’ALVA, R.E. Um microfone na mão e uma ideia na cabeça – o poetry slam entra em cena.SynergiesBrésil nº 9 – 2011 pg: 119-126. Disponível em: <https://gerflint.fr/Base/Bresil9/estrela.pdf>. Acesso em: 29 de novembro de 2017.

DA SILVA, E.R. Rev. Brasileira de L ingüística A plicada, v.3, n .l, 57-184, 2003 57. O O desenvolvimento do senso crítico no exercido de identificação e escolha de argumentos. <http://www.scielo.br/pdf/rbla/v3n1/05.pdf >. Acesso: 07 de maio de 2018.

FREIRE, M. O que é grupo? .2011. Disponível em: <http://subsidiospj.blogspot.com.br/2011/03/o-que-e-grupo.html>. Acesso em: 29 de novembro de 17.

LEAL, L.C.G; A importância da poesia na formação de leitores. <https://editorarealize.com.br/revistas/eniduepb/trabalhos/TRABALHO_EV043_MD1_SA9_ID618_01072015122829.pdf > Acesso: 21 de maio de 2018.

SOUZA, C. P. de. Avaliação Escolar: Limites e possibilidades. São Paulo, 1994. Disponível em: <http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_22_p089-090_c.pdf.>. Acesso: 07 de maio de 2018.

STELLA, M.G.P. A Batalha da Poesia…O slam da Guilhermina e os campeonatos de poesia falada em São Paulo. Ponto Urbe, Revista do núcleo de antropologia urbana da USP. 17/2015. Disponível em: <https://pontourbe.revues.org/2836#entries>. Acesso em: 29 de novembro de 2017.

[1] Pós-graduanda em Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa e Literatura, Graduada em Licenciatura em Letras Português/Inglês.

[2] Graduada em História pelo Centro Pastoral Educacional e Assistência Dom Carlos (2005), especialista em Didática e Metodologia em Ensino Superior pela ESAP e mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2011).

Enviado: Julho, 2018.

Aprovado: Março, 2020.

5/5 - (1 vote)
Jaqueline Cristina Pacheco Dziedicz

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

POXA QUE TRISTE!😥

Este Artigo ainda não possui registro DOI, sem ele não podemos calcular as Citações!

SOLICITAR REGISTRO
Pesquisar por categoria…
Este anúncio ajuda a manter a Educação gratuita