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Funções administrativas e as tendências do direito administrativo no Brasil

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

MORILLAS, Juan Pablo Moraes [1], SANTOS, Ailton Luiz dos [2], SILVA, Romulo Garcia Barros [3], ZOGAHIB. André Luiz Nunes [4]

MORILLAS, Juan Pablo Moraes. Et al. Funções administrativas e as tendências do direito administrativo no Brasil. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 11, Vol. 10, pp. 05-17. Novembro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/funcoes-administrativas

RESUMO

As bases da Administração pública passam a ter um papel secundário ao estandardizar regras jurídicas globais que transversalmente atravessam todos os ramos do Direito. E as circunstâncias gerais que o século XXI tem imposto a Administração Pública, forçando a reconstrução e a releitura de grande parte do instrumental do Direito Administrativo. O estudo discutiu a seguinte questão norteadora: Até que ponto os novos paradigmas e tendências do Direito Administrativo no Brasil põe em crise a própria existência? O objetivo desta pesquisa foi de analisar os novos paradigmas e tendências do Direito Administrativo no Brasil. Buscou-se identificar, neste início de século, das circunstâncias gerais da Administração Pública e os desafios que tal fato acarretou ao Direito Público e, em particular, o Direito Administrativo, através de uma abordagem geral sobre as Funções Administrativas e as tendências do Direito Administrativo Moderno. O método de pesquisa utilizado foi o dedutivo, quanto aos meios utilizou-se da pesquisa bibliográfica e quanto aos fins, a pesquisa foi de abordagem qualitativa. Concluiu-se que é necessário repensar antigas verdades, rever velhos dogmas, sem deixar de levar em consideração as finalidades sociais que persistem a conectar as velhas e as modernas formas de operar do Poder Público. Que as mudanças por que passam a Administração e o Estado contemporâneos não separam as conexões da sociabilidade, de outra forma é imprescindível não subestimar as atuais provocações que tais mudanças obrigam ao Direito.

Palavras-chave: Direito Administrativo, Funções Administrativas, Moderno, Tendências.

1. INTRODUÇÃO

Neste Artigo, destacar-se-á as marcantes transformações que o Estado moderno tem passado, decorrentes da fragmentação do poder e de um processo de desnacionalização. Tais mudanças têm provocado a alteração das características da Administração Pública, revelando uma nova face da Administração no século XXI.

A pesquisa se justifica, uma vez que o Direito Público se reconfigura ao compasso de importantes mudanças culturais e tecnológicas que aceleram qualitativa e quantitativamente seu processo de transformação. Neste complexo esquema, as relações entre Estado, cidadão e Direito Público afrontam complexos cenários e se encontram em plena busca da adaptação e reconfiguração de suas bases.

A metodologia utilizada nesta pesquisa será a do método dedutivo. Quanto aos meios, utilizar-se-á da pesquisa bibliográfica; quanto aos fins, a pesquisa será de abordagem qualitativa.

Dito tudo isso, o problema discutirá a seguinte questão norteadora: Até que ponto os novos paradigmas e tendências do Direito Administrativo no Brasil põe em crise a própria existência?

Dessa forma, o objetivo desta pesquisa será analisar os novos paradigmas e tendências do Direito Administrativo Moderno no Brasil. Buscará identificar, neste início de século, das circunstâncias gerais da Administração Pública e os desafios que tal fato acarretou ao Direito Público e, em particular, o Direito Administrativo, através de uma abordagem geral sobre as Funções Administrativas e as tendências do Direito Administrativo Moderno.

2. DESENVOLVIMENTO

Muitas são as transformações em que o Estado moderno tem enfrentado, “decorrentes da fragmentação do poder e de um processo de desnacionalização. Tais mudanças provocam a alteração de boa parte dos traços característicos da Administração Pública, revelando uma nova face da Administração no século XXI” (NETO, 2017).

2.1 A FUNÇÃO ADMINISTRATIVA

A função administrativa conceituada como aquela exercida preponderantemente pelo Poder Executivo, com maneira infralegal e através do uso de prerrogativas instrumentais (MAZA, 2019). Além disso, “É possível notar que “função administrativa” é noção indispensável para compreender o Direito Administrativo” (MAZZA, 2022, p. 171). A seguir iremos analisar os elementos componentes do conceito.

2.1.1 A FUNÇÃO ADMINISTRATIVA É EXERCIDA PREPONDERANTEMENTE PELO PODER EXECUTIVO

O Estado é composto de Poderes, segmentos estruturais em que se divide o poder geral e abstrato decorrente de sua soberania. Como se sabe: “O art. 2º da Constituição Federal enunciou o princípio da Tripartição de Poderes nos seguintes termos: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (MAZZA, 2021, p. 173).

Os Poderes de Estado, como estruturas internas destinadas à execução de certas funções, foram concebidos por Montesquieu em sua clássica obra (MONTESQUIEU, 1979), pregando que entre eles deveria haver necessário equilíbrio, de forma a ser evitada a supremacia de qualquer deles sobre outro (CARVALHO FILHO, 2019). Além disso, Neto (2017, p. 5) descreve:

O reconhecimento de limites, conjunturais ou estruturais, de manutenção e de expansão de um modelo de Administração prestadora ganhou impulso com a liberalização da economia e uma forte retração do aparato administrativo prestador. Não obstante, tais transformações não se resumem a uma pauta liberalizante. Para além de uma pretensão de se afirmar um novo liberalismo, que, se levado a cabo em todos os seus efeitos, como já referido, seria incompatível com a Constituição de 1988, cabe admitir que ao menos parte das transformações da Administração prestadora devem ser enquadradas em uma necessária adaptação dos modos de agir da função administrativa do Estado à nova realidade econômica e social, a fim de continuar a buscar a satisfação dos objetivos do princípio da socialidade.

No Brasil, o art. 2º da Constituição Federal enunciou o princípio da Tripartição de Poderes nos seguintes termos: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (BRASIL, 1988).

A cada um dos Poderes de Estado foi atribuída determinada função precípua. Assim, como principal tarefa, cabe ao Poder Legislativo o caráter normativo (ou legislativo); ao Executivo, a função administrativa; e, ao Judiciário, a função jurisdicional (CARVALHO FILHO, 2019, p. 77)

Todavia, inexiste o exclusivo no efetuar, pelos Poderes, das suas funções. Existe, predomínio. Os detalhes que definem as colocações desempenhadas pelos Poderes de viés político e consideram na Constituição. Além disso, nessa direção pode se alcançar a harmonia e a independência em meio a eles: se, de uma direção, têm sua estrutura adequada, não se inferiorizando a nenhum diverso, precisam focar, também, as finalidades desenhadas na Constituição (CARVALHO FILHO, 2019).

Por essa razão é que os Poderes estatais, embora tenham suas funções principais (típicas), desempenham também funções que materialmente deveriam pertencer a Poder diverso (funções atípicas), sempre, é óbvio, que a Constituição o autorize (CARVALHO FILHO, 2019).

Função típica é a tarefa precípua de cada Poder (MAZA, 2019).

O Legislativo, por exemplo, além da função normativa, exerce a função jurisdicional quando o Senado processa e julga o Presidente da República nos crimes de responsabilidade (art. 52, I, CF) ou os Ministros do Supremo Tribunal Federal pelos mesmos crimes (art. 52, II, CF). Exerce também a função administrativa quando organiza seus serviços internos (arts. 51, IV, e 52, XIII, CF) (CARVALHO FILHO, 2019).

Em relação ao teor da responsabilidade democrática da Administração Pública afirma Correia (2012, p. 304):

De outro lado, a Administração de infraestruturas pressupõe uma manifestação procedimental, em razão do respeito à imparcialidade e à eficiência, entre outras virtualidades asseguradas pelo procedimento administrativo. Trata-se da vinculação da Administração a uma atuação racional, eficiente e sujeita à responsabilidade democrática, que só se pode cumprir adequadamente em âmbito procedimental. As densificações dessa imposição geral de procedimento irão assegurar a conformação da atuação administrativa aos princípios reitores dessa atividade.

O Poder Judiciário, além da função jurisdicional, perpetra atos no exercício de função normativa, igualmente na preparação dos regimentos internos dos Tribunais (CARVALHO FILHO, 2019).

Definir a função típica do Poder Executivo já não é algo tão intuitivo como nos casos anteriores. A função típica do Poder Executivo é a função administrativa, consistente na defesa concreta do interesse público (MAZA, 2019).

A função administrativa foi definida por Seabra Fagundes como aquela consistente em “aplicar a lei de ofício”. Todavia, a funções jurisdicional e a administrativa detem uma diferença fundamental: enquanto o Judiciário depende de provocação para que possa julgar aplicando a lei ao caso concreto, o Poder Executivo “aplica de ofício a lei”, sem necessidade de provocação. Vale dizer, o Poder Executivo é dinâmico, pois sua atividade de aplicação da lei é desempenhada de ofício como narra Maza (2019, p. 108).

Neste contexto, o elemento nuclear da função típica do Poder Executivo

é o juízo de conveniência e oportunidade feito sempre que se tornar necessária a tomada de decisão a respeito do melhor caminho para defesa do interesse público. Em outras palavras, o núcleo da função típica do Poder Executivo é a análise do mérito dos atos discricionários, que é o juízo de conveniência e oportunidade quanto à sua prática (MAZA, 2019, p. 110).

Para Meirelles (2002), o mérito é a margem de liberdade existente nos requisitos do Motivo e do Objeto[5].

Entretanto, os Poderes não são somente independentes, mas também harmônicos. Por isso, além de sua função típica (garantia de independência), cada Poder exerce também, em caráter excepcional, atividades próprias de outro Poder, denominadas funções atípicas (garantia de harmonia), como afirma Maza (2019, p. 111).

As funções atípicas consistem no exercício de uma função prevista constitucionalmente para determinado Poder. Contudo, fora das suas atribuições típicas, sem que isso implique em violação ao princípio da tripartição e separação dos poderes, mas apenas um temperamento destes (MAZA, 2019).

2.2 A FUNÇÃO ADMINISTRATIVA É DESEMPENHADA DE MANEIRA INFRALEGAL

A sua irrestrita submissão à lei é a qualidade basilar da função administrativa.

O princípio da legalidade consagra a subordinação da atividade administrativa aos ditames legais. Trata-se de uma garantia do Estado de Direito: a Administração Pública só pode fazer o que o povo autoriza, por meio de leis promulgadas por seus representantes eleitos. É o caráter infralegal da função administrativa como assevera Maza (2019, p. 113).

Além disso, “a Administração Pública só pode fazer o que o povo autoriza, por meio de leis promulgadas por seus representantes eleitos. É o caráter infralegal da função administrativa.” (MAZZA, 2022, p. 190)

Kelsen (2000)[6], para fins didáticos, criou a figura da pirâmide para exemplificar a hierarquia entre as normas, estando a Constituição Federal no seu ápice, as leis no meio e as normas infralegais em sua base.

Assim, para que haja um exercício de compatibilidade e harmonia dentro do ordenamento é necessário que as leis estejam de acordo com as previsões da Constituição Federal e os atos infralegais respeitem tanto as leis quanto aos preceitos constitucionais. Consequentemente, sempre que houver violação de uma norma que esteja em caráter inferior hierarquicamente na pirâmide em relação a superior, considerar-se-á inválida. (MAZA. 2019, p. 114).

Nesse sentido, são reiterados os julgados do Supremo Tribunal Federal que declaram a inconstitucionalidade de atos infralegais que foram criados ao arrepio do texto constitucional[7], bem como do Superior Tribunal de Justiça em casos que esses atos foram criados em confronto com textos legais[8].

2.3 A FUNÇÃO ADMINISTRATIVA É DESEMPENHADA COM O EMPREGO DE PRERROGATIVAS INSTRUMENTAIS

Com a finalidade de disponibilizar a proteção dos interesses da coletividade, poderes especiais, prerrogativas ou privilégios são atribuídos ao agente público através da lei, cujo uso está ligado à defesa do interesse público.

“Vale ressaltar que, em Direito Administrativo, o termo privilégio é sinônimo de prerrogativa, de poder, não tendo o sentido pejorativo de vantagem indevida, tal como empregado na linguagem popular.” (MAZZA, 2022, p. 190)

No Direito Administrativo, “Não se trata de poderes conferidos em favor da pessoa do agente, mas em razão da função desempenhada” (MAZZA, 2022, p. 190).

Com efeito, os poderes são exercidos pelos agentes públicos em razão da função e como dever deste, sendo certo que estando fora da função, tais poderes não são mais aplicáveis (BANDEIRA DE MELLO, 2009).

Não há atribuições puramente potestativas no Direito Administrativo. Todo poder é atrelado a um dever, é vinculado ao cumprimento de dada obrigação. Daí Santi Romano[9] falar em poder-dever, por outro lado, por entender que a lógica seja inversa, Celso Antônio Bandeira de Mello propõe que o tema seja tratado como dever-poder (ROMANO, 1930, p. 72).

2.4 FUNÇÃO ADMINISTRATIVA E FUNÇÃO DE GOVERNO

Nesse momento, para uma completa compreensão do tema é necessário realizar a diferenciação entre função administrativa e função de governo. Governo, em sentido objetivo, é a atividade de condução dos altos interesses do Estado e da coletividade. É a atividade diretiva do Estado:

Atuação estatal é o exercício pelo Estado das suas funções com a finalidade de alcançar os objetivos propostos pela sociedade. Relevantes para o ordenamento jurídico são a atuação estatal e a atuação privada. A primeira divide-se em atuação estatal própria e atuação estatal anômala ou anormal. (FILHO, 2022, p. 104)

O ato de governo, ou ato político, diferencia-se do ato administrativo por duas razões principais:

1ª) o ato de governo tem sua competência extraída diretamente da Constituição (no caso do ato administrativo, é da lei); 2ª) o ato de governo é caracterizado por uma acentuada margem de liberdade, ou uma ampla discricionariedade, ultrapassando a liberdade usualmente presente na prática do ato administrativo. Exemplos de ato de governo: declaração de guerra, intervenção federal em Estado-membro, sanção a projeto de lei (MAZA, 2022, p. 192).

Vejamos agora como exemplo o marco constitucional argentino em relação ao Poder Executivo, conforme enfatizado por Balbín:

II.1. As competências materialmente administrativas do Poder Executivo

O Presidente é o Chefe da Nação, do Governo e das Forças Armadas, e também o responsável político da administração geral do país. Por sua vez, é ele quem deve nomear os magistrados da Corte Suprema em consonância com o Senado e os demais juízes dos tribunais federais inferiores; conceder aposentadorias, retiros, licenças e pensões; nomear e remover aos embaixadores em consonância com o Senado e por si só ao chefe de gabinete de ministros e aos demais ministros; prorrogar as sessões ordinárias e convocar sessões extraordinárias; supervisionar o exercício da faculdade do chefe de gabinete de ministros, de arrecadar e investir as 10 rendas da Nação; concluir e firmar tratados; declarar o estado de sítio em consonância com o Senado e decretar a intervenção federal em caso de recesso do Congresso (art. 99, CN), entre outras.

Por sua vez, o Chefe de Gabinete de Ministros exerce a Administração geral do país.

II.2. As competências materialmente legislativas do Poder Executivo

Por razões de concorrência. Por este lado devemos incluir a edição dos decretos internos e regulamentadores que forem necessários para a execução das leis cuidando de não alterar seu espírito com exceções regulamentadoras (art. 99, CN).

Por razões de exceção. O Presidente pode, em casos de exceção, editar decretos de necessidade e urgência e delegados (art. 99, inciso 3, e 76, CN) e o Chefe de Gabinete deve referendar os decretos delegados, de necessidade e urgência e de promulgação parcial das leis (art. 100, CN).

III.3. As competências materialmente judiciais do Poder Executivo

Por razões de exceção. O Presidente pode, em certos casos, exercer funções materialmente judiciais mediante os tribunais administrativos, sem prejuízo do controle judicial posterior e suficiente.

Em síntese, acreditamos que o contorno do princípio da divisão dos poderes no marco constitucional vigente na Argentina é o seguinte:

      1. Cada um dos poderes do Estado exerce basicamente o campo material próprio, originário e essencial, mas não com alcance absoluto.
      2. Cada um dos poderes do Estado exerce também matérias estrangeiras (BALBÍN, 2015, p. 09-10).

Outrossim, a função política ou de governo, em regra é exercido como função típica do Poder Executivo, o que nos permite concluir que a diferença básica entre o ato administrativo e o ato de governo decorre do regime jurídico aplicável a cada um, mas não em relação a competência para a prática de tais atos (MAZA. 2019, p. 116-117).

2.5 TENDÊNCIAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO MODERNO

Na Argentina, Balbín se refere ao “novo paradigma do Direito Administrativo” (BALBÍN, 2011, p. 169-174). A construção deste esquema pode ser sintetizada, partindo do pressuposto que o paradigma do Direito Administrativo versava sobre o equilíbrio existente entre: 1) o poder em um extremo, e 2) os direitos das pessoas, no outro (BALBÍN, 2011, p. 169). Para o precipitado autor, este esquema “não nos permite resolver os problemas atuais” e os pilares que sustentam o paradigma anterior devem ser reconstruídos. De modo esquemático, sintetizamos a reconstrução que Balbín (2011. p. 170-171) defende em relação aos seguintes aspectos:

a) Os direitos. No que diz respeito a eles, corresponde:

(I) situar no centro da cena os direitos sociais e coletivos (e não os direitos individuais);

(II) conferir ênfase à inatividade estatal (já que o Direito Administrativo se construiu sobre o foco das atividades estatais);

b) As prerrogativas e seus limites;

c) O interesse público.

Neste contexto, Balbín tenta remontar um quebra-cabeça composto pelas seguintes peças: (I) o poder e sua justificação, o interesse público; (II) seus limites; (III) os direitos das pessoas; (IV) o equilíbrio entre o poder e os direitos (BALBÍN, 2015b. p. 171).

Em relação às prerrogativas, o mencionado autor entende que elas devem se apoiar no “reconhecimento e respeito dos direitos das pessoas e não em conceitos evanescentes ou de corte autoritário. E esse é o porquê e sua justificação” (BALBÍN, 2011). Como afirma Correia (2012, p. 6): “por um lado o papel concretizador de certas dinâmicas em relação a diretrizes do direito constitucional administrativo e, pelo outro, a presença de certas caraterísticas ou tendências na generalidade dos capítulos do ordenamento jurídico-administrativo”.

Sobre essa base Balbín sustenta que o paradigma já não é o interesse público e o equilíbrio entre poderes e direitos. Para ele, o novo paradigma é direitos versus direitos e este é o campo próprio do Direito Administrativo. É um ramo do Direito Público que, conforme sua tese, tem como fundamento o reconhecimento de direitos (BALBÍN, 2011, p. 172).

Em suma, a partir dessa concepção doutrinária o paradigma atual é marcado pelo: “equilíbrio do poder entendido como o conjunto de prerrogativas que perseguem o reconhecimento de direitos versus outros direitos. Esse equilíbrio entre direitos com intermediação do poder estatal e suas prerrogativas é o paradigma, então, do Direito Administrativo atual” (BALBÍN, 2011, p. 174).

A tese indicada acima merece ser estudada, pois implica em avanços nas disposições do Direito Administrativo sem que isso implique no completo desvirtuamento das premissas clássicas, em especial naquele que sustenta a valida existência do regime exorbitante e das prerrogativas da Administração Pública no Estado Constitucional, conforme Corvalán (2013, p. 4973). Bitencourt Neto (2017) reforça com a seguinte: “A procedimentalização da Administração Pública constitui-se em um princípio geral, formado pela síntese das distintas evoluções dos sistemas jurídicos de matriz anglo-saxônica e romano-germânica, presente, de modo expresso ou implícito, nas Constituições contemporâneas”.

A seguir são relacionadas algumas que no momento podem ser consideradas altamente relevantes, quais sejam as seguintes, conforme Maza (2022, p. 196-199):

4) fuga para o direito privado: outra importante tendência do Direito Administrativo brasileiro é a utilização cada vez mais frequente pela legislação de institutos, conceitos e formas próprios do direito privado, como, por exemplo, o recurso à arbitragem, os contratos de gestão, as franquias e os contratos de gerenciamento;

5) relativização dos supraprincípios: consideradas as duas noções chave do Direito Administrativo, e por isso chamadas de supraprincípios, a “supremacia do interesse público sobre o privado” e a “indisponibilidade do interesse público” até há pouco tempo eram consideradas ideias absolutas e inquestionáveis, conforme será visto no capítulo seguinte. Hoje tais conceitos passam por um processo de relativização legislativa diante da criação de inúmeros preceitos legais, fixando exceções tanto à supremacia quanto à indisponibilidade do interesse público;

7) colaborativismo: outra importante tendência do Direito Administrativo brasileiro é estimular os mecanismos de participação do usuário na administração pública, bem como fomentar as parcerias entre o Estado e a iniciativa privada. Como importantes exemplos de colaborativismo, temos os institutos da parceria público-privada, das entidades de cooperação e do contrato de gestão;

8) diluição da responsabilidade estatal: é cada vez mais comum o Estado terceirizar a realização de atividades administrativas, trazendo prestadores privados para executar tarefas públicas que até então eram executadas diretamente pela Administração. O setor específico onde o ingresso de prestadores privados tem se tornado mais visível é no campo dos serviços públicos, por meio da utilização de mecanismos de prestação indireta, como a concessão e a permissão. Quando essa delegação de tarefas estatais a particulares ocorre, independentemente do regime jurídico aplicável, opera-se uma diluição da responsabilidade patrimonial na medida em que o Estado deixa de ser o principal responsável pelo ressarcimento de prejuízos decorrentes da prestação. Cabe ao prestador privado o papel de responsável principal na hipótese de prejuízos provenientes da atividade exercida, passando o Estado a ocupar a posição de responsável secundário ou subsidiário;

10) personificação dos contratos administrativos: outra importante inovação na legislação administrativa brasileira é o surgimento de pessoas jurídicas especificamente criadas para gerenciar contratos administrativos. É uma tendência de personificação ou “pejotização” contratual. Inicialmente ocorreu com a previsão de criação da sociedade de propósito específico instituída para administrar as parcerias público-privadas (art. 9º da Lei n. 11.079/2004). Em seguida, a mesma técnica de personalizar contratos administrativos foi adotada na Lei dos Consórcios Públicos (art. 6º da Lei n. 11.107/2005). Ao se criar uma nova pessoa jurídica, incumbida de administrar o contrato, caberá a ela a responsabilidade direta por eventuais prejuízos decorrentes da execução contratual. Desse modo, a personificação de contratos administrativos, ao centralizar a responsabilidade na nova pessoa jurídica, promove uma diluição nos riscos de responsabilização das entidades contratantes;

No Brasil, analisando as principais mudanças legislativas realizadas nos últimos anos em nosso ordenamento, é possível identificar algumas tendências do Direito Administrativo brasileiro.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A problemática que estimulou essa pesquisa foi a de verificar se os novos paradigmas e tendências do Direito Administrativo no Brasil põe em crise a sua própria existência? Assim, a justificativa da mera existência das prerrogativas clássicas e históricas concebidas à luz do paradigma anterior não invalida o novo cenário de distinção entre Direito Público e Privado.

Os objetivos da pesquisa foram cumpridos, uma vez que se analisaram os novos paradigmas e tendências do Direito Administrativo no Brasil, assim como a assimilação e identificação, neste início de século, das circunstâncias gerais da Administração Pública e os desafios que tal fato acarretou ao Direito Público e, em particular, o Direito Administrativo, através de uma abordagem geral sobre as Funções Administrativas e as tendências do Direito Administrativo Moderno.

Assim, as bases da Administração pública passam a ter um papel secundário ao estandardizar regras jurídicas globais que transversalmente atravessam todos os ramos do Direito. Este fenômeno altera as bases dos ramos do Direito Público e dilui o critério rígido do anterior esquema que se explicava e articulava em função da sólida e pétrea distinção entre Direito Público e Direito Privado.

Assim, as circunstâncias gerais da Administração Pública do século XXI obrigam a releitura e a reconstrução de grande parte do instrumental do Direito Administrativo.

Conclui-se que é necessário, repensar antigas verdades, rever velhos dogmas, sem deixar de levar em consideração as finalidades sociais que persistem a conectar as velhas e as modernas formas de operar do Poder Público. Que as mudanças por que passam a Administração e o Estado contemporâneos não separam as conexões da sociabilidade, de outra forma é imprescindível não subestimar as atuais provocações que tais mudanças obrigam ao Direito.

Ainda se pode concluir que, é imperativo reconhecê-los, com o propósito de o instrumental jurídico venha ter a capacidade de fornecer meios de efetivação da finalidade do Estado de Direito democrático e social, para que possam ser compatíveis como as agitações e a dificuldade de compreensão do tempo e da época.

Em suma, são estes os resultados gerais deste estudo. Ante as suas prováveis limitações, espera-se que sejam úteis no fomento de estudo do tema, contribuindo para o entendimento apropriado em manter a atualização, que é uma árdua missão, mas estonteante tarefa de cada administrador.

REFERÊNCIAS

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BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Atlas. 33ª edição, Revista, atualizada e ampliada. 2019.

CORREIA, José Manuel Sérvulo. Controlo judicial da administração e responsabilidade democrática da administração. Fórum de Contratação e Gestão Pública [Recurso Eletrônico]. Belo Horizonte, v. 11, n. 125, maio 2012. Disponível em: <http://dspace/xmlui/bitstream/item/3326/000000D5.pdf?sequence=1>. Acesso em: 17 set. 2022.

CORVALÁN, Juan Gustavo. Transformações do “regime de Direito Administrativo”: a propósito do regime exorbitante e das prerrogativas da Administração Pública. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 13, n. 51, p. 49­73, jan./mar. 2013.

FILHO, R. D. S. C. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 9ª Edição, Revista e Atualizada. Editora Saraiva. 2019.

MAZZA, A. Manual de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

MAZZA, A. Manual de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat. De l’Esprit des lois. Paris: Flammarion, 2 volumes, [1748] 1979.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo, Rio de Janeiro, Forense, 2014.

NETO, Eurico Bitencourt. Transformações do Estado e a Administração Pública no Século XXI. Revista Investigações Constitucionais. Vol. 4, 2017.

ROMANO, Santi. Corso di diritto amministrativo. Padova: CEDAM, 1930. v. 1.

SANTOS, Aricê Moacyr Amaral. Função administrativa, RDP, 89, 1989. 

APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ

5. Requisitos e mérito do ato discricionário serão detalhadamente estudados no Capítulo 4 sobre os atos administrativos.

6. Hans Kelsen (Áustria, 1881-1973): considerado por muitos o maior jurista de todos os tempos, Hans Kelsen é o pai do chamado “positivismo jurídico”, corrente de pensamento que defendia a purificação do estudo do direito, cabendo ao jurista analisá-lo somente do ponto de vista das normas. Nasceu em Praga durante o período em que a capital da ex Tchecoslováquia estava anexada à Áustria. Fugindo do nazismo, Kelsen mudou-se para os Estados Unidos, onde foi docente na Universidade de Berkeley. Sugestão de leitura: Teoria pura do direito, em português, Editora Martins Fontes.

Recurso Extraordinário 704.292, Pleno do Supremo Tribunal Federal, Relator Ministro Dias Toffoli, DJe de 03/08/2017 e Ação Direta de Inconstitucionalidade 3551/GO, Pleno do Supremo Tribunal Federal, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJe de 19/08/2020.

8. Recurso Especial 1222547/RS, 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relatora Ministra Regina Helena Costa, DJe de 16/03/2022 e Agravo Interno no AResp 1915287/SP, 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relatora Ministra Assusete Magalhães, DJe de 02/03/2022

9. Santi Romano (Itália, 1875-1949): iluminado publicista italiano, Santi Romano é uma unanimidade entre os estudiosos de Direito Público. Seus livros são de uma profundidade e fineza intelectual incomparáveis. É, sem dúvida, um dos cinco maiores juristas de todos os tempos. Escreveu sobre Teoria Geral do Direito, Direito Constitucional e Direito Administrativo. Sugestão de leitura: Frammenti di un Dizionario Giuridico, em italiano, com destaque para os verbetes “poderes e potestades”, Editora Giuffrè.

[1] Doutorando em Direito Constitucional. Mestre em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos. Bacharel em Direito, Especialista em Direito Militar. ORCID:0000-0002-7137-4769.

[2] Mestrando em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos, Especialista em Gestão Pública aplicada à Segurança. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Especialista em Ciências Jurídicas. Especialista em Direito Administrativo. Bacharel em Direito. Bacharel em Segurança Pública e Cidadania. ORCID: 0000-0001-6428-8590.

[3] Graduado em Direito pela Universidade Cândido Mendes (UCAM RJ). Pós Graduado em Direito Público e Privado pela Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (EMERJ). Mestrando em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). ORCID:  0000-0003-3643-126X.

[4] Orientador. ORCID: 0000-0001-5312-4179.

Enviado: Fevereiro, 2022.

Aprovado: Novembro, 2022.

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Ailton Luiz dos Santos

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