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Responsabilidade internacional do estado e a violação dos Direitos Humanos sob o aspecto laboral em função da pandemia do Covid -19

RC: 61518
324
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/violacao-dos-direitos

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

BRITO, Clara Kelliany Rodrigues De [1], MATOS, André Pereira [2]

BRITO, Clara Kelliany Rodrigues De. MATOS, André Pereira. Responsabilidade internacional do estado e a violação dos Direitos Humanos sob o aspecto laboral em função da pandemia do Covid -19. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 10, Vol. 12, pp. 84-101. Outubro de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/violacao-dos-direitos, DOI:  10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/violacao-dos-direitos

RESUMO

Considerando a grande recessão da economia mundial, diversos estados por meio de seus governantes, visando o aumento dos índices econômicos por meio de uma corrida ávida por resultados, acabam violando diversos direitos humanos, passando por cima inclusive de direitos sociais que gozam de proteção internacional. Essa busca desenfreada por estabilidade econômica por meio do rápido crescimento se choca com o Direito do Trabalho que vem sofrendo de forma sistêmica diversas violações consagradas não só no Direito Interno como no Direito Internacional. O presente trabalho visa por meio de uma análise criteriosa demonstrar tais violações de direitos já consagrados internacionalmente em decorrência da pandemia do Coronavírus e a possível responsabilização internacional do Estado por tal conduta com base nas proteções internacionais de direitos humanos.

Palavras-chave: Direito Internacional, Proteção Internacional, Direitos Humanos, Responsabilidade Internacional, Direito do Trabalho.

INTRODUÇÃO

O final do ano de 2019 ficará registrado na história mundial pelo surgimento e rápida proliferação de uma nova espécie de vírus da família do Coronavírus (Sars-Cov-2), decorrente de uma mutação na já conhecida espécie viral que é responsável pela patologia denominada de Covid-19, causadora especialmente de uma síndrome respiratória aguda. Pouco se sabe de fato sobre essa nova patologia, motivo pelo qual existem diversos protocolos de saúde a serem seguidos conforme o desempenho e melhora de determinados grupos que recebem técnicas de tratamento diversas. O mundo da saúde corre em busca de uma vacina e protocolos eficazes para tratar e combater a patologia em tela.

A Organização Mundial de Saúde – OMS declarou situação de emergência de saúde pública de relevância internacional, reconhecendo a existência de riscos sanitários de propagações internacionais do vírus e exigindo, portanto, uma ação mundial coordenada para o enfrentamento da doença. Embora o mundo já tenha experimentado outras pandemias (como a gripe espanhola de 1918, a gripe suína de 2009) há diversos fatores que contribuem para que essa seja uma experiência única vivenciada pela sociedade internacional, especialmente, considerando o grande nível de globalização atual (em que a economia mundial é inter-relacionada), a necessidade de distanciamento e isolamento social visando diminuir o contágio, acabou por ocasionar uma retração econômica em diversos países, a escassez de alguns insumos e o interesse mundial comum por determinados utensílios (como os equipamentos de proteção individual, os testes do Coronavírus e os ventiladores utilizados para cuidados intensivos de pacientes graves).

É notório que esses pontos de tensão ensejam sérias reflexões sobre as repercussões do comportamento de determinados Estados no âmbito da responsabilidade internacional por violarem acordos, convenções e tratados internacionais perante a pandemia. É necessário analisar também de forma criteriosa as medidas internas adotadas pelos Estados que são compatíveis com a proteção internacional dos direitos humanos, como, por exemplo, a efetividade das medidas adotadas para proteger a vida e a saúde dos indivíduos frente à pandemia. Também se deve ponderar a compatibilidade de direitos humanos com eventuais medidas restritivas de direitos individuais para conter o avanço do vírus, assim como as políticas públicas e econômicas desenvolvidas para garantir os direitos econômicos e sociais básicos à população vulnerável.

Este trabalho pretende traçar um panorama da atual situação mundial e como alguns Estados estão se comportando frente a situação, narrando algumas violações e levantando algumas questões sobre a possível responsabilização do estado perante as cortes internacionais, em especial em questões relacionadas com o direito laboral.

1. DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO

A responsabilização do Estado ocorre por atos que violem a ordem jurídica e causem danos à própria existência do Estado de Direito, na medida em que a limitação do exercício do poder estatal por meio do estabelecimento de Estado regido conforme normas democraticamente estabelecidas. A responsabilidade estatal não se restringe às fronteiras nacionais, se aplicando também para o campo do direito internacional, mormente diante da crescente relação entre diversos povos e seus países, acarretando novos compromissos entre os Estados, em especial no que se refere à proteção dos direitos humanos.

Embora se trate de temática extremamente relevante à sociedade internacional, não há uma codificação do assunto em tratados internacionais específicos, estando a cargo da doutrina e da jurisprudência internacional aplicar entendimentos sobre o assunto. Sobre esse prisma, a Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas aprovou um texto contendo um projeto da Convenção Internacional sobre a Responsabilidade do Estado por ilícitos encaminhados para a Assembleia Geral da ONU para conferir a viabilidade de adoção do documento internacional, embora até a presente data ainda não se concretizou.

Logo para entender melhor o panorama da responsabilidade internacional do Estado, devemos entender esse instituto como meio para responsabilizar determinado Estado pela prática de um ato atentatório ao Direito Internacional, tais como os direitos ou a dignidade de outro Estado, ou mesmo contra indivíduos sujeitos à jurisdição, prevendo a necessidade de reparação pelos prejuízos e gravames injustamente causados (MAZZUOLI, 2016). Ademais, é importante destacar que a responsabilidade internacional é conceito intuitivo, já que “[…] na medida em que ações são praticadas violando direitos alheios, compete àquele que causou o dano o dever de repará-lo” (GUERRA, 2017, p. 181). Deste modo, podemos afirmar que se um Estado viola direito individual ou coletivo ele deve responder por sua conduta abusiva por meio da responsabilização internacional.

Existem duas principais teorias no tocante à natureza jurídica da responsabilidade internacional do Estado. São elas as de natureza subjetiva que defendem que só ocorrerá a responsabilidade internacional mediante a verificação de culpa ou dolo no comportamento imputado ao Estado. No outro prisma existe a teoria objetiva, que sustenta que a responsabilidade estatal decorre da mera prática do ato internacional ilícito, sendo desnecessário verificar os motivos do ato espúrio. Tem sido utilizada, especialmente, em casos relacionados à proteção internacional dos direitos humanos e do meio ambiente.

Vale ressaltar, que entre as principais formas de responsabilização internacional do Estado, estão elencadas as seguintes formas: a) responsabilidade direta, ou seja, aquela praticada diretamente pelo próprio Estado proveniente diretamente do governo ou de órgão governamental ou de quem o faça em seu nome; b) responsabilidade indireta ou subsidiária é aquela praticada por particular em decorrência da culpa da falta de fiscalização do Estado; c) por ação ou comissiva decorre de uma ação comissiva do Estado ou de seus agentes; d) por omissão, é aquela que decorre de uma omissão do Estado na prática de uma ato exigido pelo Direito Internacional, em relação ao qual ele tinha o dever jurídico de praticar (MAZZUOLE, 2016); e) responsabilidade convencional é aquela que resulta no descumprimento ou violação de um tratado internacional do qual o Estado supostamente transgressor seja parte; f) Responsabilidade delituosa, se dá quando o ato ilícito é praticado pelo Estado em razão de uma violação de uma norma proveniente do direito costumeiro internacional.

Ante ao exposto podemos afirmar que o Estado será sempre responsável quando da sua ação ocorrer a concretização de um ato ilícito segundo as diretrizes de Direito Internacional ensejando assim, o dever de reparação ao dano causado.

2. RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO EM VISTA DA PANDEMIA DO COVID – 19

O final do ano de 2019 ficará registrado na história mundial pelo surgimento e rápida proliferação de uma nova espécie de vírus da família do Coronavírus (Sars-Cov-2), decorrente de uma mutação na já conhecida espécie viral que é responsável pela patologia denominada de Covid-19, causadora especialmente de uma síndrome respiratória aguda. Pouco se sabe de fato sobre essa nova patologia, motivo pelo qual existem diversos protocolos de saúde a serem seguidos conforme o desempenho e melhora de determinados grupos que recebem técnicas de tratamento diversas. O mundo da saúde corre em busca de uma vacina e protocolos eficazes para tratar e combater a patologia em tela.

Conforme pesquisas em andamento o vírus teve origem na China, tendo como epicentro a cidade de Wuhan, no mercado de frutos do mar da cidade (indicando, segundo especialistas, que a mutação viral decorreu de transmissão entre animais exóticos e humanos), se espalhando rapidamente entre os humanos da cidade, culminando em diversas medidas restritivas pelo governo chinês.

Contudo, há alegações de que a demora em comunicar a existência da nova espécie viral e as restrições no acesso à informação e transmissão de dados científicos não permitiram que os demais países tivessem a exata dimensão do impacto do vírus que se avançava. Nos países ocidentais, o avanço e a letalidade do Covid-19, foram sentidos sensivelmente nos países europeus com ampla abertura para turismo, especialmente Itália, Espanha, França e Inglaterra. Com a proliferação desenfreada do vírus, a Organização Mundial de Saúde – OMS declarou situação de emergência de saúde pública de relevância internacional, reconhecendo a existência de riscos sanitários de propagações internacionais do vírus e exigindo, portanto, uma ação mundial coordenada para o enfrentamento da doença.

As medidas e recomendações adotadas não conseguiram frear a proliferação do vírus, se propagando de forma intercontinental e generalizada, levando a OMS a declarar no dia 11 de março de 2020 a contaminação do surto da Covid-19 de epidemia para pandemia, reconhecendo oficialmente que o vírus se espalhou por todo o mundo. Em abril de 2020, o novo Coronavírus já acumulava quase dois milhões de casos no mundo, espalhado por mais de 185 países, com mais de 1,2 milhão de mortos [3].

Embora o mundo já tenha experimentado outras pandemias (como a gripe espanhola de 1918, a gripe suína de 2009) há diversos fatores que contribuem para que essa seja uma experiência única vivenciada pela sociedade internacional, especialmente, considerando o grande nível de globalização atual (em que a economia mundial é inter-relacionada), a necessidade de distanciamento e isolamento social visando diminuir o contágio, acabou por ocasionar uma retração econômica em diversos países, a escassez de alguns insumos e o interesse mundial comum por determinados utensílios (como os equipamentos de proteção individual, os testes do Coronavírus e os ventiladores utilizados para cuidados intensivos de pacientes graves).

É notório que esses pontos de tensão ensejam sérias reflexões sobre as repercussões do comportamento de determinados Estados no âmbito da responsabilidade internacional, tais como a demora da China em notificar o surto de casos de síndrome respiratória, a retenção de itens médicos destinados a outros países pelos Estados Unidos da América – em um ato denominado de pirataria moderna, por parte das autoridades alemãs e igualmente criticado e denunciado por outras lideranças mundiais. É necessário analisar também de forma criteriosa se as medidas internas adotadas pelos Estados são compatíveis com a proteção internacional dos direitos humanos, como, por exemplo, a efetividade das medidas adotadas para proteger a vida e a saúde dos indivíduos frente à pandemia. Também se deve ponderar a compatibilidade de direitos humanos com eventuais medidas restritivas de direitos individuais para conter o avanço do vírus, assim como as políticas públicas e econômicas desenvolvidas para garantir os direitos econômicos e sociais básicos à população vulnerável.

Para além disso, é certo que outros questionamentos serão levantados sobre o comportamento do Direito Internacional, bem como dos Direitos Humanos em face da pandemia do COVID-19. Mas, para o momento, cabe-nos apenas analisar alguns pontos dessas repercussões em aspectos de responsabilidade internacional do Estado.

3. RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO POR VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS FRENTE A PANDEMIA DO COVID-19

A proteção internacional dos direitos humanos, tal qual conhecemos hoje, é fruto de um fenômeno extremamente recente na história da humanidade, tendo como plano de fundo os últimos movimentos do século XIX e XX, especialmente a de Revoluções Americanas e Francesa. Contudo, diversos acontecimentos sucederam para que fosse possível a existência autônoma de um ramo do direito destinado a conferir uma proteção internacional aos comportamentos violadores de direitos essenciais praticados no âmbito interno de cada Estado.

Embora, somente após a Segunda Guerra Mundial, como forma de aversão às colossais violações de direito e com o objetivo de evitar futuras ações dessa magnitude foi que o Direito Internacional dos Direitos Humanos começou a ganhar contornos e se apresentar como ramo autônomo do direito, construindo seus princípios e instrumentos hermenêuticos próprios, além de iniciar a positivação de suas normas em tratados e convenções internacionais que passam a vincular a ação interna dos Estados.

É importante destacar que o movimento de internacionalização da proteção dos direitos humanos foi lento, mais pode ser observado em eventos como o estabelecimento de regras mínimas aos conflitos armados (direito humanitário), os movimentos contrários a escravidão, a criação da Liga das Nações Unidas, trazida pelos vitoriosos do primeiro pós guerra, e a regulação dos direitos mínimos dos trabalhadores almejada pela Organização Internacional do Trabalho- OIT, que tem por finalidade a promoção da universalização dos princípios de justiça social na área do trabalho, notadamente mediante a cooperação internacional para melhoria das condições de vida do trabalhador garantindo o direito a um padrão justo e digno nas condições de trabalho. Sendo portanto, sua missão promover e assegurar o direito ao trabalho decente, a oportunidade para que homens e mulheres possam ter um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana, sendo considerado condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável.

Logo o Direito Internacional dos Direitos Humanos é o ramo do direito que confere proteção e estimula a promoção dos direitos que são essenciais e indispensáveis para que a pessoa tenha uma vida digna incidindo nos casos em que o direito interno não os tutelar de forma adequada ou não age para prevenir e reparar uma violação. É importante traçar a diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais, o primeiro se refere às normas internacionais, na medida em que eles se relacionam com o Direito Internacional Público; ao passo que os direitos fundamentais se encontram reconhecidos e positivados no direito interno do Estado.

Os direitos humanos possuem como características a universalidade, a inalienabilidade, a irrenunciabilidade, a imprescritibilidade, a indivisibilidade, a essencialidade, a complementaridade e a relatividade. A responsabilidade internacional do Estado por violação de Direitos Humanos é direcionada a analisar e apurar se os Estados adotarão todas as medidas internas necessárias para prevenir e punir eventuais violações de direitos humanos no seu território ou sobre sua jurisdição. Aqui o que se pretende é responsabilizar internacionalmente o Estado por meio de órgãos internacionais de direitos humanos.

Dessa forma, diante do contexto da pandemia do novo Coronavírus, uma série de medidas devem ser tomadas para salvaguardar os direitos humanos da população, notadamente o direito à vida e o direito à saúde. Também é indispensável que direitos econômicos e sociais sejam promovidos para a população mais vulnerável e mais impactada pela pandemia, cabendo ao Estado a adoção das medidas internas eficazes para atravessar essa fase.

Além disso, o enfrentamento da Covid-19 também exige que os Estados restrinjam alguns direitos individuais, mas devem fazê-lo somente na medida necessária e sem promover quaisquer distinções injustificadas entre a população. Tais limitações, contudo, devem ser compatíveis com a proteção internacional dos direitos humanos, e caso haja a suspensão de determinados direitos previstos em documentos internacionais, deve haver a imediata comunicação ao Secretário Geral da OEA ou da ONU.

Vale ressaltar, que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH, editou a resolução nº1/2020[4] em que trata sobre a pandemia e direitos humanos nas Américas. Trata-se de documentos internacionais destinados a orientar que a ação dos Estados do Continente Americano no combate ao novo Coronavírus sejam pautadas no respeito e promoção aos direitos humanos. Dessa forma, a CIDH estabelece diversas recomendações específicas para tutela de direitos humanos, com especial atenção na efetividade do direito à saúde e demais direitos econômicos sociais e culturais; na proporcionalidade e transitoriedade das medidas restritivas e na peculiar atenção que deve ser dispensada aos grupos vulneráveis – tais como idosos, crianças e adolescentes, população LGBT, afrodescendentes e pessoas com deficiência.

Portanto, caso os Estados não adotem as medidas internas necessárias para proteger e promover os direitos humanos na situação de pandemia, os indivíduos lesados ou representantes legais, após o esgotamento dos recursos internos, poderão pleitear a responsabilização internacional do Estado perante órgãos e tribunais internacionais de proteção de direitos humanos.

4. DIREITOS TRABALHISTAS NA SEARA INTERNACIONAL: RESPONSABILIDADE DO ESTADO EM CASO DE GRAVE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS EM FUNÇÃO DA PANDEMIA

Os direitos sociais são pilares fundamentais da historiografia e da percepção da efetivação dos direitos humanos. Tais direitos determinam um comportamento positivo e protetivo do Estado que deve garantir a não violação dessas garantias. Segundo, Ingo Sarlet: “Não se cuida mais, portanto, de liberdade do e perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado” (SARLET, 2012, p. 33). Partindo dessa premissa podemos afirmar que os direitos humanos, os direitos fundamentais e os direitos sociais em especial o ramo do Direito do Trabalho foram elevados a níveis internacionais de proteção. É importante ressaltar que tal proteção veio positivada na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (DUDH, 2010).

Tais garantias têm ganhado contornos cada vez mais importantes devido à atuação incessável da Organização Internacional do Trabalho – OIT, bem como a Declaração da Filadélfia, que tratou de traçar e resguardar aspectos inerentes às condições de trabalho na relação trabalhista. Um aspecto importante tratado na Declaração da Filadélfia é a desmercantilização do trabalho, primando em garantir ao trabalhador a liberdade de associação e negociação coletiva, eliminação de todas as formas de trabalhos forçados, a desigualdade e discriminação no emprego, além do banimento do trabalho infantil.

O artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgado pela ONU, em 1948, defende garantias de status internacional em seu corpo, onde todo homem tem direito (I) ao trabalho, sendo livre para escolher empregos com condições justas e favoráveis, de modo que haja uma proteção contra o desemprego; (II) a uma remuneração igual por um mesmo trabalho, sem qualquer distinção, que (III) seja justa e satisfatória capaz de assegurar, também a sua família, uma existência compatível com a dignidade humana; (VI) e a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.

É evidente que o texto assegurado em questão, esquematiza pilares dos Direitos Humanos e traz o direito do trabalho como plano de fundo devido seu caráter social. Porém a positivação dessas garantias em Cartas de Direitos Fundamentais de reconhecimento comunitário mundial, fortalece o discurso de que o trabalho é condição inerente à pessoa humana, no qual visa garantir o patamar mínimo civilizatório, sendo portanto inegável a associação do direito do trabalho como uma ramificação ou um braço vital para os direitos humanos.

Sobre essa perspectiva, o artigo 7º do Protocolo Adicional de San Salvador, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos defende que é dever dos Estados signatários garantir condições justas, equitativas e satisfatórias de trabalho, vinculando-se a garantir o gozo ao direito laboral e avalizando condições na adequação de normas do direito interno. Devendo ser assegurado, portanto, uma remuneração justa e equitativa aos trabalhadores, capaz de promover as condições básicas de subsistência digna da sua unidade familiar. Cabendo ao Estado desenvolver medidas legais, políticas e judiciais alinhadas às recomendações de documentos internacionais que são signatários, para avalizar a proteção do direito laboral. Logo, medidas de cunho econômico não podem restringir postos de trabalho ou promover qualquer maneira de enfraquecimento ou diminuição das redes e organizações de proteção aos trabalhadores.

Outro ponto importante a ser destacado, veio no corpo da Carta Internacional Americana de Garantias Sociais ou Declaração dos Direitos Sociais dos Trabalhadores adotada na Conferência Americana do Rio de Janeiro, datada de 1947, onde deixou recomendado a desmercantilização do trabalho, afirmando que o trabalho é uma função social que goza da proteção especial do Estado, não devendo ser considerado um artigo de comércio. Sendo, portanto, aplicado em todo seu território, sem qualquer distinção e sendo vedada qualquer forma de precarização da relação de trabalho. Para proteger tais prerrogativas existem diversos mecanismos normativos que promovem a aplicação e efetividade de tais direitos, sob a ótica protecionista dos organismos internacionais por meio de procedimentos próprios para penalizar o Estado que viole quaisquer das garantias internacionalmente impostas por meio de tratados ou convenções.

A proteção e imunidades garantidas ao trabalhador exige dos Estados a implementação dos instrumentos normativos de políticas internacionais em seu ordenamento interno, comprometida com a efetivação de direitos sociais acompanhado de medidas de políticas públicas que enaltecem as regras gerais e princípios de proteção ao trabalho.

Embora existam diversos protocolos e garantias internacionais a respeito dos direitos humanos laborais, houveram diversas violações a tais garantias no combate a pandemia do Covide-19 que afetou diversas categorias laborais, indo de encontro com as recomendações da Resolução nº01/2020 da OEA E CIDH, que traçou diversas recomendações para que não houvessem violações de garantias consagradas na ordem internacional. Que trouxe a seguinte recomendação: “…É importante tomar medidas que assegurem a renda econômica e os meios de subsistência de todos os trabalhadores, de maneira que tenham igualdade de condições para cumprir as medidas de contenção e proteção durante a pandemia” [5].

Tal recomendação vem sendo ignorada por diversos Estados devido ao baixo crescimento econômico e a crise que se agravou devido a pandemia,  levando diversos países a violar tais direitos garantidos em documentos internacionais. O enfrentamento da pandemia tem ocorrido de maneira desordenada e com danos irreversíveis para a população, países como o Brasil, Estados Unidos da América, Chile, Argentina, entre outros, tem precarizado os direitos dos trabalhadores com cortes significativos salariais sem a assistência dos sindicatos, colocando em risco a subsistência alimentar do trabalhador e da sua unidade familiar. Existem, ainda, situações mais preocupantes, como o aumento desenfreado do desemprego durante a pandemia sem qualquer fiscalização, deixando o trabalhador em situação de completa vulnerabilidade social e abandono.

Vale destacar, que essas medidas de precarização vem ocorrendo por meio de medidas provisórias com força de lei ou ainda por lei especial entrando em vigor na data das suas promulgações, inviabilizando qualquer planejamento mínimo das populações afetadas e contrariando o item 15 da resolução em tela “…As medidas econômicas, políticas ou de qualquer índole que sejam adotadas não devem acentuar as desigualdades existentes na sociedade”[6]. Tais violações têm sido manobradas e concretizadas pelo próprio Estado contrariando seu dever de garantir a inviolabilidade dessas prerrogativas de índole internacional.

O mesmo documento ainda trouxe em seu corpo que o Estado deveria garantir a inviolabilidade de tais direitos e promover o acesso de políticas garantidoras, como determina o item 16 “Assegurar a existência de mecanismos de prestação de contas e acesso à justiça ante possíveis violações dos direitos humanos, inclusive os DESCA, no contexto das pandemias e suas consequências, inclusive abusos por parte de atores privados”[7]. Tais posturas, vem demonstrando o completo desrespeito às garantias internacionais por parte dos países, que acarretará prejuízos insanáveis para a população afetada em um momento extremamente crítico para o mundo, que certamente alavancará futuras representações perante mecanismos e tribunais internacionais.

5. CONCLUSÃO

Após uma análise global sobre o cenário atual foi possível estabelecer algumas ponderações importantes sobre a violação de direitos humanos em função da pandemia do COVID-19 principalmente sob o aspecto laboral. Na seara dos direitos sociais, o direito laboral ocupa posição em destaque, principalmente sob a ótica do direito internacional, pois este possui uma organização internacional destinada somente para a proteção das normas a este vinculadas. A problemática abordada neste estudo teve como premissa analisar a conduta de diversos Estados que violam o protocolo de recomendação para o combate da atual pandemia, além das violações sistemáticas de normas internacionais consagradas no direito mundial.

Embora existam diversos protocolos e garantias internacionais a respeito dos direitos humanos laborais, houveram diversas violações a tais garantias no combate a pandemia do Covide-19 que afetou diversas categorias laborais, indo de encontro com as recomendações da Resolução nº01/2020 da OEA E CIDH, que traçou diversas recomendações para que não houvessem violações de garantias consagradas na ordem internacional. Foi estabelecido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos que a atuação dos países para frear a contaminação do vírus, seguissem diversas recomendações e que não desrespeitasse direitos consagrados, tendo em vista seus aspectos de irrenunciabilidade e inviolabilidade de tais direitos.

Foi estabelecido pela OEA E CIDH que as medidas estatais asseguram a renda econômica e os meios de subsistência de todos os trabalhadores, de maneira que fosse protegida a igualdade de condições para cumprir as medidas de contenção e proteção durante a pandemia. Sobre esse aspecto é inegável que a situação da pandemia agravou as condições de trabalho, aumentou os índices de desemprego, agravou a crise econômica mundial, levando a reflexos imensuráveis os danos à população afetada e a deixando em completo estado de vulnerabilidade. Pois as violações partiram exatamente dos chefes dos poderes executivos que precarizam as condições e relações de emprego indo completamente contra a recomendação mundial.

O que ficou evidente é que os países não estavam preparados e não possuíam um plano interno para enfrentar tal situação, vale frisar que não é a primeira pandemia que assolou o mundo, embora a falta de habilidade dos países evidencia que é necessário discutir essas questões e sanar tais falhas visando a possibilidade de futuras pandemias.

O enfrentamento da pandemia tem ocorrido de maneira desordenada e com danos irreversíveis para a população, países como o Brasil, Estados Unidos da América, Chile, Argentina, entre outros tem precarizado os direitos dos trabalhadores com cortes significativos salariais sem a assistência dos sindicatos, colocando em risco a subsistência alimentar do trabalhador e da sua unidade familiar.  As recomendações de enfrentamento da pandemia destacaram a importância a respeito das medidas econômicas, políticas ou de qualquer índole que sejam adotadas não devem acentuar as desigualdades existentes na sociedade bem como condições de acesso à alimentação e outros direitos essenciais.

Outro aspecto relevante se deu sobre as pessoas que tem que seguir realizando suas atividades profissionais devem ser protegidas dos riscos de contágio do vírus e, em geral, deve-se dar adequada proteção ao trabalho, salários, liberdade sindical e negociação coletiva, pensões e demais direitos sociais inter-relacionados com o âmbito trabalhista e sindical. Essas recomendações vêm sendo violadas de maneira sistêmica, agravando ainda mais a atual situação mundial.

Logo podemos concluir que tais posturas estatais vêm demonstrando o completo desrespeito às garantias internacionais o que acarretará prejuízos insanáveis para a população afetada em um momento extremamente crítico para o mundo que certamente alavancará futuras representações perante mecanismos e tribunais internacionais. Infelizmente, enquanto os países colocarem a economia ou questões mercadológicas em busca de poder e estabilidade financeira como prioridade em seus governos, será inevitável a violação de direitos e garantias protegidas pelos Direitos Humanos tornando o processo de evolução social e democrática cada vez mais vulnerável.

6. REFERÊNCIAS

DELGADO, M. G. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2016.

DUDH. Declaração universal dos direitos humanos de 1948. Organização das Nações Unidas, 2009. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por <acesso em 10/05/2020.

GONÇALVES, L. A. Direitos sociais. Cidadania, política e justiça. Rio de Janeiro: Sinergia, 2017.

MAZZUOLI, V. Curso de direito internacional público. 9ª. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

NUNES JUNIOR, F. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 450. ISBN: 978-8553609093.

PIOVESAN, F. Direitos sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos. Revista Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Human Rights University Network – SUR, ano 1, nº 1, p. 21-47, 2004.

RAMOS, A. Responsabilidade Internacional por Violação de Direitos Humanos: seus elementos, a reparação devida e sanções possíveis – teoria e prática do direito internacional. Prefácio Antônio Augusto Cançado Trindade. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

RESOLUÇÃO Nº 01/2020: Da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. < https://www.oas.org/pt/cidh/decisiones/pdf/Resolucao-1-20-pt.pdf > acesso em 23/06/2020.

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

WALKER, Patrick, et al. The Global Impact of COVID-19 and Strategies for Mitigation and Suppression. Abdul Latif Jameel Institute for Disease and Emergency Analytics, Imperial College London (2020).

WERNER, Sascha. Das Vorsorgeprinzip: Grundlagen, Maßstäbe und Begrenzungen. In: Umwelt- und Planungsrecht. Heidelberg: Verlagsgruppe Hüthig Jehle Rehm, 2001. Band 21. n. 9.

ZAGREBELSKY, Gustavo; TRAD GASCÓN, Marina. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia. 6. ed. Madrid: Trotta, 2005.

APÊNDICE – REFERÊNCIAS DE NOTA DE RODAPÉ

3. Johns Hopkins – coronavirus resource center: https://coronavirus.jhu.edu/ acesso em: 18 de maio de 2020.

4. Resolução 01/2020 OEA E CIDH: 4. Garantir que as medidas adotadas para enfrentar a pandemia e suas consequências incorporem de maneira prioritária o conteúdo do direito humano à saúde e seus determinantes básicos e sociais, os quais se relacionam com o conteúdo de outros direitos humanos, como a vida e a integridade pessoal, e de outros DESCA, tais como acesso a água potável, acesso a alimentação nutritiva, acesso a meios de limpeza, moradia adequada, cooperação comunitária, suporte em saúde mental e integração de serviços públicos de saúde, bem como respostas para a prevenção e atenção da violência, assegurando efetiva proteção social, inclusive, entre outros, a concessão de subsídios, renda básica ou outras medidas de apoio econômico.p.8: https://www.oas.org/pt/cidh/decisiones/pdf/Resolucao-1-20-pt.pdf acesso em 20/06/2020.

5. RESOLUÇÃO Nº 01/2020 da CIDH E OEA: 5. Proteger os direitos humanos, particularmente os DESCA, dos trabalhadores em situação de maior risco pela pandemia e suas consequências. É importante tomar medidas que assegurem a renda econômica e os meios de subsistência de todos os trabalhadores, de maneira que tenham igualdade de condições para cumprir as medidas de contenção e proteção durante a pandemia, bem como condições de acesso à alimentação e outros direitos essenciais. As pessoas que tenham que seguir realizando suas atividades profissionais devem ser protegidas dos riscos de contágio do vírus e, em geral, deve-se dar adequada proteção ao trabalho, salários, liberdade sindical e negociação coletiva, pensões e demais direitos sociais inter-relacionados com o âmbito trabalhista e sindical. p.8 <https://www.oas.org/pt/cidh/decisiones/pdf/Resolucao-1-20-pt.pdf> acesso em 23/06/2020.

6. RESOLUÇÃO Nº 01/2020 da CIDH E OEA: 15. Integrar medidas de mitigação e atenção focadas especificamente na proteção e garantia dos DESCA, dados os graves impactos diretos e indiretos que os contextos de pandemia e as crises sanitárias infecciosas podem gerar. As medidas econômicas, políticas ou de qualquer índole que sejam adotadas não devem acentuar as desigualdades existentes na sociedade. p. 9 <https://www.oas.org/pt/cidh/decisiones/pdf/Resolucao-1-20-pt.pdf> acesso em 23/06/2020.

7. RESOLUÇÃO Nº 01/2020 da CIDH E OEA: 16. Assegurar a existência de mecanismos de prestação de contas e acesso à justiça ante possíveis violações dos direitos humanos, inclusive os DESCA, no contexto das pandemias e suas consequências, inclusive abusos por parte de atores privados e atos de corrupção ou captura do Estado em prejuízo dos direitos humanos. Suspender ou aliviar a dívida externa e as sanções econômicas internacionais que possam ameaçar, enfraquecer ou impedir as respostas dos Estados para proteger os direitos humanos frente a contextos de pandemia e suas consequências, a fim de facilitar a aquisição oportuna de insumos e equipamento médico essencial e permitir o gasto público de emergência prioritário em outros DESCA, sem pôr em maior risco todos os direitos humanos e os esforços envidados por outros Estados nesta conjuntura, dada a natureza transnacional da pandemia. 19. Exigir e vigiar que as empresas respeitem os direitos humanos, adotem processos de devida diligência em matéria de direitos humanos e prestem contas ante possíveis abusos e impactos negativos sobre os direitos humanos, particularmente pelos efeitos que os contextos de pandemia e crises sanitárias infecciosas costumam gerar sobre os DESCA das populações e grupos em situação de maior vulnerabilidade e, em geral, sobre os trabalhadores, as pessoas com condições médicas sensíveis e as comunidades locais. As empresas têm um papel essencial a desempenhar nesses contextos e sua conduta deve ser guiada pelos princípios e regras de direitos humanos aplicáveis. p. 10 <https://www.oas.org/pt/cidh/decisiones/pdf/Resolucao-1-20-pt.pdf> acesso em 23/06/2020.

[1] Mestranda em Direito: Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Portucalense Infante D. Henrique (UPT) – Centro de Estudos Constitucionais e Gestão Pública – CECGEP; Especialista em Direito Público com Magistério Superior pela UNISEB Centro Universitário (União dos Cursos Superiores SEB LTDA); Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-UNIDERP; Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Anhanguera-UNIDERP; Graduada em Direito pela Faculdade do Maranhão; Advogada com proficiência em Direito Público atuando como Procuradora Municipal desde janeiro de 2013. Coordenadora e professora da Pós Graduação de Direito Municipal do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP/SVT Faculdade.

[2] Orientador. Doutorado em Relações Internacionais.

Enviado: Setembro, 2020.

Aprovado: Outubro, 2020.

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Clara Kelliany Rodrigues de Brito

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