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A epoché na fenomenologia transcendental de Edmund Husserl

RC: 143554
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/filosofia/fenomenologia-transcendental

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

RÖNNAU, Gabriel Rodrigues [1]

RÖNNAU, Gabriel Rodrigues. A epoché na fenomenologia transcendental de Edmund Husserl. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 04, Vol. 05, pp. 59-68. Abril de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso:  https://www.nucleodoconhecimento.com.br/filosofia/fenomenologia-transcendental, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/filosofia/fenomenologia-transcendental

RESUMO

O intuito do presente artigo é apresentar uma breve introdução ao conceito de epoché na fenomenologia transcendental de Edmund Husserl, contextualizando seu idealismo com relação ao conceito de cogito desenvolvido pelo cartesianismo e, posteriormente, desenvolvido pela fenomenologia husserliana. A introdução à fenomenologia pura de Edmund Husserl serve para fundamentar sua metodologia pela centralidade do conceito de epoché como “suspensão de juízo natural”. O problema do conhecimento é estabelecido através das reduções fenomenológicas e é tratado como fundamental para a compreensão do intuito da fenomenologia como ciência rigorosa e como ciência de meditação metafísica.

Palavras-Chave: Fenomenologia, Epoché, Intuição, Epistemologia.

1. INTRODUÇÃO

Edmund Gustav Albrecht Husserl, considerado como o pai da fenomenologia, apresenta seu trabalho através do rigor científico como resposta à filosofia inaugurada por Descartes através do conceito de cogito – da dúvida metódica que a tudo abrange, e busca encontrar o fundamento apodítico de toda realidade e de toda verdade; isso porque a crítica husserliana à falta de fundamento das ciências particulares de sua época inclui tanto a razão quanto a evidência da intuição primeira e originária, anterior à qualquer construção de conhecimento para a apreensão de um mundo pré-dado como fonte primeira e fundamental de toda construção teórica ulterior; através do método e da apreensão da essência pura, o autor abrange a problemática da superação do psicologismo e do solipsismo.

Assim, são detalhadas suas ideias no intuito da presente tarefa fenomenológica transcendental: de criar o caráter de ciência essencialmente nova, distante do pensar natural para a descoberta de um novo princípio, em que se denomina uma ciência de fenômenos puros. A definição de fenômenos puros se identifica na relação da consciência como emanação de essências puras através de um mundo propriamente considerado de maneira imanente – que se identifica com o puro agir da consciência. Se trata de uma profunda meditação sobre o caráter da suspensão de juízos e sobre a distinção que se abre em vista da diferenciação da evidência primeira e da circunstância que preenche a intuição com o mundo empírico. A proposta do artigo é de situar a ciência fenomenológica sobre o centro do conceito elaborado por Husserl de epoché – revelando a fenomenologia como consumação do empirismo e do racionalismo puro. A metodologia do presente artigo é qualitativa, elaborada pela bibliografia do autor e de artigos relacionados com a presente proposta.

2. CONSIDERAÇÕES FENOMENOLÓGICAS

A fenomenologia é uma metodologia que busca a apreensão e a compreensão do eidos[2] fenomênico como fundamento da ciência rigorosa. A fenomenologia, em seu caráter puro, deve ser compreendida enquanto diferenciada da perspectiva psicológica e da ciência natural empírica. A psicologia, como expressa por Edmund Husserl, é uma ciência de fatos; a ideia da fenomenologia é não tratar especialmente de fatos, mas de essências. Portanto, é próprio da fenomenologia tratar do conhecimento a partir das progressivas reduções fenomenológicas, que são etapas necessárias para a centralização do conhecimento em suas características puras e necessárias, pois que é o nexo lógico puro, dedutivo é necessário, que conduz ao conhecimento certo e verdadeiro. É à consciência subjetiva que se intenciona o regresso para a atitude do ego transcendental em sua verdade, e suas diferentes etapas são as experiências que emergem desde o interior do pensamento como descrição eidético-transcendental (HUSSERL, 2006).

O empirismo, considerado como ciência natural, é uma ciência de fatos posta em um Welt,[3]espaço-temporal de experiência, enquanto, à fenomenologia e à psicologia de base fenomenológica, debruça-se sobre o vivido essencial. Já o princípio do mundo pré-dado como fundamento da experiência do conhecimento, sobre o qual o conhecimento mesmo é uma consequência posterior sobre a vivência originária no Lebenswelt.[4] A crítica, portanto, de Husserl, é baseada no abismo no qual estão inseridas as ciências particulares, que devem ser postas como manifestação imanente da consciência que se abre para o fenômeno (ZILLES, 2007). Por isso, é que Descartes é uma figura central na filosofia de Husserl, visto que o filósofo questiona sobre sua própria realidade de maneira radical, de forma que refaz para si mesmo sua realidade como interioridade autêntica; é o primórdio da ciência do vivido como tal (BORBA, 2010).

O método da redução fenomenológica se vincula ao método da pesquisa psicológica de essência enquanto método eidético: a exclusão não só de todos os juízos que ultrapassam a vida da consciência pura, mas também a exclusão de toda facticidade puramente psicológica. A investigação da dúvida metódica. A primeira redução fenomenológica é, assim, a redução egológica, da essência daquilo que é o originalmente intuitivo: o próprio ego em atividade imanente de consciência. A correlação, assim, da ciência, da psicologia pura e apriorística com a ciência da natureza pura, deixa claro que se trata de um trabalho sistemático, conforme as diretrizes do método próprio do conhecimento puramente eidético e imanente à consciência (HUSSERL, 2022).

A ciência é uma realização espiritual humana – porém sua manifestação particular é um tanto equívoca, pois pressupõe a saída do Mundo-da-vida: as ciências particulares ignoram o dado de modo universal como existente, que pressupõe o Umwelt[5] circundante na particularidade de sua autodoação para o ser. Se a ciência levanta e responde questões, são questões vitais, e não podem excluir o mundo; o mundo, assim, “pré-científico”, desempenha um papel permanente – o mundo é naturalmente pré-dado no horizonte da humanidade comum, em conexão real com sua circunstância (HUSSERL, 2012).

Emerge a dúvida sobre a condição de possibilidade da ciência – o conhecimento, porém, não é nem negado nem apresentado como duvidoso através do fato de que é posto em questão. Se a teoria do conhecimento quer se direcionar para a possibilidade do conhecimento, ela precisa ter conhecimentos que são indubitáveis – a cogitatio cartesiana necessita da redução fenomenológica: o fenômeno psicológico não é efetivamente uma doação absoluta, mas apenas seu aspecto subjetivo: sobre o ego que vivencia o objeto – o ser humano no tempo do mundo, não presente em pura imanência. Na fenomenologia, abandona-se definitivamente o terreno da psicologia: com isso, reduz-se também a questão originalmente impulsionadora – entra, portanto, a questão fundamental pura de como pode alcançar-se a região da consciência pura.

Se for aplicado à lógica, como disciplina normativa, os resultados gerais, levanta-se, como a primeira e a mais importante questão, quais são as ciências teóricas que fornecem o fundamento essencial. Depara-se aqui com a controvérsia sobre a relação entre a psicologia e a lógica no psicologismo, que se faz assim como redução de toda lógica à psicológica: de forma que não existem verdades, apenas narrativas – o empreendimento da fenomenologia, ao contrário, é contra o uso da psicologia em termos universais: o que se denomina como o psicologismo, que determina a invalidade da lógica como conhecimento apodítico (HUSSERL, 2014).

Na lógica, porém, a questão não é acerca de regras contingentes e psíquicas, mas sim de regras inteiramente necessárias na concretude da vida – não como é o pensamento em sua potencialidade, mas o pensamento em sua efetividade mesma. Não se quer saber na lógica como é o pensamento e como se procede seu funcionamento. É certo que a psicologia tem de pesquisar as leis da natureza do pensar, ou seja, as leis para todos os juízos em geral, porém ambos tratam de áreas e aspectos essencialmente diferentes (HUSSERL, 2014).

A redução fenomenológica é a exclusão de todas as posições transcendentes, ou não totalmente presentes em si mesmas como intuição evidente. Nesse passo, segue-se uma consideração de Descartes sobre a percepção clara e distinta. A existência da cogitatio é garantida através da sua doação absoluta de si mesmo, através da sua doação em evidência pura. Sempre onde se obtiver a evidência pura, então, se terá o fundamento do conhecimento. Portanto, mostra-se, por diversas perspectivas, a correlação entre o fenômeno contra a coisa em si – é a coisa em si que interessa no domínio científico (HUSSERL, 2020).

Filosofia, assim, trata-se de sapientia universalis; do saber esforçando-se pelo universal. As meditações cartesianas não pretendem ser um assunto privado, mas, antes o reino de onde emergem os fundamentos da ciência. Esse ego realiza, de início, um filosofar seriamente solipsista: procura caminhos apoditicamente certos através dos quais, da sua interioridade pura, se deixe abrir uma exterioridade objetiva. Com Descartes, isso sucede naquela forma bem conhecida em que são postas as evidências subjetivas da existência de Deus e, por meio delas, a natureza objetiva e o dualismo das substâncias (HUSSERL, 2013). O problema reside exatamente na natureza solipsista do cogito, que isola o mundo através da negação e de sua posterior dedução hipotética por meio da razão. O mundo é uma consequência dedutiva que circunda o ego como existência posta como substância separada, dividida, e que se diferencia pela substância do ego (HUSSERL, 2019).

Começando, então, com a decisão de pôr fora de validade todas as ciências que são dadas de antemão, não se abandona a meta diretora cartesiana de uma fundamentação absoluta das ciências, mas, de início, nem a sua possibilidade deve ser pressuposta, a título de preconceito. Se deve mergulhar no agir puro das ciências, para com isso extrair o seu ideal, aquilo para que tendem. De acordo com o modo de ver, não pode valer como efetivo aquilo que não é fundamentado por uma perfeita evidência: que não se possa comprovar através do regresso às próprias coisas (HUSSERL, 2013).

A tarefa, portanto, é investigar, de dentro do espaço da pura evidência todas as formas de doação e todas suas correlações. Naturalmente, aí não interessa apenas o ato singular, mas também suas complexidades. Essas conexões não são conglomeradas, mas unidades peculiarmente conectadas que correspondem aos atos de conhecimento, onde suas formas correspondem em pensamentos e em intuições. Essência é designada, assim, como aquilo que se encontra no ser próprio de um objeto individual como o que ele é em suas características necessárias, mas o que cada essência é, pode ser o Meinung[6] em ideia de redução eidética; a intuição empírica, portanto, pode ser convertida nessa visão de essência na ideação que é a visão da possibilidade eidética, não apenas da possibilidade empírica. O apreendido intuitivamente é então a essência pura ou eidos, descendo dela até a concreção da ideia em sua materialidade e concretude natural (HUSSERL, 2020).

3. O CONCEITO DE EPOCHÉ

A ἐποχή,[7] na fenomenologia de Edmund Husserl, possui o caráter de suspensão de juízo como contraponto e ajuste do cogito cartesiano dentro da perspectiva da “parentetização” dos juízos: o propósito fenomenológico é da descoberta de um novo domínio científico, e seu método próprio é de uma suspensão de todo juízo em sua orientação natural. Assim, o mundo permanece como que em suspenso, enquanto o cogito é efetivado através das progressivas reduções fenomenológicas para a apreensão da essência mesma, assim separando a ciência da orientação natural e irrefletida, da ciência de orientação filosófica e refletida. A epoché tem, portanto, seu caráter próprio justificado pela busca da certeza primeira. O eu efetivo é aquele que efetua atos de consciência, atos esses que pertencem a uma mesma efetividade natural; a evidência essencial do ato de consciência deve ser posta de maneira totalmente imanente em seus aspectos eidéticos. Somente por meio da evidência da epoché fenomenológica é que se mostrará a operação necessária que oferece o acesso à consciência em seu caráter puro e à toda ciência fenomenológica. Na orientação natural não se pode ver outra coisa que a própria experiência empírica – enquanto não for reconhecida a possibilidade da orientação fenomenológica e não fora desenvolvido seu método toda a região da consciência pura permanecerá como que invisível e desconhecida das apreensões originárias das objetividades, e todo o mundo fenomenológico permanece velado pela negação solipsista. A consciência transcendental é o núcleo de um círculo de experiências, um centro imóvel onde reside a centralidade do ser humano em sua intimidade. Segue-se nos estudos fenomenológicos até onde for necessário para se encontrar autenticamente a evidência de que a consciência como essência pura não é atingida pela exclusão fenomenológica. A consciência permanece em sua imanência como resíduo fenomenológico e capaz da inauguração de sua ciência apodítica (HUSSERL, 2006).

O conhecimento natural começa na experiência e termina na experiência: seu horizonte total de investigação é determinado pelo próprio mundo. As ciências empíricas, portanto, fundamentam o início da ciência, porém não oferecem mais do que o material bruto de sentidos ainda confusos pela sua contingência. Assim abre-se a concepção da intuição como maneira própria de uma visão intelectiva do fundamento primeiro e imediato de todo conhecimento em seu caráter de conhecimento filosófico-reflexivo. Mas tampouco o âmbito do que está presente em intuição clara ou obscura, distinta ou indistinta, e que forma um círculo constante em torno do campo atual de percepção, esgota o mundo que se tem conscientemente. O atualmente percebido é em parte impregnado por um horizonte de realidade indeterminada, de que se tem de forma permanente uma obscura consciência. Porém a partir da névoa indeterminada é que a consciência emana a sua luz para a apreensão do essencial de cada (HUSSERL, 2006).

Com o despertar da reflexão sobre a relação do conhecimento e do objeto surgem então dificuldades abissais, pois a atitude natural do espírito não se importa com a crítica do conhecimento, pois ainda se é direcionada pela experiência, sem distinção crítica do conhecimento, que leva à percepção das coisas pela necessidade da memória, e daí para o indeterminado e desconhecido. O conhecimento, considerado em seu aspecto ingênuo no pensar natural, surge como um mistério insondável no pensar reflexivo. A disposição fenomenológica, assim, exige uma atitude descritiva dos fenômenos, como são através da percepção natural do mundo, envolvendo sua subjetividade. O mundo, portanto, em face de sua indeterminabilidade essencial, exige que se realize uma restrição fenomenológica através de uma redução do conhecimento para suas características necessárias ou essenciais – o que é abordado no conceito de epoché (HUSSERL, 2006).

Todo fluxo de vivido é necessariamente modificado por um aniquilamento do mundo, mas permanece intocado em sua própria existência pela suspensão de juízo; pois aniquilamento do mundo não é a afirmação de sua não-existência, mas que em todos os fluxos de vividos estariam excluídos nexos empíricos meramente imaginados – como ilusão e fantasia da mente. Portanto, nenhum ser real no sentido fenomênico é necessário à consciência, e por isso sua realidade pode ser posta à prova pela dúvida metódica:

O ser imanente é, portanto, indubitavelmente ser absoluto no sentido de que ele, por princípio, nulla “re” indiget ad existendum.[8]

Por outro lado, o mundo da “res” transcendente é inteiramente dependente da consciência, não da consciência pensada logicamente, mas da consciência atual (HUSSERL, 2006).

Um transcendente é dado mediante certos nexos empíricos – porém não são os dados empíricos a evidência mesma do dado, mas que os empíricos fornecem a base para a posterior suspensão de juízo sobre suas bases ontológica para a apreensão mesma da essência em sua intuição eidética pura: dado diretamente e em perfeição crescente, em contínuos de percepção que progridem em coerência; assim o transcendente recebe, de maneira mediada no conceito, determinação teórica evidente e sempre progressiva. Admite-se que a consciência, com seu conteúdo de vivido e seu transcurso, seja realmente de tal espécie que o sujeito da consciência possa efetuar seus nexos lógicos, procedendo de maneira teórica livre na experiência – porém a consciência está realmente em sua regulagem adequada enquanto do lado dos cursos de consciência não falte nada que possa ser exigido e seja necessário para a aparição de um mundo em sua unidade e para o conhecimento teórico do mesmo.

Se afirma que o fenômeno e o ser mesmo não são espécies de um mesmo gênero: no sentido verdadeiro a formação de um todo só é possível para aquilo que é aparentado por essência – uma essência própria no mesmo sentido eidético. Uma diferença de sentido abre-se entre consciência e realidade. A consciência é pura necessidade lógica, só é consciente por nexos lógicos, enquanto a realidade está permeada de uma multiplicidade de um ambiente pré-dado no qual se está inserido de forma contingente (HUSSERL, 2006).

Em vez de efetuar de modo ingênuo os atos de competência da consciência natural, coloca-se todas essas teses transcendentes fora de ação e fora de circuito; dirige-se o olhar para o apreender e o investigar teórico para a consciência pura em seu próprio ser no sentido absoluto. Isso é o que resta como resíduo fenomenológico que se busca. Porém é de tal forma que a consciência apreende sua conexão com o mundo real: através da perda de todo o mundo, o ganho é total, e isso por virtude da apreensão de seu próprio movimento necessário – se ganha todo o mundo em virtude da pura necessidade do conceito como lógica imanente ao ser-no-mundo; o universal possui suas próprias regras lógicas, suas próprias necessidades. É da consciência mesma o representar para-si de suas concepções enquanto mundo pré-dado. A tarefa fenomenológica é a de recuperar o mundo para-si em sua totalidade, em sua fenomenologia enquanto emanação de uma mesma realidade que se desdobra no tempo em suas figuras singulares (HUSSERL, 2006).

No entanto, a tese geral do mundo assume o mundo como presença, e então implica-se todo o julgamento sobre a existência das coisas. Tudo que vem do mundo natural, pela experiência, e ascende à consciência em sua natureza eidética é afetado por um caráter de presença intuitiva. É nessa presencialidade essencial que se pode afirmar que se funda um juízo de existência implícita e anterior ao pensamento, e então o juízo e a presença da existência eidética na coisa se unificam como o puro a priori de sua necessidade imanente. Quando se realiza um julgamento predicativo, transforma-se em tema o que já está previamente posto em existência pré-dada. A caracterização do mundo como presença já mostra o papel que desempenha a tentativa universal da dúvida, o que já demonstra sua possibilidade pela evidência de que tudo pode ser ponto à dúvida, menos a evidência primeira em seu caráter apodítico e imanente originário. Dessa maneira, a fenomenologia rompe decisivamente com a dúvida universal que não põe o ser em dúvida, mas somente seus atributos. Nesse sentido, a epoché fenomenológica é um empreendimento com pretensões universais, pois trata-se de uma epoché universal: em seu caráter transcendental pode de forma decisiva ser caracterizada pela alteração total da atitude natural da vida, que exclui as crenças naturais para dar espaço à ciência em seu caráter rigoroso e filosófico (MARTINI, 1999).

Reside na natureza específica da tarefa que o método de acesso ao campo de trabalho da ciência – que se articula numa diversidade de passos que têm cada um deles, de uma nova maneira, o caráter da epoché – entre em efetividade na suspensão de validades ingênuas e naturais; efetividade de circuito da consciência fenomenológica. É necessária a formulação universal da epoché, aplicada em todo domínio científico, de forma que não é a existência do cientista que é posta em dúvida, mas o caráter de sua orientação originária, sua relação com a realidade efetiva e com a realidade da vida mesma (HUSSERL, 2012). O Mundo-da-vida é o único objeto para o qual se está inserido como pressuposto de toda investigação, se trata de tomar posse desse espaço aberto para a ampliação dos horizontes de consciência. A compreensão da estrutura do mundo é sobre qual todo o resto relativo está vinculado e faz sentido particular; a estrutura ela mesma não é relativa, mas absoluta – sua lógica estrutural pode mesmo ser apreendida como essência do mundo, porém tal essência possui um ponto de convergência de toda multiplicidade para uma unidade própria como conceito único de mundo enquanto tal. Assim é o subjetivo o foco principal e gênero de toda realidade (HUSSERL, 2012).

A conexão objetiva que atravessa idealmente o pensar científico pode ser entendida como a conexão de coisas que se referem intencionalmente às vivências do pensar, e como a conexão da verdade na qual a unidade material relativa às coisas chega à unidade objetiva. Nada pode ser sem determinação; e o que é determinado, é exatamente em sua verdade que configura o correlato necessário do ser em-si. Quando se realiza um ato de conhecimento põe-se o objeto de acordo com a maneira cognoscitiva: é o conhecimento que julga com evidência. O estado de coisas não está apenas pretensamente, mas efetivamente constituído, e é dado ao conhecimento como efetividade pura. É uma verdade que se torna atual, singularizada na vivência do juízo evidente. Capta por esse meio a verdade como correlato ideal do ato fugaz de conhecimento subjetivo, como a única verdade. Às conexões cognoscitivas correspondem conexões de verdades; adequadamente compreendidas, não são somente complexos de verdades, mas verdades complexas que estão assim também, e como um todo, subsumidas no conceito de verdade (HUSSERL, 2014). Com isso, se pode concluir que o conhecimento científico é, como tal, conhecimento com fundamento, ou conhecimento como o saber de sua própria causa primeira. Conhecer o fundamento de algo significa inteleccionar sua necessidade (HUSSERL, 2014).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O propósito fenomenológico é da descoberta de um novo domínio científico, e seu método próprio é da parentização do mundo através da caracterização de uma suspensão de todo juízo em sua orientação natural. A epoché não significa uma forma de exclusão das maneiras empíricas das ciências naturais, pois que Husserl tenta resguardar o papel das ciências através da descoberta dos fundamentos mais sólidos e apodíticos no método fenomenológico, para a descoberta da mathesis universalis. O resultado claro de toda epoché fenomenológica, em seu caráter universal, é a descoberta do ego em sua atividade pura e imanente, ou seja, da consciência – de onde todo o mundo é posto como parte da intencionalidade da consciência. Da mesma forma, as ciências referidas ao mundo natural debilitam-se na falta de vigor apodítico do que seja a própria experiência do mundo em seus fundamentos dogmáticos. A caracterização do mundo como presença já mostra que se funda um julgamento de existência implícita e anterior ao pensamento; é proposta da fenomenologia unir os dois aspectos entre o ser da presença e do pensamento dentro de uma mesma existência.

REFERÊNCIAS 

BORBA, Jean Marlos Pinheiro. A fenomenologia em Husserl. Revista do Nufen, ano 2, v. 1, n. 2, jul-dez, 2010, pp. 90-111.

HUSSERL, Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. Aparecida: Ideias & Letras, 2006.

HUSSERL, Edmund. Meditações cartesianas. São Paulo: Edipro, 2019.

HUSSERL, Edmund. Meditações cartesianas e conferências de Paris. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

HUSSERL, Edmund. A ideia da fenomenologia. Petrópolis: Editora Vozes, 2020.

HUSSERL, Edmund. Investigações lógicas: volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

HUSSERL, Edmund. A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.

HUSSERL, Edmund. Psicologia fenomenológica e fenomenologia transcendental. Petrópolis, RJ: Vozes, 2022.

MARTINI, Renato da S. A fenomenologia e a epochê. Trans/Form/Ação, São Paulo, v. 21-22, n. 1, pp. 43-51, 1998/1999.

ZILLES, Urbano. Fenomenologia e teoria do conhecimento em Husserl. Revista da Abordagem Gestáltica, Goiânia, v. 13, n. 2, pp. 216-221, jul-dez, 2007.

APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ

2. “Essência”.

3. “Mundo”.

4. “Mundo-da-vida”.

5. “Ambiente”.

6. “Visado”.

7. Grego: “epokhē”.

8. “Não carece de coisa alguma para existir”.

[1] Graduando. ORCID: 0009-0008-5406-4321. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/7014038165342859.

Enviado: 13 de março, 2023.

Aprovado: 03 de abril, 2023.

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Gabriel Rodrigues Rönnau

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