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Natureza jurídica da sociedade limitada

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

CASTRIOLA, Raquel Fortes Alves [1]

CASTRIOLA, Raquel Fortes Alves. Natureza jurídica da sociedade limitada. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 04, Vol. 05, pp. 157-170. Abril de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/natureza-juridica

RESUMO

O presente artigo trata do tipo societário denominado Sociedade Limitada, que limita a responsabilidade patrimonial dos seus membros por eventuais obrigações e dívidas contraídas no exercício da atividade econômica. Este contrato social, por possuir traços únicos entre as espécies societárias existentes, levanta o seguinte questionamento: qual é a sua natureza jurídica: personalista, própria das sociedades contratualistas, ou capitalista, própria das sociedades anônimas? Portanto, o objetivo deste trabalho é abordar sobre o contexto histórico da Sociedade Limitada, os seus institutos, que são previstos por capítulo específico no Código Civil de 2002 (CC/02), e demonstrar de que maneira essas regulamentações definem a sua natureza jurídica. O método de investigação utilizado será a revisão bibliográfica e legislativa sobre o tema. Nesse sentido, conclui-se que, devido a sua natureza peculiar, a Sociedade Limitada não se amolda a uma única classificação jurídica, uma vez que a forma como é pactuada entre os seus sócios define qual o fator mais importante para o seu funcionamento e realização: ou os sócios e suas qualificações, ou o investimento financeiro que foi trazido para sua constituição.

Palavras-chave: Sociedade Limitada, Direito Societário, Direito Empresarial.

1. INTRODUÇÃO

A sociedade limitada representa o tipo societário mais adotado no Brasil, representando 99% das sociedades empresariais brasileiras, segundo o DREI – Departamento de Registro Empresarial e Integração (MAMEDE, 2019, p. 213). Isso se dá devido a responsabilidade dos sócios da sociedade limitada pelas dívidas sociais restringir-se ao valor da sua quota e ao montante que falta para integralizar o capital social, diminuindo os riscos do negócio e sem a complexa formalidade das Sociedades Anônimas, sendo o tipo societário mais recomendado aos pequenos e médios empreendedores (TOMAZETTE, 2017, p. 445).

Assim, a Sociedade Limitada tornou-se garantia a todos aqueles que desejassem investir em atividades econômicas de que o patrimônio pessoal não seria atingido, de maneira que o único risco seria a perda da sua contribuição monetária (MAMEDE, 2019, p. 212).

Desse modo, esta pesquisa visa responder qual a classificação jurídica predomina na constituição da Sociedade Limitada: o personalista, previsto dos dispositivos do CC/02, ou o capitalista, disposto nos institutos da lei 6.404/64. Logo, é pretendida a compreensão do que é crucial para o funcionamento da Sociedade Limitada e da realização do seu objeto social: a qualidade das pessoas que a compõem, o quadro societário, ou o capital investido?

Assim, o presente trabalho tem por objetivo destrinchar o momento da história em que esse modelo societário foi criado e introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, como também apresentar os principais institutos legais que delineiam a Sociedade Limitada, como a formação do seu capital social, a limitação de responsabilidade do sócio, o direito ao voto, o direito de recesso e a cessão das quotas, bem como relacionar essas regulamentações à natureza jurídica (personalista ou capitalista) que prevalece dentro desse tipo societário. A metodologia de pesquisa utilizada foi a análise bibliográfica e legislativa.

2. ORIGEM HISTÓRICA DA SOCIEDADE LIMITADA

 A sociedade limitada, originada na Alemanha em 1982 e atendendo ao interesse de pequenos e médios empresários, decorreu da necessidade de criação de um tipo societário que auxiliasse na diminuição dos riscos da atividade empresarial e que fosse menos burocrático que o tipo das sociedades de capitais. Assim, o surgimento das sociedades limitadas garantiu que o único risco dos investidores de atividades produtivas seria a perda do capital investido, de maneira a não alcançar o patrimônio pessoal dos sócios, logo afastando a responsabilidade subsidiária dos sócios pelos inadimplementos da sociedade (MAMEDE, 2019, p. 2012).

Dessa forma, a sociedade limitada abrange as qualidades da sociedade de capital e de pessoas, pois há a limitação da responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais, bem como é uma estrutura mais simplificada, sem as complexas formalidades da sociedade anônima (TOMAZETTE, 2017, p. 442).

No Brasil, a sociedade por quotas de responsabilidade limitada foi prevista pelo decreto 3708/19, que ampliava a liberdade dos sócios em regular as suas relações no contrato social, nos casos de omissão do decreto, já que tal diploma era conciso (TOMAZETTE, p. 443), e não disciplinava grande parte das relações internas e externas da sociedade (ULHOA, 2012, p. 455-456). Ademais, as questões não disciplinadas pelo decreto e pelo contrato social eram regidas supletivamente pela Lei 6.404/76 (Lei das S/A) e pelo Código Comercial, o que provocou diferentes questionamentos acerca da escolha do diploma que seria aplicado sobre problemas que não eram previstos pelo decreto de 1919, nem pelo estatuto social (ULHOA, 2012, p. 456).

No entanto, com o advento do Código Civil de 2002 (CC/02), foi previsto o tipo da sociedade limitada, que superou essa questão doutrinária, uma vez que o texto legal facultou aos sócios, nos casos de omissão do CC/02 sobre determinadas matérias, a adoção das normas da sociedade simples ou das normas da Lei das S/A (TOMAZETTE, 2017, p. 445).Assim, o Art. 1.053, parágrafo único do CC/02 (BRASIL, 2002) prevê que, se o contrato social não determinar a  lei das sociedades anônimas como fonte subsidiária, serão aplicadas as normas da sociedade simples nos casos de omissão do código, ainda que a cláusula sobre a regência supletiva não esteja prevista do contrato social.

3. NATUREZA JURÍDICA DA SOCIEDADE LIMITADA

O que define a sociedade de pessoas é o “papel exercido pela pessoa do sócio na vida da sociedade, é a influência das suas qualidades pessoais na constituição e no funcionamento da sociedade’’, ao contrário das sociedades de capitais, cujo “papel preponderante é tão somente a contribuição dos sócios’’(TOMAZETTE, 2019, p. 374).

A classificação da sociedade limitada levanta ampla discussão, uma vez que esse tipo societário abarca características das sociedades de cunho personalista e das sociedades de capitais (TOMAZETTE, 2017, p. 445).

Por isso, existe uma corrente teórica a qual afirma que a sociedade limitada é personalista, como a de Fran Martins, Romano Cristiano e Sérgio Campinho, em razão da a natureza contratualista na sua constituição, a qualidade dos sócios ser fundamental para a sociedade, além dos dispositivos legais concernentes a Sociedade Limitada trazerem as seguintes previsões: a possibilidade dos sócios obstarem a transferência das quotas a pessoa estranha aos quadros societários, mediante a exigência do consentimentos de mais de ¾ do capital social para que ocorra a alienação da participação do sócio; a dissolução parcial pela quebra da affectio societatis[2]; a faculdade dos sócios dissolverem a sociedade em razão da morte do sócio; e a solidariedade dos sócios para integralizar o capital social (Apud. TOMAZETTE, 2017, p. 446). Dessa maneira, todos esses enunciados legais reforçam a relevância dos atributos subjetivos dos sócios para o exercício do objeto social.

No entanto, outro posicionamento da doutrina define a natureza da sociedade limitada como híbrida, uma vez que são os sócios, por intermédio das cláusulas do contrato social, que determinam se a sociedade é intuitu personae ou capitalista (apud TOMAZETTE, 2017, p. 446). Conforme as lições de Fábio Ulhoa (2012, p. 460), “… são os sócios, e não a lei, que a definem. A negociação, traduzida no contrato social, elucida se a limitada será de pessoa ou de capital”.

A definição da natureza da sociedade, para Marlon Tomazette (2017, p. 447). é realizada pelo exame das seguintes questões no contrato social:  a) o modo como é disciplinada a transferência das quotas: se ocorre mediante o consentimento dos sócios (natureza personalista) ou livremente (natureza capitalista); b) as consequências da morte do sócio: se implica a dissolução da sociedade (natureza personalista), ou o pagamento de haveres, ou a sucessão dos herdeiros (natureza capitalista); c) se um terceiro será o administrador, como nas sociedades capitalistas, ou se somente os sócios serão administradores, conforme é feito nas sociedades personalistas; d) se há cláusula do contrato social prevendo a regência supletiva pelas normas das sociedades anônimas (natureza capitalista) ou pelas normas da sociedade simples, ou se é silente quanto a essas matérias, nesse caso, prevalecendo o caráter personalista da sociedade.

Além disso, no que concerne ao nome empresarial, é possível a adoção da razão social (natureza personalista) ou da denominação (natureza capitalista), o que “reforça a tese da natureza híbrida de tal sociedade” (TOMAZETTE, 2017, p. 448).

Já para Ulhoa (2012, p. 463-464), a cláusula do contrato social que versa sobre a cessão de quotas é a única que permite avaliar a natureza da sociedade limitada; desse modo, se o contrato for silente quanto a essa matéria, considera-se a sociedade como personalista, pois o Art. 1.057 do CC/02 (BRASIL, 2002) fez a escolha por uma opção que se assemelha à da sociedade de pessoas, visto que exige o consentimento de ¾ dos titulares do capital social para que a alienação da participação seja eficaz.

Cabe ressaltar que a Instrução Normativa nº 81 do DREI (MINISTÉRIO DA ECONOMIA, 2020) prevê que, ainda que o contrato social não manifeste de forma expressa pela fonte legal supletiva, caso o ato constitutivo estabeleça qualquer instituto próprio das Sociedades Anônimas (quotas em tesouraria; quotas preferenciais; conselho de administração; conselho fiscal), haverá adoção pela regência supletiva das normas da Lei 6.404/76, logo assumindo a categoria das sociedades de capitais.

Portanto, somente a análise do contrato social, caso a caso, das suas estipulações, dos institutos estabelecidos e das eventuais omissões, que podem ser regidas pelo CC/02 ou pela Lei das S/A, dependendo da fonte legal subsidiária estipulada (ou não), determinará a natureza jurídica da Sociedade Limitada.

4. A SUBSCRIÇÃO E A INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL

Ao assumirem a condição de sócios, os indivíduos adquirem direitos (participação nos lucros, quotas, poderes), bem como assumem obrigações perante a sociedade (dever de integralizar a sua quota, participação nas perdas, eventual responsabilização patrimonial), conforme prevê o Art. 997 do CC/02 (BRASIL, 2002). Dentre estas, a principal obrigação é a de investir, prover recursos para formação do capital social em moeda (ULHOA, 2012, p. 497), cuja finalidade é a realização do objeto social, garantia dos credores e responsabilidade do quadro societário perante a terceiros (Apud. TOMAZETTE, 2017, p. 450).

Por conseguinte, segundo as lições de Tomazette (2017, p. 453), a representação dos direitos e deveres inerentes a qualidade de sócio é expressa por intermédio das quotas, as quais consistem em frações do capital social, assim os sócios, quando subscrevem as quotas, auferem direitos patrimoniais, como participação nos lucros e no acervo social, em caso de liquidação da sociedade, e direitos pessoais, como fiscalização dos atos da administração, direito ao voto e direito de preferência para participar do aumentos no capital social.

Vale ressaltar que a subscrição do capital social não demanda a integralização imediata no momento da assinatura do contrato ou do seu registro, sendo permitido o pagamento das quotas em outra época (MAMEDE, 2019, p. 216). Nesse sentido, Ulhoa (2012, p. 497) estabelece a diferença entre capital integralizado e subscrito, de maneira que este consiste na promessa de pagamento de um crédito feito pelo sócio, enquanto aquele é a entrega dos valores prometidos.

Consequentemente, o sócio tem o dever de integralizar a quota subscrita perante a sociedade (ULHOA, 2012, p. 499), e, caso esteja vencida a obrigação, mas o sócio não a cumprir após decorridos 30 dias da sua notificação, será constituído em mora e considerado remisso. Logo, a sociedade poderá optar pelas seguintes medidas: a) exigir os valores devidos, os quais incluem as perdas e danos que resultaram do inadimplemento; b) redução da quota do sócio remisso até o valor que ele pagou; c) exclusão do sócio e alienação da quota a terceiros ou outros sócios, com a respectiva transferência do valor pago pelo adquirente ao remisso (TOMAZETTE, 2017, p. 473).

Por tudo isso, conclui-se que o aporte econômico realizado pelos sócios é de extrema importância para a formação e manutenção da sociedade, já que, não só a contribuição do capital social da Sociedade Limitada é a mais importante obrigação societária, como também é vedada a contribuição em serviços – Art. 1.055, §2º do CC/02 (BRASIL, 2002) – de forma que só é aceita contribuição em bens e dinheiro. Assim tamanha é a correspondência entre este tipo societário e as sociedades de capitais, cuja regulamentação no Art. 7º da Lei das 6.404/76 (BRASIL, 1976) também prevê que o capital social das Sociedades Anônimas é formado com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro.

5. A LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO SÓCIO

A limitação da responsabilidade nas sociedades limitadas, segundo Ulhoa (2012, p. 503), é indispensável ao desenvolvimento da atividade empresarial no capitalismo, pois enseja a diminuição do preço de bens e serviços que são fornecidos no mercado,  além do fato da responsabilidade ilimitada desestimular os investimentos por companhias menos tradicionais.

Entretanto, enquanto o capital social não for totalmente integralizado, todos os sócios são solidariamente responsáveis pelo restante que falta a integralizar, de modo que cada sócio poderá ser chamado a cumprir a parcela ainda não paga pelos demais, consoante disposto no Art. 1.052, caput, do CC/02 (BRASIL, 2002). Isso quer dizer que a responsabilidade dos sócios nas sociedades limitadas restringe-se ao total do capital subscrito e não integralizado (ULHOA, 2012, p. 505). Portanto, o credor poderá reclamar a parte não integralizada de qualquer sócio para o pagamento do seu crédito, quando esgotado o patrimônio da sociedade, porque a “responsabilidade dos sócios pela integralização do capital social é subsidiária, pois pressupõe o esgotamento do patrimônio social” (ULHOA, 2012, p. 514).

Por outro lado, na hipótese de todo o capital social da Sociedade Limitada ser totalmente integralizado e a sociedade ser demandada por terceiros em razão de dívidas sociais, mas não possuir patrimônio para o pagamento dos créditos, não é possível o alcance do patrimônio dos sócios para saldar essas obrigações, uma vez que há a separação patrimonial entre pessoa jurídica e os seus membros, sendo a diretriz a regra a irresponsabilidade dos sócios por débitos sociais (ULHOA, 2012, p. 502), salvo se este incidir em alguma hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, ou participar da distribuição fictícia de lucros, ou aprovar deliberação infringente da lei ou do contrato social (TOMAZETTE, 2017, p. 476).

Consequentemente, são delimitados dois cenários, cuja definição da responsabilidade do sócio perante terceiros, em virtude das dívidas contraídas pela sociedade, depende de um único fator: se ocorreu ou não a integralização do capital social por todos os sócios.

Por conseguinte, infere-se que sociedade limitada, apesar de ser estabelecida por contrato social, abarca traços pertencentes à classificação das sociedades capitalistas, uma vez que, de modo semelhante ao disposto no Art. 1.052 do CC/02 (BRASIL, 2002), cuja previsão consiste na responsabilidade de cada sócio ao valor de sua quota, a Lei 6.404/76 (BRASIL, 1976), em seu Art. 1º, prevê expressamente que a responsabilidade dos sócios ou acionistas das S/A será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. Com isso, tanto nas S/A como nas Limitadas há a restrição da responsabilidade dos seus membros.

6. AS DELIBERAÇÕES SOCIAIS

A sociedade, como entidade artificial, depende da participação de pessoas naturais para realização de qualquer tipo de atividade na realidade material. Como as sociedades personificadas possuem capacidade genérica para obter direitos e obrigações, necessitam da intervenção de órgãos para praticar os seus direitos e obrigações, de modo que eles manifestem a vontade da sociedade e a administrem (TOMAZETTE, 2019, p. 301).

Com isso, a gestão dos negócios e a manifestação da vontade da sociedade são realizadas pelo administrador, que é o presentante da sociedade (TOMAZETTE, 2019, p.301), pois integra a estrutura da pessoa jurídica e recebe poderes do contrato social para sua atuação, agindo em nome da sociedade, segundo o Art. 1.060, caput do CC/02 (BRASIL, 2002).

Todavia, é inerente a condição de sócio a prerrogativa de compor a vontade social (TOMAZETTE, 2019, p. 397), nos casos em que serão decididas as questões mais importantes para o seu funcionamento e desenvolvimento. Essa faculdade consiste no direito essencial ao voto, que poderá ser exercido nas reuniões ou assembleias, conforme previsto no Art. 1.071, caput do CC/02 (BRASIL, 2002).

Dessa maneira, há determinadas deliberações cuja validade e eficácia são  condicionadas ao cumprimento das formas previstas em lei (ULHOA, 2012, p. 532), como, por exemplo, como, por exemplo, a tomada de decisões sobre determinados assuntos somente em assembleias ou reunião e a necessidade de que sejam cumpridos diferentes quóruns de aprovação.

As reuniões são os encontros mais simplificados do quadro societário para deliberar, pois não há exigência legal específica sobre esses eventos, de maneira que podem ser encontros sem formalidade, se o contrato nada dispuser (MAMEDE, 2019, p. 244). Por isso, as regras das reuniões podem ser estabelecidas pelo próprio contrato social acerca da periodicidade, convocação (competência e modo), quórum de instalação, curso e registro de trabalhos (ULHOA, 2012, p. 536).

Já as assembleias são encontros mais formais que exigem o atendimento a certo procedimento (MAMEDE, 2018, p. 245). Dentre as formalidades exigidas pelo CC/02, no seu Art. 1.074, caput (BRASIL, 2002), está a obrigatoriedade da sua realização em sociedades com mais de dez sócios e a presença de, no mínimo, 75% do capital social para sua instalação em primeira convocação, e, se tal quórum não for atingido, na segunda convocação, a assembleia poderá ser instalada com qualquer número de participantes.

Nesse sentido, para aprovação das matérias mais relevantes à sociedade, a legislação civil prevê diversos quóruns numa votação, “os quais somente poderão ser aumentados pelos sócios, pois trata-se de norma cogente que protege o direito dos minoritários” (TOMAZETTE, 2017, p. 457). Assim, o CC/02, no Art. 1.076 c/c Art. 1.071 (BRASIL, 2002), estabelece os seguintes quóruns e matérias: a) aprovação por, pelo menos, 75% do capital social: a modificação do contrato social;  b) aprovação por mais de 50% do capital social: a fusão, incorporação, dissolução e cessão do estado de liquidez; nomeação e destituição dos administradores, assim como a fixação da remuneração destes; pedido de recuperação judicial; nomeação de administrador não sócio; c) aprovação por, pelo menos, 2/3 do capital social: a nomeação de administrador não sócio, caso já esteja integralizado o capital social; a destituição de administrador sócio, se foi nomeado pelo contrato social; d) aprovação unânime: a nomeação de administrador não sócio, caso não esteja integralizado o capital social; e) aprovação por maioria simples: outras matérias, salvo se o contrato social estabelecer quórum maior para aprovação.

6.1 DAS DELIBERAÇÕES NAS SOCIEDADES SIMPLES E NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS:

As Sociedades Simples enquadram-se como sociedade de pessoas, pois o caráter pessoal prevalece (TOMAZETTE, 2017, p. 373). No que diz respeito às deliberações das Sociedades Simples, o Art. 999, caput do CC/02 (BRASIL, 2002) estabelece que quaisquer modificações no contrato social exigem a maioria absoluta dos votos ou a unanimidade, dependendo da matéria a ser modificada. Assim, essa disposição legal aproxima as Sociedades Limitadas da categoria de sociedade personalista, uma vez que, como demonstrado no início deste capítulo, os sócios participam da formação de vontade da sociedade, mediante a votação entre eles e aprovação 75% do capital social para qualquer tipo de alteração no contrato social.

Entretanto, diferentemente do que o ocorre nas Sociedades Simples, o direito à participação nas deliberações sociais não é exercido de maneira igualitária, visto que esse direito é correspondente à quota do sócio no capital social, logo nem todos os membros da sociedade possuem condições de exercer influência sobre o conteúdo das decisões mais relevantes (ULHOA, 2012, p. 531).

Além disso, a Instrução Normativa nº 81 do DREI (MINISTÉRIO DA ECONOMIA, 2020) permite que o direito ao voto seja restrito ou suprimido nas Sociedades Limitadas, mediante a implementação de quotas preferenciais, as quais atribuem vantagens, porém possibilitando a limitação do direito à participação nas manifestações e formação da vontade social. Essa regulamentação infralegal aproxima as Sociedades Limitadas da categoria jurídica das sociedades de capital, pois fenômeno semelhante ocorre no âmbito das Sociedades Anônimas, já que a lei 6.404/76 (BRASIL, 1976), no seu Art. 17, §1º, também prevê o instituto das ações preferenciais, que atribuem vantagens na distribuição de dividendo ou reembolso de capital, porém poderão restringir ou suprimir o direito ao voto do acionista.

Portanto, conclui-se que as deliberações sociais exercidas no interior das Sociedades Limitadas revelam a natureza mista desse tipo societário, visto que é constituído tanto por características personalistas (sócios votam para alteração do contrato social) como da sociedade de capitais (limitação e exclusão do direito ao voto).

7. O DIREITO DE RECESSO

O direito de recesso, também denominado direito de retirada, consiste na faculdade, pertencente ao sócio que não tem mais interesse em permanecer no quadro societário, de se desligar dos vínculos que possui com os sócios e com a sociedade, mediante ato unilateral de vontade, assim o sócio retirante impõe, por intermédio da sua vontade, a pessoa jurídica o dever de lhe reembolsar o valor da sua participação no capital social (ULHOA, 2012, p. 548).

Quanto a regulamentação legal sobre o assunto, o Art. 1077, caput do CC/02 (BRASIL, 2002) prevê que o sócio da Sociedade Limitada o qual discordar de qualquer alteração no contrato social, a fusão ou a incorporação da sociedade terá direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias após à reunião. Tavares Borba coaduna com a interpretação literal da lei, pois afirma que somente as hipóteses elencadas no Art. 1077 do CC/02 autorizam o direito de retirada (Apud. TOMAZETTE, 2017, p. 478). Essa previsão legal aproxima a Sociedade limitada da categoria jurídica das sociedades de capitais, uma vez que, na estrutura das Sociedades Anônimas, somente é permitido a retirada motivada dos acionistas, conforme dispõe o Art. 109, V da Lei 6.404/76 (BRASIL, 1976), recebendo o reembolso das ações pagas, caso ocorra quaisquer das hipóteses previstas no Art. 137 da mencionada acima, como a redução do dividendo obrigatório, mudança do objeto, fusão ou cisão da companhia etc.

Entretanto, Marlon Tomazette (2017, p. 478) defende a aplicação do Art. 1.029 do CC/02, a retirada imotivada do sócio, quando se tratar de Sociedades Limitadas de prazo indeterminado, em razão deste surgir mediante o contrato social; assim, seria direito do sócio denunciar o contrato a qualquer momento.

Já Fábio Ulhoa (2012, p. 549), condiciona o exercício do direito de retirada à fonte supletiva a que se sujeita sociedade, logo, se a regência supletiva for pelas normas da sociedade simples, o sócio possui o direito de se retirar a qualquer momento, em razão do princípio da autonomia da vontade. Porém, se o contrato elegeu a lei das sociedades anônimas como fonte supletiva, a retirada, tanto nos contratos a prazo determinado, como nos contratos a prazo indeterminado, deverá ser motivada, de forma que a saída do sócio dependerá da sua discordância sobre a deliberações das matérias previstas no art. 1077 do CC/02.

Desse modo, infere-se que a literalidade da lei associa as Sociedades Limitadas à natureza das sociedades de capitais, visto que somente é viável o direito de retirada em hipóteses legais taxativas. No entanto, a interpretação sistemática do Direito, quanto ao direito de retirada, permite adequar as Sociedades Limitadas à classificação das sociedades de pessoas, em que há retirada imotivada por sua natureza contratual, ou a quaisquer das duas categorias (capitalista ou personalista), a depender da regência supletiva eleita no contrato social.

8. A CESSÃO DAS QUOTAS

Caso o sócio deseje romper o seu vínculo com a Sociedade Limitada que integra, ele não necessariamente precisa exercer o seu direito de retirada, pois poderá ceder as suas quotas a sócios ou a terceiros (ULHOA, 2012, p. 548).

Nesse sentido, o Art. 1.057 do CC/02 (BRASIL, 2002) prevê a possibilidade da cessão de quotas nas Sociedades Limitadas, de modo que o contrato poderá regulamentar livremente a matéria; porém, se não o fizer, o sócio poderá ceder as suas quotas a outro sócio, independente da anuência dos demais, ou a terceiro, mediante aprovação de ¾ do capital social.

Assim sendo, no trecho que exige a aprovação de 3/4 do capital social, a Sociedade Limitada assemelha-se à natureza das sociedades personalistas, uma vez que a Sociedade Simples, na previsão do Art. 1.003 do CC/02 (BRASIL, 2002), também exige a aprovação dos sócios quando há cessão das quotas.

Entretanto, o trecho que faculta ao contrato dispor sobre a matéria em questão e que permite a cessão a outro sócio, independentemente da anuência dos demais, aproxima a Sociedade Limitada à categoria das sociedade de capitais, pois, “A livre circulação das ações é princípio fundamental do regime jurídico das sociedades anônimas” (ULHOA, 2012, p. 158), e eventuais limitações a circulação das ações não podem impedir a negociação, nem sujeitar ao arbítrio da maioria dos acionistas, conforme disposto no Art. 36 da Lei 6404/76 (BRASIL, 1976).

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Sociedade Limitada foi fundada para suprir uma necessidade de proteção do patrimônio pessoal dos sócios, pois somente o capital investido na sociedade poderá ser alcançado por débitos contraídos com exercício da atividade econômica, entretanto sem exigir os rigorosos procedimentos das Sociedades Anônimas, visto que é de fácil instituição (contrato social) e funcionamento (regido pelas normas do Código Civil).

Logo, a Sociedade Limitada possui características diferenciadas das sociedades existentes, pois não se amolda a uma única espécie de classificação jurídica, já que pode tanto valorizar o investimento aplicado pelos sócios, mediante a contribuição social, como as qualidades dos membros que compõem o seu quadro societário.

Portanto, respondendo a questão norteadora deste artigo, conclui-se que natureza jurídica das Sociedades Limitadas é híbrida, de modo a manifestar traços das sociedades de capitais ou das sociedades de pessoas, em função da forma que os institutos os quais o CC/02 faculta livre regulamentação são tratados no contrato social e, no caso de omissões no ato constitutivo sobre essas matérias, da regência supletiva legal eleita pelos sócios.

Assim, o CC/02 facultou ao contrato social estabelecer as diretrizes que definem qual o fator de maior relevância para a constituição e exercício da atividade social: o capital ou as pessoas. Cabe aos sócios definirem o elemento mais importante para o exercício da atividade social entre esses fatores e amoldarem as características da sociedade conforme os seus objetivos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm>.

Acesso em: 23 fev. 2022.

______. Lei n. 6404, 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 dez. 1976. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6404consol.htm> Acesso em: 23 fev. 2022.

MAMEDE, Gladston. Direito Societário – Sociedades Simples e Empresárias, V. 2. São Paulo, Atlas, 2019.

MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Instrução Normativa DREI nº 81, de 10 de junho de 2020, Anexo IV. Dispõe sobre as normas e diretrizes gerais do Registro Público de Empresas, bem como regulamenta as disposições do Decreto nº 1.800, de 30 de janeiro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 de junho de 2020. Disponível em <https://www.gov.br/economia/ptbr/assuntos/drei/legislacao/arquivos/legislacoesfederais/IN812020AnexoIVManualdeLTDAalteradopelaIN55de2021eIN112de2022novondice24jan22.pdf> Acesso em: 23 fev. 2022.

TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial, V. 1. São Paulo, Atlas, 2017.

ULHOA, Fábio. Curso de Direito Comercial, V.2. São Paulo, Saraiva, 2012.

APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ

2. Trata-se da manifestação expressa dos sócios em ingressarem na sociedade e colaborarem para realizar o fim comum, isto é, a atividade social (TOMAZETTE, 2017, p. 278).

[1] Pós-graduada em Advocacia Tributária. Bacharel em Direito. ORCID: 0000-0003-4161-1548.

Enviado: Outubro, 2021.

Aprovado: Abril, 2022.

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Raquel Fortes Alves Castriola

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