ARTIGO ORIGINAL
BITENCOURT, Yasmin da Silva [1]
BITENCOURT, Yasmin da Silva. Imposto Sobre Serviços (ISS) na exportação de serviços de consultoria: implicações práticas. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 09, Ed. 01, Vol. 03, pp. 57-69. Janeiro de 2024. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/exportacao-de-servicos, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/exportacao-de-servicos
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é analisar as implicações práticas da dispensa legal do pagamento do imposto sobre serviços na exportação de serviços de consultoria tendo em vista as indefinições e consequentes divergências na interpretação de conceitos relevantes para o reconhecimento da referida dispensa prevista em lei complementar como hipótese de isenção que preceitua que, caso se verifique que o resultado de determinada prestação de serviço ocorreu no exterior, deve-se aplicar a regra da isenção. Entretanto, tal previsão não se mostra suficiente para garantir que os contribuintes efetivamente usufruam de tal benesse, uma vez que a divergência na interpretação do conceito resultado acarreta cenário de insegurança para os contribuintes, ocasionando discussões administrativas e judiciais que oneram, e muitas vezes inviabilizam a celebração de negócios no país. Deste modo, o presente trabalho buscará demonstrar que a falta de definição clara do que seria o resultado do serviço para fins de isenção do ISS ocasiona esvaziamento da norma isentiva, sendo que a análise da referida isenção deve ser feita de modo casuístico, haja vista ser necessária a correta identificação dos objetivos do tomador do serviço para que então seja possível identificar corretamente o aspecto territorial do resultado, e assim ter respeitado o direito à isenção do contribuinte.
Palavras-chave: Imposto sobre serviços, Exportação de serviços, Isenção.
1. INTRODUÇÃO
A análise a respeito da ocorrência ou não da exportação de um serviço para fins de reconhecimento da dispensa legal do pagamento do Imposto Sobre Serviços (ISS) só é possível por meio de exame dos fatos, ou seja, a análise deve ser feita caso a caso com base na análise do contrato que rege a relação para que somente então se verifique se o resultado, este entendido como a concretização do objetivo delimitado na prestação do serviço, ocorreu ou não em território nacional.
Logo no primeiro momento, fica evidente, a importância da correta interpretação do termo resultado que deve ser feita a partir da relação de prestação de serviço, pois, conforme se buscará demonstrar, é somente a partir da análise do caso em concreto que o contribuinte terá reconhecido o benefício da isenção do ISS na hipótese de exportação de serviços.
Tendo em vista o critério material da hipótese de incidência prevista na regra matriz do ISS, qual seja, a prestação de serviços, cumpre inicialmente destacar que, no caso de prestação de serviços de consultoria para o exterior, o único objeto possível (e resultado almejado pelo tomador) é o objeto previsto no contrato de prestação de serviços celebrado entre tomador e prestador.
Assim, desde que o objeto contratado, e consequentemente a sua fruição, se materialize em território estrangeiro, restará configurada a ocorrência da isenção prevista no inciso I, artigo. 2º da Lei Complementar nº 116/2003 – LC 116/2003 (Brasil, 2021) que restringe o âmbito de cobrança do ISS ao dispor que o referido imposto não é devido sobre a receita oriunda da prestação de serviços para o exterior do país se o resultado, este entendido como utilidade gerada ao tomador do serviço, não se materialize em território nacional.
Deste modo, o presente trabalho buscará demonstrar que a análise da isenção do ISS na exportação de serviços de consultoria demanda exame casuístico, haja vista ser necessária a correta identificação dos objetivos da prestação de serviços, de modo a se verificar o aspecto territorial do resultado e garantir que o contribuinte tenha reconhecido seu direito à isenção.
2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AS ISENÇÕES
A partir de uma interpretação sistemática da Constituição Federal, é possível identificar e reafirmar o postulado da unidade ordenamento jurídico. Neste sentido, temos que o constituinte originário elencou princípios constitucionais tributários que vinculam a atividade arrecadatória desenvolvida pelo Estado uma vez que, devido a sua natureza constitucional, tais princípios foram criados justamente para proteger o cidadão, bem como o seu patrimônio, de eventuais abusos de poder, de modo a assegurar a eficácia dos direitos e garantias previstos na carta magna, o que nos convida a fazer uma análise sistêmica dessas relações entre Estado e Particulares.
A ideia de interpretação conforme a Constituição preceitua que quando se verificar que o um texto infralegal permite variadas interpretações, impõe-se ao julgador extrair da lei o sentido que mais se aproxime do texto constitucional, tendo em vista a finalidade da lei e os preceitos postos pelo constituinte originário. Assim, dentre duas ou mais interpretações possíveis, é impositiva aquela que seja mais compatível com a normatividade constitucional.
Inicialmente, cumpre destacar que a competência tributária, enquanto aptidão jurídica para criar tributos em abstrato por meio de lei (poder de legislar concedido pela Constituição aos entes federativos), tem como função precípua descrever todos os elementos essenciais que compõem a norma jurídica tributária, esgotando-se sempre na lei, ou seja, após a promulgação da lei que institui o tributo em abstrato, não há de se falar em competência tributária mas sim em capacidade tributária ativa, esta entendida tão somente como a possibilidade de fiscalizar e arrecadar tributos.
Neste sentido, Roque Antonio Carrazza (2021) ensina que os entes políticos somente estariam autorizados a criar tributos nos estritos termos da Constituição Federal, devendo obrigatoriamente observar as regras positivas (que autorizam a cobrança de tributo) como também as regras negativas (que limitam o poder de tributar).
A isenção, enquanto instituto com previsão constitucional, prevê a exclusão do crédito tributário por meio de lei dispensando o contribuinte da obrigação de pagar o tributo, ou seja, o tributo incide normalmente, porém, trata-se de situação regulada por lei específica que dispensa o pagamento. Seu principal objetivo é fomentar determinada atividade econômica ou desenvolver região específica, incentivando empresas e negócios e gerando empregos e renda.
Sobre o tema, Paulo de Barros Carvalho faz seguintes observações:
A isenção tem de ser veiculada por lei. Nem poderíamos imaginá-la, no contexto de sua fenomenologia, se assim não fosse. […] Di-lo muito bem o art. 176 do Código Tributário que a isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração (Carvalho, 2019, p. 589).
Assim, toda e qualquer isenção, enquanto benefício concedido pelo ente federativo que dispensa o pagamento de determinado tributo em determinada situação, conforme determina o artigo 175 do Código Tributário Nacional – CTN (Brasil, 2022) enquanto hipótese de exclusão do crédito tributário, deve, obrigatoriamente, decorrer de lei que delimite as condições e requisitos necessários para que determinada situação não esteja sujeita a tributação pelo ISS, devendo, via de regra, ser concedida pelo ente dotado de competência tributária para criar o imposto em questão.
3. O IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS
O Imposto Sobre Serviços é tributo de competência dos Municípios e do Distrito Federal previsto no inciso III do artigo 156 da Constituição Federal de 1988 – CF/88 (Brasil, 2023) que incide sobre a prestação de serviços em todo o território nacional. A competência para a definição dos serviços objeto da tributação pelo ISS foi delegada pelo texto constitucional através Lei Complementar (LC 116/2003) que define o critério material do ISS, qual seja, a prestação dos serviços descritos na lista anexa à própria lei.
Após longa discussão entre fisco e contribuintes sobre qual seria o caráter desta lista, se taxativo ou exemplificativo, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE 784.439, sob o regime de repercussão geral (Tema 296), concluiu, por maioria de votos, que a lista de serviços a que se refere o inciso III do artigo 156 da Constituição Federal é taxativa, porém admite-se interpretação extensiva dos seus itens.
No nosso entendimento, podem ser considerados como serviço as obrigações de fazer, o prestar em face de alguém, mediante remuneração, desde que não se trate de relação de trabalho. O aspecto material do ISS previsto na Constituição Federal além de definir que a hipótese de incidência tributária do ISS é a prestação de serviços, delegou ao legislador complementar a incumbência de indicar quais são os serviços que estão sujeitos à incidência do ISS, de modo a garantir sua aplicação em consonância com o que definiu o poder constituinte originário e, como veremos adiante, excluir de seu alcance as receitas de serviços prestados no exterior, inclusive os serviços de consultoria.
4. A ISENÇÃO DO ISS NA EXPORTAÇÃO DE SERVIÇOS
Com o objetivo de ampliar a atuação das empresas nacionais frente ao mercado mundial cada vez mais globalizado, a Constituição Federal consagrou o princípio da imunidade de impostos em operações que tem como destinatário residente localizado no exterior, uma vez que onerar exportações inviabiliza a celebração de negócios entre o Brasil e empresas estrangeiras, o que acaba por prejudicar a competitividade de produtos e serviços nacionais perante o exterior e, consequentemente diminui a atividade econômica e renda em território nacional.
Neste sentido, o inciso X, § 2º do artigo 155 da CF/88 imunizou as transações que destinem mercadorias ao exterior e os serviços que sejam prestados a tomadores residentes em território estrangeiro. Como já mencionado, no caso específico do ISS, a CF/88 definiu que cabe à lei complementar excluir do âmbito de sua incidência as exportações de serviços, conforme preceitua o inciso II, do § 3º do artigo 156 da CF/88.
Já o inciso I do artigo 2º da LC 116/2003 prevê a dispensa legal do pagamento do ISS no caso de exportação de serviços para o exterior do país, ressalvando, entretanto, que referido imposto será devido se o resultado do serviço for verificado em território nacional, mesmo que o pagamento seja efetivado por tomador residente no estrangeiro.
Ao estabelecer requisitos para que se verifique se de fato houve uma exportação de serviços, o dispositivo supramencionado determina que mesmo que o serviço seja desenvolvido em território nacional, a prestação deverá ser considerada exportação de serviços se o resultado for verificado no exterior.
Assim, o local onde o serviço é desenvolvido não deve afetar a regra de dispensa do pagamento do ISS quando da exportação de serviços. Resta evidente a conclusão de que as condições necessárias para o reconhecimento da aplicação da regra isentiva que dispensa o pagamento do ISS sobre as receitas oriundas de prestação de serviços ao exterior são (i) que o tomador do serviço resida no exterior e (ii) que o resultado, este enquanto fruição, benefício ou ainda utilidade almejada e auferida pelo tomador seja verificado também no exterior.
5. DIVERGÊNCIA INTERPRETATIVA DO CONCEITO RESULTADO
Como já mencionado, em apertada síntese, o conceito de serviço pode ser definido como a prestação de uma obrigação de fazer a um terceiro, com objetivo econômico e sem vínculo de emprego.
Na hipótese específica da prestação de serviços para o exterior, verifica-se que esta poderá ser iniciada tanto em território nacional ou estrangeiro, bem como poderá ser concluída no Brasil ou no exterior. Entretanto, cumpre destacar que o fator determinante para caracterização da exportação do serviço para fins de reconhecimento da isenção do ISS é o fato de que sua utilização pelo tomador também se verifique no exterior, local onde o serviço será consumido e produzirá os efeitos desejados pelo tomador.
Aqui cabe uma breve digressão. Através de simples raciocínio lógico é possível concluir que se o serviço fosse fruído pelo tomador em território nacional, não haveria de se falar em exportação.
Assim, no caso específico da exportação de serviço de consultoria, os trabalhos necessários à conclusão da prestação dos serviços poderão ser realizados em território nacional ou até no exterior durante viagens, por exemplo. Deste modo, vale ressaltar que o resultado do serviço não se confunde, em nenhuma hipótese, com o local de sua consumação pelo tomador.
A principal controvérsia relaciona a isenção do ISS na exportação de serviços está justamente na (in)definição sobre o conceito resultado mencionado na lei complementar. Com relação a esse tema, José Jayme de Macedo Oliveira pontua que:
É curial que qualquer serviço, como obrigação de fazer que é, esgota-se no momento de sua execução, ou seja, não se prolonga além do momento de sua concretização. […]Nessa razão, “resultado” significa “derivação, consequência, seguimento”. Ao executar um serviço, o prestador o faz para alguém(tomador) que, de algum jeito, dele se beneficia, obviamente que nos limites territoriais em que tem domicílio. […] Daí, o vocábulo “resultado” deve ser entendido como a consequência última do serviço realizado, consistente no proveito que dele deriva (Oliveira, 2011, p. 215).
Neste sentido, são indispensáveis as lições da doutrina para determinar o que se pode entender como o resultado do serviço ante a falta de definição específica e inequívoca do conceito na legislação aplicável. Diferentes doutrinadores já se manifestaram sobre o tema, buscando suprir esta lacuna. Roque Antonio Carrazza entende como resultado a prestação de serviço em favor de não residente, ou seja, de pessoa que, no exterior, dele se beneficia diretamente:
A nosso sentir, “serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique” são justamente aqueles que trazem utilidade para o tomador aqui mesmo, no território nacional. […] A contrario sensu, ocorre a situação isentiva prevista no art. 2º, parágrafo único, da Lei Complementar 116/2003 quando os destinatários dos serviços só têm como usufruí-los no exterior. Realmente, só com a plena disponibilidade, por parte dos tomadores, dos resultados (efeitos) dos serviços prestados é que se pode dizer que houve a execução da obrigação de fazer e que, portanto, ocorreu o fato imponível do ISS. O que estamos procurando significar é que a expressão “cujo resultado”, inserida no parágrafo único do art. 22 da Lei Complementar 116/2003, há de ser entendida como sinônima da expressão “cuja fruição” (Carrazza, 2021, p. 898).
A esse respeito vale também transcrever trechos do artigo de Gabriel Lacerda Troianelli e Juliana Gueiros intitulado “O ISS e a Exportação e a Importação de Serviços” que ao tratar sobre o conceito de exportação de serviços para fins de não pagamento do ISS preceitua o seguinte:
A Lei Complementar 116/03 a um só tempo cria o benefício à exportação do serviço e estabelece limite a ser observado pelo contribuinte para sua fruição: que o resultado do serviço aqui não se verifique. […] Por ter como objetivo o incentivo às exportações brasileiras, é plenamente coerente que o legislador de plano desconsidere exportação aquilo que exportação de fato não é. Assim, para que haja efetiva exportação do serviço desenvolvido no Brasil, ele não poderá aqui ter consequências ou produzir efeitos. A contrário senso, os efeitos decorrentes dos serviços exportados devem se produzir em qualquer outro país que não o Brasil (Troanelli e Gueiros, 2004, p. 200).
Nota-se que, uma vez que o resultado do serviço prestado, novamente, este devendo ser entendido como a utilidade criada ao tomador, efetivamente ocorra no estrangeiro, mister é o reconhecimento da dispensa legal do pagamento do ISS. Sobre o tema, Alberto Xavier, dispõe o seguinte:
[…] a expressão “cujo resultado aqui se verifique” só pode ser entendida como se referindo ao local onde se verifica o respectivo consumo ou utilização do bem imaterial em que o serviço se traduz. E tal local é precisamente o local onde é satisfeita a necessidade que levou o tomador do serviço a proceder à respectiva contratação (Xavier, 2015, p. 235).
Paulo de Barros Carvalho (2012) esclarece que o benefício decorrente da utilidade material ou imaterial desenvolvida ou, ainda, a consequência final do serviço prestado, consiste justamente no proveito que dele decorre para o tomador.
Luís Eduardo Schoueri (2004, p. 48) diz que o legislador brasileiro adotou o critério da fonte de produção, e não de pagamento, para identificar importações e exportações, trazendo importantes considerações sobre o elemento resultado:
A ideia de causa da contraprestação é fundamental para que se encontre o resultado. Afinal, se um contrato de prestação de serviços é sinalagmático, deve-se compreender que do tomador do serviço é exigido o pagamento do seu preço em virtude de uma utilidade que lhe é prometida. Assim, importa, para cada contrato de prestação de serviço, examinar, a partir de seu objeto, a causa do contrato.
Deste modo, conclui-se que sobre a receita decorrente da prestação de serviços de consultoria para tomador sediado no exterior não é devido ISS desde que o resultado do serviço almejado pelo tomador seja concretizado em território estrangeiro.
6. IMPLICAÇÕES PRÁTICAS NA EXPORTAÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTORIA
Atualmente há um grande volume de discussões administrativas e judiciais que questionam a incidência do ISS nos casos em que o tomador do serviço está sediado no exterior. Na maioria dos casos a discussão enfrentada está justamente relacionada a dificuldade para se definir o lugar onde se verificou o resultado do serviço. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao tratar sobre o tema pacificou o entendimento no sentido de que não é devido ISS na exportação de serviços se a utilidade do serviço para o tomador se verificar no exterior:
O que importa, portanto, é constatar a real intenção do adquirente/contratante na execução do projeto no território estrangeiro, de tal sorte que, quando o projeto, contratado e acabado em território nacional, puder ser executado em qualquer localidade, a critério do contratante, não se estará diante de exportação de serviço, mesmo que, posteriormente, seja enviado a País estrangeiro, salvo se dos termos do ato negocial se puder extrair a expressa intenção de sua elaboração para fins de exportação (Brasília, 2016, p. 8).
No caso específico da prestação de serviços de consultoria, nota-se que o termo resultado deve ser interpretado no sentido de “fruição”, ou seja, como o aproveitamento ou efeito do serviço que for objeto do contrato de prestação de serviços, tomando-se por base a finalidade do serviço almejada pelo tomador uma vez que, em se tratando de prestação de serviço de obrigação de fazer, o seu esgotamento ocorre no momento de sua efetiva utilização pelo tomador.
Deste modo, mesmo no caso de a atividade desenvolvida pelo prestador ocorrer, de forma total ou parcial, em território nacional e ainda que em última análise o serviço prestado referencie o Brasil (como por exemplo no caso de consultoria que sirva como insumo para tomada de decisões de realização de investimentos estrangeiros no Brasil) de rigor o reconhecimento da isenção tributária prevista no artigo 2º, I e parágrafo único da LC 116/2003.
Isto porque não se pode desconsiderar que o serviço de consultoria em si tenha resultado em proveito imediato ao tomador que, se localizado no exterior utilizar do serviço também em solo estrangeiro, restando então configurada a exportação do serviço.
Por fim, cumpre ainda destacar que todos e quaisquer desdobramentos secundários são insuficientes para descaracterizar a ocorrência da exportação de serviço se o resultado-utilidade da consultoria seja consumido no exterior, e essencialmente o tomador dele se beneficie e tenha atendida sua intenção precípua quando da celebração do contrato de consultoria também em território estrangeiro.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O comando contido no inciso II, § 3º do artigo 156 da CF/88 bem como no inciso I, do artigo 2º da LC 116/2003, deve ser estritamente observado pelos entes municipais quando estes estiverem no exercício da capacidade tributária ativa com o fito de arrecadar o ISS.
Da interpretação sistêmica dos dispositivos legais supramencionados, verifica-se a existência de dispensa legal do pagamento do ISS, não devido sobre as receitas decorrentes de serviços destinados ao exterior, salvo se o resultado produzido para o tomador for verificado em território nacional.
A discussão sobre a definição do termo “resultado” para fins de isenção de ISS na exportação de serviços é de longa data e parece pacificada na doutrina no sentido de o resultado está relacionado à fruição do serviço.
Diante da já consolidada jurisprudência que também reconhece o local de fruição como determinante para a caracterização da exportação do serviço e, considerando que no caso de exportação de serviços de consultoria, o local de fruição é o local onde se verifica a utilidade gerada ao tomador, não há de se falar na não ocorrência da exportação do serviço se este for consumido no exterior, inexistindo, portanto, débito à título ISS junto ao ente municipal competente.
Conclui-se que é incorreto o entendimento de que o simples fato de as atividades decorrentes da prestação do serviço serem realizadas no Brasil descaracterizaria a exportação de serviço, uma vez que este não é o que determina a lei.
Fato é que a lei determina que o critério territorial de incidência do ISS é o local onde está o resultado da prestação de serviços, e não onde estes são realizados. Assim, nota-se que nem sempre o resultado será verificado por ocasião da conclusão da prestação de serviço, já que é preciso considerar, ainda, o seu escopo e as utilidades finais que são buscadas pelo tomador.
Logo, o resultado somente pode ser identificado por meio de uma interpretação teleológica, levando-se em conta qual é o objetivo do tomador e quais são os efeitos práticos decorrentes da prestação do serviço.
Deste modo, é necessário que as autoridades arrecadadoras e julgadoras se aprofundem no exame dos fatos relacionados a cobrança e litígio que discorram sobre o não pagamento do ISS na exportação de serviços haja vista a necessidade de correta identificação dos objetivos da prestação para que seja corretamente identificado o aspecto territorial do resultado de modo que o exame da questão deve ser efetivado à luz das consequências práticas desejadas e decorrentes da relação de prestação dos serviços.
REFERÊNCIAS
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[1] Mestranda em Direito Constitucional e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Especialista em Direito Tributário pelo Centro Universitário das Américas; Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. ORCID: 0009-0004-1790-0475. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0374223277270309.
Material recebido: 13 de novembro de 2023.
Material aprovado pelos pares: 22 de novembro de 2023.
Material editado aprovado pelos autores: 25 de janeiro de 2024.