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Tutela de evidência no processo arbitral

RC: 146078
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/tutela-de-evidencia

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

BRANDARIZ, Fernando [1], PRAZAK, Mauricio [2]

BRANDARIZ, Fernando. PRAZAK,  Mauricio. Tutela de evidência no processo arbitral. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 06, Vol. 04, pp. 56-71. Junho de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/tutela-de-evidencia, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/tutela-de-evidencia

RESUMO

Ainda que não exista risco de dano irreparável ou de difícil reparação, é certo que o tempo demandado pelo andamento processual causa danos marginais às partes litigantes, pois a demora entre a distribuição da demanda e a conclusão por decisão pautada em cognição exauriente é suficiente para causar diversos dissabores. O presente trabalho tem por finalidade analisar a possibilidade da utilização da tutela de evidência positivada no Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015, nos processos arbitrais disciplinados pela Lei 9.307/1996. Na Lei 9.307/1996, nos artigos 22-A e 22-B, estão disciplinadas as tutelas cautelares e de urgência, mas é silente em relação à tutela de evidência disciplinada na Lei 13.105/2015. Por meio de estudos doutrinários, vamos analisar a possibilidade do uso da tutela de evidência nos processos arbitrais regidos pelo direito brasileiro. O tema torna-se controvertido uma vez que a Lei 13.105/2015 disciplina a tutela de evidência nos processos judiciais, enquanto a lei que disciplina a arbitragem não aborda essa tutela. Primeiramente, faremos uma pequena explicação do que foi a denominada Operação Arbiter. Em seguida, comentaremos sobre a cláusula compromissória e o compromisso arbitral. No terceiro momento, analisaremos o direito processual aplicável à arbitragem, estabelecendo uma comparação entre o Código de Processo Civil e a Arbitragem em um terceiro tópico. No quarto tópico, abordaremos o fundamento constitucional da tutela de evidência, e no próximo tópico, será abordada a tutela de evidência. Por último, discutiremos a tutela de evidência na arbitragem.

Palavras-chave: Arbitragem, Tutela de evidência, Lei aplicável, Processo judicial, Pressuposto para a concessão.

1. INTRODUÇÃO

A iniciativa de modificar a Lei n.º 9.307/1996, que dispõe sobre arbitragem, oriunda do anteprojeto proposto por Carlos Alberto Carmona, Pedro A. Batista Martins e Selma M. Ferreira Lemes, como ápice da Operação Arbiter [3] , conduzida por Petrônio Muniz, em um primeiro momento preocupou a comunidade dedicada à arbitragem, em razão dos inegáveis avanços obtidos na matéria no período de vigência da lei original. Após duas décadas de vigência, a Lei de Arbitragem sofreu a sua primeira reforma com a promulgação da Lei n.º 13.129/2015.

Presidida pelo Ministro Luis Felipe Salomão e formada em sua grande maioria por pessoas que reconheciam a necessidade de manter as conquistas até então obtidas, a comissão de juristas encontrou espaço para tratar de temas que haviam sido atingidos com a maturidade como o arbitrabildade envolvendo entes públicos, a arbitrabilidade em conflitos societários, a interrupção da prescrição da arbitragem, a sentença parcial arbitral, um instrumento formal de comunicação entre árbitros e juízes estatais e as medidas urgentes na arbitragem, ficando silente quanto a tutela de evidência.

Foi promulgado, também, na mesma época, o Novo Código de Processo Civil, Lei n.º 13.105/2015, advinda, com modificações, do anteprojeto redigido pela Comissão de Juristas presidida pelo Ministro Luiz Fux e relatada pela Professora Teresa Arruda Alvim Wambier, trazendo várias novidades ao sistema processual civil brasileiro.

É pacífico que é impossível negar que existe uma convivência entre os dois sistemas (arbitral e processual da sede da arbitragem), especialmente por conta da previsão na própria Lei de Arbitragem, dos regulamentos de arbitragem e também das convenções de arbitragens. Talvez um dos pontos que não sejam tão perceptíveis seja no trato das tutelas de evidência.

As tutelas de evidência não representam uma inovação trazida pelo Código de Processo Civil de 2015, posto que já possuía previsão no Código de 1973, mas entendemos que o atual diploma processual deu maior amplitude e melhor regulamentação ao instituto.

A tutela de evidência tem como o principal escopo, redistribuir o ônus do tempo no processo quando existe significativo grau de certeza a respeito do direito de uma das partes.

Nos processos arbitrais é pacífico a possibilidade da aplicação das tutelas de urgência, seja cautelar ou antecipada, com caráter antecedente quanto incidental. É o que estabelece os artigos 22-A e 22-B introduzidos pela Lei n.º 13.129/2015 na Lei n.º 9.307/96 (Lei da Arbitragem).

Estabelece o art. 22-A: “Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência. 

Parágrafo único.  Cessa a eficácia da medida cautelar ou de urgência se a parte interessada não requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de efetivação da respectiva decisão”.

E o art. 22-B: “Instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário”.

A falta de harmonia entre o Código de Processo Civil e a Lei de Arbitragem no que se refere às tutelas de evidência ocorre porque o Projeto de Lei do Senado 406/2013, o qual emanou a norma que alterou a Lei de Arbitragem, tramitou antes da aprovação da Lei 13.103 de 16 de março de 2015, o Código de Processo Civil e, portanto, não integrou expressamente a estrutura das tutelas provisórias expressas no novo diploma processual civil  [4] .

Como podemos observar, a Lei de Arbitragem brasileira não dispõe sobre a concessão das tutelas de evidência e o presente trabalho abordará, a possibilidade ou não do seu uso nos processos arbitrais.

2. A OPERAÇÃO ARBITER

Após a criação do último anteprojeto do governo, um desânimo recaiu sobre os estudiosos da arbitragem, que haviam procurado, sem sucesso, contribuir para o aprimoramento dos trabalhos apresentados, aguardando que algum deles pudesse ser encaminhado ao Congresso Nacional.

Perceberam que dos setores governamentais não teria qualquer iniciativa de alteração radical do Código de Processo Civil, e portanto, deveria emergir da própria sociedade através das categorias interessadas em fazer romper as teias em que se achava enredado o instituto da arbitragem no Brasil.

Com esses fatos, no final de 1991, por iniciativa do Instituto Liberal de Pernambuco, lançou-se a Operação Arbiter, com a intenção de fazer discutir o instituto abandonado, elaborando anteprojeto de lei que, unindo a experiência prática aos conhecimentos científicos, pudesse preencher os anseios daqueles que precisam de um meio alternativo eficaz e célere para a solução de controvérsia.

Em 05.11.91 foi constituído um grupo de trabalho [12] para a apresentação do texto até dia 09.12.91. O anteprojeto foi apresentado no dia agendado, debatido e aprovado pelos presentes, recebeu sugestões, algumas incorporadas e o texto foi distribuído a todos os órgãos interessados para apresentação de novas sugestões e emendas.

O anteprojeto, na versão final, foi apresentado e discutido no Seminário Nacional sobre Arbitragem Comercial realizado no dia 27 de abril de 1992.

3. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA E COMPROMISSO ARBITRAL

No atual ordenamento jurídico a arbitragem pode ser convencionada tanto pela cláusula compromissória quanto pelo compromisso arbitral, nos termos do art. 3º da Lei 9.307/96.

Ressaltamos que os dois institutos de celebração tem o condão de instituir a arbitragem sendo, portanto, plenamente aptos a impedir ação judicial acerca da matéria que a convenção arbitral trata. Significa dizer que tanto a cláusula arbitral quanto o compromisso arbitral são prejudiciais ao mérito causa, desde que válidas e eficazes. [13]

A grande diferença entre a cláusula arbitral e o compromisso arbitral é o tempo, pois existindo a primeira não haverá a necessidade de posteriormente se firmar o segundo.

Está expresso no art. 4º, caput, da Lei de arbitragem – Lei 9.307/96 – que a cláusula compromissória é o ato consensual por meio do qual as partes decidem que futuras avenças serão submetidas ao juízo arbitral.

Por outro lado, o compromisso arbitral é o ato consensual a partir do qual as partes decidem submeter um conflito atual, concreto, à arbitragem, conforme determina o art. 9º caput, da Lei de arbitragem.

Conclui-se, portanto, que a cláusula compromissória e o compromisso arbitral versam sobre matéria que será apreciada pelo juízo arbitral, sendo a primeira referente a controvérsias futuras e a segunda a controvérsias presentes.

3.1 CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA

Determina o art. 4º, §1º da Lei de arbitragem que a cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserida tanto no próprio contrato quando em documento apartado. Destaca-se que no § 2 do art. 4º, se o contrato for de adesão é preciso que a iniciativa da arbitragem surja da parte aderente e ainda que a convenção conste um documento apartado e em termos negritados.

Tal observação de maior rigor quanto a instituição da arbitragem em contratos de adesão é justificado por ser a parte aderente considerada hipossuficiente. Portanto, um maior cuidado na elaboração da cláusula nessas situações é justificável. Isso porque a arbitragem é instituída por convenção, ato consensual, e em um consenso imagina-se que se esteja diante de partes em mesmo nível, equivalente.

Cláusula arbitral vazia é aquela que não possui em seu conteúdo as formas para se instituir a arbitragem. A parte se vincula a celebrar o compromisso arbitral sobrevindo controvérsia quanto a determinada matéria do contrato, mas não institui certos regramentos essenciais para se iniciar a arbitragem, tais como a câmara arbitral e a nomeação de árbitros.

Diante de uma situação concreta dessa, informações escassas acerca da instituição do juízo arbitral, determina o art. 6º da Lei de arbitragem, que é possível que as partes sejam intimadas para completarem seu compromisso arbitral em dia, hora e local marcado.

Ressalta-se que embora o artigo 6º da Lei de arbitragem mencione “compromisso arbitral”, o mesmo não é necessário para que a arbitragem seja instituída. Conforme mencionado anteriormente, a cláusula compromissória tem força vinculante entre as partes para se instituir a arbitragem. Dessa forma, se uma das partes procurar a outra, antes de ocorrer a controvérsia, para que sejam instituídos os requisitos da arbitragem, podem concluir o restante e não ocorrendo nenhuma controvérsia em concreto, não o que se falar em compromisso arbitral, somente cláusula compromissória.

A cláusula compromissória cheia é aquela que, firmada antes de alguma controvérsia, institui todas as condições necessárias ao início de uma arbitragem. A cláusula determina como deverá ser escolhido o árbitro, quais as normas a serem aplicadas, local em que ocorrerá arbitragem entre outras previsões.

A Lei de arbitragem não estabelece como condição da clausula arbitral as indicações quando a câmara, por exemplo, pois para o legislador basta a presença dos requisitos objetivos e subjetivos de arbitragem, não esquecendo da concordância da arbitragem para solucionar eventual controvérsia.

3.2 COMPROMISSO ARBITRAL

O compromisso arbitral, já conceituado anteriormente, pode ser judicial ou extrajudicial. Será judicial quando ocorrer a situação prevista no art. 7º da Lei de arbitragem, quando houver resistência quanto à instituição da arbitragem.

Em caso de cláusula compromissória vazia em que a parte não for localizada por via extrajudicial e, surgindo a controvérsia pode a outra parte, contratante, buscar o Poder Judiciário para firmar o compromisso arbitral e dessa forma, instituir a arbitragem. Pelo fato de a controvérsia ser atual e não futura, estamos diante de um compromisso arbitral e não cláusula arbitral.

O compromisso será extrajudicial quando firmado entre as partes diante de uma controvérsia concreta, por intermédio de um documento particular mediante a presença de duas testemunhas ou por instrumento público, sem a intervenção do judiciário.

4. DIREITO PROCESSUAL APLICÁVEL À ARBITRAGEM

O processo judicial é marcado pelo princípio da territorialidade da lei processual, segundo o qual a lei processual aplicável ao processo judicial é, necessariamente, aquela em vigor no local em que o julgador exerce a jurisdição. Portanto, determina o art. 1º da Lei 13.105/2015, Código de Processo Civil, que não existe no processo judicial a possibilidade de as partes elegerem o direito processual aplicável ao caso.

Vejamos: “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código

O inverso é o que acontece da arbitragem, as partes possuem liberdade de eleger o Direito aplicável, não somente à convenção de arbitragem e ao mérito como também ao próprio processo arbitral.

Isso decorre do parágrafo primeiro do artigo 2º da Lei de arbitragem. E ressalta-se que a Lei da arbitragem brasileira não é a pioneira nessa autorização, pois a escolha do Direito aplicável ao caso concreto é amplamente reconhecida em diversos países.

Determina o artigo 2º: “A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes.

§1ºPoderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública”.

5. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A ARBITRAGEM

Reforçamos que a arbitragem não se submete ao princípio da territorialidade da lei processual, portanto, as partes podem eleger o Direito processual aplicável. Como é raro as partes elegerem o Direito processual aplicável ao processo arbitral, cumpre essas ficarem atentas ao Direito processual da sede da arbitragem, não podendo esquecer de se atentar, também, às disposições de ordem pública processual.

Portanto, a indagação que fica é: o Código de Processo Civil se aplica à arbitragem sediada em território brasileiro?

O procedimento disciplinado no Código de Processo Civil não se aplica, obrigatoriamente e automaticamente, à arbitragem  [3]. Portanto, o prazo e a forma de apresentação de defesa no processo judicial, o disposto no Código de Processo Civil, não serão aplicados na arbitragem. Será praticado o procedimento descrito na convenção de arbitragem, no regulamento de arbitragem ou no termo de arbitragem. Ocorrendo a omissão das partes, ficará a cargo do arbitro definir o procedimento. Portanto, a ordem e o rito de colheita das provas descrito no Código de Processo Civil não incidirão na arbitragem.

Não obstante essa inaplicabilidade do procedimento descrito no Código de Processo Civil à arbitragem, os sistemas arbitral e processual não são completamente independentes. Existe uma proximidade entre a arbitragem e os institutos processuais reconhecidos na sede da arbitragem. Significa dizer que o procedimento descrito no diploma processual civil estatal não se confunde com os institutos processuais reconhecidos na sede da arbitragem, alguns deles previstos nos códigos de processo civil e outros não.

6. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DA TUTELA DE EVIDÊNCIA

O inciso XXX, do art. 5º, da C.F., ao determinar que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, por óbvio, protege não só a lesão, mas também a ameaça a direito. Portanto, legitima a concessão da tutela de evidência.

Também encontra fundamentação constitucional no inciso LXXVIII do mesmo artigo 5º da C.F., segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Dessa forma, diante do preceito constitucional que garante a celeridade da tramitação e a razoável duração do processo, não há porque retardar a entrega da prestação jurisdicional.

Concluímos que quando a Constituição garante o acesso ao Poder Judiciário, está assegurando também uma resposta efetiva e em tempo hábil.

7. TUTELA DE EVIDÊNCIA

A tutela de evidência está regulamentada no artigo 311 do Código de Processo Civil como sendo uma das modalidades de tutela provisória, ao lado das tutelas de urgência (cautelar e antecipada). A tutela de evidência é caracterizada pela sumariedade, provisoriedade e revogabilidade.

A sumariedade está relacionada ao conhecimento do juiz em relação às alegações e provas apresentadas pelas partes.  Em muitas situações não é possível e nem se mostra razoável que as partes aguardem todo o iter processual para que possam obter uma tutela jurisdicional que atendam aos seus interesses. Nessas hipóteses se fazem necessários provimentos judiciais aptos a evitar a ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação, bem como equalizar de forma justa o ônus do tempo no processo.

Portanto, as tutelas de evidência são proferidas em momento processual no qual ainda não ocorreu a cognição exauriente  [14], sendo o seu escopo justamente corrigir distorções entre a distribuição da ação e a prolação da sentença.

Por mais que a tutela de evidência seja pautada em um razoável grau de conhecimento do julgador a respeito do conflito existente entre as partes, não se pode afirmar que seja fundada em uma cognição exauriente, pois existe a possibilidade, remota, de que com os desdobramentos processuais futuros possa alterar o convencimento daquele que irá realizar o julgamento da demanda.

Por ser sumária, existe a característica da provisoriedade. Nessa questão, tendo em vista que tanto a tutela de urgência quanto a tutela de evidência são proferidas mediante cognição rasa, devem ser substituídas por uma decisão definitiva, pautada em cognição exauriente. Essa decisão definitiva poderá confirmar, modificar ou revogar a tutela de evidência eventualmente concedida.

Podemos dizer que a tutela de evidência se destina a antecipar provisoriamente a tutela requerida pelo autor quando ficar demonstrada a altíssima probabilidade de seu direito [4](algo ainda mais provável que o fumus boni iuris), sem que, para tanto, haja necessariamente qualquer urgência envolvida  [5] (periculum in mora não é um dos seus requisitos, portanto não precisa ser alegado.)

Arruda Alvim leciona que:

a tutela da evidência quer proteger o requerente que tem a seu favor uma flagrância tão grande do direito que justifica, como dito nos tópicos anteriores, a redistribuição do ônus de suportar o tempo do processo, mesmo sem situação de urgência[4].

O art. 311 do Código de Processo Civil prevê que:

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Examinando as situações hipotéticas previstas na norma, podemos concluir que é desnecessário dizer que as hipóteses são taxativas e que as situações que ensejam a concessão da tutela de evidência não são cumulativas. Significa dizer que não precisam estar todas presentes para o requerente da medida tenha o seu pedido acolhido. [6]

A primeira situação que a lei autoriza a concessão da tutela de evidência ocorre quando “ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório da parte”, inciso I do art. 311 do C.P.C. Essa hipótese pressupõe o legislador que atos praticados pelas partes que configuram ou que margeiam perigosamente os limites da má-fé processual e, como resposta para esse comportamento não adequado, estabelece a possibilidade de se concedida a tutela de evidência como forma de punição, sem prejuízo das sanções específicas estabelecidas para os casos de má-fé.

É necessário distinguir o abuso de direito de defesa e o manifesto propósito protelatório. Abuso de direito se refere a atos que a parte prática no processo, como alegações falsas, solicitações de diligências desnecessárias, insistência pela produção de provas inúteis ou pedido de sessões de conciliação sem que haja qualquer proposta razoável para a solução do litígio. O manifesto propósito protelatório refere-se ao comportamento das partes fora do processo, ocultação de bens, simulação de doenças, etc…

A segunda situação trata das alegações do autor que, cumulativamente [6], possam ser comprovadas apenas por prova documental e estejam alinhadas com decisões proferidas em casos repetitivos ou enunciado vinculante de súmula de jurisprudência. Nessa situação, não importa se a defesa do réu é consistente ou não [8] , sob o ponto de vista objetivo. Basta que esteja em sentido contrário à jurisprudência consolidada em súmula vinculante ou em julgamento de casos repetitivos para que o juiz possa conceder a tutela da evidência [9] , privilegiando o direito do autor demonstrado documentalmente  [10] .

Com relação ao inciso III, a redação do artigo diz “se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada de contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa”. Trata-se de procedimento específico do contrato de depósito, haja vista que diante da extinção do procedimento especial do depósito, haja vista que diante da extinção do procedimento especial do depósito, passou-se a admitir por meio do procedimento comum a obrigação de restituir o objeto decorrente desse tipo de contrato, art. 297 do Código de Processo Civil  [15].

Trata-se de hipótese muito específica, sendo a sua aplicabilidade eventualmente será menor em relação às demais. A previsão legal diz respeito ao inadimplemento de contrato de depósito, regulamentado pelos arts. 6271 [16]e ss. do Código Civil, no qual o autor da demanda faz pedido de natureza reipersecutória, objetivando reaver o bem até então não restituído ao réu.

Prevista no inciso IV, a última hipótese que o Código de Processo Civil admite o deferimento de tutela de evidência, diz que quando “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não se oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”. Ressaltamos que essa situação não se confunde com àquela em que há parcela da causa incontroversa, a autorizar o julgamento antecipado da lide, conforme determina o art. 356 do Código de Processo Civil [4].

No inciso em estudo, existe a controvérsia entre as partes, mas a defesa do réu não apresenta provas minimamente razoáveis para contrapor a força probatória dos documentos juntados pelo autor da demanda, gerando em favor desse uma quase certeza de seu direito. [5]

Nessa previsão, que somente poderá ser constatada depois da apresentação da contestação do réu, o julgador fará a comparação entre a petição inicial, seus documentos e a contestação e seus documentos. Sendo essa última insuficiente, em tese, para produzir a contraprova necessária a infirmar os argumentos do autor, poderá o juiz conceder a tutela de evidência com o escopo de redistribuir de forma igual o ônus do tempo no processo até que seja atingida a cognição exauriente.

Determina o parágrafo único do art.311, que “nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente”. Portanto, dispositivo permite, nessas hipóteses – incisos II e III- a concessão da tutela da evidência inaudita altera parte na hipótese em que as alegações do autor possam ser comprovadas documentalmente e estejam em linha com a jurisprudência consolidada dos tribunais, bem como na hipótese em que se tratar de inadimplemento de contrato de depósito. Porém, o Código de Processo Civil não admite a concessão liminar nos dois outros casos, já que se exige o abuso do direito de defesa (em regra pressupõe no mínimo a elaboração da contestação) e a insuficiência das provas trazidas pelo réu (novamente exige a apresentação de defesa).

A princípio, a tutela provisória de evidência somente comporta concessão em caráter incidental e não em caráter antecedente, como ocorre com a tutela provisória de urgência (antecipada ou cautelar). Portanto, em um primeiro momento, parece adequado dizer que a tutela da evidência serve apenas para antecipar o próprio bem jurídico pleiteado pelo autor, razão pela qual possui natureza sempre satisfativa.

Destacamos que em qualquer hipótese de concessão de tutela de evidência, caso haja confirmação em sentença, restará obstado o efeito suspensivo da apelação nessa questão, pois deverá ser aplicada a exceção prevista no artigo 1.012, §1º, V, do Código de Processo Civil, pois a tutela de evidência se enquadra como tutela provisória e que o legislador não limitou a exclusão do efeito suspensivo às tutelas de urgência.

Vejamos:

Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo.

§1º Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que:

I – homologa divisão ou demarcação de terras;

II – condena a pagar alimentos;

III – extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do executado;

IV – julga procedente o pedido de instituição de arbitragem;

V – confirma, concede ou revoga tutela provisória;

8. TUTELA DE EVIDENCIA NA ARBITRAGEM

Como dito anteriormente, a tutela de evidência representa a possibilidade de concessão da tutela provisória com base exclusivamente na demonstração da altíssima probabilidade de existência do direito, sem que, para tanto, seja indispensável demonstrar qualquer urgência (periculum in mora- não é requisito para a tutela de evidência).

A dúvida que devemos responder é se o tribunal arbitral poderia conceder a tutela provisória sem que houvesse qualquer urgência envolvida no caso.

Devemos entender que a partir da entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, o direito processual brasileiro passou a admitir a concessão da tutela provisória independentemente da existência de periculum in mora. Com efeito, a Lei de Arbitragem não estabelece requisitos para a concessão da tutela provisória e, portanto, não exige a presença necessariamente do periculum in mora, portanto, pode-se admitir a possibilidade do tribunal arbitral deferir um pedido de tutela provisória exclusivamente com base na altíssima probabilidade da existência do direito do requerente, sem que exista qualquer urgência envolvida.

O tribunal arbitral não seguirá o procedimento descrito no artigo 311 e tão pouco estará limitado aos requisitos dispostos nos incisos I a IV do Código de Processo Civil. A tutela provisória sem os requisitos de urgência – tutela da evidência na arbitragem – demandará apenas a verificação por parte dos árbitros da altíssima probabilidade da existência do direito da requerida medida. A decisão concessiva da tutela provisória nesses termos mantém a característica da provisoriedade, razão pela qual poderia ser alterada ou revogada a qualquer tempo.

Por outro lado, muito embora a Lei de Arbitragem faça menção em seus artigos 22-A e 22-B apenas às “tutelas cautelares e de urgência”, é pacífico o entendimento de que a tutela de evidência é aplicada no âmbito do procedimento arbitral, desde que, seja adotada a legislação processual brasileira como regra de direito aplicável.

Portanto, ocorrendo qualquer das hipóteses previstas no artigo 311 do Código de Processo Civil, o árbitro poderá conceder a tutela de evidência e, em caso de não cumprimento espontâneo pelo réu, deverá expedir carta arbitral solicitando ao juízo estatal as providencias necessárias para a sua efetivação, posto que o poder de constrição é restrito ao poder estatal.

Nessa situação, será expedida a carta arbitral – que se assemelha à carta precatória, nos termos do artigo 22-C, da Lei n.º 9.307/96 [17]com o objetivo de que o órgão jurisdicional pratique o ato ou determine o cumprimento do ato solicitado pelo árbitro.

Merece destaque o ponto que ao juiz estatal não cabe fazer qualquer juízo de pertinência ou viabilidade a respeito da medida determinada pelo árbitro para a efetivação do comando necessário ao cumprimento da tutela de evidência, pois a sua análise deve se limitar aos requisitos formais de legalidade da carta arbitral.

9. CONCLUSÃO 

O presente trabalho apresentou, de forma resumida, a tutela de evidência e seus requisitos descritos no Código de Processo Civil e sua aplicabilidade no processo arbitral.

Concluímos que a tutela de evidência é um importantíssimo instrumento à disposição dos jurisdicionados que tem a intenção de amenizar os aborrecimentos que o tempo demanda as partes. Determina a lei que para o julgador deferir a tutela de evidência, não é necessário a demonstração do periculum in mora, bastando para tal, a probabilidade acerca do direito de uma das partes evidenciado pela existência robusta de prova documental.

Muito embora a Lei de Arbitragem não faça referência expressa à tutela de evidência, sua aplicação é cabível no âmbito do processo arbitral desde que seja adotada a legislação processual brasileira como regra de direito aplicável.

REFERÊNCIAS

[3] CARMONA, C. A. Arbitragem e processo: um comentário à Lei n.º 9.307/96. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 9-289.

[4] SCAVONE JUNIOR, L. A. Manual de Arbitragem: mediação e conciliação. 6ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015. p. 176.

[5] ARRUDA ALVIM, J. M. Novo contencioso cível no CPC/2015. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 193-194.

[6] MEDINA, J. Novo código de processo civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 501-502.

[7] NERY JUNIOR, N; NERY, R. M. A. Código de Processo Civil Comentado e Legislação extravagante, 10ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 871-872.

[8] WAMBIER, T. A. A. et al. Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 524.

[9] MARINONI, L; ARENHART, S. C; MITIDIERO, D. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Editoria Revista dos Tribunais, 2015.  p. 322.

[10] MARINONI, L. G. A tutela cautelar e a tutela antecipatória. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,1992. p. 21.

[11] CONCEIÇÃO, M. L. L; RIBEIRO, L. F. S; MELLO, R. L. T. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 525.

APÊNDICES – REFERÊNCIAS NOTA DE RODAPÉ

[12] O grupo de trabalho foi composto por Selma Maria Ferreira Lemes, Pedro Antonio Batista Martins e Carlos Alberto Carmona.

[13] Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: (…)VII – acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência;

[14] Segundo Luiz Guilherme Marinoni, a cognição é “antes de tudo, uma relação entre sujeito (cognoscente) e o objeto(cognoscível). Esta relação entre sujeito e objeto se dá através da função intermediária da cognição. A cognição, inobstante, pode ser seu grau de intensidade (vertical) ou de amplitude (horizontal) diversificado, atendendo-se, diante da perspectiva, da efetividade do processo, à peculiaridade da pretensão do direito material a ser tutelada”. (MARINONI, Luiz Guilherme. A tutela cautelar e a tutela antecipatória. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,1992.p. 21)._

[15] art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.

[16] Art. 627. Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame

[17] Art. 22-C.  O árbitro ou o tribunal arbitral poderá expedir carta arbitral para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro. Parágrafo único.  No cumprimento da carta arbitral será observado o segredo de justiça, desde que comprovada a confidencialidade estipulada na arbitragem.

[1] Mestrando em Direito- área de concentração: soluções alternativas de controvérsias empresariais- pela Escola Paulista de Direito (EPD). LLM (Master of Laws) pela Escola Paulista de Direito. Pós graduado em direito empresarial pela Escola Paulista do Direito (EPD). Pós Graduado em direito processual civil pela Faculdade Metropolitana Unidas (FMU). Graduada em Direito pela Universidade Paulista (UNIP), membro da comissão de juristas do Senado Federal para estudos sobre a reforma no Código Comercial. ORCID: 0009-0006-4299-7592

[2]  Orientador. ORCID: 0009-0006-4299-7592. 

 Enviado: 02 de Fevereiro, 2023. 

Aprovado: 26 de Abril, 2023.

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Fernando Brandariz

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