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Políticas públicas e assistência religiosa aos adolescentes privados de liberdade: entre o seguro e o discurso de ódio

RC: 146596
321
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/assistencia-religiosa

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

GONÇALVES, Eduardo Moureira [1]

GONÇALVES, Eduardo Moureira. Políticas públicas e assistência religiosa aos adolescentes privados de liberdade: entre o seguro e o discurso de ódio. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 07, Vol. 02, pp. 144-157. Julho de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/assistencia-religiosa, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/assistencia-religiosa

RESUMO

O presente esboço de estudo busca entender e pensar sobre quais são os limites do discurso religioso dentro das unidades socioeducativas privativas de liberdade e o princípio da proteção integral ao adolescente em conflito com a lei, especialmente sobre as pregações e ensinamentos baseados em suas crenças que abominam orientações sexuais diferente das heterossexuais, considerando que os jovens que pertencem a este grupo constituem população extremamente vulnerável e hostilizada pelos demais educandos com risco reais a sua integridade física e mental. Para tanto, como método de desenvolvimento do raciocínio será utilizada a revisão da bibliografia especializada, com atenção aos expoentes e debates sobre a proteção aos direitos fundamentais, liberdade de crença e discurso de ódio no Brasil, Estados Unidos e Europa com recorte para os casos enfrentados nas Cortes Constitucionais em que os confrontos aparentes de direitos fundamentais está presente, além do arcabouço legislativo deste a Constituição Federal até as portarias administrativas da Fundação CASA que regulamentam o exercício de culto aos adolescentes privados de liberdade, percorrendo as medidas socioeducativas privativas de liberdade, a assistência religiosa existentes nas unidades executoras e o universo moral daqueles inseridos no sistema. Com a escolha da bibliografia, utilizando dos conceitos conhecidos e fixado tanto pela melhor doutrina sobre discurso de ódio, liberdade religiosa e do universo moral dos adolescentes em cumprimento de medida privativa de liberdade e rascunhando o caminho, pensar nos diálogos possíveis entre a liberdade religiosa, o discurso do ódio e a proteção integral como dever do Estado, apresentando o panorama existente até então na tentativa de equilibrar os direitos individuais e coletivas a exercício da religião e a proteção dos grupos minoritários que podem ser considerados inapropriados aos religiosos.

Palavras-chave: Socioeducação, Proteção integral, Seguro, Discurso de ódio, Religião.

1. INTRODUÇÃO

A Socioeducação tem como principal objetivo a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, a integração social com garantias de seus direitos individuais e coletivos e a desaprovação da conduta prática dá nos termos do artigo 1º do SINASE (Lei nº 12.594/2012), seja por meio de medidas socioeducativas e/ou protetivas.

As medidas socioeducativas, em especial as privativas de liberdade, devem assegurar com absoluta prioridade todos os direitos individuais e coletivos aos quais os adolescentes já teriam acesso em sociedade, dentre eles, a prestação de assistência religiosa.

Assim, obrigatoriamente, deve ser prestada assistência religiosa, devendo o Estado na dupla função de guardião e executor da medida socioeducativa assegurar aos adolescentes que assim desejarem o acesso as liturgias e crenças, bem como espaços e dias específicos para as práticas.

Entretanto, algumas instituições religiosas, em razão de sua crença como estilo de vida, acabam como hostilizar e repreender algumas práticas sociais e sexuais por considerarem abomináveis e pecaminosas, como a homossexualidade, o que a doutrina vem denominando de discurso de ódio.

Considerando que, para além das garantias individuais, o Estado tem o dever de promover a pluralidade de pensamentos, o discurso religioso pode encontrar ou amplificar uma realidade que já é um tanto quanto sensível dentro das unidades destinadas aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio fechado, a diversidade sexual e outras minorias.

O presente estudo tenta esboçar assim os direitos e garantias individuais e coletivas dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, o discurso religioso e a proteção integral de educandos de orientação sexual diversas da heterossexual.

2. SOCIOEDUCAÇÃO – MEDIDAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE

Como cediço, o texto constitucional optou por romper com a teoria da situação irregular que até então vigia no sistema para crianças e adolescentes para instituir a política da proteção integral, reconhecendo a responsabilidade coletiva e solidária entre a família, a sociedade e o Estado, estabelecendo como inimputáveis todos até a idade de 18 (dezoito) anos.

Uma das principais inovações introduzidas pelo novo sistema, regulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foi o rompimento definitivo com a ideia conjunta entre carência e infração que permeava todo o ordenamento, com intensificação pelo Código Mello Mattos, estabelecendo a necessidade prática de ato infracional para a intervenção Estatal e aplicação de medida socioeducativa.

Alexandre de Morais da Rosa é certeiro ao afirmar que:

“Em face da edição da Convenção Internacional da Criança e do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, o Direito Infracional ganhou autonomia. Não pode mais ser considerado um apêndice do Direito Penal, do Direito de Família, ou mesmo abordado conjuntamente com as demais disposições do ECA, sob pena de se confundir os registros. Cada campo do ECA deve ser informado por uma estrutura democrática diferente. Dito de outro modo: não dá para pensar o registro de guarda, tutela, adoção, com a mesma base do ato infracional (ROSA, 2011).”

Neste sentido, para que o aparato estatal seja direcionado com a necessidade intervenção e correção dos caminhos escolhidos pelo adolescente e sua família, a legislação estabeleceu que ato infracional fosse aquele definido pelo ordenamento jurídico como crime ou contravenção penal.

Assim, uma vez demonstrada à autoria e materialidade de ato infracional praticado por adolescente, por meio de processo judicial assegurada a ampla defesa e o contraditório, o infrator está sujeito a medida socioeducativa, que, conforme a gradação do ato se inicia em advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço a comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação em estabelecimento educacional.

Algumas medidas socioeducativas têm previsão mínima de seis meses como a Liberdade Assistida, e, prazo máximo de três anos, com exceção da de prestação de serviços à comunidade, em que o limite temporal não pode ser superior aos seis meses.

Destas medidas socioeducativas, apenas as de internação e semiliberdade são consideradas privativas de liberdade, e, devem ser cumpridas assegurando todos os direitos fundamentais, não podendo haver qualquer restrição de Direito, salvo aqueles expressamente determinados em sentença com fins de ressocialização e com fundamentação específica.

Como dito, a internação e a semiliberdade devem ter prazo máximo de três anos com avaliação periódica sobre sua manutenção no mínimo a cada seis meses, mediante relatório técnico multiprofissional dos técnicos responsáveis pelo estabelecimento das metas do Plano Individual de Atendimento (PIA) que são imprescindíveis para a extinção da medida socioeducativa ou sua progressão para outra mais branda.

As medidas socioeducativas assim devem ser pautadas por uma série de direitos e garantias, tanto individuais como coletivas, devidamente delimitadas pela legislação e os relatórios, com obrigação de ampla fiscalização pelo Poder Judiciário, sociedade e família do educando.

Logo, os direitos aos adolescentes em conflitos com a lei não podem ser suprimidos para fins de ressocialização, mas intensificados em algumas áreas que foram negligenciados ao longo do tempo que culminaram com sua proximidade com o mundo delituoso, inclusive com a autoria de ato infracional.

3. ASSISTÊNCIA RELIGIOSA

Dentre os direitos e garantias que não podem ser suprimidos no cumprimento de medida socioeducativa está à assistência religiosa, que vem reforçada ao longo do texto constitucional, do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).

O direito a assistência religiosa está intimamente ligado ao direito de liberdade de crença e a inserção do adolescente em comunidade, realizando atividades e liturgia dentro de um ambiente que lhe é comum e sadio.

O texto constitucional é expresso ao assegurar a inviolabilidade de crença e ao direito de culto, garantida a proteção aos locais de culto e suas liturgias, com prestação em entidades civis e militares de internação coletiva (art. 5º, incisos VI e VII da CF).

No Estatuto está elencado entre os direitos à liberdade, ao respeito e a dignidade (art. 16, III) e no SINASE dentre os direitos individuais (art. 49, III da Lei nº 12.594/2012), impondo ainda, a obrigação das entidades executoras das medidas socioeducativas a assistência religiosa, aos que assim desejarem (art. 94, XII do ECA).

Em São Paulo a Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação CASA) é responsável pela execução das medidas socioeducativas privativas de liberdade e regulamenta a matéria de modo geral dentro das Políticas Sociais em seu Regimento Interno (Portaria Normativa nº 412/2022)[2] e instituiu o Programa de Assistência Religiosa (PAR – Portaria Normativa nº 401/2022)[3].

A Portaria Normativa que regulamenta o Programa de Assistência Religiosa institui uma série de procedimentos para cadastramento das entidades e exercício dos rituais e liturgias necessárias, bem como as hipóteses de descadrastramento da entidade, assegurando, contudo, espaço adequado e possibilidade de adesão voluntária do jovem educando ao cerimonial.

4. UNIVERSO MORAL DO ADOLESCENTE – SEGURO

A convivência entre adolescentes sempre foi muito intensa, sendo a adolescência a fase mais movimentada da vida, com construção da identidade que será vivenciada na vida adulta, sendo reconhecido e assegurado o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Aos adolescentes privados de liberdade a situação não é diferente, mas, com a especial situação de convívio forçado com outros jovens e em situação de comunidade, em ambiente controlado e monitorado, em um ambiente denominado por Goffman (2015) como instituição total.

Com o convívio diário e forçado, os adolescentes acabam por desenvolver uma comunidade local, tal como acontece no geral na sociedade, com seus arranjos e acordos internos, amizades e inimizades naturais destas interações, em um verdadeiro sistema social.

Todo autor de ato infracional, quando internado, seja provisoriamente ou por prazo indeterminado, tem automaticamente sua guarda transferida para o Estado, que a exercerá por intermédio das Entidades de Atendimento Socioeducativo (artigo 90, VIII do ECA). O mesmo ocorria na vigência do Código de Mello Mattos, legislação que antecede ao sistema vigente.

Atualmente a guarda, como instituto jurídico complexo e limitado decorrente do Poder Familiar, tem recorte preciso nos termos do artigo 33 também do ECA, “a guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais”.

Assim, para além da proteção integral decorrente do texto constitucional, o Estado cumula também a obrigação de guarda com todas as suas consequências uma vez decretada a internação. Formalmente ela vem sendo cumprida por meio da estrutura dos Centros de Internação com uma dinâmica que decorre dos mais diferentes diplomas legais, exercida por meio de uma equipe de referência que conta com profissionais das áreas de Assistência Social, Psicologia, Saúde, Educação e Segurança.

A estrutura é garantida por Diplomas Legais Internacionais e pela Constituição Federal de 1988, especialmente os artigos 226 e 227, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/1.990) que regem os Direitos e Garantias dos adolescentes em conflito com a norma, inclusive o processo e o procedimento de apuração de atos infracionais, e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE – Lei nº 12.594/2012) que rege o cumprimento das medidas socioeducativas.

Trata-se da estrutura ordinária e formal do Sistema do Socioeducativo e da Justiça Juvenil como um todo.

Junto às garantias legais, coexiste uma dinâmica comum de instituições totais: uma relação social baseada em poder e sujeição. Diante do desencontro entre as obrigações do Estado e as características próprias de ambiente de internação, o que fazer com o adolescente rejeitado pelo grupo e que pode sofrer atentados contra a sua integridade física e moral? Ou quando o adolescente sob suspeita sofre de problemas e instabilidades mentais e existe possibilidade real de atentar contra a vida dos demais jovens ou mesmo de funcionários? Essas questões consistem no ponto de partida da análise do discurso da proteção integral.

Diante de dilemas análogos, uma intervenção foi sugerida pelo Sistema Carcerário, com o nascimento da figura do “seguro”, a qual, de modo simplificado, pode ser conceituada como a exclusão do indivíduo do convívio social para garantia de sua vida dentro dos Centros de Privação de Liberdade. O interno precisaria ser excluído pelos mais diversos motivos, mas principalmente pela suposta violação de “um código de conduta” ou “regras da casa”, um conjunto de normas explicitas e formais com prescrições e proibições que, de acordo com Goffman (2015), regulam a conduta do interno. O sociólogo sugere a necessidade, por parte do encarcerado, de se adequar aos padrões da instituição, padrões diferentes dos que caracterizavam a vida pregressa: “Os processos de admissão, que tiram do novato os seus apoios anteriores, podem ser vistos como a forma de a instituição prepará-lo para começar a conviver de acordo com as regras da casa.” (Goffman, 2015. p. 50)

O “código de conduta” é complexo, e, a depender da violação, o interno não poderá conviver com os demais, mesmo se seguir as “regras da casa”, pois, a infração é potencialmente imperdoável sendo passível de represálias físicas, e para evitar esse tipo de acontecimento, o próprio grupo de dirigentes promove a exclusão do interno. Comumente, a segregação está relacionada à prática de delitos sexuais, homossexualidade e crimes contra membros de facções criminosas.

Isolado dos demais, o interno estaria “seguro”. Essa é uma das possíveis origens do surgimento da segregação dentro da segregação, e que foi efetivamente positivado e admitido pelo Sistema Legal no artigo 84, §4º da Lei de Execuções Penais (LEP – Lei nº 7.210/1984):

“Art. 84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado. (…)

§4º O preso que tiver sua integridade física, moral ou psicológica ameaçada pela convivência com os demais presos ficará segregado em local próprio. (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015)”.

Na Infância e Juventude, também existe a necessidade de exclusão dos jovens do convívio social visando à proteção, para evitar perseguições ou nos casos de adolescentes que oferecem riscos para as integridades dos outros adolescentes e funcionários.

Ou seja, a exclusão pode derivar da iniciativa dos jovens que rejeitam a inclusão de determinado interno ou da equipe de referência, que teme pela segurança dos demais membros, deixando o “seguro” isolado e sob vigilância ainda mais acirrada.

Em trabalho de campo feito Natalia Noguchi e Yves Taille, compilaram que o universo moral dos adolescentes tende a excluir do grupo aqueles em cumprimento de medida por atos infracionais ligados a crimes sexuais, homossexualidade e delatores de companheiros.

“O estuprador, além de infringir uma regra ‘sagrada’, é visto como um homem fracassado, um incompetente. Outro tipo de personagem a quem se atribui fraqueza é o homossexual, que é chamado de ‘desandão’: “Desandão uma vez, desandão sempre. É o pior, pilantra. Você é louco? Como é que um homem, um cara que se julga homem, eu falo assim, se julga, porque pra mim não é homem, vai dando ré…”. (NOGUCHO, TAILE, 2008).”

No SINASE há previsão de isolamento como medida excepcional, com comunicação imediata as autoridades competentes (prazo máximo de 24 horas) nos termos do artigo 48, §2º, mas sem previsão para manutenção por período continuado e longos:

Art. 48. O defensor, o Ministério Público, o adolescente e seus pais ou responsável poderão postular revisão judicial de qualquer sanção disciplinar aplicada, podendo a autoridade judiciária suspender a execução da sanção até decisão final do incidente.

§1º Postulada a revisão após ouvida a autoridade colegiada que aplicou a sanção e havendo provas a produzir em audiência, procederá o magistrado na forma do § 1º do art. 42 desta Lei.

§2º É vedada a aplicação de sanção disciplinar de isolamento a adolescente interno, exceto seja essa imprescindível para garantia da segurança de outros internos ou do próprio adolescente a quem seja imposta a sanção, sendo necessária ainda comunicação ao defensor, ao Ministério Público e à autoridade judiciária em até 24 (vinte e quatro) horas.

5. DIÁLOGO ENTRE LIBERDADE RELIGIOSA, DISCURSO DE ÓDIO E PROTEÇÃO INTEGRAL

Analisando os fios tecidos até aqui, como compatibilizar a liberdade religiosa, que, em razão de crença pregam contra a plena liberdade sexual, em especial contra a homossexualidade e a proteção integral de adolescentes com orientação sexual homoafetiva em um ambiente já conturbado?

Aqui claramente temos um confronto entre direitos fundamentais, de um lado a direito a assistência religiosa e de outro a proteção integral, dentro de ambiente extremo e extremado que são as unidades executoras de medidas socioeducativas privativas de liberdade.

Andre Ramos Tavares defende a ideia de que

“(…) a liberdade religiosa encampa, em seu âmbito de proteção, a saber, argumentos destinados a membros de outras religiões com vistas a convertê-los, por meio da alegação de superioridade transcendental do cristianismo em face de outras crenças indicadas (em especial, do espiritismo e das de matriz africana e oriental) (…). Disto resulta a concretização, e não o desrespeito, da dignidade da pessoa humana (TAVARES, 2009).”

Neste sentido, o autor entende que o proselitismo, como filosofia de vida considerada uma conversão ao melhor estilo de vida, devendo ser assegurado seu exercício, especialmente no que tange a evangelização dentro do direito à liberdade de expressão.

Daniel Sarmento ao estudar a Liberdade de Expressão e o Problema do “Hate Speech” faz um resumo deveras interessante sobre os problemas envolvidos

“Uns, de um lado, afirmam que a liberdade de expressão não deve proteger apenas a difusão de idéias com as quais simpatizamos, mas também aquelas que nós desprezamos ou odiamos, como o racismo. Para estes, o remédio contra más idéias deve ser a divulgação de boas idéias e a promoção do debate, não a censura. Do outro lado estão aqueles que sustentam que as manifestações de intolerância não devem ser admitidas, porque violam princípios fundamentais da convivência social como os da dignidade humana, e atingem direitos fundamentais das vítimas.” (SARMENTO, 2006).”

O problema do discurso religioso está justamente quando prega contra uma minoria já em risco dentro das unidades socioeducativas, que, mesmo sem qualquer interferência externa, segregam determinados comportamentos, colocando em risco a integridade física e psicológica de outros adolescentes.

Adolescentes homossexuais e transgêneros em cumprimento de medida socioeducativa são hostilizados e, por vezes, agredidos e mortos por condições individuais e por intolerância dos demais adolescentes, tendo por obrigação o Estado assegurar sua proteção integral.

6. CONCLUSÃO

Estamos diante de um grande dilema que ultrapassa as linhas do ordinário, de um lado a liberdade e assistência religiosa como dever do estado em unidades de adolescentes privados de liberdade e do outro como equalizar o discurso de ódio proveniente das religiões contra adolescentes com sexualidade diferente da heterossexual, que, de acordo com a norma de conduta moral dos demais educandos devem ser segregados, e, em alguns casos com atitudes extremas com agressões físicas e psicológicas.

Neste sentido, por expressa impossibilidade de vedação do discurso religioso, considerando inclusive a linha de pensamento de André Ramos Tavares que a conversão para a linha filosófica que entende correta, atraindo cada vez mais seguidores para o mesmo caminho.

Utilizando a regra da proporcionalidade, Daniel Sarmento aconselha o caminho do meio, com a necessidade de uma maior tolerância para o discurso religioso considerando o papel central que exercem na sociedade.

Pensando sobre as duas linhas dos juristas, mais a necessidade de proteção integral do adolescente, especialmente aqueles mais vulneráveis que podem desenvolver Estigmas na formação de sua identidade, sem o bloqueio ou embaraço da assistência religiosa, não se pode permitir apenas a propagação de uma linguagem ou discurso isolado, considerando o alto grau de sugestionamento dos adolescentes.

Para tanto, tal como pensa Stuart Mill, há a necessidade mais discurso e não menos, para que, uma vez expostos aos argumentos possam refletir sobre eles, e com mediação de um educador apresentar em aulas estruturadas o respeito as diferenças, diversidades e respeito aos direitos humanos.

A inserção de discussões multidisciplinar se faz essencial, inclusive para fins de atender os objetivos da execução da medida socioeducativa prevista no PIA e no SINASE para a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais (art. 1º, §2º II da Lei nº 12.594/2012). Os Direitos Sociais também envolvem uma dimensão coletiva de pertencimento e respeito ao exercício de outras práticas sexuais e religiosas, como as diversidades sexuais e religiões outras matizes de pensamento que não o Cristianismo que é a maior segundo os últimos dados do IBGE de 2010[4].

Assim, o caminho do meio, para que seja assegurado o direito de liberdade e assistência religiosa, bem como da proteção integral de adolescentes altamente vulneráveis deve ser proporcionado aulas e palestra sobre diversidade sexual e respeito aos direitos humanos na mesma proporção em que os demais discursos são inseridos, possibilitando aos adolescentes em conflito com a lei uma pluralidade de estímulos para formação de sua identidade que será levada por toda a vida adulta.

Lima e Veronese (2012) ao lecionarem sobre o princípio da proteção integral que “melhor forma de intervir nesse adolescente em conflito com a lei é incidir positivamente na sua formação”, que por meio de intervenções pedagógicas positivas possibilitam “educar para a vida social”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1990.

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BRASIL. Portaria Normativa nº 401, de 15 de agosto de 2022. Programa de Assistência Religiosa da Fundação CASA. Disponível em https://fundacaocasa.sp.gov.br/portarias/files/portarias/466455.pdf acessado em 02/04/2023

BRASIL. Portaria Normativa nº 412, de 02 de dezembro de 2022. Regimento interno dos Centros de atendimento inicial, internação provisória, Internação e de semiliberdade da Fundação CASA-SP. Disponível em https://fundacaocasa.sp.gov.br/wp-content/uploads/2022/12/PN-412-22_Regimento_Interno_Centros_Atendimento.pdf acessado em 02/04/2023

DALLEMOLE, Deborah Soares; COSTA, Ana Paula Motta. Medidas socioeducativas e controle: as características individuais do adolescente como um espaço de “dupla penalização”. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, v. 23, n. 1, p. 101-126. jan/jul. 2022.

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FISS, Owen M. A ironia da liberdade de expressão: Estado, regulação e diversidade na esfera pública. Rio de Janeiro: Renovar, 2005

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GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. Tradução de Dante Moreira Leite. São Paulo: Pespectiva, 2015.

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TAVARES, André Ramos. O direito fundamental ao discurso religioso: divulgação da fé, proselitismo e evangelização. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, Belo Horizonte, ano 3, nº 10, p. 17-47, abr./jun. 2009.

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APÊNDICE – NOTA DE RODAPÉ

2. https://fundacaocasa.sp.gov.br/wp-content/uploads/2022/12/PN-41222_Regimento_Interno_Centros_Atendimento.pdf  acessado em 02/04/2023 às 15h30

3. https://fundacaocasa.sp.gov.br/portarias/files/portarias/466455.pdf  acessado em 02/04/2023 às 15h30

4. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/22827-censo-2020-censo4.html?=&t=destaques acessado em 03/12/2012 às 20h30

[1] Mestrando em Direito Constitucional pela PUC/SP, Especialista em Políticas Públicas e Socioeducação pela UNB e Especialista em Processo Civil pela USP. ORCID: 0009-0002-1776-9345. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9886749238426682.

Enviado: 22 de maio, 2023.

Aprovado: 20 de junho, 2023.

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Eduardo Moureira Gonçalves

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