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A responsabilidade penal do indivíduo com Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA)

RC: 126131
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL 

BRILHANTE, Edry Gabriel Borges [1], MORAIS, Luísa Fernanda de Almeida [2], CURY, Letícia Vivianne Mirando [3]

BRILHANTE, Edry Gabriel Borges. MORAIS, Luísa Fernanda de Almeida. CURY, Letícia Vivianne Mirando.  A responsabilidade penal do indivíduo com Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA). Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 09, Vol. 01, pp. 05-19. Setembro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/personalidade-antissocial

RESUMO

 Levando em consideração a existência de falhas no Código Penal brasileiro relacionado a inimputabilidade, especificamente das pessoas que sofrem de Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA), o presente artigo foi norteado pelo questionamento de como ocorre a responsabilidade penal dos crimes e delitos cometidos por indivíduos que possuem TPA na legislação brasileira. Nesse contexto, tem-se como objetivo analisar, na legislação brasileira, a responsabilidade penal imposta pelo Estado a crimes e delitos cometidos por indivíduos que possuem Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA), definindo seus critérios e formas utilizadas. Para isso, adotou-se como metodologia a revisão de literatura, juntamente com a análise de documentários, verificando o estabelecido pela legislação, doutrinas e jurisprudências, bem como averiguando casos ocorridos no Brasil e fora dele. Como resultados, verifica-se a ineficiência e as consequências da pena mal aplicada a indivíduos portadores de TPA. Por fim, concluiu-se que o ordenamento penal brasileiro é falho quando se trata de pessoas com Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA), pois segue-se o sistema unitário, onde o magistrado tem que escolher entre dois tipos de sanção penal: pena ou medida de segurança, fundamentando-se do desempenho do ius puniendi estatal (culpabilidade ou periculosidade). Entretanto, a literatura demonstra que estas sanções não são efetivas para esses tipos de indivíduos.

Palavras-chave: Psicopatia, Antissocial, Código Penal.

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo foi motivado pelo fato de não existir uma legislação específica para os portadores de Transtorno de Personalidade Antissocial, o que faz com que muitos sejam tratados como presos comuns, podendo provocar grande ameaça para a sua própria integridade e para a de outros presos. No entanto, o maior perigo está em sua capacidade de manipulação de pessoas, o que pode acarretar o corrompimento dos detentos e o incentivo a crimes ainda mais elaborados, oferecendo, assim, um potencial risco à comunidade. Pretende-se, também, investigar soluções alternativas de Direito Penal para distinguir qual seria a pena mais adequada ao réu.

Perante esse cenário, este artigo tem como objetivo analisar, na legislação brasileira, a responsabilidade penal imposta pelo Estado a crimes e delitos cometidos por indivíduos que possuem Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA), definindo seus critérios e formas utilizadas. Sendo norteado pelo questionamento de como ocorre a responsabilidade penal dos crimes e delitos cometidos por indivíduos que possuem TPA na legislação brasileira.

Busca-se, também, compreender os critérios a serem considerados pelo Poder Judiciário no Brasil após crime cometido por indivíduos com psicopatia, a fim de buscar soluções e formas efetivas para se estabelecer o que mais pesa no momento da condenação, se seria a situação psicológica no instante do crime, se a pessoa fez aquilo por vontade própria ou se foi devido a seu estado mental.

Sendo assim, é de grande importância o estudo da psicopatia, pois de acordo com um estudo realizado pela psicóloga americana Martha Stout, “1 a cada 25 indivíduos podem ser considerados como portadores de um distúrbio psíquico conhecido como psicopatia” (STOUT, 2010, p. 6).

Como metodologia, utilizou-se a revisão de literatura, juntamente com a análise de documentários, verificando o estabelecido pela Legislação, doutrinas e jurisprudências, bem como averiguando casos ocorridos no Brasil e fora dele, a fim de comparar o funcionamento dos procedimentos do Poder Judiciário e refletindo se não haveria melhores métodos para a definição da pena para pessoas com transtornos ou que cometeram os crimes em períodos de crise psicológica ou nervosa.

O método a ser utilizado no presente artigo foi o dedutivo, tendo em vista que se empregou o estudo da situação geral para casos específicos, de maneira crescente até a conclusão do artigo.

2. CONTEXTO HISTÓRICO

A relação entre transtorno psicológico e o direito penal é pertinente aos inimputáveis e imputáveis, mas, anteriormente, não havia tal diferenciação. Desse modo, as pessoas eram julgadas conforme o contrato social formado por aquela sociedade, no qual não se fazia tal distinção (ARAGÃO, 2007).

Nesse contexto, Ribeiro (s.d), denota que desde o momento em que as pessoas se unem para formar uma sociedade, elas assinam um contrato invisível, chamado de contrato social, conforme descrito por Rousseau,  onde os cidadãos irão oferecer parte de seus direitos e liberdade para o Estado que, em troca, terá como função promover segurança, saúde e qualidade de vida, além de proclamar novas leis e seguir diretrizes de direito, tomando como base a cultura e o costume dessa sociedade, para que se torne efetivo e haja resultados positivos.

Retratando um contexto histórico, cumpre destacar que a Escola Clássica, nascida no final do século XVII, possuía como proposta a humanização das ciências penais. Nesse cenário, surgem duas teorias: o Jusnaturalismo (direito natural), onde a natureza é eterna e imutável do homem, e o Contratualismo, referindo-se ao contrato social. Juntando ambas as teorias, forma-se o sistema de normas anterior e superior ao Estado, opondo-se à tirania e a violência (ARAGÃO, 2007).

Posteriormente, no início do século XIX, na Europa, nasceu a Escola Positiva, que possuía três fases: antropológica, sociológica e jurídica. Na primeira fase, Cesare Lombroso criou a teoria do criminoso nato, estabelecendo o perfil de um criminoso por meio de suas fisionomias, afirmando, assim, que o crime é um fator biológico e não jurídico, ou seja, o indivíduo já nasce criminoso (ARAGÃO, 2007).

Na segunda fase, Enrico Ferri, criou a chamada Sociologia Criminal, estabelecendo que a criminalidade possuía três fenômenos: o físico, o antropológico e o cultural, negando a existência do livre-arbítrio do indivíduo. Dessa forma, o delinquente foi classificado como: nato, louco, habitual, por paixão e de ocasião. Já na terceira fase, Rafael Garófalo, concebeu outra forma de intervenção criminal, a Medida de Segurança, classificando o criminoso em: Natos (instintivos), Fortuitos (de ocasião) ou pelo Defeito Moral Especial (assassinos, violentos e entre outros), propondo a morte dos primeiros (ARAGÃO, 2007).

Algum tempo depois, a Escola de Política Criminal ou Moderna Alemã, ampliou o entendimento das ciências penais, apontando a criminologia, como a busca pela justificativa para as causas de delito, e a penologia, como os efeitos e causas da pena, ocasionando a distinção de imputáveis e inimputáveis, tais como as penas (PORTO et al., 2016).

No contexto brasileiro, verifica-se que o Código Criminal de D. Pedro I (Código Criminal do Império do Brasil) seguia os preceitos da Escola Clássica onde, em seu art. 10, descrevia que pessoas “loucas” não seriam julgadas. Ademais, em seu art. 12, estabelecia-se que esses “loucos” voltariam para seus lares ou seriam entregues a família, dependendo do juiz, ou seja, não haveria um tratamento especial (BRASIL, 1830).

Somente após o fim da Era Imperial, o novo Código Criminal (Código Penal da República) nasceu, trazendo com ele a inimputabilidade, ou seja, os que se referiam como “loucos” seriam considerados inimputáveis. Este, também, especificou que essas pessoas deveriam ser encaminhadas ao Hospício de Alienados (BRASIL, 1890).

A fim de acompanhar a evolução da sociedade e da criminologia, foi concebido o Código Penal de 1940, que trouxe várias mudanças, além de dar um novo sentido para os inimputáveis. Como inovação, este código trouxe uma nova modalidade de ação penal, a Medida de Segurança, corrigindo, desta forma, as anomalias do código anterior, possibilitando, também, a atuação do direito penal para os irresponsáveis e os semi-irresponsáveis (BRASIL, 1940).

Com relação a esta medida, a Lei de Execuções Penais n. 7.209/84, trouxe algumas modificações no quesito da sanção, determinando o internamento em hospital de custódia, tratamento ou similar e o tratamento ambulatorial, tendo como tempo mínimo de pena, prevista pelo juiz, de 1 até 3 anos. Entretanto, ainda há a possibilidade de o apenado permanecer em cárcere indefinido, ou seja, até demonstrar que está pronto para voltar a sociedade (BRASIL, 1984).

A partir do Código Penal de 1940, crescem em importância, no Brasil, os procedimentos destinados a diagnosticar, analisar ou estudar a personalidade e a história da vida dos condenados, com vistas a prescrever adequadas técnicas de tratamento penal, assim como prever futuros comportamentos delinqüenciais. Mas esta é uma tendência na legislação penal ocidental: a de se aplicar a pena tendo em conta uma personalidade, muito mais que um delito cometido (RAUTER, 2003, p. 83).

Apesar desta lei possuir o intuito corrigir os problemas do Código Penal de 1940, ainda não havia uma especificação que abordasse a situação dos indivíduos portadores de TPA com relação ao: método em que devem ser tratados quando cometem um crime; se estes precisam cumprir pena privativa de liberdade ou Medida de Segurança ou se haveria a necessidade de se criar um uma sanção penal específica para lidar com eles, visto que eles possuem plena noção do crime cometido, entretanto, devido a esse distúrbio, são desprovidos de empatia, não seguindo as regras impostas pela sociedade, mas sim as própria regras.

Corroborando com o exposto, Hare (2013) afirma que:

Os psicopatas não são pessoas desorientadas ou que perderam o contato com a realidade; não apresentam ilusões, alucinações ou a angústia subjetiva intensa que caracterizam a maioria dos transtornos mentais. Ao contrário dos psicóticos, os psicopatas são racionais, conscientes do que estão fazendo e do motivo por que agem assim. Seu comportamento é resultado de uma escolha exercida livremente (HARE, 2013, p. 38).

3. O TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL (TPA) PARA A PSICOLOGIA

Os transtornos são condições de desordem mental e, em geral, não possuem cura, apenas tratamento. Diferentemente das síndromes, eles apresentam sintomas onde é possível saber ou encontrar suas causas e origens, podendo ocorrer em decorrência de deficiências biológicas ou psicológicas. Desse modo, o tratamento de indivíduos com transtorno requer um conjunto de várias áreas da saúde, além do possível uso de medicamentos, com intuito de ajudar estes indivíduos a se organizarem mentalmente. Eles podem, também, causar variação no comportamento, humor e lógica. Pessoas com transtornos precisam de acompanhamento profissional. Dentre os transtornos mais comuns, cita-se: depressão, ansiedade, transtorno bipolar, e transtorno obsessivo-compulsivo (ARAGÃO, 2007).

O Transtorno de Personalidade é identificado quando há um desvio entre determinados sinais da personalidade, trazendo malefícios aos relacionamentos sociais daquele indivíduo. De acordo com Kurt Schneider (1974), esses transtornos estariam ligados a determinadas características apresentadas pelo indivíduo: “[…] sofre e faz sofrer a sociedade”, assim como “[…] não aprende com a experiência”. Desse modo, infere-se que aqueles acometidos por esta anomalia do desenvolvimento psíquico, assim como sua família, sofrem as consequências desta perturbação mental durante toda a vida (DALGALARRONDO, 2018).

Por se tratar de uma doença psiquiátrica, o Transtorno de Personalidade causa um tipo de pensamento diferente do normalizado, principalmente com relação ao entendimento de regras, moral e bons costumes, gerando, assim, consequentemente, um comportamento desarmônico com o estabelecido pelo senso comum. Por esse motivo, não é incomum o surgimento de preconceito de diversas pessoas (MAZER; MACEDO e JURUENA, 2017).

Ademais, de acordo com Morana; Stone e Abdalla-Filho (2006), esses transtornos são avaliados como perturbação da saúde mental e não doença mental, como muitos pensam. Nota-se os sinais destes em determinados contextos e cenários, fugindo do aceito como “normal”. Geralmente ocorrem quando acontecimentos marcam a vida do indivíduo e trazem “sentido”, podendo estimular o aparecimento desses comportamentos característicos.

De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID) (WHO, 2022) e com o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais da 5ª edição (DSM 5) (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014), existem dez classificações para Transtornos de Personalidade, que se fracionam em “clusters”, onde a primeira (A) se enquadram os transtornos com padrões psicóticos, a segunda (B) em que os transtornos demonstram características de sociopatia e, por fim, a terceira (C), que abrange os transtornos de ansiedade.

Pessoas com Transtorno de Personalidade Antissocial – os psicopatas e sociopatas -, muitas vezes, realizam atos ilícitos com intuito de beneficiar seus interesses e prazer. São reconhecidos como manipuladores, estabelecem relacionamentos com facilidade, apesar de não os manterem por muito tempo, possuem desprezo e indiferença por outras pessoas ou seres vivos. Além disso, eles tendem a não se preocupar com as consequências que suas ações podem gerar, já que não são capazes de sentir remorso, por esse motivo, não é incomum o envolvimento em crimes e delitos (CASTRO, 2015).

Apesar de semelhantes, os Transtornos de Personalidade Antissociais se diferem em questões genéticas e sociais, sendo a psicopatia provocada pela primeira e a sociopatia pela segunda. Por conta disso, os psicopatas são mais organizados, manipuladores, costumam planejar suas ações e controlar suas emoções, enquanto os sociopatas não possuem o mesmo grau de “programação”, sendo mais comum que cometam crimes de maneira espontânea e com menor grau de gravidade. Em relação aos danos, a sociopatia é mais moderada em comparação a psicopatia, tendo em vista que que os psicopatas não são capazes de sentir remorso, culpa e empatia, diferentemente dos sociopatas (MASNINI e MACEDO, 2019).

Levando para o lado da biologia, contata-se que o cérebro de um psicopata é distinto do normal, podendo ser observado por meio de tomografia, já que o córtex pré-frontal e a amígdala – áreas importantes para tomada de decisões e sentimentos – não acendem durante o exame. Desse modo, conclui-se que não há ou quase não há atuação nessas partes do cérebro. Ademais, de acordo com Masnini e Macedo (2019), “A teoria mais aceita acerca da psicopatia afirma que o Sistema Límbico (parte do cérebro responsável por emoções e comportamentos sociais) em psicopatas está praticamente desativado”.

Um exemplo de Transtorno de Personalidade é o caso do século XIX de homem chamado Phineas Gage que teve uma barra de ferro perfurando sua bochecha e atravessando o crânio, passando, assim, pelo córtex pré-frontal. Depois desse acidente, ele demonstrou mudanças em seu comportamento e moral, tornando-se uma pessoa completamente diferente (DAMÁSIO, 1994).

Segundo Damásio (1994), o córtex pré-frontal é onde está envolvido o comportamento psicopático. Nesse contexto, observa-se que pessoas com lesões no lobo frontal passam a agir diferente, impulsivamente, não conseguindo mais controlar seus impulsos agressivos e sexuais. Chegando à conclusão, devido a esse caso, que a personalidade, as emoções e as escolhas morais se encontram no lobo pré-frontal. Sendo assim, caso haja danos nessa parte o córtex órbito-frontal entra em um estado de “pseudopsicopatia”, ocasionando comportamentos de irresponsabilidade, falta de empatia e outros relacionados a psicopatia.

O livro “The Mask of Sanity” (1941-1976), de Cleckley, traz uma definição para psicopatia, considerando uma delineação mais aprofundada sobre o transtorno, bem como suas diferentes manifestações, merecendo destaque, a falta de culpa em relação a outros indivíduos. O autor relata, também, que a autoconfiança e arrogância são características marcantes dos indivíduos com Transtorno de Personalidade Antissocial, bem como a facilidade em mascarar falsos sorrisos, charme, boa oratória, simpatia, conquistando, desta forma, suas vítimas para conseguir o que querem. Dessarte, aqueles com esse tipo de transtorno estão mais propensos a criminalidade, pois as consequências impostas pela sociedade não são suficientes para inseri-los novamente ao meio comum. O psicopata não é louco, uma vez que louco é aquele que não possui vínculo com a realidade, e este tem plena noção da realidade, visto que possui capacidade de diferenciar o certo e o errado (SOEIRO e GONÇALVES, 2010).

4. A INIMPUTABILIDADE PARA O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO

O Direito Penal Brasileiro investiga o discernimento e persistência da pessoa em que se tenha realizado atividade ilícita em âmbito penal. O motivo pelo qual se verifica seu discernimento, se dá pela capacidade cognitiva em que este se depara, quanto sua persistência para a realização do ato, verificando se esta decorre da competência volitiva do país (MORANA; STONE e ABDALLA-FILHO, 2006).

Nesse contexto, o crime é caracterizado pela ação ou omissão que viola a lei penal incriminadora, o qual resulta em penalização por trazer dano ou perigo a outros, sendo gradativa conforme a gravidade do ocorrido. Por esse motivo, é relevante analisar a responsabilidade penal daquele indivíduo em busca de uma punição mais justa com sua realidade e discernimento (BRASIL, 1940).

Ante ao exposto, um fator relevante para a análise de processo e definição da pena pelo Poder Judiciário brasileiro é a imputabilidade e inimputabilidade, tendo em vista que estes levam em consideração a possibilidade de responsabilizar ou não o agente do crime ou delito. Dessa forma, a responsabilidade penal é o dever que recai sobre aquele que cometeu ação delituosa, conforme os preceitos do Código de Penal Brasileiro (BRASIL, 1940).

A distinção entre as classificações mencionadas acima consiste na compreensão da pessoa que está infringindo a lei. Sendo assim, os imputáveis, são aqueles em que são considerados aptos para responder por suas ilicitudes, e os inimputáveis, são os indivíduos incapazes de entender a gravidade de suas atitudes ilegais, não devendo, portanto, serem julgados como culpados (CUNHA e DINIZ, 2020).

Seguindo esse raciocínio, os imputáveis em via de regra, são aqueles que têm a capacidade de entender os seus atos, em outros termos, eles possuem a capacidade psíquica de culpabilidade (de reprovação), possuindo a competência de entender a sua conduta antijurídica. Conforme Mirabete (2011):

De acordo com a teoria da imputabilidade moral (livre-arbítrio), o homem é um ser inteligente e livre, podendo escolher entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, e por isso a ele se pode atribuir a responsabilidade pelos atos ilícitos que praticou. Essa atribuição é chamada imputação, de onde provém o termo imputabilidade, elemento (ou pressuposto) da culpabilidade. Imputabilidade é, assim, a aptidão para ser culpável. (MIRABETE, 2011, p. 196)

Com relação aos inimputáveis, o art. 26 do Código Penal determina que existem três tipos de pessoas que podem assim serem classificadas, sendo eles: os menores de 18 anos, os embriagados e os portadores de doença mental.

Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único – A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (BRASIL, 1940).

Desta forma, subentende-se que os menores de 18 anos de idade estão submetidos ao disposto em Legislação Especial, conforme determinado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990). Com relação a embriaguez que ocorre nos casos de fortuito ou força maior, leva-se em conta que ter ingerido álcool não exime a responsabilidade do indivíduo, dando importância ao dolo ou culpa do agente infrator (BRASIL, 1940).

Apesar de algumas modificações e inclusões no Código, a legislação penal vigente ainda é oriunda do ano de 1940, mantendo, em grande parte, o mesmo entendimento referente a forma de se tratar do doente ou deficiente mental que comete crime. Contudo, nota-se que houve progresso no entendimento sobre as medidas de segurança, que são caracterizadas como forma de curar ou tratar as pessoas com doença ou transtorno mental que executaram algum tipo de delito, visando sua reintegração à convivência na sociedade (PERES e NERY FILHO, 2002).

Ainda, de acordo com Peres e Nery Filho (2002), uma medida de segurança utilizada atualmente é a internação em hospital de custódia para tratamento e/ou intervenção ambulatorial, tendo como prazo mínimo de permanência três anos. Entretanto, os períodos de tratamento permanecem flexíveis, tendo em vista que há variação no grau de periculosidade para cada delinquente, não havendo uma pena precisa.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal deu seu entendimento de que a pena máxima que pode ser aplicada em medida de segurança é de trinta anos em hospitais psíquicos de custódia para tratamento psiquiátrico, onde Rogério Greco (2009) expõe que:

Apesar da deficiência do nosso sistema, devemos tratar a medida de segurança como remédio, e não como pena. Se a internação não está resolvendo o problema mental do paciente ali internado sob o regime de medida de segurança, a solução será a desinternação, passando-se para o tratamento ambulatorial, como veremos a seguir. Mas não podemos liberar completamente o paciente se este ainda demonstra que, se não for corretamente submetido a um tratamento médico, voltará a trazer perigo para si próprio, bem como para aqueles que com ele convivem.

Considerando que, após estabelecida a inimputabilidade, será imposta a absolvição do agente, mas sendo fixado Medida de Segurança, gerou-se o questionamento da existência de uma terceira classificação quanto à responsabilidade penal, especialmente dos casos em que se não pode valorar com precisão a capacidade do indivíduo. Nesse contexto, os semi-imputáveis são aqueles que possuem certas características originadas de psicoses, retardos mentais e transtornos da personalidade que afetam a saúde mental sem privar integralmente o seu discernimento.

Além disso, o Código Penal não define onde se enquadra o psicopata, se ele é imputável, semi-imputável ou inimputável, estando inseridos, como visto anteriormente, no gênero Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA). Desse modo, esses indivíduos não são considerados como detentores de distúrbio mental ou das anormalidades previstas no art. 26 do Código Penal (BRASIL, 1940). Entretanto, também, não se pode considerá-los como doentes, mas sim pessoas que estão à margem da normalidade, sendo classificados como limítrofes, ou seja, inimputáveis.

Todavia, a jurisprudência entende que os psicopatas se enquadram em imputáveis ou semi-imputáveis, dependendo de cada caso concreto específico, pois mesmo tendo a mentalidade do que estão fazendo, devido ao transtorno, acabam agindo de uma forma atípica. Observa-se que, nas resoluções das Turmas Recursais e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, o entendimento de que esses indivíduos têm a capacidade de entendimento (cognitivo) preservada, porém, sua capacidade volitiva está prejudicada, o que os enquadra na categoria de semi-imputáveis, conforme previsto no parágrafo único do art. 26 do Código Penal (BRASIL, 1940). Na compreensão de Mirabete (2007):

Refere-se a lei em primeiro lugar à “perturbação da saúde mental”, expressão ampla que abrange todas as doenças mentais e outros estados mórbidos. Os psicopatas, por exemplo, são enfermos mentais, com capacidade parcial de entender o caráter ilícito do fato. A personalidade psicopática não se inclui na categoria das moléstias mentais, mas no elenco das perturbações da saúde mental pelas perturbações da conduta, anomalia psíquica que se manifesta em procedimento violento, acarretando sua submissão ao art. 26, parágrafo único. (MIRABETE, 2007).

Entretanto, diante dessa visão, Jorge Trindade (2012), concluiu que essas pessoas são responsáveis pelos seus atos e podem responder por eles, visto que por ser uma “doença moral” ele não altera a capacidade intelectual onde, mesmo sendo considerado um distúrbio social em várias áreas, na visão médica-psiquiátrica, não se caracteriza como uma doença no sentido clássico, porque há entendimento claro que eles compreendem se suas ações são ilícitas ou lícitas.

Visto tudo isso, nota-se que ainda há um grande problema com relação a sanção penal adequada para o psicopata, pois devido a sua grande habilidade de manipulação, este pode influenciar os demais presos, tornando-os mais hostis do que antes, o que representa um perigo para os demais detentos ou pacientes que se encontram em Medida de Segurança.

Outro fator abordado por Barbosa (2008), demonstra que estes indivíduos possuem uma maior tendência a cometerem residência criminal, sendo a probabilidade de ocorrência cerca de duas vezes maior que a dos demais criminosos, pois não possuem capacidade de aprendizado com as sanções penais, o que torna sua reeducação e ressocialização inúteis.

No mesmo sentido, Jorge Trindade (2012) alerta que as medidas usadas com criminosos são contraindicadas para psicopatas, pois eles desfrutam das instituições de tratamento e ludibriam as normas de disciplina. Colaborando, dessa forma, com o aumento da fragilidade do sistema e com a prevalência de uma atmosfera negativa e sombria.

Além disso, há o fato de que esses indivíduos podem fingir bom comportamento ou que o sistema está funcionando (SÁ, 2007), o que somado à falta de infraestrutura adequada, acarreta perigos a outros detentos e pacientes. Não havendo, portanto, expectativa de ressocialização.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo teve como objetivo analisar, na legislação brasileira, a responsabilidade penal imposta pelo Estado a crimes e delitos cometidos por indivíduos que possuem Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA), definindo seus critérios e formas utilizadas. Sendo norteado pelo questionamento de como ocorre a responsabilidade penal dos crimes e delitos cometidos por indivíduos que possuem TPA na legislação brasileira.

Mediante a pesquisa realizada, concluiu-se que o ordenamento penal brasileiro é falho quando se trata de pessoas com Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA), pois segue-se um sistema unitário, onde o magistrado tem que escolher entre dois tipos de sanção penal: pena ou medida de segurança, fundamentando-se do desempenho do ius puniendi estatal (culpabilidade ou periculosidade) para a determinação da pena. Ademais, com os argumentos já citados, percebe-se que essas sanções não são efetivas para esses tipos de indivíduos e que podem ser perigosas a outros detentos e pacientes das instituições de tratamento. Além disso, relatou-se que há uma maior tendência à residência criminal e que, em alguns casos, não há expectativa de ressocialização para estes indivíduos.

Por fim, propõe-se que sejam realizadas mais discussões com relação ao tema, visando a junção entre o poder judiciário, a psicologia e a psiquiatria, a fim de diminuir a reincidência criminal e prevenir novos crimes praticados por essas pessoas.

REFERÊNCIAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico E Estatístico De Transtornos Mentais – DSM 5. Trad. Maria Inês Corrêa Nascimento et al. Porto Alegre: Artmed, 2014.

ARAGÃO, Juliana Rossi. Transtornos da personalidade: estudo sobre a inimputabilidade. Monografia (Bacharelado em Direito) – Universidade do Vale do Itajaí. Itajaí, p. 99, 2007.

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BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. Presidência da República, 1830. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM-16-12-1830.htm. Acesso em: 22 de agosto de 2022.

BRASIL. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Presidência da República, 1890. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/d847.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%20847%2C%20DE%2011%20DE%20OUTUBRO%20DE%201890.&text=Promulga%20o%20Codigo%20Penal.&text=Art.,que%20n%C3%A3o%20estejam%20previamente%20estabelecidas. Acesso em: 22 de agosto de 2022.

BRASIL. Decreto-lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Presidência da República, 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 22 de agosto de 2022.

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CASTRO, Isabel Medeiros de. Transtorno de personalidade antissocial e suas consequências jurídico-penais. Dissertação. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais. Porto Alegre, 2015.

CUNHA, Carolina da Silva; DINIZ, Laura do Carmo. A inimputabilidade e o Direito Penal. Jornal Eletrônico Faculdade Vianna Júnior, v. 12, n. 2, p. 29-29, 2020. Disponível em: https://www.jornaleletronicofivj.com.br/jefvj/article/view/767. Acesso em: 23 de agosto de 2022.

DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Artmed Editora, 2018.

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[1] Acadêmica do Curso de Graduação em Direito.

[2] Acadêmica do curso de Graduação em Direito.

[3] Orientadora. Mestre em direito. Bacharel em direito.

Enviado: Julho, 2022.

Aprovado: Setembro, 2022.

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