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Debates jurídicos sobre a (de)mora processual penal

RC: 140929
268
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/debates-juridicos

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SOUSA, Vanessa Aparecida Custódio de [1]

SOUSA, Vanessa Aparecida Custódio de. Debates jurídicos sobre a (de)mora processual penal.  Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 02, Vol. 03, pp. 97-108. Fevereiro de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/debates-juridicos, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/debates-juridicos

RESUMO 

A (de)mora processual penal é um obstáculo no ordenamento jurídico brasileiro, e causa danos à sociedade e às partes processuais. Diversos princípios são agredidos, como a dignidade da pessoa humana, o devido processo legal, a razoável duração do processo e a presunção de inocência. É necessária a modernização das legislações processuais penais vigentes, bem como do funcionamento do Poder Judiciário. Neste ponto, destaca-se os impactos trazidos pela pandemia da Covid-19, no sentido de que aceleraram o uso da tecnologia e garantiram o acesso à justiça, o que será demonstrado por meio de dados do Conselho Nacional de Justiça. Por fim, embora muitos avanços já tenham ocorrido, muitos desafios ainda precisam ser enfrentados, com empenho de forças conjuntas.

Palavras-chave: Processo penal, Morosidade, Razoável duração do processo.

1. INTRODUÇÃO

O Direito Processual Penal é a parte da ciência jurídica que atribui legitimidade do direito de punir ao Estado, sendo este incumbido de salvaguardar os valores do indivíduo e da sociedade, considerados de grande importância. Tais valores, por sua vez, recebem o nome de bens jurídicos penais, nos quais se destaca o patrimônio, a vida, a liberdade, a honra, entre outros.

A questão problema gira em torno do Estado, como detentor do poder punitivo, falhar ao não observar diversos princípios em relação à demora processual, como o princípio da dignidade da pessoa humana, do devido processo legal, da presunção da inocência e da razoável duração do processo. Salienta-se que a perda de tais prazos não acarreta nenhuma penalização processual, civil ou administrativa ao Estado.

Assim, diversas soluções são analisadas, como a modernização da estrutura judiciária, para otimização do uso dos recursos humanos e materiais, e a atualização legislativa, para estabelecer punições para o não cumprimento dos prazos, dentre as quais se destaca a responsabilização civil do Estado, detentor do jus puniendi.

2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELEVANTES EM RELAÇÃO AO TEMPO

2.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O princípio em tela é um aglomerado de garantias inerentes ao homem, e sua natureza está intimamente ligada à essência humana. Na Constituição Federal, está disposto no art. 1º, inciso III, e diz que “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana” (BRASIL, 1988).

A jurista Souza (2015, p. 21) disserta sobre a dignidade da pessoa humana:

A dignidade da pessoa humana se tornou, no ordenamento jurídico brasileiro, uma espécie de totem, um símbolo sagrado e indefinível, que circula duplamente entre as dimensões mágicas e práticas. Com seu poder simbólico, passou a figurar em demandas das mais diversas, trazendo sentidos cada vez mais distintos e inimagináveis para sua mensagem. Nos tribunais, esse meta princípio passou a ser uma espécie de mestre ou xamã na grande manta principiológica ordenamentária, e tem se disseminado como uma palavra-chave, ou mantra sagrada, invocada como uma entidade jurídico-protetora dos oprimidos (ou, a depender, também dos poderosos).

Assim, a dignidade da pessoa humana é um princípio geral do Direito, e ainda que não esteja expresso, é basilar a todo o ordenamento jurídico. Nesse sentido, cabe a análise do art. 3º, do Código Penal, in verbis: “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito” (BRASIL, 1940).

2.2 DEVIDO PROCESSO LEGAL

Toda pessoa tem o direito a um processo justo, igualitário, no qual sejam preservadas as garantias fundamentais. O princípio do devido processo legal, também chamado de due legal process, está intrinsecamente associado à celeridade processual. Nas palavras de Zarif (2006, p. 140), o princípio em tela é:

[…] uma das garantias intrínsecas ao devido processo legal é o de que os processos devem ser céleres, buscando uma rápida solução para o conflito de interesses levado ao Judiciário, sem que se deixe de lado o respeito a outros princípios também decorrentes do due process, como o da ampla defesa e do contraditório.

O princípio de origem inglesa foi incorporado à Constituição Federal, e está disposto no art. 5º, inciso LIV, e diz que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (BRASIL, 1988). Dessa forma, para que o referido princípio seja resguardado, é necessária a observância da celeridade processual, sob pena de infringi-lo.

2.3 A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Este princípio está colecionado no art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, que diz em seu texto que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (BRASIL, 1988).

A norma supracitada foi inserida no ordenamento jurídico por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004, que, apesar de ter incorporado indispensável base, falhou ao não especificar critérios objetivos do que venha a ser a razoável duração processual (BRASIL, 2004). Nessa perspectiva, o doutrinador Moraes (2005, p. 94) disserta que:

A EC n. 45/04 trouxe poucos mecanismos processuais que possibilitem maior celeridade na tramitação dos processos e redução na morosidade da Justiça Brasileira. O sistema processual judiciário necessita de alterações infraconstitucionais, que privilegiem a solução dos conflitos, a distribuição de Justiça e maior segurança jurídica, afastando-se tecnicismos exagerados.

O mencionado princípio é mal recepcionado no Código de Processo Penal atual, porquanto este utiliza a doutrina “do não prazo”. A citada doutrina significa que os prazos para realização dos atos processuais se encontram dentro do próprio código, porém, que não há responsabilização caso não seja cumprido (BRASIL, 1941).

Se considerarmos os prazos processuais penais, o processo deveria ser concluído entre 85 e 120 dias para réus presos ou 145 dias estando o réu solto, entretanto, embora seja o ideal, não é a realidade do judiciário. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (2020, p. 196), o processo criminal dura em média de 04 (quatro) anos para findar, sem considerar a execução penal.

2.4 PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA

A presunção de inocência teve sua origem na Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos (DDHC, 1978), porém, sua notoriedade universal veio a ser firmada no artigo 11 da DDHC. Também elencado no texto constitucional, este princípio é encontrado no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, e diz que: “ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988). Segundo o jurista Lenza (2017, p. 1197):

Ninguém será considerado culpado até o trânsito e julgado de sentença penal condenatória. Assim, nada mais natural que a inversão do ônus da prova, ou seja, a inocência é presumida, cabendo ao MP ou a parte acusadora (na hipótese de ação penal privada) provar a culpa.

Dessa forma, pode-se extrair diversos pontos relevantes deste princípio, mas, para este estudo, é importante referir-se ao fato de que o acusado permanece em estado de inocência até o trânsito em julgado da sentença. 

3. MORA PROCESSUAL NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Como já dito, o sistema processual brasileiro adotou a “doutrina do não prazo”. Embora o Código de Processo Penal mencione prazos para atos procedimentais, o mesmo não dispõe sobre sanções, caso os referidos prazos não sejam cumpridos (BRASIL, 1941). Segundo o jurista Lopes Júnior (2020, p. 78):

Por dilação, entende-se a (de)mora, o adiamento, a postergação em relação aos prazos e termos (inicial-final) previamente estabelecidos em lei, sempre recordando o dever de impulso (oficial) atribuído ao órgão jurisdicional (o que não se confunde com poderes instrutórios-inquisitórios). Incumbe às partes o interesse de impulsionar o feito (enquanto carga no sentido empregado por James Goldschmidt) e um dever jurisdicional em relação ao juiz.

Nesse ínterim, a demora processual não pode ser justificada pelo excesso de trabalho nas escrivanias criminais, sobretudo nas prisões preventivas, já que o acusado fica preso enquanto perdurar o processo.

3.1 ALTERAÇÃO ART. 316 CPP

A Lei Anticrime (nº 13.964/2019) promoveu alteração em diversos dispositivos (BRASIL, 2019), bem como no Código Penal (BRASIL, 1940) e no Código de Processo Penal (BRASIL, 1941). Dentre essas mudanças, significante foi a alteração do art. 316 e seguintes do Código Processo Penal (BRASIL, 1941). In verbis:

Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal (BRASIL, 1941).

Conforme citado acima, a cada 90 (noventa) dias, deverá o órgão emissor (magistrado) revisar a necessidade de continuidade da prisão preventiva, sob pena de tornar a prisão ilegal. Esta mencionada mudança legal é palco de diversos debates jurídicos, exemplo disso é o famoso caso do André do Rap. O ministro Marco Aurélio de Mello proferiu decisão liminar, em sede de Habeas Corpus (HC 191836), ordenando a soltura do acusado André Oliveira Macedo, ligado a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2020). In verbis:

DECISÃO PRISÃO PREVENTIVA – FUNDAMENTOS – SUBSISTÊNCIA. PRISÃO PREVENTIVA – PRAZO – EXCESSO. HABEAS CORPUS – LIMINAR – DEFERIMENTO.

[…] Realça violado o artigo 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal, ante a ausência de análise, nos últimos 90 dias, da necessidade de manutenção, a configurar excesso de prazo. Requer, no campo precário e efêmero, a revogação. No mérito, busca a confirmação da providência. Consulta ao sítio do Tribunal Regional Federal da 3ª Região revelou haver a Décima Terceira Turma desprovido embargos declaratórios […] Expeçam alvará de soltura a ser cumprido com as cautelas próprias: caso o paciente não esteja custodiado por motivo diverso da prisão preventiva retratada no processo nº 0000373-08.2015.4.03.6104, da Quinta Vara Federal da Subseção Judiciária de Santos/SP. Advirtam-no da necessidade de permanecer com a residência indicada ao Juízo, atendendo aos chamamentos judiciais, de informar possível transferência e de adotar a postura que se aguarda do cidadão integrado à sociedade.

(STJ-SP, HC 191836, Relator: Min. Marco Aurélio de Mello. Data de julgamento: 23/11/2020, Primeira Turma, Data da Publicação: 01/03/2021)

Segundo o ministro Marco Aurélio, a prisão preventiva do acusado não atendeu à inovação trazida ao art. 316, pois, passados os 90 (noventa) dias, não foi realizada a reanálise da necessidade de manutenção da prisão preventiva, sendo ilegal a prisão, dessa forma, proferindo decisão liminar de soltura (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2020).

3.2 EXCESSO DE DEMANDA E FALTA DE RECURSOS HUMANOS

O judiciário, respondendo às críticas, justifica sua mora no aumento considerável de processos e na falta de recursos humanos. De acordo com o Conselho Nacional Justiça (2020, p. 192):

Em 2019, ingressaram no Poder Judiciário 2,4 milhões de casos novos criminais, sendo 1,6 milhão (58,5%) na fase de conhecimento de 1º grau, 18,1 mil (0,6%) nas turmas recursais, 628,4 mil (22,4%) no 2º grau e 121,4 mil (4,3%) nos Tribunais Superiores. Além desses casos, foram iniciadas 395,5 mil (14,1%) execuções penais no 1º grau. A Justiça Estadual é o segmento com maior representatividade de litígios no Poder Judiciário, com 68,4% da demanda. Na área criminal essa representatividade aumenta para 91,4%.

Percebe-se que a demanda criminal no Brasil excede todas as outras áreas de direito, e, ainda, segundo o Conselho Nacional de Justiça, os processos criminais em 1º grau demoram, em média, 4 (quatro) anos para se findarem (sem contar a fase de execução penal), enquanto os processos não criminais, 02 (dois) anos e 07 (sete) meses (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2020, p. 196).

Apesar dos grandes desafios a serem enfrentados, cabe salientar que o uso massivo de tecnologias, durante a pandemia do coronavírus, trouxe diversos avanços, porquanto, além de garantir a prestação jurisdicional em tempos pandêmicos, proporcionou a aceleração da modernização institucional do judiciário.

A mencionada modernização traduz-se em números. Segundo Melo e Bandeira (2022):

O Poder Judiciário concluiu 26,9 milhões de processos em 2021, uma expansão de 11,1% no número de casos solucionados em relação a 2020. No mesmo período registrou-se o ingresso de 27,7 milhões de novas ações – incluídas as que retornaram a tramitar -, revelando um crescimento de 10,4%. Desses processos, 97,2% chegaram à Justiça já em formato eletrônico. […]

O Índice de Produtividade de Magistrados (IPM) cresceu 11,6% em 2021. O IPM é calculado a partir da relação entre o volume de casos baixados e o número de juízes e juízas que atuaram durante o ano na jurisdição. Conforme o levantamento, a produtividade foi de 1.588 processos baixados por magistrado, o que equivale a uma média de 6,3 casos solucionados por dia útil do ano, sem descontar períodos de férias e recesso.

Assim, é indiscutível que a carga de trabalho do judiciário e o número insuficiente de servidores têm ligação direta com a morosidade processual, todavia, não é justificativa suficiente para isentar o Estado do dever da prestação jurisdicional célere e eficaz, sobretudo ao se considerar os avanços trazidos pelo uso da tecnologia durante o período pandêmico.

4. POSSÍVEIS SOLUÇÕES 

4.1 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

A prestação jurisdicional é assegurada na Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXXV, e é direito de todos os cidadãos e dever do Estado garanti-la com eficácia e a tempo, devendo este zelar pela proteção a esse direito, e caso não o faça, deverá ser responsabilizado (BRASIL, 1988). A Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê que:

Art. 10º. Todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir-se de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminosa contra ele. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).

Por sua vez, o Pacto de São José da Costa Rica assevera que:

Art. 8º. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (BRASIL, 1969, p. 1).

A problemática surge quando o Estado não é capaz de fazer a prestação jurisdicional em tempo hábil, por isso a comunidade doutrinária brasileira debate sobre a possibilidade de responsabilização do Estado pela demora na prestação jurisdicional. Segundo Cury (2005):

A responsabilidade civil do Estado é a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado à terceiros por omissão ou por atos de seus agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las.

Parte da doutrina entende que somente seria possível a responsabilidade quando houver agressão ao art. 5º, inciso LXXV, pela dilação indevida, fazendo alguém ser condenado ou ficar preso além do tempo, por erro do judiciário. Outra parte compreende que não se deve restringir a responsabilização do Estado a essa única hipótese (BRASIL, 1988).

4.2 REFORMA DA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL PENAL

O atual Código de Processo Penal é do ano de 1941, sendo já ultrapassado em muitos aspectos. Em sua época, Beccaria (apud LOPES JÚNIOR, 2020, p. 1) já dizia que:

[…] o processo deve ser conduzido sem protelações, demonstrava a preocupação com a (de) mora judicial, afirmando que, quanto mais rápida for a aplicação da pena e mais perto estiver do delito, mais justa e útil ela será. Mais justa porque poupará o acusado do cruel tormento da incerteza, da própria demora do processo enquanto pena. Explica que a rapidez do julgamento é justa ainda porque a perda da liberdade (em sede de medida cautelar) já é uma pena. E, enquanto pena sem sentença, deve limitar-se pela estrita medida que a necessidade exigir, pois, segundo o autor, um cidadão detido só deve ficar na prisão o tempo necessário para a instrução do processo […]

Salienta-se que o diploma referido já sofreu diversas alterações positivas, sendo a última por meio da Lei 13.964/2019 (BRASIL, 2019), contudo, nada foi feito em relação à já mencionada doutrina “do não prazo”, ou seja, ainda não se implantou penalidades ao descumprimento de prazos.

4.3 MODERNIZAÇÃO INSTITUCIONAL

A modernização institucional do Poder Judiciário já vem sendo realizada ao longo dos últimos anos, pois advém da necessidade de um mundo globalizado e cada vez mais tecnológico. Com a pandemia do coronavírus, muitas inovações positivas se tornaram imperiosas e foram aceleradas.

No dia 21/08/2020, o Conselho Nacional de Justiça promoveu um painel de discussões com o tema “O novo normal da justiça”. O ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo de Tarso Sanseverino, expôs que “a pandemia da Covid-19 se tornou um catalisador das transformações tecnológicas com impacto direto em todos os setores da sociedade, inclusive no complexo mundo do Direito” (OTONI, 2020)

Assim, é necessário que se continue a modernização processual, pois a tecnologia é uma ferramenta promissora em busca da celeridade e simplificação processual. A modernização do poder judiciário estava em andamento antes da pandemia, contudo, houve incontáveis avanços durante esse período, advindos da necessidade do mundo pandêmico.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A morosidade penal traz como consequência a agressão a princípios consolidados no Direito brasileiro, como a dignidade da pessoa humana, o devido processo legal, a razoável duração do processo e a presunção de inocência. Desse modo, objetivando a solução da questão problema levantada, foram analisados os institutos jurídicos em tela e propostas possíveis soluções.

Conforme foi demonstrado, para solucionar a questão problema levantada, são necessárias diversas ações, como a atualização legislativa, para incluir penalidades para o não cumprimento dos prazos, a modernização dos procedimentos internos por meio de tecnologia e a capacitação dos recursos humanos, além de responsabilização civil para o Estado e sanções para a parte processual ensejadora da mora.

Dentre as soluções apresentadas, frisa-se que o uso da tecnologia tem se demonstrado ferramenta poderosa para maior eficiência e celeridade da prestação jurisdicional. No ano de 2020, foi aprovado pelo Conselho Nacional de Justiça a Resolução nº 345, que autorizou a implantação do juízo 100% digital, medida esta que facilitará a inserção do uso cada vez mais massivo da tecnologia (TJDFT, 2021, p. 1).

Por fim, cabe ressaltar que o processo penal, ao ultrapassar tempo razoável, se torna prejudicial ao réu, por ter este o direito a uma sentença em tempo hábil, o que é asseverado quando o mesmo está preso. Por outro lado, a mora é danosa à vítima e à toda sociedade, porque dá ensejo ao instituto da prescrição, deixando o Estado de exercer o jus puniendi.

REFERÊNCIAS

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ZARIF, Cláudio Cintra. Da necessidade de repensar o processo para que ele seja realmente efetivo. In: FUX, Luiz; NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Processo e Constituição: estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

[1] Lato sensu – Pós-Graduada em Direito Constitucional (2022-1), pela Faculdade Mantenense dos Vales Gerais – Intervale MG; Lato sensu – Pós-Graduada em Direito da Família (2022-1), pela Faculdade Mantenense dos Vales Gerais – Intervale MG (2021-1), Graduada em Direito, pela Universidade Paulista – UNIP/GO (2020-2). ORCID: 0000-0003-2429-2178. CURRÍCULO LATTES: http://lattes.cnpq.br/5890914330378855.

Enviado: Janeiro, 2023.

Aprovado: Fevereiro, 2023.

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Vanessa Aparecida Custódio de Sousa

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