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As limitações na aplicação do negócio jurídico processual

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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/aplicacao-do-negocio

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

CORDEIRO, Marília de Cássia [1]

CORDEIRO, Marília de Cássia. As limitações na aplicação do negócio jurídico processual. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 06, Vol. 04, pp. 05-15. Junho de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/aplicacao-do-negocio, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/aplicacao-do-negocio

RESUMO

Este artigo debate o tema dos negócios jurídicos processuais no ordenamento jurídico brasileiro, analisando a cláusula geral do art. 190 do CPC (Código de Processo Civil), a admissibilidade de negócios processuais atípicos, as limitações previstas na legislação e suas vantagens efetivadas na celeridade processual e na prestação da tutela jurisdicional.

Palavras-chave: Negócio Jurídico Processual, Código de Processo Civil, Limitações.

1. INTRODUÇÃO 

O Novo Código de Processo Civil (NCPC) de 2015 tem como uma de suas características marcantes a busca por uma prestação jurisdicional mais satisfatória aos litigantes, tendo em vista o abarrotamento e a insuficiência funcional do Poder Judiciário. Como forma de atingir tal objetivo, o NCPC dispôs acerca da cooperação entre os sujeitos do processo, promovendo o princípio da cooperação, segundo o qual o processo é produto de uma atividade cooperativa triangular – composta pelo juiz e pelas partes – e que exige uma postura ativa, de boa fé e isonômica de todos os atores envolvidos, inclusive da atuação do juiz como agente colaborador do processo, e não mero fiscal de regras, visando à tutela jurisdicional específica, célere e adequada. Ou seja, o processo é uma forma de um diálogo entre as partes e o juiz que encontra, porém, limites na natureza da atuação de cada um dos atores processuais.

Theodoro Júnior, em seu livro Curso de direito processual civil, frisou que o NCPC brasileiro esposou ostensivamente o modelo cooperativo, no qual a lógica dedutiva de resolução de conflitos é substituída pela lógica argumentativa, fazendo que o contraditório, como o direito de informação/reação, ceda espaço a um direito de influência. No NCPC, a ideia de democracia representativa é complementada pela de democracia deliberativa no campo do processo, reforçando, assim, “o papel das partes na formação da decisão judicial” (THEODORO JÚNIOR, 2015, p.81-83).

Nesse cenário, o acesso à justiça, prestigiado pela Constituição Federal de 1988, torna-se ainda mais efetivo com o surgimento da possibilidade de sua utilização pelas partes do negócio processual, que passou a permitir que as partes moldassem o procedimento às suas necessidades.

Por definição, o negócio jurídico é uma espécie de ato jurídico lato sensu, por meio do qual as partes do processo acordam entre si acerca da criação, da modificação ou da extinção de situações jurídicas decorrentes da relação jurídica processual existente entre elas.

O CPC/15 previu, de forma expressa, os chamados negócios jurídicos processuais em seu art. 190, que é abordado pela doutrina como uma cláusula geral dos negócios jurídicos processuais, conforme se verifica abaixo:

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes  aplicação   somente  nos   casos  de  nulidade  ou  de  inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se
encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. (BRASIL, 2015)

Com isso, passou a ser possível que questões até então consideradas de menor relevância ganhassem luz em decorrência da autonomia atribuída aos sujeitos na definição do procedimento, dando maior fluidez ao processo e prestigiando a celeridade em busca da satisfação da tutela jurisdicional.

A liberdade negocial – fundamento dos negócios jurídicos processuais – deriva dos princípios constitucionais da liberdade individual e da livre iniciativa. Porém, como decorrência necessária do princípio da unidade da Constituição, tais liberdades estão condicionadas ao respeito à dignidade humana e a outros princípios que estabelecem contrapontos de justiça no caso concreto. É necessário observar, então, que a celebrada autonomia conferida às partes pelo NCPC não é absoluta e deve observar os limites formais impostos pelo art.190, pautados em valores e princípios como a boa-fé objetiva e a função social.

Dessa forma, faz-se necessária uma análise abrangente quanto a eficácia dos negócios jurídicos processuais, abordando as vantagens sobretudo à luz dos princípios constitucionais e institutos civis, suplantando de forma definitiva qualquer questionamento que ainda pugne pela necessidade de homologação judicial do negócio celebrado.

2. EVOLUÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL 

Para melhor entendimento da institucionalização do negócio jurídico, faz-se necessário uma breve consideração acerca da evolução histórica no Direito Processual Civil. Até o advento do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, existia certa dicotomia na doutrina quanto à possibilidade da realização dos negócios jurídicos, e uma minoria opunha-se à sua aplicação em face daqueles que entendiam a possibilidade de sua aplicação. Contudo, pode-se considerar que houve certa flexibilização do instituto, uma vez que surgiram hipóteses típicas de negócios processuais, como, por exemplo, a eleição de foro, conforme aponta o art. 111 do CPC de 1973:

Art. 111. A competência em razão da matéria e da hierarquia é inderrogável por convenção das partes; mas estas podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde serão propostas as ações oriundas de direitos e obrigações. (BRASIL, 1973)

Dinamarco (2009), por exemplo, posicionou-se de forma reticente quanto à vinculação do ato com o efeito pretendido pelas partes, afirmando que os resultados dos atos emanavam da lei, e não da vontade dessas, depreendendo-se, portanto, que os atos realizados pelas partes não teriam efeito de autocomposição e regulação – que são próprias dos negócios jurídicos.

Com o advento do NCPC de 2015, formalizou-se, no ordenamento jurídico, a adoção da teoria dos negócios jurídicos processuais, flexibilizando o rito processual com vistas à promoção efetiva do direito material discutido. Nesse sentido, a redação do caput do art. 190 concedeu às partes plenamente capazes o poder de estipular mudanças no procedimento para ajustar o rito processual às especificidades da causa e convencionar, sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais antes ou durante o processo.

Para Didier Júnior (2015, p. 376), o “negócio jurídico processual é a declaração de vontade expressa, tácita ou implícita, a que são reconhecidos efeitos jurídicos, conferindo-se ao sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer certas situações jurídicas processuais”. Dessa forma, os negócios jurídicos processuais representam a maior expressão da autonomia da vontade diante da liberdade jurídica conferida pelo legislador às partes – que podem escolher não somente um tipo de ato a ser praticado, mas também seu conteúdo, com finalidade de conseguir efeito pretendido, podendo, o ato, produzir efeitos no processo em função da vontade da parte que o pratica, sendo esse ato capaz de construir, modificar e extinguir situações ou, ainda, de alterar procedimentos.

Contudo, se observa que, apesar de ser um fato jurídico voluntário no qual as partes possuem a faculdade de estabelecer situações jurídicas processuais, é necessário que essas atuem dentro dos limites permitidos pelo próprio ordenamento jurídico, além de cumprirem os requisitos previstos no Código Civil, exigindo a formulação dos agentes capazes, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei, conforme o art.104 do CC: “A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei” (BRASIL, 2002).

Outrossim, além desse primeiro grupo de condições (condições gerais), há, ainda, as condições específicas de validade dos negócios jurídicos processuais: a) partes plenamente capazes; b) direito autocomponível; condições derivadas da própria disciplina do tema no CPC (art. 190, caput).

A definição das condicionantes supramencionadas é essencial para a própria compreensão dos negócios jurídicos processuais. Não se nega que há controvérsias a respeito da admissão ou não de determinados negócios jurídicos processuais atípicos, porém, é uniforme o entendimento de que referidas condicionantes se aplicam a todo e qualquer negócio pré-processual, seja ele típico ou atípico.

3. LIMITAÇÕES À CELEBRAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO 

Apesar de essencialmente constituída pelo autorregramento das vontades particulares, a liberdade emanada pela possibilidade da realização dos negócios jurídicos processuais não é absoluta, sujeitando-se ao controle de validade por parte do juiz, que poderá anulá-la quando não preenchidos os seus requisitos,nos casos de inserção abusiva em contrato de adesão, quando alguma parte se encontrar em manifesta situação de vulnerabilidade. O controle será, ainda, possível quando identificados os chamados “vícios sociais” ou “vícios de vontade” na sua celebração.

Insta salientar que princípios e garantias fundamentais do processo, da mesma forma, figuram dentre os limites obstativos, sendo inválidos os negócios jurídicos que mitiguem princípios já sedimentados, como, por exemplo, o princípio do juiz natural, da vedação da prova ilícita e da razoável duração do processo.

Câmara (2015, p.127), acerca do tema, afirma que:

O negócio jurídico processual pode ser celebrado no curso do processo, mas pode também ser realizado em caráter pré-processual. Imagine-se, por exemplo, um contrato celebrado entre duas empresas no qual se insira uma cláusula em que se prevê que na eventualidade de instaurar-se processo judicial entre os contratantes, para dirimir litígio que venha surgir entre as partes em razão do aludido contrato, todos os prazos processuais serão computados em dobro. Estabelece a lei que os negócios jurídicos celebrados pelas partes podem versar sobre “seu ônus, poderes, faculdades e deveres processuais”. Têm as partes, então, autorização da lei para dispor sobre suas próprias posições processuais, não podendo o negócio alcançar as posições do juiz. Assim, por exemplo, é lícito celebrar negócio jurídico processual que retire das partes a faculdade de recorrer (pacto de não recorrer), mas não é lícito às partes proibir o juiz de controlar de ofício o valor dado à causa nos casos que este seja estabelecido por um critério prefixado em lei (art. 292).

Assim, não é cabível às partes negociarem no tocante às posições processuais do juiz, haja vista não serem titulares de tal direito.

É entendimento amplo doutrinário que os negócios jurídicos, como expressão clássica da autonomia das partes, não demandam qualquer espécie de homologação. Nessa linha, o enunciado 133 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) (2015, p. 26) dispõe: “Salvo nos casos expressamente previstos em lei, os negócios processuais do art. 190 não dependem de homologação judicial”.

Partindo-se do pressuposto de que os acordos processuais não dependem de homologação, a atuação do juiz limitar-se-á à análise da validade da convenção celebrada pelas partes, de acordo com os requisitos previstos no art. 190 do NCPC, no Código Processual Civil acerca da validade dos negócios em geral.

Se tal convenção for válida, estará apta a produzir efeitos sem que o juiz tenha de exercer qualquer valoração acerca da sua conveniência para homologá-la ou deferi-la, limitando a atuação do magistrado à valoração da sua eficácia. Caso o negócio não apresente defeito, não poderá ter a sua aplicação recusada pelo juiz.

A exceção à regra ocorre nas hipóteses em que a própria lei prevê a necessidade de homologação do negócio típico ou em que as partes estabelecem (no negócio) a necessidade de homologação judicial. Em um caso ou em outro, a homologação pelo juiz constituirá condição de eficácia da convenção (nunca pressuposto de validade). Nesse sentido, foi aprovado o enunciado do Fórum Permanente de Processualistas Civis (2015, p.41), de número 260: “A homologação, pelo juiz, da convenção processual, quando prevista em lei, corresponde a uma condição de eficácia do negócio”.

Assim, embora privilegiem a autonomia das partes à luz do princípio da cooperação positivado no art. 6 do NCPC, os negócios jurídicos processuais devem estar sujeitos ao controle com fundamento em interesses constitucionalmente relevantes. Nesse sentido, estão previstas, nos arts. 5º, 6º e 190 do NCPC, disposições que visam preservar a validade do negócio jurídico:

Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. (BRASIL, 2015).

Como exposto, além dos limites enunciados no próprio art.190, os negócios jurídicos processuais estão sujeitos ao regramento civil, razão pela qual devem ser preenchidos os requisitos do art. 104 do Código Civil. Paralelamente, não podem estar presentes as causas de nulidades enunciadas no art.166 do Código Civil (CC):

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I- celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II- for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV – não revestir a forma prescrita em lei;

V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. (BRASIL, 2002).

Existe, contudo, certa dificuldade de delimitar tais limites em âmbito processual.  Nesse contexto, questiona-se, por exemplo, se uma convenção na qual uma das partes renuncie ao direito de recorribilidade estaria em confronto com os princípios do acesso à justiça, do devido processo legal,  do contraditório e da ampla defesa – garantidos pela Constituição. Nesse sentido, o enunciado 06 do FPPC dispõe que: “O negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação” (THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 81-83).

4. A EFICÁCIA NA APLICAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Por via de regra, os negócios processuais independem de homologação judicial, produzindo seus efeitos tão logo as partes manifestem a sua vontade.

Não obstante, há casos em que a lei expressamente exige a homologação judicial para que o negócio processual produza efeitos (exemplo: desistência – art. 200, parágrafo único), fazendo com que a homologação judicial funcione como condição de eficácia do negócio, como se verifica do enunciado nº 260 do FPPC (2015, p.41) (arts. 190 e 200):  “A homologação, pelo juiz, da convenção processual, quando prevista em lei, corresponde a uma condição de eficácia do negócio.”

Em que pese a existência de casos que demandam a homologação do juízo, inúmeras são as possibilidade de celebração de negócio jurídico processual existentes no ordenamento jurídico, conforme disposto no enunciado 19 do FPPC (2015, p.10):

(art. 190) são admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso, acordo para não promover execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disclosure), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si. (Grupo: Negócio Processual; redação revista no III FPPC- RIO e no V FPPC-Vitória).

Didier Júnior, ao enumerar o vasto leque de possibilidades da celebração de negócios jurídicos, demonstra com clareza a aplicabilidade e aceitação do referido instituto em diversos campos do direito:

a) a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional editou, em 2018, as portarias 360 e 742, que disciplinam a celebração de negócios processuais em execuções fiscais;

b) a Lei de Liberdade Econômica – Lei 13.874/2019 adotou, ao que parece pioneiramente em texto legal, a expressão doutrinária, já consagrada, “negócios processuais”, referindo expressamente ao art. 190 do CPC, ao acrescentar o §12 ao art. 19 da Lei n. 10.522/2002: “§Os órgãos do Poder Judiciário e as unidades da Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional poderão, de comum acordo, realizar mutirões para análise do enquadramento de processos ou de recursos nas hipóteses previstas neste artigo e celebrar negócios processuais com fundamento no disposto no art. 190 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)”. Além disso, previu expressamente acordo probatório em seu art. 18, I, comentado por mim no artigo que escrevi com Rafael Alexandria e que trago nesta segunda edição.

c) o pacote anticrime – Lei n. 13.964/2019: c1) expressamente consagra a colaboração premiada como “negócio jurídico processual”, ao acrescentar o art. 3º – A na Lei n. 12.850/2013: “‘Art. 3º – A. O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos”; c2) ao revogar o §1º do art. 17 da Lei 8.429/1992 (Lei da Improbidade Administrativa), previu expressamente o “acordo de não persecução cível” em tema de improbidade administrativa, que é um pacto de non petendo; c3) ao acrescentar o §10 – A ao art. 17 da mesma Lei de Improbidade, expressamente consagrou negócio processual sobre prazo peremptório: “§ 10 – A. Havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes requerer ao juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa) dias”;

d) o art. 11, III, da lei da transação tributária – Lei n. 13.988/2020 expressamente previu o acordo de substituição de “garantias e constrições”, o que ser e para a penhora e o arresto. (DIDIER JÚNIOR, 2015, p. 376).

É inegável o avanço gerado pelo atual diploma em relação ao instituto: o que antes se apresentava em tímidas hipóteses, atualmente se expressa em inúmeras possibilidades aptas a flexibilizar e adaptar o processo às necessidades das partes em cada caso concreto.

Frisa-se, ainda, que, apesar da ampla aplicabilidade da celebração dos negócios jurídicos processuais em diversas hipóteses, jamais caberá às partes convencionarem sobre as deliberações intrínsecas do juiz e infringirem os limites previstos no próprio art. 190 do NCPC e as normas fundamentais relativas ao processo.

Tal flexibilização, porém, não supera em absoluto o caráter ainda marcadamente publicista do processo civil brasileiro, razão pela qual se defende sua limitação com base nas garantias do processo e nos poderes do magistrado. As limitações possuem caráter notadamente aberto, sendo assim, é possível afirmar que a construção dos limites à celebração dos negócios jurídicos processuais será feita caso a caso pela jurisprudência.

Diante dos argumentos expostos, cabe apontar as vantagens advindas com a aplicação da celebração do negócio jurídico processual, sendo a adaptabilidade das medidas às necessidades das partes a mais significativa. Não há dúvidas de que a flexibilidade representa um poderoso instrumento de adequação dos atos do processo em busca da satisfação dos interesses que sejam objeto de consenso. A prerrogativa que a lei proporcionou às partes, de dispor sobre determinados atos, trouxe maior participação no deslinde do processo, lhes conferindo maior protagonismo em momento pós ajuizamento e trazendo consideráveis ganhos no tocante à efetividade processual.

Ademais, tal prerrogativa conferida às partes acabou por prestigiar a previsibilidade do julgamento dos litígios, reduzindo a imprevisão quanto ao resultado, minimizando até mesmo os índices de prosseguimento dos processos em instâncias recursais. Nesse sentido, a popularização da aplicabilidade das cláusulas de negócio jurídico proporcionou não apenas uma resolução mais célere e eficaz do imbróglio como também propiciou, de modo reflexo, certo alívio no tão sobrecarregado judiciário brasileiro.

5. CONCLUSÃO

À luz do exposto, sem a pretensão de exaurir a temática proposta, percebe-se que o instituto comporta diversas vantagens que podem trazer significativos benefícios à justiça brasileira – em especial a celeridade e economia processual. Com isso, revela-se uma tendência de democratização do processo, a partir da busca por soluções mais eficientes, rápidas e que atendam diretamente aos interesses das partes. Identifica-se, assim, uma superação do caráter marcadamente publicista do processo civil brasileiro.

Porém, o manejo do instituto pelas partes não é amplo e irrestrito. Além dos limites impostos pelo próprio art. 190 do NCPC, a regularidade do negócio demanda a observância dos elementos e requisitos estabelecidos pela legislação civilista. Para além disso, identificam-se, com isso, aqueles que defendem a necessidade de homologação quando mitigados os poderes do magistrado.

Dessa forma, frisa-se que, apesar da tentativa doutrinária de ampliar demasiadamente o espectro de aplicação dos negócios processuais, seus contornos serão, na prática, definidos pela jurisprudência, e não propriamente pela vontade das partes.

Espera-se, porém, que o Poder Judiciário reconheça o avanço promovido pelo legislador e aceite a ampla participação das partes na condução do processo de forma cada vez mais ampla, garantindo maior eficiência ao procedimento e celeridade na solução da controvérsia. Nesse sentido, as limitações se impõem apenas quanto ao preenchimento dos requisitos do instituto ou como forma de resguardar o núcleo essencial de valores constitucionalmente tutelados, e não por mero decisionismo ou conveniência do magistrado.

REFERÊNCIAS 

BRASIL. Lei 5.896, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Brasília: Diário Oficial da União, 1973.

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: Diário Oficial da União, 2002.

BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília: Diário Oficial da União, 2015.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.

DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17ª ed. Salvador: JusPodivm, 2015.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS. Enunciados. Vitória. São Paulo: [s.n.], 2015.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 56ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

[1] Nível especialização (Pós-graduação Latu Sensu), Áreas de Conhecimento Negócios, Administração e Direito. Pós-graduação Lato Sensu Pós-graduação em Processo Civil. ORCID: 0000-0002-2445-4141.

Enviado: 06 de fevereiro, 2023.

Aprovado: 29 de março, 2023.

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Marília de Cássia Cordeiro

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