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Contrato de distribuição comercial: aspectos relevantes e consequências jurídicas da terminação da relação

RC: 143566
801
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/consequencias-juridicas

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

DUARTE FILHO, Marco Antonio Savazzo [1]

DUARTE FILHO, Marco Antonio Savazzo. Contrato de distribuição comercial: aspectos relevantes e consequências jurídicas da terminação da relação. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 04, Vol. 05, pp. 82-95. Abril de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/consequencias-juridicas, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/consequencias-juridicas

RESUMO

Considerando a relevância do Contrato de Distribuição como um dos principais instrumentos comerciais e jurídicos para o escoamento da produção mercantil, o presente estudo traz, sem a pretensão de esgotar o assunto ou trazer posição inflexível, apresentar as principais características e conceito desta espécie de contrato, assim como as consequências jurídicas quando do encerramento da relação do Contrato de Distribuição. Para a apresentação desses aspectos, o presente estudo se embasou em revisão bibliográfica de autores que são referência no assunto, de modo a verificar quais são características principais do contrato de distribuição e as consequências jurídicas por ocasião da terminação desta relação. Após análise da doutrina, constatou-se que, diante da complexidade de obrigações e situações fáticas que envolvem a relação de distribuição comercial, há diferentes consequências jurídicas, a depender do contexto factual que permeou a relação entre as partes e da natureza da terminação (resolução, resilição e rescisão). Em geral, identificou-se que o ordenamento jurídico reprimiu atitudes egoístas e contrárias à obrigação de colaboração entre os partícipes, assim como deve haver a concessão de prazo suficiente para que o distribuidor consiga abater os investimentos despendidos para a execução do contrato.

Palavras-chave: Contrato de Distribuição Comercial, Terminação do Contrato de Distribuição, Dependência Econômica entre os Partícipes, Consequências Jurídicas da Terminação do Contrato de Distribuição.

1. INTRODUÇÃO

O Contrato de Distribuição é um dos instrumentos mais importantes disponíveis ao empresário para escoamento de sua produção (FORGIONI, 2014). Como bem simplifica Pinto Monteiro, “é sabido que não basta produzir – é indispensável vender!” (MONTEIRO, 2009). Isto é, pouco importa a qualidade do produto e o valor agregado do produto se não há o seu escoamento. Da mesma forma, não adianta o empresário deter um sistema de escoamento de sua produção que acarrete o aumento do preço de seu produto, ao ponto de torná-lo anticompetitivo com os produtos concorrentes (FORGIONI, 2014).  Ou seja, é necessário que o empresário encontre uma forma jurídica e economicamente viável para o escoamento de sua produção, que aumente a eficiência do seu escoamento, mas que não impacte significativamente no preço de seus produtos.

Não se ignora que, em diversos casos, o próprio agente econômico cuida do escoamento de sua produção, por meio de vendas diretas ao consumidor ou cliente final. Aliás, a depender do caso, essa forma de escoamento é vantajosa ao agente econômico, até porque não haverá a diluição de seus lucros com colaboradores, como acontece nos casos da utilização de sistema colaborativos de distribuição (não só por meio do contrato de distribuição, mas também, por exemplo, nos casos de representação comercial e franquia).

Apesar disso, é mais comum que o empresário, visando o escoamento em grande escala, de modo a alargar os seus horizontes, associe-se com terceiros, “sob as mais variadas formas jurídicas, típicas e atípicas, tais como atacadistas, cooperativas, centrais de compras, fusões sociais, concessão mercantil, representação comercial, franquia, distribuição exclusiva” (THEODORO JÚNIOR, 2006, p. 110).

Nessa ordem de ideias, em que os empresários buscam sistemas de escoamento de suas produções, os contratos de distribuição comercial se tornaram relevantes. Sendo assim, o presente estudo visa apresentar as suas principais características, a sua natureza jurídica, o conceito e as consequências advindas do seu encerramento.

2. CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA, CARACTERÍSTICAS E CLASSIFICAÇÃO

Para conceituar o Contrato de Distribuição stricto sensu, grande parte dos doutrinadores (MARTINS, 2019; FRANCO, 2012; VENOSA, 2017; FORGONI, 2014) indica que é a operação em que o distribuidor (contratado) tem a propriedade da mercadoria do fornecedor (contratante), devendo, por sua conta e risco, vendê-las ao cliente final. Isto é, essa conceituação do Contrato de Distribuição é trazida por exclusão e diferenças dos demais instrumentos que auxiliam o empresário escoar a sua produção. A título exemplificativo, o professor Fran Martins (2019), ao conceituar o contato de distribuição, limita-se a diferenciá-lo do contrato de agência, pois, segundo o Capítulo XII do Código Civil, a única diferença da agência seria “o fato de o distribuidor ter à sua disposição a coisa a ser negociada” (MARTINS, 2019).

Na mesma linha, a professora Vera Helena de Mello Franco, afirma que, “quanto à distribuição, pouco há que se dizer, considerando que a lei apenas salientou como diferencial o fato de o distribuidor ter à sua disposição a mercadoria ou produto ser distribuído” (MARTINS, 2019). Em complemento, ensina Sílvio De Salvo Venosa (2017), que,

conforme a lei, a disponibilidade da coisa em mãos do sujeito caracteriza a diferença entre a agência e a distribuição. Pela lei, se a pessoa tem a coisa que comercializa consigo será distribuidor; caso contrário, será agente. No mais, procura a lei unificar os direitos de ambos e, consequentemente, aplicam-se ao representante comercial, no que couber (VENOSA, 2017).

Em resumo, a propriedade das mercadorias e/ou produtos é transferida do fornecedor ao distribuidor e, por consequência, englobam-se ao seu patrimônio (FORGIONI, 2014), sendo essa a característica principal do Contrato de Distribuição.

Com base em tais conceitos, entende-se, por consequência lógica, que a contraprestação a ser recebida pelo distribuidor estará na diferença do preço de revenda à terceiro e o preço para aquisição da mercadoria junto ao fornecedor. Esse tipo de racional econômico é típico dos Contratos de Distribuição[2].

Embora não se negue que uma das principais característica do Contrato de Distribuição seja o escoamento indireto da produção, é consenso, para os estudiosos mais recentes (como é o caso da professora Paula Forgioni (2014)), que o Contrato de Distribuição detém outras diversas características e obrigações que estão presentes nesse tipo de relação.

O Contrato de Distribuição, em regra, detém diversas obrigações que delinearão as estratégias para o escoamento da produção do fornecedor/fabricante[3], muito mais complexas do que apenas o escoamento indireto da produção, como a delimitação da atuação do distribuidor, aquisição de volume mínimo de mercadorias, determinação ou sugestão de preços, obrigação de investimentos mínimos, prestação habitual de informações, dentre outros.

Ante a essa gama de obrigações, esta espécie de contrato é classificada como um contrato misto. Segundo Fernando Ferreira Pinto (2013),

o contrato de concessão comercial corresponde […] a um negócio atípico e complexo, em que convergem elementos de diversos modelos contratuais previstos na lei, mas que não se identifica totalmente com qualquer deles. Antes o que nele se verifica uma mistura de tipos, concorrendo notas da compra e venda e fornecimento, juntamente com a prestação de serviços e a gestão de interesses alheios, o que conduz a classificá-lo como um contrato atípico em sentido estrito.

O Contrato de Distribuição também é classificado como um contrato relacional, tendo em vista que (i) a relação é habitual, estendendo-se no tempo; (ii)  por períodos longos, as partes buscam regular questões futuras, “ou seja, o contrato não visa estabelecer apenas regras sobre as trocas em si, mas disciplinar o relacionamento a ser gruído ao longo da vida do contrato” (FORGIONI, 2014); e (iii) há interdependência entre as partes, isto é, o sucesso de uma parte resultará, em tese, em benefício da outra.

Para facilitar a compreensão, apresenta-se o exemplo utilizado pela professora Paula Forgioni (2014), a qual, para indicar as características de um contrato relacional, exemplifica a seguinte situação:

pensemos que abastece seu automóvel em um posto ao longo da estrada que percorre. A compra e venda é instantânea e não há maiores complexidades envolvidas na operação. Por sua vez, os negócios relacionais tendem a estender-se no tempo, consubstanciando relações que, entre nós, são conhecidas como de ‘longa duração’ (por exemplo, um contrato de joint venture). Devido a esses fatores, a confiança lhes é elemento fundamental.

Com base nesse exemplo, nota-se que a principal característica do contrato relacional é a sua duração no tempo, isto é, os contratos relacionais são opostos aos contratos descontínuos.

Ademais, o Contrato de Distribuição é atípico. Embora o Código Civil, em seu Capítulo XII, discipline os contratos de agência e distribuição, grande parte da doutrina (FRANCO, 2012; FORGONI, 2014; THEODORO JÚNIOR, 2006) entende que, na verdade, a legislação civilista está disciplinando duas espécies de agência. A primeira é o contrato de agência puro, por meio do qual o representante gerencia as vendas em nome e por conta do representado; a segunda seria um contrato de agência-distribuição, no qual o representante tem o bem em sua disposição a ser negociado. No entanto, nesta situação, bem diferente do que ocorre no contrato de distribuição, a mercadoria ficaria depositada em poder do representante para distribuí-la, fazendo chegar no consumidor final. No contrato de distribuição, como vimos, o distribuidor adquire as mercadorias, passando a deter a propriedade dos bens, para, então, revendê-las.

Outra característica importante está relacionada à necessidade de colaboração entre os contratantes. Para grande parte da doutrina (FORGIONI, 2014; THEODORO JÚNIOR, 2006), este tipo de contrato é classificado como um contrato de colaboração. Esta espécie de relação jurídica é considerada como contrato híbrido, pois não se encaixam como contratos típicos de associação de agentes econômicos (contratos de sociedade – interesses convergentes entre as partes) e nem contratos de intercâmbio (interesses divergentes entre as partes). O contrato de distribuição está entre essas duas qualificações. Sendo assim, para que os contratantes possam obter sucesso econômico, devem se ater à cooperação entre si (GRAU, 1995)[4].

Nesse aspecto, embora as atividades e riscos da fornecedora e da distribuidora sejam diferentes, a intenção sempre será a de alcançar as maiores vendas ao consumidor final, de modo a aumentar os proveitos econômicos para ambas as partes. Dito de outro modo, quanto mais o distribuidor vender, melhor para o fornecedor representado.

Adicionalmente, destaca-se que, diante do caráter híbrido da relação, é fundamental que o distribuidor zele não só pela sua boa imagem, como também pela do distribuído e de toda a rede. É inequívoco que a má/boa imagem do distribuidor acarreta efeitos na esfera patrimonial do fornecedor e, também, da própria rede de distribuição. Aliás, essa obrigação é um dos motivos que caracterizam os contratos híbridos como de natureza personalíssima (intuiu personae).

Isso porque, nos contratos híbridos – como é o caso do contrato de distribuição -, o fornecedor tem a confiança de que a contraparte – o distribuidor – tem as habilidades e qualidades necessárias para que sejam possíveis a coordenação de ativos complementares e a obtenção de um resultado positivo com a exploração do projeto comum (distribuição de mercadorias). Essa confiança na qualidade e habilidades do distribuidor é essencial para a manutenção da relação contratual.

Esclarece-se, ainda, que, em razão dos partícipes serem profissionais especializados (empresários), é evidente que eles, antes de celebrarem o negócio, sopesaram os seus prós e contras, analisando os termos e condições negociados. Afinal, em contratos empresariais, como alerta o professor Fábio Ulhôa Coelho (2012), “os sujeitos contratam porque querem, com quem querem e do modo que querem”. Assim, como regra, devem prevalecer as suas autodeterminação e autorresponsabilidade por tudo o que constou da avença. Isso porque, como instrumento que anseia lucro, essa espécie de contrato é precedida da análise, pelo empresário, das vantagens da sua celebração, pelo que se pressupõe que o contratante avaliou todos os seus aspectos. Até porque, no limite,

podia simplesmente ter optado por furtar-se à contratação. Não o tendo feito, justifica-se que os efeitos lhes sejam imputados, por força, se não da sua vontade, pelo menos da autorresponsabilidade por não ter contrariado, de uma forma ou de outra, a inclusão, pela contraparte, de cláusulas desvantajosas (RIBEIRO, 1999).

3. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA ENTRE OS CONTRATANTES

A intenção deste tópico é expor sobre a dependência econômica entre o fornecedor e o distribuidor, a qual pode implicar a exploração oportunista da posição de sujeição do parceiro, da predominância econômica, da condição de independência e da indiferença sobre a contraparte e, não, sobre o mercado.

Nos contratos de distribuição, em regra geral, há dependência econômica de uma das partes em relação a outra. É necessária a ressalva de que a dependência econômica é diferente da posição dominante stricto sensu. Nos dizeres da professora Paula Forgioni (2014),

ao contrário da posição dominante, em que o agente possui indiferença e independência sobre o mercado, quando há dependência econômica, a empresa tem independência e indiferença em relação a outro agente econômico específico (ou mesmo sobre um grupo deles, mas que não chegam necessariamente a constituir um mercado relevante separado). Mas a dependência econômica em si é um fato, não reprimido pelo direito. Novamente, é o seu abuso que gera disfunções que hão de ser diluídas.

Para a constatação do estado de dependência econômica nos contratos de distribuição, ou mesmo nos contratos interempresariais, é necessário identificar que houve (i) “investimentos específicos para a execução do contrato”, (ii) as relações sejam duradouras, “expondo o empresário dependente ao risco de comportamentos oportunistas”, e (iii) a inexistência de realocação da atividade social/empresarial, com viabilidade financeira, no seu mercado de atuação (MUSSI, 2007).  Além disso, é comum identificar que o agente econômico dependente foi obrigado a despender investimentos relevantes para o cumprimento e execução do contrato, que, geralmente, não poderão ser “aproveitados em estabelecimentos destinado à outra empresa. Há uma verdadeira barreira à saída do contrato” (MUSSI, 2007).

Para exemplificar a situação de abuso pela dependência econômica, utilizaremos o exemplo da professora Paula Forgioni (2014). Pensemos que um fornecedor estrangeiro de determinado maquinário sofisticado de medicina inicia uma relação de distribuição com um distribuidor brasileiro, para o escoamento no território brasileiro e de forma exclusiva.

Para atender ao mercado, o distribuidor fez diversos investimentos para montar a sua rede de empregados, grande estrutura de assistência técnica de alta especialização, suporte telefônico para os hospitais, investimentos promocionais, dentre outros.

Em determinado momento, o fornecedor estrangeiro é adquirido por outra empresa estrangeira, que já atuava no mercado brasileiro, inclusive em competição com o maquinário. Como ele já possui a sua própria rede de distribuição, o novo fornecedor não tem intenção em manter o antigo distribuidor. Logo, de modo a fugir de eventuais indenizações, ele evita realizar a denúncia do contrato, mas começa a impor diversas restrições que dificultam a execução do contrato pelo distribuidor.

Nessa situação, há duas linhas de pensamento. A primeira que demonstra a constatação de grande dependência do distribuidor ao fornecedor estrangeiro, e a segunda, que revela a que o distribuidor poderia se incorporar a outra rede de distribuição, pelo que não haveria sujeição caracterizadora da dependência econômica.

Para identificar se há a dependência econômica, deve-se analisar, como adiantado, os custos de saída do distribuidor da rede de distribuição ou os custos a serem despendidos para inserção em outra rede, de modo a verificar se há viabilidade financeira (FORGIONI, 2014).

Além disso, é necessário analisar se há a possibilidade de inserção em outra rede de distribuição de concorrentes. Se a conclusão for diversa, restará evidenciada a dependência econômica.

O Código Civil, no seu art. 473, parágrafo único, considerou a dependência econômica. Embora permita a denúncia vazia, estabelece que, a depender da natureza do contrato e se uma das partes tiver realizado investimentos consideráveis, a denúncia só ocorrerá depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o investimento. A intenção é repreender a abusividade da dependência econômica (FORGIONI, 2014).

A primeira consequência da dependência econômica que deve ser repelida é a imposição de condições potestativas no contrato de distribuição. Mas, antes de adentrar ao assunto, é importante estabelecermos parâmetros para a análise de tais cláusulas dentro de um contrato de distribuição.

Como adiantado, deve-se ter em mente que o distribuidor é um profissional e, como tal, tem o dever de se informar sobre as condições e consequências do negócio que celebrará. A situação de dependência econômica “não autoriza a pressuposição de hipossuficiência, apenas ilumina a compreensão do contexto contratual e a interpretação da avença” (FORGIONI, 2014). Além disso, a dependência econômica é um fato e não é reprimida pelo direito. O que é reprimido “é o abuso que gera disfunções que hão de ser diluídas” (FORGIONI, 2014).

Fixada essa premissa, esclarece-se que a autonomia privada e a liberdade de contratar possuem limites, como é o caso do art. 421 do Código Civil, que diz sobre a função social do contrato, e o art. 122 do mesmo diploma, que proíbe a estipulação de cláusulas potestativas (BRASIL, 2002).

No entanto, para verificar a nulidade de determinada cláusula, deve-se identificar se a cláusula é (i) puramente potestativas ou (ii) meramente potestativas.

As puramente potestativas são nulas, enquanto as meramente potestativas seriam válidas. A cláusula puramente potestativa é aquela condicionada à vontade exclusiva de uma das partes, enquanto, a meramente potestativa, é aquela que o devedor não está sujeito ao simples capricho do credor.

No contrato de distribuição, as cláusulas meramente potestativas são aquelas que aumentam a eficiência jurídica do sistema de distribuição. Não devem ser consideradas nulas as cláusulas meramente potestativas que (i) o distribuidor tinha consciência antes de assinar o contrato, (ii) constituem obrigações para aumentar a eficiência global do sistema de distribuição do produto e (iii) o sacrifício impingido a uma das partes seja superado pelos ganhos de eficiência do sistema de distribuição globalmente considerado (FORGIONI, 2014).

Para a validade das cláusulas potestativas, deve haver elemento objetivo que comprove que a cláusula visa a melhoria do escoamento da produção (FORGIONI, 2014).

A título exemplificativo, o contrato pode reservar ao fornecedor o direito de determinar as quantidades mínimas de mercadoria que devem ser estocadas pelo distribuidor, essa circunstância, por si só, não é puramente potestativa; mas, a partir do momento em que a concedente impõe estoques mínimos despropositados, abusará do direito que lhe é contratualmente assegurado.

Nesse contexto, nota-se que, por ser um contrato de colaboração, relacional e híbrido, a validade de cláusulas potestativas está relacionada ao bom funcionamento da rede empresarial de escoamento, que, na prática, é benéfica a todos os partícipes.

4. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS

Fixadas as características principais e classificações, passa-se a percorrer as hipóteses de extinção de tal relação e as suas consequências jurídicas.

Não é novidade que, para identificar as consequências jurídicas da extinção da relação de distribuição, é necessária a análise casuística. Isso porque os Contratos de Distribuição podem ser celebrados por tempo determinado ou indeterminado, e a relação pode ser extinta pelo mero advento do termo final do contrato ou por denúncia motiva ou vazia. Para cada situação, e a depender do contexto fático – com especial enfoque à boa-fé objetiva -, as consequências jurídicas serão distintas.

A primeira situação é a extinção do Contrato de Distribuição celebrado por prazo indeterminado, sem causa justa, por meio de denúncia vazia.

Quando deparamos com esta circunstância, a primeira ideia é a de que se estaria diante de um exercício regular de direito (BRASIL, 2002), não ocasionando qualquer consequência jurídica ao denunciante (além, é claro, da resilição contratual) ou o direito à indenização do denunciado[5]. Até porque é assegurado a qualquer das partes, em contrato celebrado por prazo indeterminado, desvincular-se da obrigação contratada, pois é defeso impor obrigações eternas ou vitalícias às partes, sendo o direito de renúncia um típico direito potestativo de encerrar a relação contratual.

No entanto, a professora Paula Forigioni (2014) entende que este direito potestativo deve ser analisado com ressalvas, de modo a verificar se a denúncia imotivada é lícita. Isso porque, quando constatado que houve abusividade na denúncia imotivada, há direito à indenização. Nos dizeres do professor Orlando Gomes (2022), “(…) a inexistência de causa justa não impede a resilição do contrato, mas a parte que o resiliu injustamente fica obrigada a pagar, à outra, perdas e danos”.

Ou seja, a denúncia vazia não é irrestrita, devendo-se analisar se esta ocorreu de forma abusiva ou não, para, então, verificar se há o direito de indenização da outra parte. Segundo a professora Paula Forgioni (2014, p. 300), “a ausência do dever de indenizar foi temperada, dando lugar à proteção de outros valores que não apenas a irrestrita liberdade de se desvincular”. Para ela, a abusividade da denúncia imotivada dos Contratos de Distribuição por prazo indeterminado se caracteriza quando ela é abrupta. Acrescenta, ainda, que a constatação da abusividade da denúncia imotivada, na maioria dos casos, pauta-se no dever de boa-fé e lealdade que deve reger as relações comerciais.

Portanto, respeitado o aviso prévio, com antecedência adequada, de modo a possibilitar o abatimento dos investimentos despendidos pelas partes ao longo da duração da relação, “a denúncia do contrato é direito fundado nas mesmas razões econômicas e morais que justificam a extinção do contrato no termo ajustado previamente pelas partes” (THEODORO JÚNIOR; MELLO, 2011).

Nessa ordem de ideias, resta, então, verificar, com base na legislação, o que é prazo razoável de aviso prévio. Segundo o art. 473 do Código Civil, a resilição unilateral do contrato, quando permitida por lei, opera-se por denúncia notificada à outra parte. Transportando esta norma aos contratos de distribuição, entende-se que, para não ser considerada uma denúncia abusiva, o prazo de aviso prévio de possibilitar que o distribuidor redirecione “seus negócios, seja passando a distribuir produtos de outro fornecedor, seja mediante a comercialização de outro bem, adaptando sua atividade empresarial” (FORGIONI, 2014).

No entanto, remanesce a dúvida do que seria o prazo razoável entre a denúncia e a efetiva resilição contratual. Como adiantado, o período de aviso prévio dependerá da análise casuística, devendo ser analisado (i) a natureza e (ii) o vulto dos investimentos realizados. Sendo assim, deve-se verificar quais foram os investimentos realizados pelo distribuidor para execução do contrato de distribuição[6]. Para a professora Paula Forgioni (2014), o prazo razoável deve considerar apenas a “recuperação dos custos recuperáveis”, cujo conceito, para ela,

são aqueles que, como o próprio nome indica, podem ser recuperados pelo agente econômico, seja, por exemplo, mediante (i) a venda de bens adquiridos para a execução do contrato, após sua extinção ou (ii) o redirecionamento de suas atividades comerciais. Note-se: mesmo que os custos recuperáveis já tenham sido amortizados pelo agente econômico com eventual lucro auferido na vigência do contrato, é necessário que o prazo de ineficácia da denúncia permita-lhe efetivamente recuperá-los, isto é, não seja o distribuidor obrigado a suportar, desde logo, prejuízo que pode ser evitado mediante a continuação temporária dos efeitos do contrato de distribuição” (FORGONI, 2014, p. 314).

Logo, para não ser considerada uma denúncia abusiva, deve-se constatar que o prazo de aviso prévio possibilitou que o distribuidor ou mesmo o fornecedor (em casos menos comuns) redirecione suas atividades e consiga amortizar/recuperar os investimentos realizados.

Outra hipótese de terminação da relação de distribuição comercial é por ocasião de descumprimento das obrigações contratuais. O incumprimento contratual é uma circunstância grave, que afeta a relação contratual estabelecida entre as partes, que pode decorrer de mora (atraso, forma ou lugar) ou por inadimplemento absoluto, quando não há mais interesse (utilidade) ao credor no cumprimento da obrigação (FORGIONI, 2014).

Com o inadimplemento contratual, o Código Civil estabelece duas possibilidades. A primeira, quando a obrigação ainda for útil ao credor, pode o credor exigir o seu cumprimento forçado. A segunda, por sua vez, quando não houver mais interesse do credor, a resolução do contrato (YAMASHITA, 2022).

Além disso, o art. 474 do Código Civil traz a possibilidade de a parte inocente proceder com a resolução contratual, por meio de cláusula expressa no contrato ou cláusula resolutiva tácita. Da mesma forma, a parte lesada pode pedir a resolução do contrato ou preferir exigir o cumprimento da obrigação. Em ambas as situações é cabível a indenização por perdas e danos (FORGIONI, 2014).

Nos contratos de intercâmbio, é necessário individualizar o incumprimento ocorrido. Nos contratos de distribuição, que são contratos híbridos e relacionais, que perduram ao longo do tempo, a individualização do incumprimento de obrigações contratuais não é necessária. Basta, apenas, que se evidencie, concretamente, o descumprimento da relação de cooperação em si[7]. Além disso, é necessário verificar se o incumprimento é uma razão séria (gravidade)[8], que efetivamente prejudicou a continuidade da relação.

Ainda, com base nos ensinamentos de Hugo Tubone Yamashita (2022), a gravidade do incumprimento deve considerar, entre outros critérios, a natureza dos deveres violados, a relevância dos interesses atingidos, a extensão dos danos causado, a duração do inadimplemento, o grau de culpa do agente, o comportamento anterior das partes, o período da vigência contratual, a proporção em que o empreendimento comum foi executado.

A última hipótese é a terminação do contrato de distribuição celebrado por prazo determinado. Nesta situação, não há, por óbvio, o dever de indenizar para qualquer das partes quando encerrada a relação comercial. Isso porque, finda a vigência contratual, deixam as partes de se vincular. Aliás, “uma das formas naturais de extinção dos negócios é, justamente, o esgotamento de seu prazo, sem que surja direito à reparação” (FORGIONI, 2014).

Como se sabe, os contratos possuem ciclo vital de temporariedade, de modo que se originam pela vontade das partes, produzem os efeitos objetivados e, por consequência lógica, extinguem-se, não sendo razoável qualquer tipo de indenização pela regular extinção do contrato de distribuição quando alcançado o seu termo final[9].

5. CONCLUSÃO

Como visto, o Contrato de Distribuição é um importante instrumento para os agentes econômicos, que tem por finalidade trazer eficiência ao escoamento da produção.

Por ser um contrato colaborativo, relacional e híbrido, a interpretação das condições e termos pactuados deve ser analisada com enfoque na boa-fé e no princípio da colaboração, de modo a evitar o abuso de direito de uma das partes.

Além disso, embora haja, na maioria dos casos, a dependência econômica entre os partícipes, esta circunstância não é repelida pela legislação, até porque é uma situação corriqueira no âmbito comercial. Apesar disso, a análise de eventuais imposições contratuais deve ser realizada de forma a verificar se, caso potestativas, elas visam a eficiência do escoamento produtivo, pois esta é a função e o racional econômico do Contrato de Distribuição. A imposição de cláusulas meramente potestativas não deve acarretar necessariamente a sua nulidade.

Por fim, demonstrou-se que, em caso de encerramento da relação jurídica, deve haver a análise casuística da relação havida entre as partes, de modo a verificar se houve abuso de direito e, por consequência, o dever de indenizar. Além disso, a depender da duração do contrato de distribuição (prazo determinado ou indeterminado) e dos motivos que ensejaram a terminação da relação (motiva por descumprimento contratual ou imotivada), as consequências jurídicas serão distintas, podendo surgir ou não o dever de indenizar a outra parte.

REFERÊNCIAS

COELHO, F. U. Princípios do direito comercial: com anotações ao projeto de código comercial. São Paulo: Saraiva, 2012.

FORGIONI, P. A. Contrato de Distribuição. 3ª Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

FRANCO, V. H. M. Contratos: direito civil e empresarial. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

GOMES, O. Contratos, 28ª Ed. São Paulo: Forense, 2022.

GRAU, E. Licitação e contrato administrativo. São Paulo: Malheiros, 1995.

MARTINS, F. Curso de direito comercial: contratos e obrigações comerciais, 19ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

MONTEIRO, A. P. Contratos de distribuição comercial. Lisboa: Almedina, 2009.

MUSSI, L. D. R. J. Abuso de dependência econômica nos contratos interempresariais de distribuição. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007.

PINTO, F. A. F. Contratos de distribuição. Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2013.

RIBEIRO, J. S. O problema do contrato. Coimbra: Livraria Almedina, 1999.

THEODORO JÚNIOR, H. In: ALVIM, A. A.; AUGUSTO, E. Atualidades de direito civil. vol. 1, Curitiba: Juruá, 2006.

THEODORO JÚNIOR, H.; MELLO, A. Apontamentos sobre a responsabilidade civil na denúncia dos contratos de distribuição, franquia e concessão comercial. In: Doutrinas Essenciais de Responsabilidade Civil, Vol. 2, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

VENOSA, S. S. Direito Civil: Contratos. 17ª Ed. São Paulo: Atlas, 2017.

YAMASHITA, H. T. Cooperação empresarial: contratos híbridos e redes empresariais. São Paulo: Almedina, 2022.

APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ

2. “podemos conceituar distribuição como o contrato pelo qual uma das partes, denominada distribuidor, se obriga a adquirir da outra parte, denominada distribuído, mercadorias geralmente de consumo, para sua posterior colocação no mercado, por conta e risco próprio, estipulando-se como contraprestação um valor ou margem de revenda.” (VENOSA, 2017, p. 299)

3. As obrigações mais costumeiras são (i) exclusividade do distribuidor; (ii) exclusividade do fornecedor; (iii) obrigatoriedade ou possibilidade de prestação de assistência técnica aos adquirentes, incluindo eventual treinamento de pessoal; (iv) obrigação de investimentos mínimos; (v) licença de uso de marca; (vi) obrigação de prestação de informação pelo distribuidor ao fornecedor sobre dados do mercado, (vii) determinação ou sugestão de preços, dentre outras (FORGIONI, 2014, p. 44).

4. Como ensina o professor e ministro Eros Grau: “nos contratos de comunhão de escopo (…) os interesses dos contratantes são paralelos. Se um dos contratantes sofre prejuízo, os outros também o suportam. Do espírito de solidariedade de interesses que os caracteriza, o lema: a vantagem dele é a minha vantagem, minha vantagem é a sua vantagem” (GRAU, 1995, pp. 91/92).

5. Essa ideia está relacionada, segundo Humberto Theodoro Júnior e Adriana Theodoro Mello (2011, 795/841) a seguinte premissa: “a imposição de obrigações eternas ou vitalícias, sem fundamento na lei ou na vontade declarada, fere o senso de liberdade humano e se aproxima da noção de escravidão, tão repudiada pelo Direito e pela Justiça” (THEODORO JÚNIOR; MELLO, 2011).

6. Para a professora Paula Forgioni (2014, p. 314), o prazo razoável deve considerar apenas a “recuperação dos custos recuperáveis”, que “são aqueles que, como o próprio nome indica, podem ser recuperados pelo agente econômico, seja, por exemplo, mediante (i) a venda de bens adquiridos para a execução do contrato, após sua extinção ou (ii) o redirecionamento de suas atividades comerciais. Note-se: mesmo que os custos recuperáveis já tenham sido amortizados pelo agente econômico com eventual lucro auferido na vigência do contrato, é necessário que o prazo de ineficácia da denúncia permita-lhe efetivamente recuperá-los, isto é, não seja o distribuidor obrigado a suportar, desde logo, prejuízo que pode ser evitado mediante a continuação temporária dos efeitos do contrato de distribuição” (FORGIONI, 2014, p. 314)

7. E “diante dela, a impossibilidade de se prosseguir com a contratação. As violações contatuais em causa, há que se ter em mente, podem residir não apenas em eventual contrato-quadro firmado entre as partes, mas também nos demais pactos necessários à efetivação do empreendimento comum” (YAMASHITA, 2022, p. 305)

8. A justa causa deve configurar-se uma ‘razão séria’ ou ‘motivo importante’ a ser vislumbrada não apenas do ponto de vista do sinalagma entre duas obrigações específicas ou, meramente, do interesse do credor no cumprimento de determinada prestação, mas sim, considerando o aspecto global da operação desenhada pelas partes. A inexigibilidade do pacto está condicionada, portanto, a um ‘juízo prudencial-concreto’, que avalie a ‘proporcionalidade e adequação’ entre um determinado incumprimento (ou uma série de atos nesse sentido) direito à resolução (YAMASHITA, 2022, p. 305)

9. Esse também o entendimento da jurisprudência brasileira, no sentido de que “esgotado o prazo, advindo o termo final, a consequência lógica e natural é a extinção da relação jurídica e das obrigações dela derivadas” (TJSP; Agravo de Instrumento 2182606-40.2015.8.26.0000; Relator Andrade Neto; 30ª Câmara de Direito Privado; Data do j.: 27/01/2016). Atingindo-se o termo final previsto no contrato de distribuição, “não há que se falar em pedido indenizatório que é previsto para hipóteses de extinção anômala do contrato pela rescisão, inexistindo hipótese de indenização pela regular extinção da avença” (TJSP; Agravo de Instrumento 2182606-40.2015.8.26.0000; Relator Andrade Neto; 30ª Câmara de Direito Privado; Data do j.: 27/01/2016)

[1] Mestrando em Direito Civil e Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. ORCID: 0000-0003-2827-4778. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0024638308897253.

Enviado: 02 de fevereiro, 2023.

Aprovado: 31 de março, 2023.

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Marco Antonio Savazzo Duarte Filho

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