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A dupla dimensão da decisão judicial correta e a participação moral do jurisdicionado na decisão saneadora prevista no artigo 357 do Código de Processo Civil

RC: 151564
139
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/decisao-saneadora

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

MACHADO, Luis Fernando Decoussau [1]

MACHADO, Luis Fernando Decoussau. A dupla dimensão da decisão judicial correta e a participação moral do jurisdicionado na decisão saneadora prevista no artigo 357 do Código de Processo Civil. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 09, Ed. 02, Vol. 01, pp. 43-57. Fevereiro de 2024. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/decisao-saneadora, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/decisao-saneadora

RESUMO

O objeto do presente artigo não se resume unicamente à análise do artigo 357 do Código de Processo Civil que trata especificamente da decisão saneadora, mas, além disso, do fundamento do referido artigo e a relevância da participação moral do jurisdicionado para a decisão judicial correta, sobretudo diante dos postulados de Ronald Dworkin em compasso com a obra “Ronald Dworkin e a Decisão Jurídica” de autoria de Francisco José Borges Motta (2017). E nesse sentido, e como fundamento para melhor compreensão do objeto deste artigo, será necessário estabelecer o conceito da decisão jurídica correta e as suas dimensões, tanto substantiva como procedimental, e a relevância da participação moral do jurisdicionado nas matérias abarcadas pelo artigo acima referido, como forma de limitar a discricionariedade judicial e, consequentemente, o risco de decisões arbitrárias. É evidente que ao longo do artigo, mas certamente da forma breve ora exigida, é que serão analisados conceitos importantes sob a ótica de Ronald Dworkin como a dimensão substantiva da decisão judicial, estabelecida como aquela decisão coerente e democraticamente adequada com vistas à garantia dos ideais de justiça e de equidade e também a sua dimensão procedimental, assim entendida como a participação moral do interessado nas decisões, em coautoria com o julgador em decorrência dos postulados do devido processo legal e do contraditório e como forma de concretizar o direito em sua integridade. Neste contexto, o objeto deste artigo científico será analisar a repercussão do pensamento de Ronald Dworkin na interpretação e alcance do artigo 357, § 3º, do Código de Processo Civil, que prevê, em determinadas hipóteses, a cooperação das partes na elaboração da decisão judicial  e o dever de atuar com boa-fé e lealdade processual, princípios instrumentais do Código de Processo Civil, na busca de uma decisão democraticamente adequada e efetiva, em consonância com a razoável duração do processo, prevista no artigo 5º, LXXIX, da Constituição Federal. E desta forma, estabelecidos os conceitos acima citados, será abordada a relevância e a adequação das linhas de pensamento de Ronald Dworkin, devidamente destrinchadas na obra de autoria de Francisco José Borges Motta, na interpretação do artigo 357, § 3º, do Código de Processo Civil como forma de realização da decisão judicial correta e, consequentemente, da concretização da integridade do direito.

Palavras-chave: Teoria da Decisão Jurídica, Dupla dimensão da decisão jurídica correta, Conceito, Leitura Moral, Justiça.

1. INTRODUÇÃO

1.1 A DUPLA DIMENSÃO DA DECISÃO JUDICIAL CORRETA

O objeto deste capítulo é a análise da decisão judicial correta em sua dupla dimensão, a substantiva e a procedimental, sob o enfoque dos postulados da Teoria da Decisão Jurídica de Ronald Dworkin e da obra “Ronald Dworkin e a Decisão Jurídica” de autoria de Francisco José Borges Motta (2017).

Não é preciso ser formado em direito para saber que a decisão judicial é proferida, em regra, pelo Juiz de Direito, em seu sentido amplo. Trata-se de uma obviedade desnecessária de maiores esclarecimentos. No entanto, o que não é tão óbvio, é a construção da decisão judicial, pelo menos da forma correta, segundo a linha de pensamento de Ronald Dworkin e a sua dupla dimensão. E este será o objeto deste capítulo.

Existem boas decisões proferidas pelos juízes, porquanto devidamente fundamentadas com a aplicação correta da lei ao caso concreto e respeitadas as garantias constitucionais, é certo. Todavia, como saber se essas decisões, ainda que aparentemente corretas e, embora tenham concorrido para a pacificação social, são, repise-se, sob os fundamentos da Teoria da Decisão Jurídica de Ronald Dworkin, juridicamente corretas, segundo a melhor interpretação? A resposta está no estudo das dimensões substantivas e procedimentais da decisão jurídica a serem vistas a seguir.

1.2 A DIMENSÃO SUBSTANTIVA DA DECISÃO JUDICIAL CORRETA

A dimensão substantiva da decisão judicial correta é, em síntese, a correção da decisão judicial, segundo o seu conteúdo. É a decisão judicial democraticamente adequada, segundo a sua substância e de acordo com a melhor interpretação constitucional, denominada por Ronald Dworkin (2010) como a “leitura moral da constituição”.

É evidente que não se trata de um conceito simples, porquanto uma decisão judicial pode ser correta para determinada pessoa e incorreta para outra, dependendo do ponto de vista. Depende, muitas vezes, daqueles que participaram da lide, seja aquele que sucumbiu na demanda que, a rigor, não se conformará com o resultado e, nesse sentido, exercerá o seu direito ao duplo grau de jurisdição, porquanto, evidentemente, entendeu que a decisão proferida não foi correta, seja o vencedor que terá o sentimento contrário.

Não será adotado o enfoque acima, mas sim, a correção ou incorreção da decisão jurídica, segundo a linha de raciocínio de Ronald Dworkin 1999 e suas regras interpretativas apresentadas em sua obra “O Império do Direito”. Deste modo, é imprescindível o estudo da linha interpretativa dworkianiana, mormente a decisão democraticamente adequada no caso concreto, decorrente de uma leitura moral da constituição como forma de concretização dos ideais de justiça e equidade e, consequentemente, do direito em sua integridade.

Com efeito, em seu aspecto substantivo, a decisão juridicamente correta é aquela democraticamente adequada, assim entendida, como aquela fundada na leitura moral da constituição e fundamentada em argumentos de princípio, resguardando, pois, coerência com a história e o sistema jurídico. Em suma, a decisão juridicamente adequada será aquela decorrente da leitura moral da constituição, ou melhor, fundada na interpretação correta e coerente da constituição e que concretize os ideais de justiça e equidade.

De início depreende-se que a decisão juridicamente adequada não é fruto da discricionariedade judicial, ou pior, da arbitrariedade do julgador. Ao reverso, ela é fundamentada em conceitos rígidos apresentados por Ronald Dworkin que, se seguidos adequadamente, ensejarão na melhor solução ao caso concreto, segundo a melhor interpretação, a leitura moral da constituição.

Feitas estas considerações, a decisão juridicamente adequada em seu conteúdo, e para a concretização da integridade do direito, deve ser fundada nos pressupostos da conveniência, da história e dos valores. Estes são os passos a serem adotados pelo julgador para, segundo os postulados de Ronald Dworkin (1999; 2010), proferir a decisão correta no caso concreto.

A conveniência é a possibilidade de o julgador, ao proferir a decisão jurídica, levantar todos os precedentes aos argumentos possíveis no caso concreto. A limitação histórica, por sua vez, impede que o julgador imponha as suas convicções pessoais ao jurisdicionado em prejuízo das práticas sociais, devendo proferir decisões coerentemente adequadas, segundo a moralidade coletiva. Os valores, finalmente, devem orientar a seleção dos argumentos como forma de busca da justiça e da equidade, impondo-se, a rigor, que as decisões judiciais sejam democráticas e fundamentadas em argumentos de princípio.

A conveniência de levantar todos os precedentes, segundo uma coerência histórica com a concretização do direito em sua integridade e a sua dificuldade, pode ser explicada por Ronald Dworkin (2010) na figura do Juiz Hércules. Hércules, segundo Ronald Dworkin (2010), é um juiz metódico e criterioso que, para fundamentar a sua decisão democraticamente correta e adequada, segundo a integridade do direito, inicialmente seleciona as diversas hipóteses para a melhor interpretação, sem antes ter lido os precedentes. Após, feita a seleção, Hércules verifica cada hipótese para a solução do precedente com justiça e equidade, rechaçando, deste modo, as situações em que não houver o primado da justiça. Assim, o direito como integridade deverá obedecer aos critérios da justiça, da equidade e do devido processo adjetivo. Trata-se, pois de uma tarefa quase impossível, que apenas evidencia a dificuldade da concretização da decisão juridicamente correta.

Ciente da impossibilidade de realização desta tarefa hercúlea, daí o nome do juiz Hércules, é que Dworkin descarrega dos ombros do juiz a obrigação de ser o único ator e protagonista de proferir a decisão correta, para democratizar esta decisão em compasso com os demais atores do processo.

Com efeito, Dworkin afirma que,

O juiz real deve suprir sua desvantagem em relação a Hércules recorrendo a todos os participantes da prática do Direito. O juiz real deve garantir o trânsito livre de comunicação e não pode ter certeza sobre os argumentos de alguém, a menos que deixe este acabar de falar para descobrir se compartilha de suas convicções (Dworkin, 1999, p. 114).

Assim, segundo Dworkin,

o direito como integridade, então, exige que o juiz ponha à prova sua interpretação e qualquer parte da vasta rede de estruturas e decisões políticas de sua comunidade, perguntando-se se ela poderia fazer parte de uma teoria coerente que justificasse essa rede como um todo (Dworkin, 1999, p. 296).

Malgrado as considerações acima, ainda se faz necessário o esclarecimento de alguns conceitos para a melhor compreensão do que seria a decisão juridicamente correta em seu aspecto substancial. E nesse sentido, para que haja a decisão juridicamente correta em seu conteúdo, é preciso que ela seja democraticamente adequada. A decisão democraticamente adequada, para fins dworkinianos, é aquela comunitariamente democrática, ou seja, que preserve os direitos da minoria em face da minoria, sob uma ótica não utilitarista. É dizer que a decisão deve limitar o poder do Estado em favor dos direitos individuais, fundada, pois, em argumentos de princípio.

E neste ponto esclarece Francisco José Borges Motta em sua obra “Ronald Dworkin e a Decisão Jurídica”:

Lembre-se que adotamos no presente trabalho, a concepção constitucional de democracia (ou partnership conception) proposta por Dworkin. Assim, quando afirmamos que uma decisão jurídica é uma questão de democracia, essa afirmação deve ser compreendida num contexto em que as pessoas têm direitos a serem preservados em face da maioria; num contexto, portanto, em que o Direito tem autonomia em relação à Política. Integrando-se essas premissas com uma visão substancialista da intervenção judicial, chega-se a seguinte questão: que tipo de argumento é um bom argumento (um argumento válido) para justificar uma decisão judicial. A resposta de Dworkin, desde Levando os Direitos a Sério, é: a decisão jurídica deve ser gerada por princípios. Com efeito, é conhecida a distinção que Dworkin traça entre os argumentos de política e os argumentos de princípio. De acordo com o jusfilósofo norte-americano, “os argumentos de política justificam uma decisão política, mostrando que a decisão fomenta ou protege algum objetivo coletivo da comunidade como um todo”, ao passo que os “os argumentos de princípio justificam uma decisão política, mostrando que a decisão respeita ou garante um direito de um indivíduo de um grupo (Motta, 2017, p. 218/219).

E continua o autor,

assim, enquanto o princípio é um padrão que favorece um “direito”, a política é um padrão que estabelece uma “meta”. Dessa forma, os argumentos de princípio são argumentos em favor de um direito, e os argumentos de política são argumentos em favor de algum objetivo de cariz coletivo, geralmente relacionado ao bem comum (Motta, 2017, p. 219).

E conclui, “os argumentos de princípio são argumentos destinados a estabelecer um direito individual; os argumentos de política são argumentos destinados a estabelecer um direito coletivo” (Motta, 2017, p. 219).

Além disso, a decisão judicial, para ser substancialmente correta, deve ser adequada ao caso concreto e coerente com o sistema, assim entendido em seu contexto histórico. E isto quer dizer que os argumentos de princípio a serem adotados como fundamentos da decisão devem resguardar coerência com o sistema e sua história. Admitir entendimento diverso seria permitir que o julgador utilizasse de sua moralidade pessoal como forma de impor as suas convicções, em detrimento a moralidade coletiva, resultando na arbitrariedade, que deve ser evitada.

E neste contexto, e para evitar a arbitrariedade, o julgador deve atuar como um romancista em cadeia, tal como descrito por Ronald Dworkin (1999) em sua obra “O Império do Direito”. É que o juiz, tal como o romancista, deve continuar o romance,

ao invés de inaugurar um novo livro. O juiz é um romancista na cadeia, alguém que conserva a história institucional do Direito, ao mesmo tempo em que tenta dar, a esta, a melhor interpretação possível para o futuro (a que melhor realize os valores que representam a intencionalidade daquela prática) (Motta, 2017, p. 214/215).

Com efeito, a rigor, o julgador, atuando como verdadeiro romancista, está atrelado à interpretação que dê continuidade à obra, respeitando os personagens, trama, gênero, tema e objetivo, para decidir o que considerar como continuidade e não como um novo começo (Dworkin, 1999, p. 296).

Ademais, também é preciso ressaltar que a decisão substancialmente correta deve concretizar os valores da justiça e da equidade, além de respeitar o devido processo adjetivo, conceito a ser esclarecido em capítulo próprio, esclareça-se. Haverá justiça se a autoridade distribuir os recursos materiais e preservar as liberdades civis a fim de garantir um fim moralmente justificável, ao passo que a equidade está vinculada à distribuição adequada de poderes políticos entre os cidadãos e aqueles que governam. Em suma, haverá justiça e equidade se houver igualdade.

Desta forma, havendo uma decisão democraticamente coerente e adequada, fundamentada em argumentos de princípio e que concretize os ideais de justiça e de equidade, segundo a leitura moral da constituição, estaremos diante de uma decisão correta em sua dimensão substancial.

Como se vê, são as amarras da integridade e da história que impedem que o juiz tenha um poder absoluto de impor a todos nós as suas convicções pessoais (Motta, 2017, p. 226), e profira uma decisão arbitrária em descompasso com a integridade do direito.

Portanto, respeitados os critérios acima, o julgador, segundo a Teoria da Decisão Jurídica de Ronald Dworkin, proferirá a decisão correta, pelo menos em seu aspecto substantivo (Dworkin, 1999).

1.3 A DIMENSÃO PROCEDIMENTAL DA DECISÃO JURIDICAMENTE CORRETA

Estabelecida a dimensão substancial da decisão juridicamente correta, a saber, aquela decorrente da leitura moral da constituição e fundamentada em argumentos de princípio, coerente e democraticamente adequada com vistas à concretização da justiça e da equidade, é preciso, além disso, estabelecer mecanismos, igualmente adequados e coerentes com a finalidade de concretizar o direito em sua integridade.

E neste ponto, é fundamental a análise da dimensão procedimental da decisão judicial correta, porquanto a leitura moral da constituição, sobretudo no que tange ao devido processo legal, revela-se importantíssima para aliada à dimensão substantiva da decisão, alcançar o direito em sua integridade e, consequentemente, a decisão correta.

O artigo 5º, LIV, da Constituição Federal prevê que ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, assim entendido como a necessidade ao respeito do contraditório, da ampla defesa, da motivação dos atos processuais, da isonomia, do juiz natural, da publicidade. Ou seja, o devido processo legal, em outras palavras, é como o processo deve ser, tanto em seu caráter formal como material.

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz-competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal) (Moraes, 2007, p. 95).

No entanto, ainda assim, mesmo diante da acepção formal e material, é preciso realizar uma leitura moral da cláusula do devido processo legal para a concretização da decisão juridicamente correta em seu aspecto procedimental.

Com efeito, não basta que o julgador apenas profira as decisões em obediência aos postulados da liberdade e da proteção aos bens, segundo paridade total de condições com o Estado-persecutor. É preciso, além disso, que as partes construam a decisão democraticamente, isto é, não atuem como meros espectadores, mas sim, juntamente com o julgador, como verdadeiros coautores de uma decisão participada.

Veja-se que essa concepção de devido processo legal passa pelo filtro da leitura moral dworkiniana, na medida em que procura harmonizar o exercício da jurisdição com a garantia de direitos, o que é uma exigência do Estado Democrático de Direito. O procedimento garante, assim, a geração de decisão participada e, neste sentido, construída democraticamente (Motta, 2017, p. 248).

Além disso,

esta maneira de interpretar a cláusula do contraditório, que inclusive tem despertado a atenção da processualística contemporânea, ao incorporar concretamente, à decisão judicial, a contribuição daqueles que sofrerão os seus efeitos, contribui para que se satisfaça a condição democrática da participação, por meio da qual se garante o autogoverno (Motta, 2017, p. 248/249).

Assim, a decisão juridicamente correta, segundo a Teoria da Decisão Jurídica de Ronald Dworkin é aquela fundada na leitura moral da constituição, fundada em argumentos de princípio, coerente e que concretize os ideais de justiça e equidade, além de construída democraticamente pelo jurisdicionado, segundo a leitura moral da cláusula do devido processo adjetivo (Dworkin, 1999).

2. A PARTICIPAÇÃO MORAL DO JURISDICIONADO NA DECISÃO SANEADORA PREVISTA NO ARTIGO 357 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O objeto deste capítulo será uma análise, ainda que breve, das repercussões da Teoria da Decisão Jurídica de Ronald Dworkin (1999), segundo a leitura moral da cláusula do devido processo legal na decisão saneadora prevista no artigo 357 do Código de Processo Civil.

O processo de conhecimento tem início com a fase postulatória em que o autor formulará o seu pedido que poderá ter cunho declaratório, condenatório ou constitutivo (desconstitutivo) e encerra com a apresentação da contestação ou da réplica, se for o caso. Ultrapassada a apresentação da contestação ou da réplica, e não havendo vícios ou irregularidades a sanar, tem-se inícios a fase ordinatória com o julgamento conforme o estado do processo no qual o magistrado encerra as atividades preliminares e realiza o completo saneamento do processo (Theodoro Junior, 2001, p. 358).

Nesta fase processual, caberá ao juiz extinguir o processo nas hipóteses previstas no artigo 485 e 487, I e II, do Código de Processo Civil; julgar antecipadamente a lide, total ou parcialmente, quando não houver necessidade de produção de outras provas ou quando o réu for revel e incidirem os efeitos da revelia.

Esta digressão é necessária para situar a hipótese do saneamento e da organização do processo. “Sanear significa, sob a ótica processual, tornar (o processo) isento de defeitos, falhas, omissões ou obstáculos, remediar, reparar, corrigir um erro” (Marcato, 2008, p. 987/988). A decisão saneadora, nestes termos,

é aquela em que o juiz profere, ao final das providências preliminares, para reconhecer que o processo está em ordem e que a fase probatória pode ser iniciada, eis que será possível o julgamento de mérito e, para tanto, haverá necessidade de prova oral ou pericial (Theodoro Junior, 2001, p. 363).

O ponto a ser debatido neste capítulo será a fase ordinatória, especificamente a decisão saneadora e a cooperação das partes na construção da decisão judicial correta.

O artigo 357 do Código de Processo Civil prevê, expressamente, que:

Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo:

I – resolver as questões processuais pendentes, se houver;

II – delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos;

III – definir a distribuição do ônus da prova, observado o artigo 373;

IV – delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito;

V – designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento.

§1º (…).

§2º (…).

§3º Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer as suas alegações (Brasil, 2015).

E da leitura do artigo 357 do Código de Processo Civil depreende-se que a decisão saneadora visa resolver as questões processuais pendentes, se houver, delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos, isto é, fixar os pontos controvertidos e os meios de prova idôneos e adequados para tanto; definir a distribuição do ônus da prova como regra de julgamento; delimitar as questões de direito e, se for o caso, se necessária a produção de prova oral, a designação de audiência de instrução, debates e julgamento.

Nesse sentido, conclui-se que a decisão saneadora é um verdadeiro juízo positivo do processo em que se reconhece (Theodoro Junior, 2001, p. 364):

a) Admissibilidade do direito de ação, por concorrerem as condições da ação, sem as quais não se legitima o julgamento de mérito;

b) Validade do processo, por concorrerem todos os pressupostos e requisitos necessários à formação e desenvolvimento válido da relação processual;

c) Deferimento de prova oral ou pericial.

Todavia, chama a atenção o contido no artigo 357, § 3º, do Código de Processo Civil. Isto porque o referido artigo prevê uma interessante inovação ao permitir o convite às partes à cooperação processual. É evidente que não se tata de uma cooperação a ponto de esquecer que as partes defendem interesses antagônicos, mas, a rigor, a necessidade de atuarem com lealdade e boa-fé processual, a fim de permitir a prestação da tutela jurisdicional em prazo razoavelmente adequado, como preconizam os artigos 5º, LXXIX, da Constituição Federal e 6º do Código de Processo Civil.

E nesse sentido, o princípio da cooperação

vem expressamente consagrado no art. 6º do CPC: Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. Constitui desdobramento do princípio da boa-fé e da lealdade processual. Mas vai além, ao exigir, não propriamente que as partes concordem ou ajudem uma a outra – já que não se pode esquecer que há um litígio entre elas – mas que colaborem para que o processo evolua adequadamente (Gonçalves, 2007, p. 95).

A lealdade e a boa-fé caminham juntas à cooperação. Trata-se de princípio estrutural do Código de Processo Civil que exige das partes, não só a boa-fé subjetiva, mas objetiva, vedando-se comportamentos contraditórios que possam obstar a tutela efetiva e em razoável duração. É um comando que impede que as partes e seus procuradores, por exemplo, violem os dispositivos previstos nos artigos 77 e 78 do Código de Processo Civil, sob pena de responsabilização.

Embora o dever de lealdade e de boa-fé não constem mais do rol do art. 77, CPC, por sua relevância foram alocados como princípio geral do processo, no art. 5º, CPC. Lealdade, nesse contexto, está no sentido de sinceridade, fidelidade, honestidade. A lealdade que se exige é a consciência de não agir de modo manifestamente contrário a direito. Não se trata, pois, de permitir que se aja em juízo apenas quando se tem razão: basta para o atendimento ao dever de lealdade que os participantes do processo tenham em si expectativas mais ou menos firmes de provimentos favoráveis às suas aspirações (que há possibilidade no pleito, que a hipótese aventada não é absurda ou grosseira). Está de boa-fé no processo aquele que se comporta de forma aceitável, segundo padrões de conduta socialmente adequados Marinoni, Arenhardt e Mitidiero, 2017, p. 230). (

Neste contexto, e atento aos deveres de lealdade e boa-fé processual, é que as partes serão convidadas a cooperar com o esclarecimento das suas alegações em casos de complexidade da matéria de fato e de direito. Trata-se de relevante inovação que, a rigor, consubstancia na participação democrática dos atores processuais na decisão correta. Além disso, reforça-se que não se pode olvidar que a decisão, proferida com a participação e cooperação das partes dará guarida à razoável duração do processo, elevada, como se vê acima, a princípio constitucional, nos termos do artigo 5º, LXXIX, da Constituição Federal e previsto no artigo 6º do Código de Processo Civil.

Diante deste contexto,

como corolário da estrutura cooperativa do processo civil brasileiro (art. 6 º, CPC), se a narrativa das partes encontrar-se lacunosa, obscura ou de qualquer modo de difícil compreensão, tem o juiz de convidá-las à integração e ao esclarecimento (art. 357, § 3º, segunda parte, CPC), tendo o dever de colaborar indicando exatamente aquilo que pretende ver integrado e esclarecido (analogamente, art. 321, CPC). Tendo em conta que a colaboração é uma das normas fundamentais do processo civil brasileiro, o convite à integração e ao esclarecimento não está restrito à organização do processo em audiência – sempre que necessários, pode o juiz determiná-los (Marinoni, Arenhardt e Mitidiero, 2017, p. 165).

Neste cenário, percebe-se que, se no Código de Processo Civil revogado as partes eram meras espectadoras do ordenamento do processo, atualmente, com a edição da Lei 13.105 de 16 de março de 2015, especificamente em seu artigo 357, § 3º, o legislador retira dos ombros do juiz a tarefa hercúlea – remete-se ao juiz Hércules – de decidir isoladamente acerca de questões complexas e, quiçá, morosas, e confere às partes o dever de cooperar na hipótese do artigo 357, § 3º, do Código de Processo Civil, em verdadeira decisão participada para fins dworkinianos, ao qual é possível remeter o princípio da cooperação previsto no artigo 6º do Código de Processo Civil (Brasil, 2015).

Portanto, é o princípio da cooperação que remete aos postulados de Ronald Dworkin e que ampara a realização de decisões judiciais participadas e, consequentemente, democraticamente adequadas, justas e corretas como forma de concretizar o direito em sua integridade.

3. CONCLUSÃO

Diante do que foi exposto neste trabalho, verifica-se que a Teoria da Decisão Jurídica de Ronald Dworkin e os conceitos apresentados por Francisco José Borges Motta (2017) em sua obra “Ronald Dworkin e a Decisão Jurídica” revelam-se de fundamental importância para a busca da decisão jurídica correta, tanto em sua acepção substancial como formal.

E o esclarecimento do conceito da dupla dimensão da decisão jurídica correta, segundo os postulados de Ronald Dworkin (1999; 2010), revelou-se essencial para se verificar os passos para a busca da decisão que, amparada na leitura moral da constituição, fosse coerente e concretizasse a busca da equidade e da justiça e, portanto, o direito em sua integridade.

Ademais, também foi possível, após os esclarecimentos acima, verificar a importância dos conceitos trazidos por Ronald Dworkin na busca da decisão saneadora correta, fundada, atualmente, no princípio da cooperação previsto no artigo 6º do Código de Processo Civil.  O princípio da cooperação, por sua vez, anda lado a lado com os princípios da lealdade e da boa-fé, previstos nos artigos 4º e 5º do Código de Processo Civil e contribuem para a decisão democrática, efetiva e em prazo adequado, segundo recomenda o artigo 5º, LXXIX, da Constituição Federal.

É que, se as partes eram meras espectadoras da decisão saneadora, com o advento da Lei 13.105 de 16 de março de 2015, o juiz deixou de ser protagonista isolado da tarefa hercúlea de decidir, podendo, como princípio estrutural do Código de Processo Civil conferir às partes a postura ativa de contribuir ativamente como forma de democratizar a decisão, no caso, para o saneamento do processo nas hipóteses previstas no artigo 357, § 3º, do Código de Processo Civil (Brasil, 2015).

Portanto, o que se buscou neste artigo foi demonstrar a importância da Teoria da Decisão Jurídica de Ronald Dworkin na busca da decisão correta e seus reflexos no Código de Processo Civil, especialmente na decisão saneadora prevista no artigo 357 do Código de Processo Civil, fundada no princípio da cooperação previsto no artigo 6º do Código de Processo Civil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL.  Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015 – Artigo 357. Código de Processo Civil. Brasília, 16 de março de 2015.

DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo. Ed. Martins Fontes, 3ª Ed, 2010.

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo. Ed. Martins Fontes, 3ª Ed, 1999.

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THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil.  Ed. Forense, 2001, 36ª Ed, Rio de Janeiro.

MARCATO, Antônio Carlos (Coor). Código de Processo Civil Interpretado. Ed. Atlas, São Paulo, 2008.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARDT. Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. Ed RT, 2017, São Paulo, 3ª Ed.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. Ed. Atlas, 21ª Ed, 2007.

MOTTA, Francisco José Borges. Ronald Dworkin e a Decisão Jurídica. Salvador. Juspodium, 2017.

[1] Doutorando em Direito Constitucional – PUCSP; Mestre em Direito Constitucional – PUCSP; Graduado: Universidade Presbiteriana Mackenzie. ORCID: 0009-0005-8053-9675.

Material recebido: 28 de novembro de 2023.

Material aprovado pelos pares: 13 de dezembro de 2023.

Material editado aprovado pelos autores: 05 de fevereiro de 2024.

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Luis Fernando Decoussau Machado

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