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Parentalidade socioafetiva e os reflexos do reconhecimento da multiparentalidade no ordenamento jurídico

RC: 90112
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SIMÕES, Nathalia Luzorio [1]

SIMÕES, Nathalia Luzorio. Parentalidade socioafetiva e os reflexos do reconhecimento da multiparentalidade no ordenamento jurídico. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 06, Vol. 17, pp. 109-128. Junho de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/parentalidade-socioafetiva

RESUMO

O direito de família vem passando por notáveis mudanças. A família não mais se restringe ao pai, mãe e descendentes biológicos. Dessa forma, os tribunais vêm enfrentando inúmeros questionamentos sobre a definição do que vem a ser pai, pois o que antes era puramente uma questão de ordem biológica, hoje, requer principalmente laços afetivos. O presente artigo tem a finalidade de compreender a nova conjuntura social familiar, na qual se verifica o advento do afeto como valor jurídico digno de proteção, nos termos da Constituição Federal de 1988. Foi realizada uma revisão bibliográfica e análise jurisprudencial para demonstrar que a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. As velhas concepções de arranjos familiares foram postas de lado e abriram espaço para a simultaneidade das relações de parentesco. A pesquisa demonstrou em uma breve análise que os princípios da afetividade, da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança devem permear conduta e as decisões da magistratura. Conclui-se que os princípios constitucionais contribuíram para o reconhecimento do instituto da multiparentalidade e exigiram do direito uma acomodação jurídica com o desígnio de acompanhar a realidade da vida quotidiana de muitas famílias brasileiras.

Palavras-chave: direito de família, paternidade biológica, paternidade socioafetiva, princípios constitucionais.

INTRODUÇÃO

O instituto familiar passou por grandes mudanças estruturais ao longo dos anos, rompendo paradigmas e reconstruindo conceitos. Novos arranjos familiares foram construídos na contemporaneidade, se distanciando do modelo tradicional de família biológica, formada por casal heterossexual, monogâmica e hierarquizada. Como resultado, surgem novas maneiras de vivenciar a parentalidade e tais maneiras merecem tutela jurídica (BARBOSA e ALMEIDA, 2021).

A família deixou de ser, essencialmente, um núcleo econômico e de reprodução, perdeu sua rígida hierarquia patriarcal e tornou-se muito mais um espaço de amor e afeto. O Casamento deixou de ser a única forma de organização familiar e uma multiplicidade de formatos familiares passou a ser constituída e reconhecida.  A família passa a se um lugar de construção do afeto, com o fito de proporcionar a felicidade a cada membro, trazendo para o cotidiano a concepção eudemonista contemporânea de família (OLIVEIRA; PEREIRA e RUZYK, 2017).

Diante de tais mudanças, temos como exemplo, a fragilização e o declínio do casamento, o crescimento do divórcio, das uniões informais e de famílias recompostas, as transformações nas relações de gênero, o fortalecimento dos direitos da criança e do adolescente e com isso, surgem novas demandas judiciais que exigem do direito uma adequação a fim de acompanhar os anseios sociais (CAMPOS e OLIVEIRA, 2020).

O Recurso Extraordinário (RE) nº 898.060/SC, julgado em setembro de 2016, pelo Supremo Tribunal Federal ao firmar a tese “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”, reconheceu a possiblidade da coexistência de mais de dois vínculos parentais e representou um marco histórico na doutrina e na jurisprudência.

Em contraponto, apesar de a parentalidade socioafetiva ser uma solução jurídica crescente adotada pelos tribunais e reconhecida pelo STF, as decisões do poder judiciário ainda valorizam o liame biológico da paternidade. Em uma pesquisa realizada pela psicóloga Leila Maria Torraca de Brito, no período de janeiro de 2003 a abril de 2006, foi feito um levantamento jurisprudencial que buscou compreender os processos decisórios de diversos Tribunais dos estados brasileiros. Os resultados demonstraram que em 84% das ementas consideradas na pesquisa, houve de forma clara uma tendência majoritária das Cortes para a determinação da paternidade por intermédio do critério biológico em detrimento da paternidade socioafetiva. (CAMPOS, 2020).

Diante do exposto, é possível considerar a relevância da ampliação dos estudos acerca do tema direito e família. Assim, o presente trabalho tem como objetivo geral compreender a nova conjuntura social familiar, na qual se verifica o advento do afeto como valor jurídico digno de proteção, nos termos da Constituição Federal de 1988. A partir disso, delineou-se como objetivo específico descrever as possíveis consequências da decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário RE 898060 ao acolher a parentalidade socioafetiva.

Nessa perspectiva, as seguintes questões nortearam este trabalho:

Quais os conceitos de família e os princípios resguardados a ela na Lei Maior? Como se configura a parentalidade socioafetiva e os requisitos para a sua existência? Quais os efeitos do acolhimento da multiparentalidade nas decisões dos tribunais do país?

Para atingir o objetivo proposto foi realizada uma pesquisa bibliográfica e jurisprudencial de vertente jurídica-sociologica, baseada no diálogo entre doutrinadores como: Dias (2017); Calderón (2019); Cassetari (2015); Diniz (2018); Campos (2020); Barboza e Amleida (2021) e Ruzyk; Oliveira e Pereira (2017).

Quando se trata de parentalidade socioafetiva, esses autores sinalizam que está é uma realidade fática e fez-se necessária uma acomodação do ordenamento jurídico, tendo em vista que esta é a realidade da vida de muitas pessoas e o seu reconhecimento reflete não só na esfera moral do indivíduo, como também na esfera jurídica e suscita uma série de discussões

Sobre essa temática, O STF pacificou em 2016 o conflito que circundava a questão da preponderância da paternidade socioafetiva, em relação à biológica. Tratou-se da decisão da corte, por maioria e com forte amparo da legislação, que não deve haver hierarquia entre a paternidade biológica ou socioafetiva.

Esse norteamento foi de grande importância tanto para Direito Constitucional quanto para o Direito das famílias em função de ter trazido para o mundo jurídico muitos famílias que até então eram invisíveis, suscitado novas discussões acerca do direito de família e gerado novas demandas que ainda estão sendo enfrentadas caso a caso pelo judiciário.

O julgamento tem a sua importância em razão dos efeitos que dele decorrem. A tese firmada pelo STF refletiu em diversos processos que estavam em curso e servirá como um modelo para os que chegarem ao judiciário com o tema da pluriparentalidade e as consequentes responsabilizações que derivam do vínculo de parentesco (CAMPOS, 2020).

DESENVOLVIMENTO

A Constituição Federal de 1988, ao consagrar valores como a dignidade da pessoa humana, a valorização social do trabalho, a igualdade e proteção dos filhos e o exercício não abusivo da atividade econômica, deixa de ser um documento de boas intenções e passa a ser considerada um corpo normativo superior que deve ser diretamente aplicado às relações jurídicas em geral, subordinando toda a legislação ordinária (GAGLIANO, 2010).

A nova perspectiva do direito das famílias engloba valores e princípios mais abrangentes, alcançando direitos fundamentais e protegendo, de forma igualitária, todos os seus membros. A Constituição de 1988 ao reconhecer a evolução da sociedade, produziu significativas transformações na sociedade e na própria vida das pessoas. Segundo Dias (2017) o ser humano passou a ser enxergado sob a ótica de um sujeito de direito e lhe foi assegurada a compreensão da cidadania.

Ao reconhecer o plano fático da vida, a Lei Maior leva em conta as novas espécies de família construídas ao longo do tempo e rompe com o aprisionamento da família nos moldes restritos do casamento No passado a família era uma instituição que tinha a sua gênese na manutenção estabilidade social e não era um instrumento para a busca de felicidade de seus integrantes. Esse modelo despontou-se em razão do Código Civil de 1916, que consagrava um único modelo como formador de família. Nesse contexto, cada figura dessa família, imperiosamente formada pelo casamento, existia para cumprir um papel que lhe era confiado socialmente (OLIVEIRA et al., 2017).

Com o reconhecimento de novos princípios ampliou-se a proteção de direitos fundamentais a fim de preservar a coesão familiar, os valores culturais e acompanhar a evolução dos costumes da família moderna promovendo um tratamento legal mais condizente com a realidade social. Nos termos da Constituição da República de 1988, os princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, resguarda ao casal o livre planejamento familiar e ao Estado cabe a missão de propiciar recursos para o exercício desse direito, sendo vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (BARBOZA, 2020).

Nesse contexto foi conferida proteção à união estável (CF 226 §3), a família monoparental (CF 226 §4), a união homoafetiva e a todas as entidades familiares, sem marginalizar qualquer tipo de relacionamento.

É no direito de família em que mais se sente o reflexo dos princípios eleitos pela Constituição Federal, que consagrou como fundamentais valores sociais dominantes. Os princípios que regem o direito das famílias não podem distanciar-se da atual concepção da família dentro de sua função desdobrada em múltiplas facetas. A Constituição consagra alguns princípios, transformando-os em direito positivo, primeiro passo para sua aplicação. (DIAS, 2017, p. 57)

Como evidenciado no trabalho de Dias (2017), o direito de família moderno é marcado por inovações e grandes mudanças no que concerne à concepção de família. Ele encontra nos princípios constitucionais elementos que são a sua base. Os princípios gerais têm-se reafirmado cada vez mais como uma fonte importante do Direito, pois se revestem de uma fonte normativa imprescindível para a aproximação do ideal de justiça. Desta forma devemos recorrer a tal fonte insubstituível de nosso ordenamento para fundamentarmos qualquer análise. Existe a necessidade da constitucionalização do direito de família, pois grande parte do direito civil está na constituição, uma vez que esta envolveu temas sociais juridicamente relevantes para garantir-lhes efetividade. Nessa realidade pós-positivista os princípios gerais ganharam um novo papel de fundamental importância e tornaram-se plenamente aplicáveis às relações particulares (TARTUCE, 2007).

Existem princípios gerais, aplicáveis a todos os ramos do Direito, como é o caso da Dignidade da Pessoa Humana. Além desses, existem princípios específicos, característicos do direito familiar, como é o caso da afetividade e da solidariedade (DIAS, 2017). A doutrina apresenta uma infinidade de princípios que regem as relações familiares, sendo impossível esgotar as diferentes enumerações principiológicas.

Em um exame pormenorizado do instituto da multiparentalidade, pode-se extrair seis princípios que servem para fundamentar o seu reconhecimento. O primeiro é o da dignidade da pessoa humana que é princípio fundamental de um Estado Democrático de Direito, e está estatuído no artigo 1°, inciso III da Constituição Federal e elevado a valor nuclear da ordem constitucional (DIAS, 2017).

Constitui a base da comunidade familiar, como ressalta Daniel Sarmento e é um macro princípio do qual se irradiam todos os demais princípios e baliza não apenas os atos estatais, mas toda a imensidade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade (SARMENTO, 2010).

Segundo Maria Berenice Dias (2017), talvez possa ser identificado como o princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais, carregado de sentimentos e emoções e experimentado no plano dos afetos (DIAS, 2017).

No julgamento do Recurso Extraordinário n° 898.060/SC, o Ministro Luiz Fux afirmou que:

o sobre princípio da dignidade da pessoa humana, na sua dimensão de tutela da felicidade e realização pessoal dos indivíduos a partir de suas próprias configurações existenciais, impõe o reconhecimento, pelo ordenamento jurídico, de modelos familiares diversos da concepção tradicional (STF, RE n° 898.060/SC, Rel. Min. Luiz Fux. Brasília, 21 set. 2016).

Tal princípio legitima a multiplicidade de uniões afetivas que surgem com a evolução da sociedade e que encontram seu fundamento de validade justamente na garantia da plena dignidade de seus integrantes. Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana coloca a pessoa no centro da proteção resguardada pelo direito, permitindo assim, que a família seja protegida independentemente de sua origem e cumpra a sua função de preservar e desenvolver as qualidades mais relevantes entre os entes que a pertencem. Nas palavras de Maria Berenice dias (2017) são elas o afetam, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe (DIAS, 2017).

O segundo princípio versa sobre o planejamento familiar e da paternidade responsável encontram-se positivados no artigo 226, §7° da Constituição da República, que estabelece plena liberdade ao casal decidir seu planejamento familiar, sendo apenas competência estatal a garantia dos recursos educacionais e científicos necessários. O princípio do planejamento familiar objetiva promover ações preventivas e educativas e por garantias de acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade sem utilizar de meios coercitivos. A Lei n.º 9.263, sancionada em 12 de janeiro de 1996, regulamentou também o planejamento familiar no Brasil e estabeleceu em seu art. 2º que:

[…] entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direito igual de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. É considerado um ato consciente de escolher entre ter ou não filhos de acordo com seus planos e expectativas.

Em se tratando da paternidade responsável, destaca-se no Recurso Extraordinário n° 898.060/SC que:

a paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7°, da Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos. (STF, RE n° 898.060/SC, Rel. Min. Luiz Fux. Brasília, 21 set. 2016).

Portanto, o planejamento familiar, quando associado à paternidade responsável, beneficia as crianças, na medida em que os pais proporcionem a devida assistência moral, afetiva, intelectual e material.

A igualdade de filiação é o terceiro princípio e vem positivado no artigo 227, §6° da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e artigo 1.596 do Código Civil de 2002, impedindo que se faça qualquer discriminação ou hierarquização entre as espécies de filiação, sejam havidos do casamento ou não ou por adoção.

Segundo Diniz (2018):

Princípio da igualdade jurídica entre os filhos (CF, art. 227, §6, e CC arts. 1596 a 1619), atacado pelo nosso direito positivo, que (a) nenhuma distinção faz entre filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, direitos, poder familiar, alimentos e sucessão; (b) permite o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento; (c) proíbe que se revele no assento do nascimento a ilegitimidade simples ou espuriedade e (d) veda designações discriminatórias relativas à filiação (DINIZ, 2018, p. 36 e 37).

Agora a palavra “filho” não comporta nenhum adjetivo. Não mais cabe falar de filhos legítimos, ilegítimos, espúrios, naturais, incestuosos ou adotivos. Como defendido por Dias (2017), filho é simplesmente filho.

Em quarta posição aparece o princípio de pluralismo das entidades familiares. Com a Constituição Federal de 1988 os arranjos familiares, para além dos oriundos do casamento tradicional, saíram da invisibilidade e começaram a receber reconhecimento e proteção por parte do ordenamento jurídico. O princípio do pluralismo das entidades familiares é encarado como o reconhecimento pelo Estado da existência de várias possibilidades de arranjos familiares (DIAS, 2017).

É por meio deste princípio que se torna possível o reconhecimento da legitimidade de qualquer relação que tenha por base o afeto, comprometimento recíproco dos entes familiares, ligação pessoal e patrimonial.

O quinto princípio é o da proteção integral e do melhor interesse da criança e fundamenta-se no artigo 227 da Constituição Federal e antepõe os interesses da criança e do adolescente como sujeitos de direito, e não como mero objeto das decisões parentais.

Maria Berenice Dias preleciona que:

A maior vulnerabilidade e fragilidade dos cidadãos até 18 anos, como pessoas em desenvolvimento os faz destinatários de um tratamento especial. Daí ser consagrado as crianças, adolescentes e jovens com prioridade absoluta, direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Também são colocados a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (DIAS, 2017, p. 57)

Nesse contexto, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente resguarda a primazia de interesses dos menores como pessoas em formação e fadadas de dignidade, o que deve ser observado pelo Estado, pela sociedade como um todo e dentro das relações familiares, tanto na elaboração, quanto na aplicação de seus direitos.

Vale ressaltar que esse princípio foi utilizado para fundamentar a decisão do STF de consagração da pluriparentalidade no ordenamento jurídico brasileiro. Em sua argumentação o Ministro afirmou que:

Nos tempos atuais, descabe pretender decidir entre a filiação afetiva e a biológica quando o melhor interesse do descendente é o reconhecimento jurídico de ambos os vínculos. Do contrário, estar-se-ia transformando o ser humano em mero instrumento de aplicação dos esquadros determinados pelos legisladores. É o direito que deve servir à pessoa, não o contrário. (STF, RE n° 898.060/SC, Rel. Min. Luiz Fux. Brasília, 21 set. 2016)

Por fim, temos o princípio da afetividade que constitui o núcleo da multiparentalidade, sendo o princípio norteador do direito das famílias. Ele fundamenta a igualdade de filiação biológica e não biológica, o respeito a seus direitos fundamentais e a solidariedade recíproca, além de se configurar como o elo que consolida as uniões familiares atuais (LOBO, 2014).

Maria Berenice Dias, afirma que o afeto não é somente um laço que envolve os integrantes de uma família, ele também tem um viés externo entre as famílias, pondo humanidade em cada instituição familiar (DIAS, 2017).

Em consonância com essa perspectiva, Calderón (2015) esclarece a importância que a afetividade assumiu perante as questões familiares.

A necessidade do Direito contemporâneo passar a acolher as manifestações afetivas que se apresentam na sociedade está sendo cada vez mais destacada, inclusive no direito comparado, como na recente obra de Stefano Rodotà, lançada em 2015, denominada Diritto D’amore[3]. Em suas afirmações, o professor italiano sustenta que um novo cogito poderia ser escrito na atualidade, com o seguinte teor: “amo, ergo sum”, ou seja, amo, logo existo, tamanha a atual centralidade conferida para a dimensão afetiva nos relacionamentos interpessoais deste início de século (CALDERÓN, 2015).

Tartuce (2007) realizou um estudo com o objetivo de analisar a eficácia imediata e horizontal das normas fundamentais que protegem a pessoa humana. Em sua argumentação ele descreve três consequências da aplicabilidade do princípio da afetividade no direito de família. A primeira consequência diz respeito à contribuição da afetividade para o reconhecimento jurídico da união homoafetiva. A segunda sinaliza a admissão da reparação por danos em decorrência do abandono afetivo. A terceira e mais relevante para o assunto em tela, é o reconhecimento da parentalidade socioafetiva como nova forma de parentesco.

Assim, é possível perceber a importância de ampliar o papel da subjetividade e da afetividade no Direito de família, que por sua vez não pode mais excluir de sua seara considerações acerca dos vínculos interpessoais dos membros das famílias. Os princípios gerais de direito são grandes orientações que se originam não só do aparato legal, mas de toda a ordem jurídica. São o cerne do ordenamento e por essa razão, geram consequências palpáveis a sociedade.

A PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA

O conceito de parentalidade socioafetiva decorre de uma profunda análise do princípio da afetividade. A demonstração de tal instituto se faz através do vínculo afetivo “pai do coração”, sendo o verdadeiro pai aquele que ama independentemente de laços sanguíneos, que cria o filho por opção, assumindo para si os deveres de guarda cuidado, educação e proteção (COSTA, 2009).

A filiação socioafetiva se constitui na afetividade. Ela é uma criação doutrinária que opera como mecanismo de proteger direitos e passou a se apresentar com grande eficácia nos tribunais, pois gera “a desbiologização da paternidade”. A certeza cientifica do critério biológico que compõe o paradigma do biologismo perdeu força, uma vez que a sociedade passou a considerar a existência de outros fundamentos para a filiação.

O direito brasileiro passou a mudar seus paradigmas ao desatar os conceitos genéticos anteriormente percebidos como estreitamente necessários e orientar-se a partir da socioafetividade. João Batista Villela afirma que a verdadeira paternidade não advém da biologia, e sim da cultura. O afeto, o serviço que alguém depreende para o bem de uma criança é o que aponta para a figura do pai, e não a derivação bioquímica. Nesse sentido, a consanguinidade assume um papel secundário na configuração da paternidade (VILLELA apud CASSETARI, 2015).

Por esses motivos, tomando como base a noção do melhor interesse da criança adotada como um princípio de grande importância no sistema jurídico brasileiro tem-se considerado o critério socioafetivo para assegurar aos filhos a prevalência dos seus direitos fundamentais, em especial o direito à convivência familiar. Nesse sentido o Ministro Luis Edson Fachin, afirma que outros pais e novas famílias surgem a partir das emoções e dos sentimentos. Os verdadeiros pais tomam expressões diante das provas; o pai que ao dar de comer expõe o foro íntimo da paternidade, o pai que toma conta da lição de casa, o pai que trata publicamente o filho nessa qualidade, sendo reconhecido como tal no ambiente social (FACHIN, 1996).

A filiação socioafetiva se expressa em diversas modalidades, como na adoção, nas técnicas de reprodução assistida heteróloga ou por doação, e na posse do estado de filho manifestada pela adoção à brasileira e pelo “filho de criação” (FUJITA, 2011).

Nessa esteira, merece destaque o trecho do voto do ministro Luiz Fux, citando Fachin (2016):

Se o conceito de família não pode ser reduzido a modelos padronizados, nem é lícita a hierarquização entre as diversas formas de filiação, afigura-se necessário contemplar sob o âmbito jurídico todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais (como a fecundação artificial homóloga ou a inseminação artificial heteróloga – art. 1.597, III a V do Código Civil de 2002); (ii) pela descendência biológica; ou (iii) pela afetividade.

O vínculo paterno filial passou a ser analisado por outro ângulo e acarretou mudanças significativas, de forma que mudanças que antes não eram palpáveis passaram a ter importância e repercussões jurídicas.

Lôbo (2008) conclui que “a afetividade, assim, desponta como elemento nuclear e definidor da união familiar, aproximando a instituição jurídica da instituição social. A afetividade é o triunfo da intimidade como valor, inclusive jurídico, da modernidade”.

Os reflexos dessas mudanças de paradigmas começam a ser observados perante as decisões judiciais atualmente proferidas e a afetividade passa a nortear o entendimento de muitos magistrados.

Na obra de Cassetari (2015) o autor trata dos requisitos para a existência da parentalidade socioafetiva e pondera três pontos que devem ser considerados indispensáveis. O primeiro requisito para configuração da parentalidade socioafetiva é o laço de afetividade que se constrói com amor entre os indivíduos numa relação, deixando de lado a ideia de que a família é caracterizada unicamente pelo parentesco.

O segundo é o tempo de convivência, pois é dele que os sentimentos de afeto e cumplicidade nascem. Verificar o momento do nascimento da socio afetividade e o tempo mínimo de convivência é uma tarefa imprecisa, no entanto a análise de cada caso concreto permitirá a certeza da existência do vínculo afetivo.

Barbosa (2015), pontua que para se assegurar os direitos fundamentais da criança e do adolescente, em especial o direito à convivência familiar, deve sempre prevalecer a paternidade socioafetiva em detrimento da biológica como uma forma de garantir o melhor interesse da criança (BARBOSA apud CASSETARI, 2015).

O terceiro diz respeito ao vínculo afetivo existente entre os familiares.  Nesse caso o magistrado deverá buscar compreender se o vínculo existente entre as partes é realmente consistente. Segundo Dias (2018) o parentesco socioafetivo está baseado numa relação de afeto, gerada pela convivência. A afetividade, o tempo mínimo de convivência e o sólido vínculo são aspectos inseparáveis.

A relevância do vínculo afetivo pôde ser exemplifica no julgado abaixo tramitado em 2011 no qual a parentalidade socioafetiva não foi reconhecida em razão da inexistência de laços de afetividade.

AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. PEDIDO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO E DE EXTINÇÃO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. PATERNIDADE RECONHECIDA EM AÇÃO ANTERIOR DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. PATERNIDADE AFASTADA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. NÃO COMPROVAÇÃO. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA. RECURSO PROVIDO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. – Embora a paternidade que se pretende desconstituir tenha sido reconhecida e homologada em ação de investigação de paternidade anterior, ”in casu”, impõe-se a relativização da coisa julgada, considerando que àquela época não se realizou o exame de DNA, o que somente veio a ser feito nestes autos, anos depois, concluindo-se pela inexistência de vínculo biológico entre o Apelante e o Apelado. – Na situação específica destes autos, não se pode concluir pela existência da paternidade afetiva, já que não comprovada a existência de laços emocionais e afetivos entre o Apelante e o Apelado.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0319.08.031769-0/001, Relator(a): Des.(a) Leite Praça , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/03/2011, publicação da súmula em 08/04/2011) (https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/ementaSemFormatacao.jsp?numero=undefined ACESSO EMM 31/10/2019 ÀS 12:02)

Diante disso, percebe-se que o preenchimento de todos esses requisitos exige uma instrução processual rigorosa, uma vez que o magistrado deverá analisar cada caso concreto a fim de saber se o vínculo existente entre as partes é sólido e forte a ponto de ser comparado com o existente entre pais e filhos ligados por laços de sangue.

A MULTIPARENTALIDADE E SEUS REFLEXOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO

Embora, em setembro de 2016, o Supremo Tribunal Federal brasileiro tenha reconhecido a possibilidade de multiparentalidade no âmbito da repercussão geral 622, a decisão traz inúmeras consequências, não apenas para o direito de família, mas também para outros campos jurídicos, como o direito das sucessões, o direito das obrigações, o direito processual, o direito eleitoral e o direito previdenciário (OLIVEIRA, 2020)

Shereiber (2016) ao pontuar os efeitos do reconhecimento da multiparentalidade, os divide em dois grupos; os que surgem do reconhecimento do instituto da multiparentalidade, como por exemplo o problema da sucessão dos ascendentes múltiplos em caso de falecimento do filho anteriormente ao falecimento dos pais, e o grupo dos efeitos que já existem atualmente, mas se agravam quando se originam os laços parentais, como por exemplo os alimentos múltiplos e a guarda compartilhada. Nesse contexto a solução deve ser buscada sempre por meio da aplicação imediata dos princípios constitucionais.

Cassetari (2015) elenca alguns problemas práticos advindos da multiparentalidade; O primeiro reside no caso da emancipação voluntária, pois de acordo com o inciso I do parágrafo único do art. 5º do Código Civil os pais ou um dos genitores deverão autorizar a emancipação voluntária. A primeira resposta seria a de que todos deveriam autorizar e se algum deles não autorizar, a solução virá do artigo 1.631 do Código Civil que estabelece que a questão seja solucionada judicialmente.

Outra questão seria quanto à representação judicial e extrajudicial dos filhos. Quem os representaria e os assistiria? A posição de Cassetari (2015), a fim de manter a coerência com o caso da autorização da emancipação voluntária, seria a de que a representação e assistência deverá ser dada por todos aqueles que estiverem presentes no assentamento do nascimento e, havendo divergência, poderá qualquer um deles recorrer ao juiz para a solução necessária, conforme estabelece o parágrafo único do art. 1.690 do Código Civil (BRASIL, 1916).

Outra questão relevante abordada pelo autor refere-se à obrigação alimentar. Sobre esse aspecto ele aponta que em decorrência da regra do artigo 265 do código civil, a pensão alimentícia deve ser paga por qualquer um dos presentes no assentamento do nascimento, de acordo com as suas possibilidades e sem solidariedade entre eles (CASSETARI, 2015).

A literatura que versa sobre os efeitos jurídicos da multiparentalidade demonstrou que não há dificuldades práticas nas famílias multiparentais que não possam ser solucionadas pelos aplicadores do direito, à luz dos valores constitucionais, a partir das ferramentas e construções disponíveis, aplicadas em outras searas pela doutrina e pela jurisprudência brasileiras (LUSTOSA e SHREIBER, 2016).

O PROVIMENTO 63 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

O Conselho Nacional de Justiça publicou em 17 de novembro de 2017 o Provimento 63 que possibilitou o procedimento de reconhecimento de filiação socioafetiva perante os Ofícios do Registro Civil das Pessoas Naturais de qualquer unidade federativa.

Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoa de qualquer idade será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais. (Provimento 60/2017 CNJ)

O provimento delineia requisitos para que o procedimento seja feito extrajudicialmente, com a manifestação de vontade do requerente, dos pais biológicos e do filho maior de 12 anos. De acordo com essa normativa, os vínculos consensuais socioafetivos de filiação podem ser registrados de forma voluntária e diretamente nas serventias do registro civil de pessoas, sem a necessidade de intervenção do judiciário. Desburocratização, assim a possibilidade da multiparentalidade no cenário nacional (CALDERÓN e TOAZZA, 2019).

A MULTIPARENTALIDADE E A DECISÃO DO STF

Ao que concerne ao acolhimento da parentalidade socioafetiva, a tese da repercussão geral 622 a qual reconheceu a possibilidade de se estabelecer a pluriparentalidade nas relações familiares contemporâneas, ressaltando a afetividade como um elemento efetivamente jurídico dentro do direito das famílias reflete o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Segundo ela:

A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. (STF, REx nº 898.060, Rel Min. Luiz Fux, Plenário, pub. 24/08/2017)

O texto foi proposto Fux (2017) e aprovado por ampla maioria. O relator do RE 898.060-SC considerou que o princípio da paternidade responsável impõe que tanto vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos quanto aqueles originados da ascendência biológica devem ser acolhidos pela legislação.

Ocorre que, conforme destaca Calderón (2016), ao analisar a referida questão, a Corte Suprema optou por não dar prevalência a qualquer dos vínculos, mas reconhecer a igualdade e possibilidade de coexistência entre a filiação biológica e socioafetiva, desde que seja de interesse do filho.

Neste julgamento, o Supremo Tribunal Federal aprovou tese fundamental à evolução do Direito de Família no sentido de se adequar às novas necessidades sociais, cabendo extrair dele três principais aspectos, dentre os quais se destacam: o reconhecimento jurídico da afetividade, igual grau de hierarquia jurídica dos vínculos de filiação biológicos e socioafetivos, bem como a possibilidade jurídica da multiparentalidade (CALDERÓN, 2016).

EFEITOS DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA

De acordo com o enunciado 33 do IBDFAM a paternidade socioafetiva ou a maternidade socioafetiva produz todos os efeitos pessoais e patrimoniais que lhes são inerentes.

Enunciado 33 do IBDFAM- O reconhecimento da filiação socioafetiva ou da multiparentalidade gera efeitos jurídicos sucessórios, sendo certo que o filho faz jus às heranças, assim como os genitores, de forma recíproca, bem como dos respectivos ascendentes e parentes, tanto por direito próprio como por representação.

A paternidade produz efeitos no âmbito pessoal (uso do nome) e social (status de filho), produz efeitos nas relações econômicas e patrimoniais, gerando reflexos no direito das obrigações, tais como: prestar alimentos e pleitear alimentos, nos termos do artigo 229 da Constituição de 1988. Enquanto no âmbito da responsabilidade civil, o pai responde pelos atos dos filhos enquanto menores ou incapazes, no direito sucessório o direito a herança, no direito previdenciário como a pensão por morte para o filho de criação, integral ou parcial, no direito eleitoral, que gera a inelegibilidade reflexa (CASSETARI, 2015).

Além disso, vale destacar que como efeito do acolhimento da parentalidade socioafetiva está a ampla aceitação do reconhecimento jurídico da afetividade e a necessidade de o direito contemporâneo passar a acolher as manifestações afetivas que se encontram na sociedade (CALDERÓN, 2015)

Esta equiparação é importante e representa um grande avanço para o direito de família. A partir disso, não é possível afirmar que uma modalidade de parentalidade prevalece sobre a outra, de modo que apenas o caso concreto apontará a melhor solução para a situação fática que esteja em análise.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo objetivou uma análise da nova conjuntura social familiar, na qual se verifica o advento do afeto como valor jurídico digno de proteção, nos termos da Constituição Federal de 1988 e uma breve análise das consequências da decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário RE 898060 ao acolher a parentalidade socioafetiva.

Diante do exposto, foi possível considerar que o instituto familiar em seus moldes tradicionais sofreu modificações estruturais de acordo com o comportamento humano ao longo da história. A família patriarcal centrada em interesses econômicos foi substituída pela configuração familiar contextualizada cujo objetivo de desenvolvimento pleno dos membros do grupo familiar é sustentado pelos princípios constitucionais, em especial os da dignidade da pessoa humana e da afetividade (OLIVEIRA; PEREIRA e RUZYK, 2017).

Nesse contexto, o princípio da afetividade atribuiu ao afeto status de bem jurídico digno de proteção. O afeto deixou de ser somente um laço que envolve os integrantes das famílias e passou a ter valor jurídico digno de atenção, de efetivo exercício e gerar efeitos no mundo real. O vínculo paterno passou a ser observado pela ótica da afetividade e acarretou mudanças significativas em questões que antes não eram palpáveis e atualmente passaram a ter importância e repercussão jurídica no em muitas questões em nossos tribunais (CALDERÓN, 2015).

Ao abordar sobre os diversos conceitos de família, ao tratar os filhos de forma igualitária e ao reconhecer a evolução da sociedade a nossa Lei Maior passou a figurar como o maior mecanismo impulsionador de toda essa transformação legislativa e jurisprudencial no Direito das Famílias.

Nesse diapasão muitos conflitos começam a surgir com tal transição de paradigmas. O biologismo e a socioafetividade passam a conflitar quando a paternidade é analisada sob diferentes critérios. Nessa seara, observa-se pela análise constitucional e pela análise do entendimento do STF que não há hierarquia entre os critérios biológicos e socioafetivos. Conclui-se que uma vez construído o vínculo socioafetivo não é mais possível desconstitui-lo e por outro lado é igualmente impossível se desconstituir a paternidade biológica (CALDERÓN, 2015).

Ocorre que como opção para resolver os casos em que na realidade fática efetivamente se verifique a existência de dois pais ou mães diferentes, surge o instituto da multiparentalidae. O instituto nasce como uma acomodação do ordenamento jurídica para a realidade fática de muitas famílias e permite a coexistência das filiações levando em consideração o princípio do melhor interesse do menor em razão do vínculo afetivo criado com o ascendente socioafetivo (DIAS, 2017).

Essa perspectiva se configura como uma possibilidade de ação para os magistrados e em especial para as pessoas cuja paternidade é discutida, pois nesse contexto é privilegiada a prevalência absoluta dos interesses da criança e do adolescente pela oferta de afeto e garantias.

Além disso, do caráter registral da filiação são garantidos todos os efeitos jurídicos desta e tais efeitos jurídicos deverão operar em harmonia entre as duas paternidades declaradas (SCHREIBER, 2016).

Os documentos de referências demonstram que em função da multiparentalidade ser uma realidade fática, o vem se adaptando e se acomodando a realidade da vida quotidiana de muitas famílias brasileiras, visto que tal instituto já possui respaldo nos princípios constitucionais e se apresenta como uma questão recentemente pacificada pelo STF, não podendo a legislação infraconstitucional se tornar um óbice para a sua aplicação.

Diante de todo o exposto, conclui-se que o acolhimento do instituto da multiparentalidade pelo ordenamento jurídico brasileiro permite a apreciação da filiação sob a ótica de diversos critérios e oportuniza, ao permitir a coexistência da paternidade biológica e socioafetiva, a consagração dos princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade (GAGLIANO, 2010).

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 jan. 2002.

BARBOZA, Heloisa Helena; ALMEIDA, Vitor. Novos rumos da filiação à luz da Constituição da República e da jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 10, n. 1, 2021. Disponível em:< civilistica.com | Novos rumos da filiação à luz da Constituição da República e da jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros>. Acesso em 02 de Junho de 2021.

CALDERÓN, Ricardo. Reflexos da decisão do STF que acolheu a socioafetividade e a multiparentalidade. Conjur. Rio de Janeiro. 25 de Setembro de 2016. Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2016-set-25/processo-familiar-reflexos-decisao-stf-acolher-socioafetividade-multiparentalidade >. Acesso em 16 de novembro de 2019.

CALDERÓN, Ricardo; TOAZZA, Gabriele Bortolan. Filiação socioafetiva: repercussões a partir do provimento 63 do CNJ. Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/301241/filiacao-socioafetiva–repercussoes-a-partir-do-provimento-63-do-cnj>. Acesso em 07 de Junho de 2021.

CAMPOS, Isabel Prates de Oliveira. A multiparentalidade no Supremo Tribunal Federal: considerações acerca dos votos ministeriais no julgamento do Tema 622. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 9, n. 1, 2020. Disponível em:< civilistica.com | A multiparentalidade no Supremo Tribunal Federal: considerações acerca dos votos ministeriais no julgamento do Tema 622 >. Acesso em 02 de Junho de 2021.

CASSETARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidadesocioafetiva: efeitos jurídicos, 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2015.

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CORREA, Vanessa Ribeiro. A filiação entre a verdade biológica e afetiva. Disponível em: <https://core.ac.uk/download/pdf/16013538.pdf> Acesso em: 16 de Novembro de 2019.

DIAS, Maria Berenice.Manual de Direito das Famílias. 17ªed.,São Paulo: Revista dos Tribunais,2017.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 32ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018.

FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

GAGLIANO, Pablo Stolz.Novo curso de direito civil.(12ª Edição ed., Vol. Volume I: parte geral), São Paulo: Saraiva,2018.

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MAIA, Mariana Nascimento; LIMA, Tania Maria Batista; SOUZA, Ionete de Magalhães. Efeitos jurídicos da multiparentalidade à luz do recurso extraordinário 898.060/sc. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/54820/efeitos-juridicos-da-multiparentalidade-a-luz-do-recurso-extraordinario-898-060-sc> Acesso em: 16  de novembro de 2019.

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[1] Bacharel em Direito pela Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio.

Enviado: Junho, 2021.

Aprovado: Junho, 2021.

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Nathalia Luzorio Simões

2 respostas

  1. Excelente artigo. A base de tudo deve, incondicionalmente, ser a dimensão afetiva.
    Parabéns Natália Simões

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