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Resenha do filme “Narradores de Javé”: história, memória e direito

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CONTEÚDO

RESENHA

MATOS, Alexandra Gomes dos Santos [1]

MATOS, Alexandra Gomes dos Santos. Resenha do filme “Narradores de Javé”: história, memória e direito. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 06, Ed. 12, Vol. 06, pp. 161-165. Dezembro de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/memoria-e-direito

RESUMO

O presente trabalho é uma resenha do filme “Narradores de Javé”, com enfoque em uma abordagem jurídica, que não desvencilha o direito desses moradores ao local, em que moram, pelo fato de serem ágrafos, além de marginalizados social e economicamente. Desse modo, é reconhecida não apenas essa prerrogativa humana, mas também o respeito à história e à memória de Javé, que termina sucumbindo aos anseios de uma elite minoritária.

Palavras-chave: Direitos Humanos, Javé. Escrita, Poder.

NARRADORES de Javé. Produção de Eliane Caffé. Riofilme, 2003. DVD (100min), widescreen, color.

Nascida em São Paulo, Eliane Caffé possui mestrado pelo Instituto de Estética y Teoria de las Artes da Universidade Autónoma de Madrid, na Espanha. Ela iniciou a sua carreira no cinema com três curtas que ganharam diversos prêmios no Brasil e no circuito internacional. Narradores de Javé, obra em apreço dessa cineasta, ficou com o prêmio de melhor filme no VII Festival Internacional de Cinema de Punta del Este.

Em Narradores de Javé, é evidente a ideia da supremacia da escrita sobre a oralidade, a memória como meio científico de se fazer história, o processo de construção da identidade de um povo e a indiferença da classe dominante aos anseios dos povos desfavorecidos econômica e socialmente. Desse modo, a relevância de preservar a tradição de uma sociedade ágrafa depara-se com um pormenor: a viabilidade da modernização que não considera os interesses do homem sertanejo, morador de Javé.

Nesse sentido, a história inicia-se a partir de um conflito que mobiliza todo o povoado: a necessidade da construção de uma usina hidrelétrica pode inviabilizar a harmonia e a possibilidade de se viver em Javé. Apavorados com a notícia, os moradores reúnem-se, sob o comando da personagem Zaqueu (Nelson Xavier), com um único intuito de assegurar formas de não legitimar o intento. O líder busca os direitos do povo e declara, em reunião, aos seus conterrâneos: “Então eu perguntei pros home se não tinha nada no mundo que a gente pudesse fazer pra salvar Javé das águas; (…)”. (NARRADORES DE JAVÉ, 2003, 0:05’:00’’ – 0:05’:08’’).        

Nessa perspectiva de análise, é notória a existência da busca pelo direito, mesmo nas sociedades ágrafas, conforme palavras de Wolkmer “o direito arcaico pode ser interpretado a partir da compreensão do tipo de sociedade que o gerou.” (WOLKMER, 1990, p. 44). Em outras palavras, essa busca pelos direitos traduz o grau de evolução e complexidade de cada povo. Isso está bem visível na fala reveladora das intenções de Zaqueu, homem simples que sabe do seu direito à terra e quer buscar formas de efetivá-lo.

Destarte, a narrativa do filme já se inicia por meio de Zaqueu, que resolve, em nome do povo, conduzir-se até a instância superior para definir formas de evitar a catástrofe em Javé. Nesse sentido, Bakhtin expõe: “tudo se reduz ao diálogo, à contraposição enquanto centro. Tudo é meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada termina, nada resolve. Duas vozes são o mínimo de vida.” (BAKHTIN, 2011, p. 34). Percebe-se, então, que o diálogo é alicerce para que o exercício do direito seja efetivado, o que coaduna com a postura do líder da sociedade ágrafa em questão.

A partir do diálogo, estabelecido por Zaqueu, com “os home”, assim definidos pela própria personagem, poderia haver uma esperança de Javé não ser submersa pelas águas. Esse anseio seria concretizado se o povo construísse uma história escrita, de caráter científico, sobre o povoado. Eis a problemática: o povo de Javé não tem o domínio da escrita, fato que não o impede de possuir uma história, reveladora da sua identidade e da sua memória, tampouco lhe destitui o direito sobre essa terra.

Nesse conflito entre a supremacia da língua escrita, por meio dela Javé seria salva, e da língua falada, Zaqueu recorda-se de Antônio Biá (José Dumont), carteiro que, em tempos remotos, começou a produzir cartas para locais diversos com inventos e calúnias sobre a comunidade de Javé. Ele fez isso como forma de aumentar o movimento nos Correios e, consequentemente, não perder seu emprego. Biá, quando descoberto, foi banido pela população. Mas, inserido em uma nova circunstância, o povo vê uma forma de redenção para ele: salvar Javé do desastre, contando a história escrita por meio da memória dos moradores.

Biá aceita o desafio. Desse modo, inicia outro conflito, o da ambiguidade dos discursos, bastante salutar para que se entendam as intenções comunicativas de um texto e as várias formas de se contar uma verdade. Além disso, é possível verificar a unidade temática, bem como o caráter permanente, capazes de ultrapassar as barreiras temporais e geográficas, próprias da produção escrita, e a efemeridade, de fácil manipulação no tempo e no espaço, muito peculiar ao discurso oral.

Quem conta os feitos realizados pelo povo de Javé identifica-se, quase sempre, com o épico, majestoso, atribuindo, nos discursos, certos laços sanguíneos entre quem narra os acontecimentos no presente e quem o fez no passado histórico. Decorre que, por serem múltiplos os interesses dos discursos, as realidades e os contextos familiares, há heróis e fracassados cujas posições são divergentes dentro de um mesmo âmbito, Javé. Essa ambiguidade, conferida pela abordagem inerente ao texto oral, deve ser administrada por Biá, responsável por fazer os registros escritos de toda a narrativa. Diante de várias verdades, permeadas pela polifonia dos discursos, é pertinente refletir sobre quantas histórias há em Javé, assim como quantos narradores existem nesse local.

Nesse contexto, Biá pronuncia: “- Olhe: uma coisa é o fato acontecido, outra coisa é o fato escrito.” (NARRADORES DE JAVÉ, 2003, 0:25’:50’’ – 0:25’:58’’). A construção da história que se pretende falar da identidade desse povo é resgatada pela memória, oportunizando, desse modo, a reflexão sobre os métodos de construção de uma narrativa que se pretende verdadeira, assim como os entraves de se registrar um acontecimento que tem como prisma o texto oral.

No filme, Indalécio seria o fundador do Vale. Para alguns, ele ficou de “caganeira” na hora de fundar Javé; para outros, foi o grande herói e há quem transfira, ainda, o título de heroísmo para Maria Dina, companheira de Indalécio. Todos esses conflitos terminam favorecendo para que Biá não consiga estabelecer uma linha de raciocínio no propósito de executar o intento: elaborar um texto científico escrito sobre Javé. Sem a obra redigida, Javé foi demolida pelas águas, em nome do avanço tecnológico e de toda uma modernidade que se instaura sem reconhecer o povo que, nessa acepção, envolve seres marginalizados socialmente, residentes de Javé. Estes são convocados a aceitar a imposição da destruição do local de que são oriundos, para atender “uma maioria”, nos termos de Zaqueu, que ele desconhece.

Narradores de Javé pode ser representativo de um clamor das classes marginalizadas socialmente, o que possibilita a reflexão sobre assuntos urgentes que nem sempre são pautas de discussão em uma sociedade capitalista. Javé se submete ao progresso, ao avanço tecnológico, à escrita, ao poder de uma elite minoritária, preocupada com seus interesses individuais. Sem história escrita, Antônio Biá passa a narrar como o povo de Javé começou a povoar outro local por causa da iminente construção de uma hidrelétrica.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

NARRADORES de Javé. Produção de Eliane Caffé. Riofilme, 2003. DVD (100min), widescreen, color.

WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito. Belo Horizonte, 1999.

[1] Mestrado e três especializações, estando uma em andamento, https://orcid.org/0000-0002-1433-4293.

Enviado: Março., 2021.

Aprovado: Dezembro, 2021.

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Alexandra Gomes dos Santos Matos

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