REVISTACIENTIFICAMULTIDISCIPLINARNUCLEODOCONHECIMENTO

Revista Científica Multidisciplinar

Pesquisar nos:
Filter by Categorias
Administração
Administração Naval
Agronomia
Arquitetura
Arte
Biologia
Ciência da Computação
Ciência da Religião
Ciências Aeronáuticas
Ciências Sociais
Comunicação
Contabilidade
Educação
Educação Física
Engenharia Agrícola
Engenharia Ambiental
Engenharia Civil
Engenharia da Computação
Engenharia de Produção
Engenharia Elétrica
Engenharia Mecânica
Engenharia Química
Ética
Filosofia
Física
Gastronomia
Geografia
História
Lei
Letras
Literatura
Marketing
Matemática
Meio Ambiente
Meteorologia
Nutrição
Odontologia
Pedagogia
Psicologia
Química
Saúde
Sem categoria
Sociologia
Tecnologia
Teologia
Turismo
Veterinária
Zootecnia
Pesquisar por:
Selecionar todos
Autores
Palavras-Chave
Comentários
Anexos / Arquivos

A distribuição do ônus da prova nos processos de responsabilidade civil médica

RC: 147796
220
5/5 - (11 votes)
DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/responsabilidade-civil-medica

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

MATTOS, Dyuli Tainá de Oliveira Nunes [1]

MATTOS, Dyuli Tainá de Oliveira Nunes. A distribuição do ônus da prova nos processos de responsabilidade civil médica. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 08, Vol. 04, pp. 175-191. Agosto de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/responsabilidade-civil-medica, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/responsabilidade-civil-medica

RESUMO

Considerando os inúmeros processos indenizatórios que os profissionais médicos vêm sofrendo na última década, mostra-se relevante aprofundar-se na temática. Nesse sentido, o objetivo geral do presente trabalho foi explicar o motivo pelo qual não deve ocorrer a aplicação da legislação consumerista nos processos de responsabilidade civil médica. No entanto, caso seja necessária a alteração do ônus probatório, propõe-se a aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova. Este trabalho tem como objetivo demonstrar que essa relação não se trata de uma relação de consumo. Como metodologia a ser adotada para o estudo, será utilizada a abordagem dialética. Essa escolha se justifica pelo objetivo de promover discussões, com foco na argumentação e na provocação em relação ao tema em questão. Quanto à abordagem, optou-se pela abordagem qualitativa, levando em consideração o caráter exploratório da pesquisa. Como resultado da pesquisa observamos que é possível aplicar tanto a regra geral do Código de Processo Civil, como também a distribuição dinâmica do ônus da prova, devendo ser considerado para tal aplicação o caso concreto, visando equilibrar o encargo probatório a todas as partes.

Palavras-chave: Erro médico, Indenização, Distribuição dinâmica do ônus da prova.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda o ônus da prova e sua distribuição nos processos de responsabilidade civil médica. Além disso, analisa-se a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) na relação médico-paciente, bem como as condições necessárias para a inversão do ônus probatório com base no art. 6º, inciso VIII, do CDC.

A problemática surge quando os processos são ajuizados contra profissionais médicos, ocorrendo a aplicação do CDC e a inversão do ônus da prova em relação a eles. Isso ocorre com base em argumentos frágeis, muitas vezes não comprovados, como a verossimilhança das alegações ou a hipossuficiência técnica do autor, tendo como base apenas a suposta desvantagem técnica que o paciente teria em relação ao médico.

A relação médico-paciente sofreu alterações ao longo do tempo. A antiga ideia de um médico de família, aos poucos vai se perdendo, dando lugar a questionamentos (MIRANDA, 2023).

Um ponto positivo dessa dinâmica é que ela se torna mais informativa e questionadora, o que acaba por incentivar o médico a se tornar um profissional melhor, com o desejo de sempre estar atualizado e atento a novas descobertas e ideias. (MIRANDA, 2023).

No entanto, o lado negativo é o receio que surge em relação à própria profissão. Atribuir ao médico a responsabilidade por um resultado adverso pode ser injusto, dependendo da situação. Em casos extremos, essas pressões podem levar os profissionais a abandonar a carreira. A área da saúde infelizmente enfrenta muitos desafios diários, seja a pressão, o cansaço, o estresse, inclusive a depressão é um problema enfrentado pelos profissionais (ANAMT, 2015).

A metodologia é composta pelo conjunto de métodos que embasarão o desenvolvimento da pesquisa realizada (CONCEITO.DE, 2010). Como metodologia a ser adotada para o estudo, será utilizada a abordagem dialética. Essa escolha se justifica pelo objetivo de promover discussões, com foco na argumentação e na provocação em relação ao tema em questão (COELHO, 2021). Quanto à abordagem, optou-se pela abordagem qualitativa, levando em consideração o caráter exploratório da pesquisa. Quanto aos procedimentos, utiliza-se o método bibliográfico, uma vez que a pesquisa se baseia em obras de doutrinadores da área (NOVO, [s.d.]).

O objetivo geral do presente trabalho foi explicar o motivo pelo qual não deve ocorrer a aplicação da legislação consumerista nos processos de responsabilidade civil médica. Como objetivo específico, buscou-se elucidar a inviabilidade da inversão do ônus da prova em relação ao profissional e, caso ocorra, argumentar a necessidade de fundamentação adequada.

2. OBRIGAÇÃO DE MEIO E RESPONSABILIDADE SUBJETIVA

A obrigação do médico é de meio, ou seja, o profissional possui o dever de empregar todos os meios apropriados para obter o melhor resultado possível. No entanto, não está vinculado a garantir esse resultado, uma vez que a medicina não é uma ciência exata. Nem sempre o mesmo procedimento resultará em um resultado idêntico, apesar dos esforços empenhados. O resultado dependerá de diversos fatores, como os métodos utilizados, o organismo de cada paciente e o estágio de desenvolvimento da medicina naquele período (https://www.migalhas.com.br/depeso/318760/a-obrigacao-de-meio-e-de-resultado-do-medico).

Apesar de a literatura médica abordar as possibilidades de resultados adversos decorrentes de determinado procedimento, geralmente previstos nos termos de consentimento, esses eventos podem ou não ocorrer (MORETTI, 2023).

No entanto, é importante ressaltar que não é possível prever exatamente qual será o resultado (ALVES, 2019).

Diferentemente, na obrigação de resultado, o profissional obriga-se a uma finalidade determinada, caso essa finalidade não venha a se cumprir, a obrigação também não será satisfeita (COELHO, 2021).

Ademais, o médico como profissional liberal possui sua responsabilidade elencada no art. 14, § 4º do CDC, qual será averiguada mediante a apuração de culpa, conforme dispõe o referido artigo:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

[…]

      • 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa (BRASIL, 1990).

Assim, ele responderá por sua conduta se agir com imprudência, negligência e imperícia, conforme disciplina o art. 186, do Código Civil “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (BRASIL, 2002).

A imprudência é caracterizada como uma atitude sem cautela, fazer algo sem os cuidados necessários. Já a negligência é uma conduta omissa, em que deveria ter sido feito algo e não fez. E por fim, a imperícia é a falta de qualificação técnica, a falta de conhecimento necessário para a realização do ato. Assim, o médico só pode ser responsabilizado caso seja provada ocorrência de algum dos elementares da responsabilidade subjetiva (LESSA, 2019).

Dessa forma, não pode prevalecer a inversão do ônus da prova em face deste, pois sua responsabilidade é subjetiva, devendo o terceiro que se achar lesado provar sua culpa no caso concreto.

3. NÃO APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

A responsabilidade Civil médica é incompatível com a relação consumerista, todavia, a corrente majoritária de doutrinadores entende ser possível.

Nesse sentido é o entendimento de Eduardo Dantas, qual dispõe:

Assim considerados (e devidamente transplantados os conceitos para o caso em questão), temos que o paciente – ou usuário de serviços médicos – é o consumidor, para qual se presta um serviço (o ato médico de forma geral; uma consulta, uma intervenção ou qualquer outro tipo de procedimento), e o fornecedor é aquele profissional que desenvolve sua atividade, de forma remunerada, nos moldes do já mencionado artigo 3º (DANTAS, 2021, p. 72).

Em que pese o respeitável entendimento, o mesmo não deve prosperar, pois, conforme se observa, trata-se de um critério simplesmente literal, ao passo que paciente e médico se enquadram nos conceitos de consumidor e fornecedor.

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor em seu “Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” (BRASIL, 1990).

Ainda conceitua fornecedor como:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (BRASIL, 1990).

Assim, realizando apenas uma interpretação literal, poder-se-ia dizer que os conceitos de médico/paciente e consumidor/fornecedor se equivaleriam, todavia, é necessário se aprofundar na análise do caso concreto.

Alex Pereira Souza e Antônio Ferreira Couto Filho (2002, p. 40-43), ensinam que:

A relação médico/paciente não pode ser considerada mera relação de consumo. É preciso que se faça uma reflexão de transcendental importância de que o serviço de saúde é sui generis, posto que possui uma função social ímpar, incompatível com qualquer outra.

A vida e a saúde não são bens de consumo, não podendo ser comparadas a um produto qualquer. Também não podem ser vistas como serviços prestados oriundos da relação médico/paciente, até porque desta relação não são oferecidos bens de consumo.

Na decisão de saneamento do processo de indenização, às fls. 4.950-4.966, do feito nº 0841230-15.2019.8.12.0001, que tramita na 15ª Vara Cível, da Comarca de Campo Grande/MS, houve o entendimento pela não aplicabilidade do CDC, apesar da decisão ser posteriormente reformada por meio de Agravo de Instrumento, a respeitável decisão merece ser colacionada ao presente trabalho, in verbis:

Diante disso, no tocante ao possível erro médico e às respectivas responsabilidades das pessoas físicas dos profissionais requeridos, a relação jurídica mantida entre as partes litigantes encontra-se regulamentada pelo Código Civil, de modo que os ônus probante, a princípio, deve ser distribuído segundo as regras gerais estipuladas na legislação civilista (Código de Processo Civil), ou seja, incumbe ao autor provar os fatos constitutivos de seu direito e ao réu provar os fatos impeditivos, extintivos e modificativos do direito autoral, nos termos do artigo 373 do CPC.

Aliás, é cediço que a responsabilidade civil dos médicos é subjetiva, razão pela qual a responsabilização destes também depende da prova de culpa (em sentido lato). (CAMPO GRANDE, p. 4.950-4.966, 2021).

O referido código surge por uma necessidade de proteção à parte mais vulnerável, ou seja, o consumidor, dentro de uma relação pautada pelo lucro como regra. Daí decorre a necessidade de proteção ao mais vulnerável.

Nesse viés, ressalta-se que atividade médica não tem o lucro como base, em que pese o profissional prestar os seus serviços mediante contraprestação pecuniária, a remuneração está em segundo plano, em primeiro plano está a saúde e o bem-estar do paciente.

Nessa linha de raciocínio o capítulo I, XX, do Código de Ética Médica, dispõe: “A natureza personalíssima da atuação profissional do médico não caracteriza relação de consumo.” (CFM, p. 33, 2009).

Dessa forma, considerando os aspectos apresentados acerca da responsabilidade do médico, bem como o que dispõe o seu Código de Ética, não é possível prevalecer o entendimento de que a relação entre médico e paciente seja uma relação de consumo, pois difere dessa natureza. Portanto, não se pode simplesmente falar em equivalência literal.

4. DO NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA INVERSÃO

No que tange a vulnerabilidade do paciente, muito defendida por aqueles que seguem a corrente consumerista, esta, pode ser minorada justamente pelas informações prestadas pelo médico. O profissional deve ter um diálogo informacional de forma clara e objetiva com o seu paciente, fazendo com que este compreenda de forma satisfatória todos os riscos, objetivos, alternativas, reduzindo-se assim a vulnerabilidade do paciente, optando este por uma escolha esclarecida (FONSECA, 2016).

A atividade médica fundamenta suas diretrizes na saúde e na vida dos pacientes, ao passo que, na relação de consumo, a proteção do consumidor decorre do lucro da atividade mercantil. Portanto, a vulnerabilidade do consumidor difere completamente da vulnerabilidade do paciente.

Ademais, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece a responsabilidade objetiva para o fornecedor, o que significa que basta a comprovação da conduta, do dano e do nexo de causalidade para que este seja responsabilizado. Essa característica já evidencia a incompatibilidade com a relação médico-paciente, uma vez que a responsabilidade do médico é subjetiva, exigindo a comprovação da conduta praticada com culpa, do dano e do nexo de causalidade. É necessário provar a culpa do profissional, seja por imperícia, imprudência ou negligência.

Novamente, na decisão de saneamento do processo de indenização, às fls. 4.950-4.966, feito nº 0841230-15.2019.8.12.0001, entendeu o juízo na decisão de saneamento que o caso não comportaria inversão do ônus da prova:

No tocante à distribuição do ônus probatório, tem-se inviável a inversão do ônus da prova, porquanto não é razoável que numa obrigação de meio seja presumida a culpa do médico pelo fato de não ter atingido o resultado esperado, já que a medicina é ciência imprecisa e sempre sujeita à laivos de incerteza e aleatoriedade, ou seja, fatores externos que fogem do controle do profissional, como por exemplo, as reações do corpo humano. Também, extrai-se da narrativa fática apresentada na inicial que não existe uma hipossuficiência técnica ou econômica em desfavor da parte requerente para a produção da prova dos fatos constitutivos do seu direito. Nem tampouco referida prova é impossível ou muito difícil de ser realizada. Para tanto, basta atentar-se para o fato de que a parte requerente teve acesso a todo seu histórico clínico que está documentado em acervo que a companha a inicial. Há parecer técnico que também foi providência do extrajudicialmente e possibilidade de ser designada prova pericial judicial. Por isso, não se entende adequado para o deslinde da questão a inversão do ônus da prova, seja sob o fundamento do Código de Defesa do Consumidor (artigo 6º, inciso VIII) ou sob o fundamento do próprio Código de Processo Civil (artigo 373, § 1º) (CAMPO GRANDE, p. 4.950-4.966, 2021)

Em decisões conflitantes ocorre a inversão do ônus da prova em face do profissional, com fundamento no CDC, diante de uma verossimilhança das alegações, ou, quando o autor possui hipossuficiência técnica, isto é, quando a parte não possui o mesmo conhecimento técnico que o profissional.

Entretanto, tal aplicação é realizada sem maior fundamentação, sucede a inversão sem realmente apurar-se se houve o preenchimento dos requisitos no caso concreto, como se regra geral fosse.

Incutem ao médico o ônus da prova, apenas pelo fato deste ser um profissional, como se todos os profissionais devessem arcar o ônus probatório apenas por serem habilitados/qualificados em determinada área, o que se torna uma regra geral e não uma análise efetiva do caso concreto.

O que viola toda a sistemática processual constitucional, ao passo que todas as decisões devem ser fundamentadas, de acordo com o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

[…]

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação (BRASIL, 1988).

Como salientado não deve prevalecer a aplicação do CDC na atividade médica profissional, por ser incompatível com esta, logo a inversão do ônus da prova com base no codex também não merece guarida.

Entretanto, em casos excepcionais em que haja verossimilhança das alegações e hipossuficiência do autor de forma comprovada nos autos, o juízo de forma fundamentada poderá atribuir a inversão do ônus da prova, mas apenas em caráter subsidiário.

5. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E ÔNUS DA PROVA

No caso concreto deve prevalecer a regra geral do artigo 373, incisos I e II, do CPC, quais preceituam que, cabe a quem alega provar os fatos constitutivos de seu direito, e ao réu provar a inexistência do alegado direito, in verbis: “Art. 373. O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.” (BRASIL, 2015).

Assim, considerando os casos em que não fogem à normalidade e podem receber a aplicação da regra geral do ônus da prova sem qualquer prejuízo às partes, esta deve ser aplicada. Lucas Buril Macêdo e Ravi Medeiros Peixoto (2014, p 163), esclarecem que:

É possível, então, formularmos a seguinte construção: a teoria da dinamização probatória não invalida a distribuição estática, a qual funciona adequadamente na grande maioria dos casos. No entanto, se, no caso concreto, esta teoria não se mostrar adequada, gerando encargos excessivos para uma das partes, quando a outra tem melhores condições, impõe-se a dinamização.

Em casos excepcionais havendo necessidade com base na excessiva dificuldade de obtenção da prova por uma das partes, ou ainda, uma das partes possuir mais condições de produzi-la, o juízo, se valendo de decisão fundamentada, poderá alterar o ônus probatório com base no artigo 373, § 1º, do CPC, atribuindo a distribuição dinâmica do ônus da prova, conforme determina o referido artigo, in verbis:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

[…]

      • 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. (BRASIL, 2015).

A dinamização do ônus da prova dispõe que a parte que possuir maiores e melhores condições de arcar o encargo probatório deve fazê-lo, uma vez que a outra parte não possua os meios necessários.

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, em caso de responsabilidade médica aplicou a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, in verbis:

AGRAVO DE INSTRUMENTO PRELIMINARES DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE, INOVAÇÃO EM SEDE RECURSAL E FALTA DE INTERESSE AFASTADAS. Não havendo inovação em sede recursal ou falta de interesse, nem explicado pelo agravado o motivo de tais preliminares, devem ser elas afastadas. ERRO MÉDICO INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA E FINANCEIRA DOS AUTORES ART. 373, §1º DO CPC DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJMS. Agravo de Instrumento n. 1412475-32.2019.8.12.0000, Campo Grande, 3ª Câmara Cível, Relator (a): Des. Dorival Renato Pavan, j:29/05/2020, p: 04/06/2020) (CAMPO GRANDE, 2020).

No que tange aos argumentos que preconizam a inversão, em relação a falta de conhecimento técnico e que isso impossibilitaria o paciente fazer prova em seu favor, melhor sorte não assiste, ao passo que hoje existem vários meios que possibilitaram a sociedade a não serem mais dependentes exclusivos dos médicos.

Além da possibilidade de obter cópias do prontuário físico, os pacientes também têm acesso por meio da internet, utilizando um login e senha, nem todos os lugares conseguem oferecer essa acessibilidade ainda, mas alguns já disponibilizam (NASTRINI, 2022).

Inclusive, a todos os cidadãos brasileiros, estão disponíveis os serviços médicos públicos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), no qual àqueles pacientes que porventura se sentiram desassistidos ou prejudicados pelos serviços médicos ao qual foram submetidos, podem recorrer para obter outro diagnóstico e/ou tratamento (OLIVEIRA, 2020).

É possível fazer prova por meio de laudos, pareceres, perícias diretas e indiretas, fotos, assistência técnica, dentre outras, assim todos os meios estão à disposição do paciente que se ache lesado por algum atendimento prestado pelo profissional médico. A todo o jurisdicionado é permitido formular o pedido de atribuição das benesses da gratuidade processual, entretanto não há garantia que a todos haverá a concessão da Justiça Gratuita (CARVALHO, 2021).

Ademais no que tange a cognição do conteúdo, o seu entendimento pode ser facilitado por meio da assistência técnica médica, é um trabalho privativo realizado por médico, é um trabalho independente com a finalidade de avaliar a condição de saúde daquele que se encontre lesado por outra conduta médica. Este profissional emite um parecer técnico sobre a situação do paciente/requerente (EXPERMED., [s.d.]).

É fundamental para auxiliar no desenvolvimento do processo junto com o perito, mas sempre de forma independente a este, o profissional auxilia o juízo emitindo o seu parecer, e pode ser solicitado por qualquer das partes para atuar junto no processo (EXPERMED., [s.d.]).

Apesar da Jurisprudência entender que os seus honorários devem ser arcados pela parte interessada e não pelo Estado, já que é mera faculdade, a parte interessada poderá solicitar os seus serviços mediante contraprestação pecuniária.

Nessa linha de entendimento o Tribunal de Justiça de São Paulo já se posicionou no Julgado abaixo colacionado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA EM AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C.C. COMPENSATÓRIA POR DANO MORAL. DECISÃO QUE HOMOLOGOU CÁLCULO DO PERITO E RECONHECEU O EXCESSO DE EXECUÇÃO. INCONFORMISMO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. EXEQUENTE QUE TEVE OPORTUNIDADE DE IMPUGNAR OS CÁLCULOS PERICIAIS E OBTEVE RESPOSTA DO PERITO. PEDIDO DE INDICAÇÃO DE ASSISTENTE TÉCNICO.

IMPOSSIBILIDADE. INDICAÇÃO DE ASSISTENTE QUE É MERA FACULDADE DA PARTE, A QUEM CABE CUSTEAR OS HONORÁRIOS CONTRATUAIS. GRATUIDADE DE JUSTIÇA QUE NÃO IMPÕE AO ESTADO O DEVER DE PAGAR O ASSISTENTE TÉCNICO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. EXPRESSA VEDAÇÃO PELA DELIBERAÇÃO CSDP Nº 92/08. PRECEDENTES DO TRIBUNAL.

RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 210890485.2020.8.26.0000; Relator (a): Alberto Gosson; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III – Jabaquara – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 02/10/2020; Data de Registro: 02/10/2020) (CAMPO GRANDE, 2020).

Por fim, os profissionais médicos possuem seus Códigos regulamentares e de Ética próprios de sua categoria, não devendo sua atividade ser disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor, mas sim os de sua própria categoria, e no que faltar aplicar o Código de Processo Civil de forma subsidiária.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, diante do exposto, é possível concluir que a atribuição do encargo probatório depende do caso concreto, devendo este ser levado em consideração na distribuição do ônus da prova. Situações simples que podem ser resolvidas sem maiores produções de provas, na qual sua incumbência não onere excessivamente nenhuma das partes deve-se aplicar a regra geral do CPC, ao passo que não há justificativa para sua alteração.

Contudo, em casos complexos que demandem um conhecimento cognitivo acentuado, imprescindível para aferição de responsabilidade, em que o ônus probatório onere ao autor de modo a impossibilitar a produção de provas, deve-se aplicar a distribuição dinâmica do ônus da prova, tendo em vista o efetivo acesso à Justiça e a concretização dos direitos fundamentais do cidadão brasileiro.

REREFÊNCIAS

ALVES, Rodinei. Responsabilidade Civil Por Erro Médico – Entenda Como Funciona! Jus. Com. Br., 2019. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/76767/responsabilidade-civil-por-erro-medico-entenda-como-funciona>. Acesso em: 13 ago. 2023.

ANAMT – Associação Nacional de Medicina do Trabalho. As 10 carreiras que mais causam depressão. 2015. Disponível em: <https://www.anamt.org.br/portal/2015/11/18/as-10-carreiras-que-mais-causam-depressao/>. Acesso em: 13 ago. 2023.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Brasília, DF: Presidência da República, [1988]. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 26 fev. 2023.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [1990]. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm>. Acesso em: 26 fev. 2023.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República, [2002]. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 26 fev. 2023.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Brasília, DF:      Presidência     da        República,      [2015].            Disponível      em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 26 fev. 2023.

CAMPO GRANDE. Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. 3ª Câmara Cível. Agravo de Instrumento n. 1412475-32.2019.8.12.0000. Agravante: Shirley Maxilene Bernardo de Alencar. Agravado: Geraldo Antonio Barbier. Rel. Des. Dorival Renato Pavan. 2021. Disponível em: <https://esaj.tjms.jus.br/cposg5/show.do?processo.codigo=P0000HXV50000#?cdDocumento= 70>. Acesso em: 27 fev. 2023.

CAMPO GRANDE. Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. 15ª Vara Cível. Decisão de saneamento do processo n. 0841230-15.2019.8.12.0001. Requerente: Francisco Alves Neto. Requerido: Wilson Ayach. Juiz: Alessandro Carlo Meliso Rodrigues. 2020. Disponível em: <https://esaj.tjms.jus.br/cpopg5/show.do?processo.codigo=010022D880000&processo.foro=1&processo.numero=0841230-15.2019.8.12.0001&uuidCaptcha=sajcaptcha_4073c604428746389f22eee52b4841f0>. Acesso em: 27 fev. 2023.

CARVALHO, Fábio. A prova documental na ação de indenização por erro médico. OAB Subseção Santana, 2021. Disponível em: <https://oabsantana.org.br/a-prova-documental-na-acao-de-indenizacao-por-erro-medico/>. Acesso em: 13 de ago. 2023.

COELHO, Beatriz. Método dialético: saiba mais sobre esse método de abordagem. Mettzer, 2021. Disponível em: <https://blog.mettzer.com/metodo-dialetico/>. Acesso em: 13 ago. 2023).

COELHO, Natalia Bacaro. A obrigação de meio e de resultado do médico. Migalhas, 2020. https://www.migalhas.com.br/depeso/318760/a-obrigacao-de-meio-e-de-resultado-do-medico. Acesso em 28 de maio. 2023.

CFM – Conselho Federal de Medicina, Resolução CFM nº 1931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União, 2009. Disponível em: <https://portal.cfm.org.br/etica-medica/codigo-2010/>. Acesso em: 26 fev. 2023.

DANTAS, Eduardo. Direito Médico. 6. ed. Salvador: Editora JusPodvim, 2021, p. 544.

ESCOLA, Equipe Brasil. Metodologia de Pesquisa. Meu Artigo, [s.d.]  Disponível em: <https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/educacao/metodologia-de-pesquisa.htm>. Acesso em 10. fev. 2023.

CONCEITO.DE. Metodologia – O que é, conceito e definição. 2010. Disponível em: <https://conceito.de/metodologia>. Acesso em: 13 ago. 2023.

EXPERMED. Assistente técnico em perícia médica: Conheça 8 vantagens da contratação desse profissional. [s.d.]. Disponível em: <https://www.expermed.com.br/post/assistente-t%C3%A9cnico-em-per%C3%ADcia-m%C3%A9dica-conhe%C3%A7a-8-vantagens-da-contrata%C3%A7%C3%A3o-desse-profissional>. Acesso em: 13 ago. 2023).

EXPERMED. O que significa assistência técnica médica em ações judiciais?. [s.d.]. Disponível em: <https://www.expermed.com.br/post/o-que-significa-assistencia-tecnica-medica-em-acoes-judiciais>. Acesso em: 26 mar. 2023.

FONSECA, Eloisa. A Relação Médico-Paciente: o dever de informação e a responsabilidade civil pela perda de uma chance. Jusbrasil, 2016. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-relacao-medico-paciente-o-dever-de-informacao-e-a-responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance/306233175>. Acesso em: 13 ago. 2023.

LESSA, Priscilla Guimarães. Culpa médica. Migalhas, 2019. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/317282/culpa-medica>. Acesso em: 13 ago. 2023.

MACÊDO, Lucas Buril de. PEIXOTO, Ravi Medeiros. Ônus da Prova e a dinamização. Salvador: Jus Podivm, 2014.

MIRANDA, Victor. O que é um paradigma médico e quais os impactos desse conceito na relação médico-paciente?. Ayfa Iclinic/Blog, 2023. Disponível em: <https://blog.iclinic.com.br/paradigma-medico/>. Acesso em: 13 ago. 2023.

MORETTI, Isabella. Termo de consentimento: o que é?, para que serve e modelos. Via Carreira, 2023. Disponível em: <https://viacarreira.com/termo-de-consentimento/>. Acesso em: 13 ago. 2023.

NASTRINI, Vinicius. Prontuário eletrônico: para que serve, quais os tipos e como funciona. Sinaxys, 2022. Disponível em: <https://blog.sinaxys.com/prontuario-eletronico/>. Acesso em: 13 ago. 2023.

NOVO, Benigno Núñez. Metodologia De Pesquisa. Uol, [s.d.]. Disponível em: <https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/educacao/metodologia-de-pesquisa.htm>. Acesso em: 13 ago. 2023.

OLIVEIRA, Ana Paula de. SUS: o que é o Sistema Único de Saúde do Brasil?. Zelas saúde, 2020. Disponível em: <https://saude.zelas.com.br/artigos/sus>. Acesso em: 13 ago. 2023.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. 22ª Câmara de Direito Privado. Agravo de Instrumento n. 2108904-85.2020.8.26.0000. Agravante: Antonio Pedro Lorenzo Júnior. Agravado: Bv Financeira S/A – Crédito, Financiamento e Investimento. Rel. Des. Alberto Gosson. 2020.  Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cposg/search.do;jsessionid=22C646018B761F01C26A089B4641EE63. cposg3?conversationId=&paginaConsulta=0&cbPesquisa=NUMPROC&numeroDigitoAnoU nificado=2108904-85.2020&foroNumeroUnificado=0000&dePesquisaNuUnificado=210890485.2020.8.26.0000&dePesquisaNuUnificado=UNIFICADO&dePesquisa=&tipoNuProcesso= UNIFICADO>. Acesso em: 18 mar. 2023.

SILVA, Eduardo C. da Silva. Defesa jurídica do cirurgião plástico. Migalhas, 2019. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/300122/defesa-juridica-do-cirurgiao-plastico>. Acesso em: 18 mar. 2023.

SOUZA, Alex Pereira; FILHO, Antonio Ferreira Couto. A improcedência no suposto erro médico. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumem Juris, 2002.

[1] Graduação. ORCID: 0009-0005-2418-2472.

Enviado: 20 de março, 2023.

Aprovado: 30 de abril, 2023.

5/5 - (11 votes)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pesquisar por categoria…
Este anúncio ajuda a manter a Educação gratuita