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Estudo sobre os direitos humanos e reflexos na pós-modernidade

RC: 147103
608
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/reflexos-na-pos-modernidade

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

VISCONTI, Carlos Gustavo [1]

VISCONTI, Carlos Gustavo. Estudo sobre os direitos humanos e reflexos na pós-modernidade. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 07, Vol. 06, pp. 105-117. Julho de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/reflexos-na-pos-modernidade, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/reflexos-na-pos-modernidade

RESUMO

Este trabalho visa expor algumas considerações sobre os direitos humanos reforçando a ideia de um sistema composto por dimensões de direitos e com mutações na definição de Humano conforme a evolução histórica do pensamento da humanidade. O que se vê é uma construção de direitos, lembrando que não se comenta em limites temporais para as diversas conquistas da humanidade porquanto o que se tem é uma construção histórica sendo que existe um processo de continência entre as classes dessas prerrogativas fundamentais. Deve ser destacado ainda a análise dos Direitos Humanos e a mudança no conceito de Homem conforme existe a evolução do pensamento. Nessa sociedade de consumo e na pós-modernidade existe ainda a mesma razão e definição daquele homem ainda visto em Kant?

Palavras-chave: Direitos humanos, Dimensões de Direitos, Sociedade de Consumo, Pós-modernidade.

1. INTRODUÇÃO

No estudo da Humanidade difícil não fazer uma ligação necessária entre conceito dos Direitos Humanos e sua positivação sob a perspectiva histórica e a respectiva evolução de sua própria definição. Para se entender a raiz dos direitos humanos deve-se obrigatoriamente fazer uma construção sobre a definição de Homem durante a evolução histórica do pensamento. O que se vê é que as conquistas do Homem sempre advieram de lutas históricas em que se identificam as partes e os sujeitos em conflito. Ainda que haja a existência de uma Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas de 1948, indicando que todos nascem iguais e portadores de direitos, o que se vê é que a humanidade só tem assegurados seus direitos mediante lutas históricas.

Importante destacar os elementos comuns nessas lutas consistentes num objetivo de emancipar o indivíduo, desenvolvê-lo, promover a sua dignidade como pessoa humana visando uma sociedade mais justa e pacífica. A compreensão iluminista de um homem universal convergindo ideais de liberdade, igualdade e fraternidade inicialmente será que ainda tem pertinência na fase atual?  O conceito de Homem Universal ainda persiste? Será que estamos numa quarta dimensão?

O estudo tem caráter expositivo quanto aos reflexos da Teoria Geral dos Direitos Humanos e propor questões para uma resposta futura com o amadurecimento e reconhecimento sobre a perspectiva futura numa Pós-modernidade.

2. ORIGEM DIREITOS HUMANOS

A grande virada histórica se deu pela Revolução Francesa em que o Homem conquista e exige do Estado prerrogativas de liberdade, igualdade e fraternidade.

É a partir dessa ideia que Norberto Bobbio (2004) compreende que a associação de contextos históricos com as ideologias diferentes e necessidades específicas de grupos diferenciados de pessoas geraram a codificação dos Direitos Humanos: A Declaração dos Direitos Humanos.

Bobbio ainda aduz (2004) em sua obra, “A era dos Direitos”, que não há que se comentar numa única fundamentação para que se justifique a confecção da Declaração de 1948, caracterizando como uma devolutiva às infrações praticadas contra a Humanidade no segundo pós-guerra.

Com a Declaração dos Direitos Humanos há um resgate dos desejos mais primitivos da humanidade visando uma convivência coletiva harmônica e livre dos seres humanos. Conforme diz Bobbio:

Do ponto de vista teórico, sempre defendi—e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos—que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdade contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas (BOBBIO, 2004, p. 25).

Bobbio acaba mostrando que por movimentos e acontecimentos históricos, houve a necessidade de se concretizar pactos e tratados que possibilitassem uma garantia mínima de dignidade a qualquer indivíduo. É importante ressaltar que a ocorrência de vários fatores históricos colaborou para a positivação dos Direitos Humanos, entre eles, a Revolução Francesa. Norberto Bobbio (2004) acabou destacando fases ou dimensões de direitos humanos baseados no lema da Revolução Francesa, ressaltando que o “desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases” que são as três primeiras gerações/dimensões clássicas.

3. TERMO DIMENSÕES DE DIREITOS

Importante destacar que muitos nomes são dados para as fases indicadas de evolução dos direitos por Bobbio em 2004. Alguns dizem em gerações, dimensões, etapas, fases dos Direitos Humanos. O termo Dimensão acaba sendo mais adequado, pois enseja um aspecto de continência entre os direitos das respectivas classes. Quando se usa outros termos, pode gerar uma ideia de exclusão ou de que uma vez conquistado o direito, não existe mais a necessidade de relembrá-lo para as fases seguintes. A conquista dos direitos é diária e permanente no tempo.  A liberdade consistente na primeira fase pode ser discutida e levada para outras fases. A igualdade também. Ao se discutir sobre direitos a igualdade não se excluem as discussões sobre a liberdade. Portanto, todas as dimensões estão interligadas e contidas entre elas. São três dimensões de direitos e se questiona se há a quarta dimensão.

A primeira geração são direitos de natureza política e civil e foram reconhecidos para a tutela das liberdades públicas. A humanidade vinha de uma fase Absolutista em que havia uma concentração de poder numa so pessoa ou num grupo de pessoas. O que se busca é a não intervenção Estatal. Nessa primeira fase exige-se um não fazer pelo Estado. Proíbe-se o Estado de interferir na esfera intima e privada do cidadão.

Na relação entre indivíduo e Estado a liberdade do cidadão ganha protagonismo devendo o Estado se abster de executar determinados atos visando a preservação e o exercício livre dos direitos pelas pessoas. Existe a consagração da quebra do absolutismo para o Estado de Direito, com ênfase na busca da valorização do indivíduo e no estabelecimento de barreiras do poder do Estado (LAFER,1988, p.122).  Tornam-se destaques os direitos à locomoção, inviolabilidade de domicílio, correspondência dentre outros que se tornam invioláveis perante o próprio Estado.

Os direitos de segunda dimensão (não exclui a primeira) fazem parte do grupo das prerrogativas civis, sociais e políticos. Trata-se de uma grande conquista para a humanidade envolvendo a participação e exercício do Poder perante o Estado. O cidadão faz parte do Estado e exerce o poder mediante voto e pela deliberação dos interesses mediante representação. Nessa dimensão foca -se no bem-estar do indivíduo. Este relacionamento proporcionou o surgimento de direitos sociais. O objetivo era melhorar a qualidade de vida do indivíduo (BOBBIO, 2004). São amostras desses direitos as férias, decimo terceiro, aposentadoria, previdência dentre outros.

Por fim, vem o grupo de direitos de terceira geração, que corresponde aos direitos de fraternidade. Para a humanidade, não cabe apenas ao Estado a defesa de interesses individuais e sociais, mas também outro tipo de direitos, advindos de uma coletividade caracterizada pela urbanização e industrialização. Consagra-se os direitos difusos, coletivos e interesses individuais.

O que se vê nessas dimensões é a presença de positivação e universalidade do interesse do ser humano, que são marcantes para Bobbio o qual indica a dispensabilidade de fundamentação dos direitos humanos, que também rejeita de plano a existência de apenas um único e absoluto fundamento que justifique a existência de todos os Direitos Humanos. Bobbio discute a efetivação dos direitos humanos sendo dispensável defender a respectiva existência ou declaração porquanto ela é posta mediante os Diplomas Legais promulgados pelos Estados.

Como diz Bobbio a seguir:

Pois bem: dois direitos fundamentais, mas antinômicos, não podem ter, um e outro, um fundamento absoluto, ou seja, um fundamento que torne um direito e o seu oposto, ambos, inquestionáveis e irresistíveis. Aliás, vale a pena recordar que, historicamente, a ilusão do fundamento absoluto de alguns direitos estabelecidos foi um obstáculo à introdução de novos direitos, total ou parcialmente incompatíveis com aqueles. Basta pensar nos empecilhos colocados ao progresso da legislação social pela teoria jusnaturalista do fundamento absoluto da propriedade: a oposição quase secular contra a introdução dos direitos sociais foi feita em nome do fundamento absoluto dos direitos de liberdade. O fundamento absoluto não é apenas uma ilusão; em alguns casos, é também um pretexto para de fender posições conservadoras (BOBBIO, 2004, p. 15).

4. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Como características dos Direitos Fundamentais encontram-se a heterogeneidade bem como são abertos em suas definições. Bobbio discorre que os direitos humanos são heterogêneos e ainda assim se completam. Pode se comentar é que há direitos de liberdades, que são aqueles garantidos quando o Estado não intervém, como tem aqueles que são garantidos apenas com a intervenção do mesmo. Mais motivo indicando que as dimensões se misturam apesar de valores diferentes a serem garantidos.

Além disso, se fala que eles não são herméticos, uma vez que podem ser ampliados, justamente por serem variáveis. Salienta-se que a despeito de muitos direitos já se encontrarem no rol dos diplomas legais outros direitos fundamentais podem vir ou surgir diante de novas necessidades da humanidade, ou seja não existe algum direito que seja inato, mas todos podem ser construídos. Vale a pena trazer “in verbis “ensinamentos de Bobbio.

O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc. Direitos que foram declarados absolutos no final do século XVIII, como a propriedade sacre et inviolable, foram submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas; direitos que as declarações do século XVIII nem sequer mencionavam, como os direitos sociais, são agora proclamados com grande ostentação nas recentes declarações. Não é difícil prever que, no futuro, poderão emergir novas pretensões que no momento nem sequer podemos imaginar, como o direito a não portar armas contra a própria vontade, ou o direito de respeitar a vida também dos animais e não só dos homens (BOBBIO,2004).

4.1 EFETIVIDADE DOS DIREITOS HUMANOS

Podemos encontrar em Bobbio que os Direitos Humanos têm natureza de construções históricas, apresentando prerrogativas que mudam a todo tempo tendo um dinamismo muito grande estando todas aptas a serem aprimoradas e expandidas ilimitadamente. Quando se comenta em historicidade há o reflexo de que os direitos humanos não surgem de uma so vez porquanto sempre nascem circunstâncias que ensejam a ampliação da garantia e da segurança ao longo dos anos, conforme a necessidade dos povos, conforme já explanado.

Assim, para Bobbio, o que é direito fundamental numa fase histórica pode não ter a mesma natureza ou aspecto em outras épocas ou até mesmo para as respectivas nações. Cada Estado dentro de sua soberania tem a liberdade de estabelecer os valores que entendem como fundamental lembrando que os direitos podem mudar de aspectos de acordo com sua época ou nação.

Uma advertência é de importante destaque que não se pode involuir num processo já concretizado ou “humanizado”. Não se admite uma diminuição ou retrocesso no que foi conquistado pela Humanidade. Dessa forma, a despeito de o homem sempre estar avançando em vários setores de desenvolvimento os direitos fundamentais não podem deixar de ser prioridade devendo todo avanço ser adequado a à promoção da dignidade humana, não cabendo limites para sua proteção.

Todo o homem tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. No exercício de seus direitos e liberdades, todo o homem estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas. Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer direitos e liberdades aqui estabelecidos (BOBBIO, 2004, p. 13).

Portanto tão relevante a existência da declaração dos direitos quanto a efetivação dos mesmos para que haja um avanço na Humanidade. O que se depreende é que há muitos diplomas assegurando os direitos fundamentais, mas pouco se desenvolve sobre como se fazer para a efetivação dessas prerrogativas. A dúvida surge sobre como os indivíduos podem efetivamente usufruir dos direitos fundamentais em sua essência sem qualquer limitação ou restrição Estatal. Nesse sentido, ensina Bobbio a seguir:

Nada impede que se use o mesmo termo para indicar direitos apenas proclamados numa declaração, até mesmo solene, e direitos efetivamente protegidos num ordenamento jurídico inspirado nos princípios do constitucionalismo, onde haja juizes imparciais e várias formas de poder executivo das decisões dos juízes num ordenamento jurídico inspirado nos princípios do constitucionalismo, onde haja juízes imparciais e várias formas de poder executivo das decisões dos juízes. Mas entre uns e outros há uma bela diferença já a maior parte dos direitos sociais, os chamados direitos de segunda geração, que são exibidos brilhantemente em todas as declarações nacionais e internacionais, permaneceu no papel. O que dizer dos direitos de terceira e de quarta geração? A única coisa que até agora se pode dizer é que são expressão de aspirações ideais, às quais o nome de “direitos” serve unicamente para atribuir um título de nobreza. Proclamar o direito dos indivíduos, não importa em que parte do mundo se encontrem (os direitos do homem são por si mesmos universais), de viver num mundo não poluído não significa mais do que expressar a aspiração a obter uma futura legislação que imponha limites ao uso de substâncias poluentes. Mas uma coisa é proclamar esse direito, outra é desfrutá-lo efetivamente. A linguagem dos direitos tem indubitavelmente uma grande função prática, que é emprestar uma força particular às reivindicações dos movimentos que demandam para si e para os outros a satisfação de novos carecimentos materiais e morais; mas ela se torna enganadora se obscurecer ou ocultar a diferença entre o direito reivindicado e o direito reconhecido e protegido (BOBBIO, 2004, p.29).

Nesse interim, apenas a mera proclamação dos Diretos dos Homens não é suficiente. É necessário haver um destaque para encontrar mecanismos ou ferramentas para a prática das prerrogativas de liberdade e igualdade.  Por meio da evolução do indivíduo, a eficácia das medidas ou das ferramentas depende necessariamente do autoconhecimento e autorreconhecimento dos direitos. Indispensável a evolução da sociedade para buscar a eficácia dos direitos. O problema é que nos dias atuais vemos um flerte com medidas que visam flexibilizar e até mesmo de extirpar os direitos fundamentais, inclusive os sociais, colocando em xeque a democracia e a paz tão almejada. São obstáculos atuais que causam uma instabilidade social e que devem ser expurgados para não corromperem o sistema democrático.

A princípio, a enorme importância do tema dos direitos do homem depende do fato de ele estar extremamente ligado aos dois problemas fundamentais do nosso tempo, a democracia e a paz. O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem são a base das constituições democráticas, e, ao mesmo tempo, a paz é o pressuposto necessário para a proteção efetiva dos direitos do homem em cada Estado e no sistema internacional. Vale sempre o velho ditado — e recentemente tivemos uma nova experiência — que diz inter arma silente leges. Hoje, estamos cada vez mais convencidos de que o ideal da paz perpétua só pode ser perseguido através de uma democratização progressiva do sistema internacional e que essa democratização não pode estar separada da gradual e cada vez mais efetiva proteção dos direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e efetivamente protegidos não existe democracia, sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos que surgem entre os indivíduos, entre grupos e entre as grandes coletividades tradicionalmente indóceis e tendencialmente autocráticas que são os Estados, apesar de serem democráticas com os próprios cidadãos. (BOBBIO, 2004).

5. CONCEITOS MUTANTES E OS RESPECTIVOS ENCAIXES NA SOCIEDADE POS MODERNA

Estabelecido o conceito original dos Direitos Humanos como encaixá-los nessa sociedade da era pós-moderna?

Na análise do Direito dessas dimensões de prerrogativas do Humano, o que se percebe é que os conceitos mudaram durante os anos e que não se enquadram mais para os fatos ou fenômenos atuais.

Nessa construção de Direitos o que se observa é que a partir do século 20 aconteceu uma quebra nos conceitos com consequências impactantes nas relações, no Homem, na economia e demais setores. Houve uma mudança no Direito, nas relações sociais e na forma do Homem se identificar.

Conseguimos entender essa quebra a partir do livro intitulado “L`Ère du Vide” [A Era do Vazio, Ed. Gallimard, 1983], em que Lipovetsky traz uma análise dessa passagem ocorrida entre a fase de modernidade e a pós-modernidade, cuja transição teria se dado entre os anos 60/70, partindo do ponto de vista da quebra da autonomia do indivíduo que rompe com o mundo da tradição e suas estruturas de normalização. Há um novo individuo com preponderância do individual sobre o universal.

 “[…] a operação saber pós-moderno, com sua heterogeneidade, dispersão das linguagens e teorias flutuantes, não passa de uma manifestação do abalo geral, fluido e plural que nos faz sair da era disciplinar e que, assim fazendo, esvazia a lógica do homo clausus ocidental. É apenas nessa ampla continuidade democrática e individualista que se desenha a originalidade do momento pós-moderno, a saber, a predominância do individual sobre o universal” (LIPOVETSKY, 1983, p. 2)

Será que a liberdade Iluminista ou o Homem Universal de Kant ainda existe? Será que no avanço dos direitos fundamentais os interesses do homem mudaram?

O que se observa a partir de autores como Baumann e Lipovetsky é que com a ruptura sentida na década de 60/70 inicia-se o processo de crise do Humano na sua identidade e consequentemente para o Direito. As classificações apresentadas por Bobbio não se encaixam mais no momento presente.

O conceito de Direitos Humanos passa por problemas nessa nova configuração de sociedade. Podemos dar vários nomes para essa sociedade quais sejam sociedade liquida, sociedade do consumo, sociedade de risco, sociedade do cansaço e daí por diante.

O que se percebe é que a crise de conceito se da pela nova configuração da sociedade baseada no consumo e na globalização. Dentre infinitos motivos para a mudança de conceito, a globalização e o consumo são elementos a serem destacados nessa nova configuração social e de Direitos.

As relações acabaram sendo levadas para o lado do consumo e as pessoas passaram a ser produtos. A sociedade de hiperconsumo fica refém da busca pela felicidade justificando a aquisição de produtos e serviços. A felicidade acaba sendo associada ao que o individuo consome trazendo sensação de alegria de satisfação. Nesse sentido, Gilles Lipovetsky, comenta “in verbis”:

Realizando o ‘milagre de consumo’, a fase II dá origem a um poder de compra discricionário em camadas sociais cada vez mais alargadas, que podem aspirar, confiantes, ao melhoramento constante dos seus recursos; difundiu o crédito e permitiu à maioria das pessoas libertarem-se da urgência das necessidades imediatas. Pela primeira vez, as massas acendem a uma procura material mais psicologizada e mais individualizada, a um modo de vida (bens duradouros, atividades de lazer, férias, moda) até então exclusivo das elites sociais (LIPOVETSKY, 2007; p.29).

O sujeito de Kant da dignidade humana é atrofiado porque ele virou mercadoria. Isso porque, nessa sociedade de consumo o indivíduo é um consumidor antes de ser cidadão. A vestimenta de consumidor contamina totalmente a ideia de humano.

Kant trazia um Homem Universal, uma Lei Universal, o autor traduzia a lei universal do direito da seguinte forma: “age externamente, de modo que o livre uso do teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de cada um segundo uma lei universal” (Kant 2003 p 51).

O valor humano universal é substituído pelo valor da moeda ou da marca. Existe um reconhecimento na sociedade de pessoas como consumidores antes mesmo de serem considerados como cidadãos.

Cumpre salientar que concomitantemente nessa sociedade de consumo em que houve a transformação da vida humana em mercadoria a própria sociedade muda de formato transformando-se em liquida. Os indivíduos, segundo Baumann nesta sociedade acabam deixando de se comprometerem, temos indivíduos sem comprometimento com a própria vida tendo um racional totalmente esvaziado pela ideia de liquidez das coisas. O que se percebe é a fragmentação do humano não havendo mais um conceito por inteiro. Observa-se a fragmentação dos interesses.

A própria sociedade acaba tendo uma forma liquida não sendo mais solida. Conforme assevera Baumann in verbis:

As condições necessárias para garantir a sobrevivência humana (ou, ao menos, para aumentar suas probabilidades) deixou de ser divisível e ‘localizável’. O sofrimento e os problemas de nossos dias têm, em todas as suas múltiplas formas e verdades, raízes planetárias que precisam de soluções planetárias. (BAUMAN, 2015).

A crise dessa sociedade de consumo e liquida é ampliada com a globalização trazendo também uma ausência de identidade para o humano. Aquele projeto iluminista de direitos humanos acaba morrendo o que influencia a própria construção de uma nova ética nesse novo cenário fluido. O processo é globalizador.

A globalização se instala na sociedade como forma de se abolir com as fronteiras contudo ao mesmo tempo se apresenta com uma natureza perversa. O filosofo Milton Santos ensina que, a despeito de haver uma unificação do mundo com ações humanas que alcançam efeitos além de suas fronteiras a globalização acaba impondo também consequências perversas para a humanidade. Nas palavras de Milton “O espaço se globaliza, mas não é mundial como um todo senão como metáfora. Todos os lugares são mundiais, mas não há um espaço mundial. Quem se globaliza mesmo são as pessoas” (SANTOS, 1993).

Nesse processo de globalização a cultura acaba sendo transformada também o Professor de literatura Frederic Jameson demonstra preocupação com os efeitos da globalização objetivando uma homogeneidade sendo crítico dessa tendencia de homogeneidade, escreve:

se tudo é estético, não faz muito sentido evocar uma teoria distinta do estético; se toda a realidade tornou-se profundamente visual e tende para a imagem, então, na mesma medida, torna-se cada vez mais difícil conceituar uma experiência específica da imagem que se distinguiria de outras formas de experiência (JAMESON, 1994:120-121).

Com a globalização o mundo ficou pequeno e pequenos atos em locais distantes interferem e outros muito distantes incluindo civilização pequenas e periféricas trazendo mudanças nas relações tornando as mais complexas.  E como ficam os Direitos Fundamentais com essas mudanças? A globalização em certo sentido interfere na ideia de soberania exercida num certo local? Como resgatar a ideia da Lei Universal?

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do exposto a proposta do estudo é expor algumas considerações sobre os Direitos Humanos nesse novo contexto de globalização, sociedade de consumo nessa sociedade classificada como “pós-moderna ou liquida”.

O presente trabalho apresentou algumas considerações sobre os direitos humanos como conceito e características originais trazendo também questionamento sobre a mudança de perspectiva em relação a Humanidade que interfere exatamente nas definições de Homem e de seus respectivos direitos e deveres perante ele mesmo. Constata-se uma crise e conclui-se que os conceitos de Direitos Humanos originalmente definidos não se enquadram mais nessa fase de pós-modernidade, pois a própria definição de Homem e seus respectivos objetivos não são mais os mesmos.

Tem se vários fatores interferindo nessa crise como salientado acima e o que se apresenta é a existência da dúvida quanto ao rumo da Humanidade e de seus respectivos conceitos. Será que estamos num novo paradigma? Será que ainda não conseguimos ver qual é o Norte a ser seguido? Será que estamos diante da sexta extinção?

A Humanidade deve começar a se perceber melhor de forma real e menos digital e olhar os efeitos a longo prazo vindo a pensar na geração futura, lembrando que não precisa saber tudo, apenas ter um olhar cauteloso e de precaução sobre o presente e suas respectivas realidades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUMAN, Z. Vida Líquida, 9ª Edição, Austral: Paidos, 2015.

BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

JAMESON, Fredric. Espaço e imagem: teorias do Pós-Moderno e outros ensaios. Rio de Janeiro: Editora UERJ, 1994.

LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos. São Paulo. Companhia das Letras, 1988.

LIPOVETSKY, G. A felicidade paradoxal ensaio sobre sociedade de hiperconsumo. S. Paulo: Companhia das Letras, 2007. PRIMEIRA PARTE

______. A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Barueri: Manole. (Original publicado em 1983).

SANTOS, Milton. A aceleração contemporânea. In SANTOS, Milton et al. (Orgs.). O novo mapa do mundo. São Paulo: Hucitec, 1993.

[1] Mestrando pela PUC/SP. ORCID: 0009-0009-7658-9978. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/1966410463884958.

Enviado: 13 de junho, 2023.

Aprovado: 11 de julho, 2023.

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Carlos Gustavo Visconti

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