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O direito ao esquecimento e o recurso extraordinário (RE) no 1010606: decisão acertada ou retrocesso jurídico?

RC: 134673
192
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/recurso-extraordinario

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

CARDOSO NETO, Enéas [1]

CARDOSO NETO, Enéas. O direito ao esquecimento e o recurso extraordinário (RE) no 1010606: decisão acertada ou retrocesso jurídico? Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 12, Vol. 03, pp. 72-84. Dezembro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/recurso-extraordinario, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/recurso-extraordinario

RESUMO 

O Direito da Personalidade está previsto na Constituição Federal de 1988 (CF-88) em seu Art. 5o prevendo a proteção ao direito de imagem. Com o avanço jurisprudencial em se tratando dos Direitos da Personalidade foi se apresentado um novo desdobramento no que se trata de direitos personalíssimos e direito a dignidade humana no ordenamento jurídico pátrio, o Direito ao Esquecimento apresentado no Enunciado no 531 da VI Jornada de Direito Civil e nos julgados dos Recursos Especiais (REsp) nº 1.335.153 – RJ e  nº 1.334.097 – RJ dos casos Aída Curi e da Chacina da Candelária respectivamente, os quais tiveram como relator o Ministro Luis Felipe Salomão do STJ, entretanto, recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) votou em cede de Recurso Extraordinário (RE) no 1010606 em 2021, na área cível que tal direito não tem cabimento no ordenamento jurídico nacional. Assim nos surge a questão que norteia a presente pesquisa qual seja: A decisão proferida pelo STF em cede do RE no 1010606 de 2021 pode ser entendida como um retrocesso na garantia dos direitos fundamentais previstos no ordenamento jurídico pátrio ou a citada decisão foi acertado não sendo o Direito ao Esquecimento compatível com a Carta Magna de 1988? Tendo, pois, como objetivo principal debater questões que envolvem o Direito ao Esquecimento, outros desmembramentos que envolvem os direitos fundamentais e decisão do STF no Recurso Extraordinário (RE) no 1010606. Em termos metodológicos o presente estudo faz uso da pesquisa e revisão bibliográfica utilizando o método dedutivo. Conforme exposto ao longo dessa pesquisa não se pode afirmar de forma veemente que a decisão foi uma decisão acertada ou um retrocesso jurídico, mas que por envolver direitos fundamentais previstos constitucionalmente como Direito à Privacidade, Direito à Dignidade Humana,  Direito à  Publicidade, Direito à Informação, Direito à Memória, mesmo com a decisão da ilustre Corte Constitucional brasileira no Recurso Extraordinário (RE) no 1010606 tal decisão não inviabiliza e/ou impossibilita debates acadêmicos e doutrinários sobre a presente matéria, em virtude da sua grande importância.

 Palavras-chave: Direito ao Esquecimento, Recurso Extraordinário (RE) no 1010606, STF.

1. INTRODUÇÃO 

Atualmente vivemos em um período de constitucionalização do Direito, e em especial do Direito Civil, isso pode ser percebido nas questões de avanço jurisprudencial em especial no reconhecimento do Direito ao Esquecimento como direito personalíssimo com base no Enunciado no 531 da VI Jornada de Direito Civil: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento” (BRASIL, 2013), isso é vital para a efetivação dos princípios fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988 (CF-88) em especial a dignidade humana, entretanto, tal direito como todos existentes no ordenamento jurídico nacional guarda certas restrições o que nos remete o princípio do núcleo fundamental dos direitos humanos, pois, não se poderia aplicar tal direito em questões de grande relevância social, casos de interesse público, objetos de estudo como, por exemplo, nas violações de direitos humanos que ocorreram durante a Ditadura Civil-Militar brasileira (1964-1985), o Direito ao Esquecimento não poderia ser aplicado nesse caso em específico, caso contrário provocaria lesão a direitos fundamentais como o Direito à  Publicidade, o Direito à Informação, o Direito à Memória, além de causar insegurança jurídica.

Entretanto, recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou tal questão do Direito ao Esquecimento no ordenamento jurídico pátrio em sede de Recurso Extraordinário (RE) no 1010606 (BRASIL, 2021), com repercussão geral, firmado o entendimento de que o citado direito não seria compatível com a Carta Magna de 1988 (BRASIL, 1988), nesse contexto doutrinário e jurisprudencial sobre direito privado, direitos fundamentais, o entendimento do STF no RE no 1010606 (BRASIL, 2021) e a CF-88 (BRASIL, 1988) temos o objetivo principal da presente pesquisa que é debater questões que envolvem o Direito ao Esquecimento, outros desmembramentos que envolvem os direitos fundamentais e decisão do STF no Recurso Extraordinário (RE) no 1010606 para tentarmos responder a seguinte questão: A decisão proferida pelo STF em cede do RE no 1010606 de 2021 pode ser entendida como um retrocesso na garantia dos direitos fundamentais previstos no ordenamento jurídico pátrio ou a citada decisão foi acertada, não sendo o Direito ao Esquecimento compatível com a Carta Magna de 1988? Para tanto faremos uso da pesquisa e revisão bibliográfica utilizando o método dedutivo, buscando vários entendimentos sobre a temática em questão para alcançarmos um entendimento específico.

2. DIREITO AO ESQUECIMENTO

2.1 CONCEITO

De acordo com Marques (2008), o Direito ao Esquecimento é o direito que garante que os dados sobre uma pessoa somente serão conservados de forma a permitir a identificação do sujeito a eles ligado e apenas durante o tempo necessário às finalidades da recolha, direito a não ser encontrado, direito a não ser seguido, direito numa perspectiva mais ampla, acompanhado do direito de ser insensato em determinado momento da vida.

Tratando de um direito intrínseco ao ser humano, pois, se ninguém consegue lembrar-se de tudo o que aconteceu na sua própria vida, não pode permitir-se que a tecnologia, ainda que vantajosa, faça-o sem mais, atentando contra princípios e valores fundamentais.

Na qual, que se trata da possibilidade de a pessoa poder negar a divulgação em âmbito público de um fato ocorrido em determinado momento de sua vida que ela julgue ser inapropriado e que possa causar danos à sua honra.

Conforme Novelino (2008), o direito ao esquecimento é aquele inerente ao ser humano de não permitir que determinado fato, ainda que seja verídico, ocorrido em dado momento de sua vida, seja exposto ao público, causando-lhe transtornos ou sofrimento.

Nas ideias de Mattos e Matos (2012, p. 62):

Trata-se do direito das pessoas serem esquecidas por atos praticados no passado, em que evita a divulgação de crimes onde o indivíduo tenha sido condenado e até mesmo cumprido a pena ou até absolvido, dando assim a tutela da dignidade das pessoas, que já pagaram sua dívida para com a sociedade e merecem tratamento igualitário dos demais integrantes das sociedades, de forma a continuar sua vida normal.

Conforme Canário (2013), o direito ao esquecimento encontra-se inserido na disciplina de proteção à privacidade, cuja tutela, em aspectos gerais, é extraída dos artigos 5º X, XI, XII, da Constituição da República (BRASIL, 1988) e 21 do Código Civil (BRASIL, 2022). O chamado Direito ao Esquecimento incorpora uma expressão do controle temporal de dados, que preenche com o fator cronológico a atual tríade de ferramentas protetivas da privacidade, complementada pelos controles espacial e contextual.

2.2 CASOS EMBLEMÁTICOS

2.2.1 CASO MÁRIO COSTEJA GONZÁLEZ X GOOGLE

O advogado espanhol Mario Costeja González, que morava na cidade de Barcelona, iniciou sua luta para obter o Direito ao Esquecimento, quando por problemas financeiros o seu apartamento foi levado à hasta pública para pagamento de dívidas com a seguridade social espanhola, conforme se noticiou no jornal “La Vanguardia”, no ano de 1998, na página de anúncios de leilões públicos. No entanto, seu apartamento não precisou ser levado a leilão, pois, anteriormente a isto ele já havia pagado a dívida. (RODRIGUES JUNIOR, 2014).

Entretanto, esta informação permaneceu de forma contínua nos arquivos do jornal, sendo encontrada com a simples busca por seu nome. Em 2009 ele procurou o jornal para que fosse retirado da busca o seu nome ligado a este fato, não sendo atendido pelo jornal. Em 2010 procurou o Google espanhol fazendo o mesmo pedido e também não foi atendido. (RODRIGUES JUNIOR, 2014).

Vendo que não teria outra alternativa a não ser iniciar uma briga judicial contra às duas empresas, assim Mário o fez e esta luta judicial foi parar na suprema corte espanhola, que repassou o caso para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TUE), por considerar que a matéria envolvia a interpretação da Diretiva 95/46, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas naturais no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados.

Em decisão inovadora, o TUE decidiu que o Google deveria retirar a ligação entre o nome do Sr. Mario e a questão já citada, mas também afirmou que o “La Vanguardia” não seria obrigado a retirar o anúncio de leilão que havia em seus arquivos (EUROPA, 2014). A partir de agora, como diz o tribunal acima citado, quem quiser ver removida a informação sobre si dos resultados de pesquisa tem de fazer um pedido ao Google, que, por sua vez, analisa se a informação é de interesse público. Mas, como podemos observar, o próprio tribunal decidiu pelo Google, sendo levantada a hipótese de uma eventual censura, atribuída ao motor de busca.

O que é visto como um passo para proteger a utilização de dados pessoais pode ser considerado também uma porta para que alguém tente apagar o seu passado, a sua história. Exemplos mais comuns que têm sido dados: políticos que não querem ver o seu nome associado à determinada informação, criminosos que pedem para o seu crime ser eliminado da história online (BURGOS, 2014).

Caso esse julgamento fosse colocado em âmbito nacional, observaríamos a dicotomia entre o artigo 5º da CF em seus incisos V e X (BRASIL, 1988), que dissertam sobre direitos individuais como imagem a honra e a vida privada e o artigo 12º do Código Civil, que disserta sobre os direitos da personalidade, com os incisos IV, IX e XIV (BRASIL, 2002) que dissertam sobre a liberdade de imprensa, manifestação do pensamento, acesso à informação entre outros.

2.2.2 CASO CHACINA DA CANDELÁRIA

Este foi o primeiro julgado que abordou o Direito ao Esquecimento no STJ. A Chacina da Candelária aconteceu em 1993 no Rio de Janeiro, em frente à Igreja da Candelária. Numa madrugada de julho, policiais à paisana abriram fogo contra as cerca de 70 crianças e adolescentes que dormiam nas escadarias da igreja. Várias ficaram feridas e oito morreram. Três policiais foram condenados pelo crime e dois foram absolvidos (CANÁRIO, 2013).

Neste caso o acusado de ter participado da Chacina da Candelária, obteve como decisão da 4ª Turma do STJ a condenação da Rede Globo de televisão a pagar R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) de indenização por danos morais. Entendeu o STJ que a menção de seu nome como um dos partícipes do crime, mesmo esclarecendo que ele foi absolvido, causou danos à sua honra, já que ele teve o direito de ser esquecido reconhecido. (RIO DE JANEIRO, TJRJ, AC 2008.001.48862, 2008, p. 1-2)

Acerca desse contexto, Novelino (2008, p. 71) fala que:

O homem, que negara entrevista à atração, disse que foi prejudicado com a exposição, perdendo “seu direito à paz, [ao] anonimato e [à] privacidade pessoal”. Ele relatou que não conseguiu mais emprego e teve de se mudar do local onde vivia, para não ser morto por “justiceiros”. Já a Globo disse que o programa tratou de um acontecimento relevante e de interesse público, limitando-se a narrar fatos. O direito ao esquecimento, para a emissora, sobrepujaria seu direito de informar. Segundo a defesa, ocultar o nome do autor do processo e de outros inocentados pelo crime “seria o mesmo que deixar o programa jornalístico sem qualquer lógica, pois, um dos mais relevantes aspectos que envolveram o crime foi justamente a conturbada e incompetente investigação promovida pela polícia.

Mais uma vez observamos um choque de direitos fundamentais de lado o direito do acusado em ter seu nome esquecido, já que dentro do processo legal, ele teve direito ao contraditório e foi absolvido da acusação, assim sendo, não possui nenhum vínculo com o caso em questão, de outro lado, a imprensa em sua autonomia e liberdade, que traz à tona um caso brutal, e acaba por levantar e mostrar todos os envolvidos citados na época.

Nas ideais de Greco (2014), este conteúdo exposto em rede nacional de fato é problemático, ora vejamos, se até um preso condenado tem direito segundo o ordenamento jurídico brasileiro ao esquecimento do crime cometido (o art. 93 do CP prevê o direito à reabilitação do condenado dois anos após o cumprimento da pena ou a extinção da punibilidade, desde que preenchidas algumas condições (BRASIL, 1940), e o art. 748 do CPP assenta que depois de quatro ou cinco anos o registro da condenação será visível apenas quando solicitada por juízo criminal, para efeitos de reincidência (BRASIL, 1941)) porque um homem que não cometeu crime algum e cumprido todos os parâmetros do cumprimento do devido processo legal, não pode usufruir deste mesmo direito?

O acórdão deste processo relata esta problemática da seguinte forma segundo as ideias de Mattos e Matos (2012, p. 53):

Se o direito ao esquecimento vale para os que já pagaram por crimes que de fato cometeram, com tão maior razão se deve observá-lo em favor dos inocentes, involuntariamente tragados por um processo kafkiano de eventos por si só nefastos para sua vida pessoal, e que não se convém revolver depois que, com esforço, a vítima logra reconstruir sua vida. Não vejo como concluir que nosso ordenamento jurídico, que protege o direito de ressocialização do apenado e o direito do menor infrator, não proteja, com tão mais razão, a vida privada do inocente injustamente acusado pelo Estado.

E mais uma vez podemos utilizar como argumento em defesa do exposto à Constituição Federal em seu artigo 5º incisos V e X (BRASIL, 1988) no que tange a defesa de direitos fundamentais inerentes ao homem de forma individual.

2.2.3 CASO AÍDA CURI

Familiares da jovem que morreu vítima de estupro em 1958 evocaram o direito ao esquecimento para pedir uma reparação na justiça depois que a TV Globo resgatou a história de Aída Curi no programa, “Linha Direta”. Os irmãos da jovem alegaram que a reportagem trouxe de volta sentimentos de dor diante do crime. Os ministros do STJ consideraram que a divulgação da foto da vítima, mesmo sem o consentimento da família, não configurou abalo moral indenizável (CANÁRIO, 2013).

2.2.4 CASO: XUXA X GOOGLE

Na década de 1990, a apresentadora Xuxa conseguiu tirar das locadoras do país o filme “Amor Estanho Amor” (1979), no qual ela protagoniza cenas eróticas com uma criança. As imagens foram parar na internet e, em 2010, a apresentadora entrou com uma ação que buscava impedir o site de buscas Google de listar resultados referentes aos termos “Xuxa”, “pedófila” e semelhantes. Em 2012, o STJ considerou que a Google não deve fazer controle prévio dos conteúdos publicados na web por meio da eliminação de resultados de busca (CANÁRIO, 2013).

2.2.5 CASO LINDA LOVELACE

A atriz americana Linda Lovelace, que ficou conhecida na indústria do cinema pornô pela atuação no filme “Garganta Profunda” (1972), morreu aos 53 anos ainda lutando para que esquecessem seu passado. Depois de se distanciar da fama, em 1980, ela lançou uma autobiografia na qual afirmou que era forçada pelo ex-marido a atuar nos filmes eróticos e se prostituir. Mesmo se mudando para uma cidade menor e modificando seu estilo de vida, a atriz ainda era procurada pela imprensa (BURGOS, 2014).

Tendo em vista todos esses casos apresentados, observamos que é impossível criar algo que vincule o direito ao esquecimento a todos os casos que possam dissertar sobre este tema, cada caso é um caso, parece clichê, mas se tratando deste tema, cada caso se mostrar peculiarmente diferente do outro, o conflito de direitos fundamentais é enraizado no tema, o que dificulta e muito o julgamento da justiça, afinal, determinar que um direito é mais importante que outro em determinado contexto não se mostra tarefa fácil para ninguém.

Barroso (2010, p. 88) afirma que:

Trata-se, sem dúvida, de hipótese de colisão de direitos fundamentais, princípios de mesma hierarquia, para cuja solução será necessário empreender uma ponderação de valores caso a caso, pelos tribunais, “de modo a preservar o máximo de cada um dos valores em conflito, realizando escolhas acerca de qual interesse, deverá circunstancialmente prevalecer. E por tratar-se de decisões casuísticas, deverão ser exaustivamente fundamentadas, a fim de que sejam afastadas quaisquer possibilidades de arbitrariedades.

No que tange à dicotomia existente entre a liberdade de imprensa e os outros direitos fundamentais inerentes ao homem, Bonavides (2006, p. 69) fala que:

O acolhimento do Direito ao Esquecimento não pode significar “desproporcional corte à liberdade de imprensa”, sob pena de tornar impraticável a atividade jornalística, em prejuízo de toda a sociedade. Privilegiar o Direito ao Esquecimento sem o exame cuidadoso das circunstâncias (veracidade do fato, meios usados para obter a informação, personalidade pública ou privada das pessoas envolvidas, natureza do fato, interesse público) é atitude temerária, que pode abrir brechas à censura. Em matéria de liberdade de imprensa, aliás, em razão de sua dimensão de liberdade pública, da qual decorrem outras tantas liberdades, recomenda-se evitar a proibição prévia de qualquer divulgação, com a adoção da sanção a posteriori em casos de eventuais abusos.

3. RECURSO EXTRAORDINÁRIO (RE) 1010606 E POSSÍVEL RETROCESSO JURÍDICO

Recentemente o STF julgou em sede de Recurso Extraordinário (RE) no 1010606 (BRASIL, 2021), sobre o Direito ao Esquecimento, tal julgamento teve impacto visceral em outros casos que tratavam a respeito do citado direito, pois, apresentava repercussão geral firmando a tese de que o Direito ao Esquecimento não seria compatível com a Carta Magna de 1988 (BRASIL, 1988), a citada tese encontra-se transcrita a seguir:

É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível. (BRASIL, 2021).

Entretanto, tal decisão ainda é passível de discussão, pois, muito se fala que a decisão da ilustre corte pode ser entendida  como um retrocesso no ordenamento jurídico pátrio, o voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes fez um juízo de ponderação entre o Direito ao Esquecimento, Direito à Privacidade, Direito à Dignidade Humana,  Direito à  Publicidade, Direito à Informação, Direito à Memória entre outros, tal julgador entende que em casos de importância histórica, grande relevância social, casos de interesse público, objetos de estudo a aplicação de tal direito seria incabível, entretanto, em casos em que tal relevância se encontra somente no âmbito das partes do processo poderia se utilizar de, tal direito, visando assegurar direito individual da parte em questão, a seguir parte do voto julgador:

 Deve ser permitida a divulgação jornalística, artística, ou acadêmica de fato histórico distante do tempo, incluindo dados pessoais, desde que presentes o interesse histórico, social e público. Entretanto, é possível compatibilizar o direito fundamental, o direito à privacidade, com a liberdade de informação (BRASIL, 2021).

O Ministro Luiz Edson Fachin também segue pelo mesmo caminho do Ministro Gilmar Mendes, em seu posicionamento, visto que, tal julgador entendeu que a aplicação do Direito ao Esquecimento teria que ser realizada em cada caso concreto, pois, pela sua subjetividade cada caso guarda suas particularidades, dessa forma podendo-se aplicar o Direito ao Esquecimento em determinados casos, em virtude de suas peculiaridades, segue o voto do citado ministro:

O direito ao esquecimento existe, deve ser analisado caso a caso diante do direito à privacidade. E, neste caso concreto, na ponderação, o direito à liberdade de expressão deve prevalecer, porque o programa foi feito a partir de um acervo de informações públicas. (BRASIL, 2021).

A Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha fundamentou seu voto em sentido contrário ao dos seus colegas acima citados, em seu voto a ilustre ministra faz um apontamento em se tratando do Direito ao Esquecimento fundamentando sua contrariedade a tal direito com base no Direito à Memória, em virtude de, no Brasil ainda existirem lacunas em aberto, principalmente no que se trata as violações de direitos ocorridas na Ditadura Militar (1964-1985) e ao Direito à Memória Coletiva da sociedade, visto que, até a presente data ainda há desaparecidos políticos, que não se tem a mínima ideia do que se aconteceu a tais pessoas, a ilustre ministra em seu voto alega:

Mas pode ser politicamente um instrumento de mentiras, falsificação da verdade, invisibilização de pessoas e ocorrências, que poderiam mostrar as feridas e conquistas de um povo.

Num país de triste desmemória como o nosso, discutir o direito ao esquecimento como direito fundamental, de alguém poder impor silêncio ou segredo de fato ou ato que pode ser de interesse público, seria um desaforo jurídico para a minha geração. A minha geração lutou pelo direito de lembrar. (BRASIL, 2021).

O Procurador do Estado do Rio de Janeiro e professor Anderson Schreiber faz inúmeros apontamentos em relação ao Direito ao Esquecimento que precisão ser levadas em consideração, por exemplo, que o Direito ao Esquecimento não está positivado na Constituição Federal de 1988 para o referido jurista a aplicação e importância do Direito ao Esquecimento se compara com o Princípio da Segurança Jurídica que mesmo não estando positivado na CF-88 é desdobramento do Princípio da Legalidade e tem sua aplicação. Outro apontamento é a respeito do Direito ao Esquecimento e do entendimento e equiparação do Poder Judiciário a um censor e violador do Direito à Informação e do Direito à Publicidade, tais apontamentos estão respectivamente expostos a seguir:

De fato, não há em nossa ordem jurídica uma norma que expressamente se refira ao direito ao esquecimento. Isso, contudo, não configura obstáculo ao seu reconhecimento. A segurança jurídica também não é mencionada na nossa Constituição e nem por isso os constitucionalistas deixam de indicá-la como princípio fundamental, extraído da noção de legalidade. De modo semelhante, o direito ao esquecimento representa, para os seus defensores, um desdobramento do direito à privacidade, expressamente consagrado no artigo 5o, inciso X, da Constituição, ou do direito à identidade pessoal, derivação da cláusula geral de tutela da dignidade humana… (SCHREIBER, 2017).

(…)

O Poder Judiciário, ao julgar casos de colisão entre direitos fundamentais, incluindo a liberdade de informação, não pode ser considerado “censor”, nem se pode dizer que a atuação judicial na solução dos casos concretos equivale a uma espécie de “censura”. “Não tendo a Constituição brasileira colocado a liberdade de informação acima de outros direitos fundamentais, como a privacidade, a intimidade, a honra e assim por diante, compete obviamente ao Poder Judiciário decidir como se resolvem os casos em que esses direitos colidem entre si. Se uma decisão final que se revele desfavorável à liberdade de informação no caso concreto for considerada “censura”, isso significará que a liberdade de informação não pode sofrer qualquer restrição, nem mesmo diante de outros direitos fundamentais, o que tecnicamente não é verdadeiro. (SCHREIBER, 2017).

Anderson Schreiber também cita como exemplo de uma possível aplicação do Direito ao Esquecimento, casos de pessoas transexuais, isso levando em conta que após a mudança de sexo a pessoa não pode ser tratada como a pessoa que deixou de ser com a sua escolha de mudança, pois, então, nunca alcançaria a plena dignidade humana e identidade pessoal.

Pense-se no exemplo do transexual, que, se constantemente apresentado à sociedade como pessoa que nasceu homem e se tornou mulher, ou vice-versa, jamais alcançará a plena realização da sua legítima opção de mudar de sexo. Haverá, aí e em tantas situações semelhantes, um direito ao esquecimento? (SCHREIBER, 2017).

Dessa forma, nota-se que são vários os apontamentos relevantes em relação ao Direito ao Esquecimento, sua aplicação e sua relação com outros direitos como o Direito à Informação, Direito à Memória, Direito à Publicidade, Direito à Privacidade e a Dignidade Humana, matérias de vital importância para nossa sociedade não se restringindo aos casos em questão.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por tudo que foi mencionado percebemos que atualmente existe uma constitucionalização do Direito, principalmente no Direito Civil, principalmente com o reconhecimento do Direito ao Esquecimento como direito personalíssimo, tal direito entra em choque com outros direitos fundamentais previstos no ordenamento jurídico pátrio como por exemplo Direito à Publicidade, o Direito à Informação, Direito à Memória, entre outros e por conta disso, desse choque, dessa colisão entre direitos fundamentais ocorreu o julgamento do RE no 1010606 (BRASIL, 2021), por parte do STF para decidir se o Direito ao Esquecimento era compatível com a Carta Magna de 1988 ou tal direito provocaria uma violação aos de Publicidade, Informação, Memória, entre outros, a partir do julgamento do citado recurso nos surge a questão norteadora da presente pesquisa debater se a ilustre decisão do STF em sede do  RE no 1010606 (BRASIL, 2021) pode ser entendida como um retrocesso na garantia dos direitos fundamentais previstos no ordenamento jurídico pátrio ou a citada decisão foi acertada, não sendo o Direito ao Esquecimento compatível com a Carta Magna de 1988.

Assim podemos notar que houveram vários entendimentos dos doutos ministros da Corte Constitucional nacional em relação à compatibilidade do Direito ao Esquecimento com a CF-88, o Ministro Gilmar Mendes fez um juízo de ponderação entre o Direito ao Esquecimento e os Direito à Privacidade, Direito à Dignidade Humana, Direito à Publicidade, Direito à Informação, Direito à Memória entre outros compartilhando o entendimento de que o Direito ao Esquecimento não poderia ser aplicado em casos de importância histórica, grande relevância social, casos de interesse público, objetos de estudo entre outros, mas que, por outro, lado em casos em que tal relevância se encontra somente no âmbito das partes do processo poderia se utilizar de, tal direito, na mesma linha de entendimento se encontra o Ministro Edson Fachin que detém o entendimento da aplicação do Direito ao Esquecimento dependeria da análise do caso concreto, já em sentido contrário o entendimento da Ministra Carmem Lúcia que afirmou que “o Brasil é um país desmemoriado” (BRASIL, 2021)  em especial quando se trata dos crimes cometidos pelo estado brasileiro no período da Ditadura Militar (1964-1985), assim sendo uma aplicação do esquecimento nessa questão específica seria uma violação incalculável no Direito à Informação e no Direito à Memória não só da sociedade como um todo, mas também para com a família e entes queridos de desaparecidos políticos. Por fim o entendimento do professor e autor Anderson Schreiber (2017) que apresenta como um exemplo de aplicação do Direito ao Esquecimento o caso de pessoas transexuais as quais ao se apresentarem pessoalmente perante a sociedade como detentora de um sexo ou outro jamais alcançaria a plena realização de sua legítima escolha em mudar de sexo e por fim alcançar a dignidade humana, ou direito à identidade pessoal.

Dessa forma, por tudo que foi dito, não podemos afirmar de forma veemente que a decisão foi uma decisão acertada ou um retrocesso jurídico são muitos entendimentos importantes, contextos em que se pode utilizar o Direito ao Esquecimento e outros em que sua aplicação é considerada inaplicável, choque e tentativas de direitos fundamentais especialmente no que se trata do Direito à Informação, Direito à Memória, Direito à Publicidade, Direito à Privacidade, Dignidade Humana e seus desdobramentos, entretanto, mesmo com a decisão da ilustre Corte Constitucional brasileira no Recurso Extraordinário (RE) no 1010606 tal decisão não inviabiliza e/ou impossibilita debates acadêmicos e doutrinários sobre a presente matéria, em virtude da sua grande importância.

REFERÊNCIAS

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª edição, São Paulo: Editora Malheiros, 2006.

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.

BRASIL. Código Civil, Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 11 jan. 2002.

BRASIL. Código Penal, Decreto-Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.

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BRASIL. VI Jornada de Direito Civil. Enunciado nº 274. Coordenador Geral Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Brasília: Conselho de Justiça Federal, 2013. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/142. Acesso em: 30 dez. 2020.

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BURGOS, Pedro. Google, me esquece. Revista Galileu. Rio de Janeiro, 28 out. 2014.

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[1] Especialista em Direito Civil/Empresarial, Consumidor e Processual Civil.

Enviado: Março, 2021.

Aprovado: Dezembro, 2022.

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Enéas Cardoso Neto

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