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Proposta de Gestão de Processo para Pacientes Oncológicos em São Gonçalo – RJ

RC: 143027
385
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/engenharia-de-producao/proposta-de-gestao

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

CAMPOS, Deivid Robert Cresci de [1], VAZ, Guido [2]

CAMPOS, Deivid Robert Cresci de, VAZ, Guido. Proposta de Gestão de Processo para Pacientes Oncológicos em São Gonçalo – RJ. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 04, Vol. 02, pp. 48-69. Abril de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/engenharia-de-producao/proposta-de-gestao, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/engenharia-de-producao/proposta-de-gestao

RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo analisar o fluxo acesso aos serviços de saúde de pacientes oncológicos de um município brasileiro utilizador do Sistema Único de Saúde (SUS), de modo a identificar os gargalos e lacunas que causam entraves nos processos e reprojetá-lo, a fim de reduzir as falhas, com vértice no alinhamento estratégico, considerando a Lei nº 12.732, que determina cumprir o prazo máximo de 60 dias para início do tratamento oncológico. O contexto selecionado foi a rede municipal de saúde de São Gonçalo com dados do período até 2017. O arcabouço teórico-conceitual utilizado reuniu conteúdo oriundo de publicações e trabalhos acadêmicos que discutem a regulação de serviços de saúde no SUS; métodos e técnicas próprias da literatura de gestão de processos. Essa análise possibilitou o levantamento de indicadores de desempenho que avaliaram comparativamente os processos e, como resultado, demonstrou a pertinência deste tipo da correlação entre a gestão de processo e sua aplicabilidade para o planejamento na gestão pública. A identificação dos indicadores de desempenho, motivação principal desta pesquisa, foi fundamental para compará-los aos macroprocessos da instituição, neste caso, a rede de saúde do município, de modo que os processos foram ajustados a fim de alinhá-los aos objetivos desta pesquisa.

Palavras-chave: Gestão de Processos, Fluxos de Pacientes, Sistema Único de Saúde.

1. INTRODUÇÃO

O câncer é um notório problema de saúde pública em todo o mundo. Na proposição do diagnóstico de toda a cadeia de valor do fluxo dos pacientes oncológicos de um município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com uma população de 1.077.687 habitantes (IBGE, 2018), sendo atualmente o segundo município mais populoso do estado, atrás apenas da capital, Rio de Janeiro, e o 16º mais populoso do país, esse estudo pretendeu propor ações efetivas para a saúde, gerando conhecimento e estratégias para melhor nortear a gestão do Sistema Único de Saúde (SUS).

Este trabalho estabeleceu a seguinte questão de pesquisa: Quais são as oportunidades de melhoria no acesso dos pacientes oncológicos ao Sistema de Saúde no município de São Gonçalo? Na busca de avançar sobre a questão enunciada, esta pesquisa tem, como objetivo geral, identificar as oportunidades de melhoria no acesso de pacientes oncológicos à luz da abordagem da gestão de processos de negócios no município de São Gonçalo.

Para composição deste estudo, foi analisado o processo de acesso dos usuários do SUS, desde a suspeita de diagnóstico de câncer até a sua entrada ao nível terciário de atenção à saúde (hospitais e clínicas de alta complexidade de acessos a tratamentos oncológicos).

2. REFERENCIAL TEÓRICO

O Sistema Único de Saúde, popularmente conhecido como SUS, é o sistema público responsável pela saúde pública no Brasil. Garantido pela Constituição Federal, foi instituído em 1988 com o objetivo de assegurar a saúde como um direito universal e estabelecer o Estado como encarregado por garanti-la, através de políticas públicas, econômicas e sociais (BRASIL, 1988).

A configuração sistêmica do SUS possibilitou uma organização baseada em níveis de complexidade, com fundamento na densidade tecnológica do serviço e atendimento a serem prestados. A Rede de Atenção à Saúde (RAS), é constituída por um conjunto de organizações que prestam serviços e ações, partindo do critério de tecnologia, conforme já mencionado, através de apoio técnico, logístico e de gestão (BRASIL, 2010).

A ideia de regulação na área de saúde tem origem no contexto do surgimento do SUS, como instrumento atrelado à busca da equidade no acesso aos serviços de saúde e com o objetivo de corrigir falhas nas condições de perfeita competição do mercado. A regulação do acesso aos serviços é um mecanismo da gestão pública que visa atingir eficiência na promoção dos serviços (BRASIL, 2008).

A Lei nº 12.372, de 22 de Novembro de 2012, é mais um avanço na legislação oncológica, considerando que dispõe sobre o prazo para início do primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna (BRASIL, 2012). De acordo com o Art. 2º,

O paciente com neoplasia maligna tem direito de se submeter ao primeiro tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS), no prazo de até 60 (sessenta) dias contados a partir do dia em que for firmado o diagnóstico em laudo patológico ou em prazo menor, conforme necessidade terapêutica do caso registrada em prontuário único (BRASIL, 2012).

2.1 GESTÃO DE PROCESSOS EM SAÚDE

O termo Gestão de Processos de Negócios vem do inglês Business Process Management (BPM), que pode ser compreendido como “uma abordagem para identificar, desenhar, executar, documentar, medir, monitorar, controlar e melhorar os processos de negócios para que os resultados desejados possam ser alcançados” (IRITANI et al., 2015).

Na Gestão de Processos, objetiva-se praticar uma visão holística para organizar, estruturar e conduzir os processos e operações, articulando e aplicando de modo integrado ferramentas e metodologias para processos que, por vezes, são tratados de forma isolada.

Para Dumas et al. (2018), o BPM pode ser visto como um ciclo contínuo e é composto por 6 fases: 1) identificação do processo, 2) descoberta do processo, 3) análise do processo, 4) redesenho de processos, 5) implementação de processos e 6) monitoramento de processos.

A fase inicial para a definição de um novo processo ou a atualização de um já existente, é a análise para compreensão do estado atual (“AS-IS”), como ele se encontra e de que forma cumpre os objetivos. Esta análise é realizada por meio de técnicas, como: modelagem, entrevistas, simulações, dentre outras, visando avaliar a maneira como os processos de negócios estão operando.

Sellera et al. (2019), alega que o planejamento em saúde na América Latina emerge a partir da década de 1960, com o movimento de reforma da saúde pública e na luta pela redemocratização. No que tange ao SUS, “expressa tanto as responsabilidades dos gestores de cada esfera de governo em relação à saúde da população do território, quanto a integração da organização sistêmica” (SELLERA et al., 2019).

Hernández-Nariño et al. (2016), classificam a aplicação de ferramentas de BPM na área da saúde dividida em 4 fases: diagnóstico da organização; análise de processo; melhoria de processo; monitoramento e controle.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Segundo Richardson et al. (1999), este tipo de pesquisa é classificada como descritiva, pelo motivo de se propor descobrir as características de um fenômeno. Sendo assim, o pesquisador observa, registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos, com o intuito de identificar a relação e as conexões existentes entre eles.

Já na natureza do método, Richardson et al. (1999), permite identificar que a natureza desta pesquisa seja classificada como qualitativa, uma vez que esse é o método mais adequado para análise de variáveis, bem como para compreender e classificar processos dinâmicos. Também pode ser classificada como quantitativa, uma vez que foram utilizadas ferramentas estatísticas para analisar os indicadores de desempenho dos processos.

A necessidade de combinar metodologia qualitativa e quantitativa se deu na tentativa de fazer um estudo abrangente, sendo utilizado quando resultados estatísticos confiáveis são fundamentais e as razões pelas quais esses resultados obtidos são claros. Essa combinação triangula metodologicamente a produção do saber, já que busca a aproximação de opostos.

As etapas metodológicas que compuseram o presente estudo estão descritas abaixo:

  • Referencial teórico – pesquisa documental para sistematizar o objetivo de fornecer suporte teórico ao estudo. Sua estruturação foi feita nas bases SciELO, Scopus, Web of Science e no banco de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) Prevenção e Controle de Câncer. O estudo bibliométrico nas bases citadas ocorreu entre o período de 28 de Janeiro de 2020 e 07 de Fevereiro de 2020, sem qualquer tipo de restrição quanto ao país, ano e tipo de publicação, visando aumentar nossa capacidade de captar bibliografias acerca do tema;
  • Modelagem do estado atual do processo “AS-IS”, extraído a partir do levantamento de dados dos processos existentes na rede;
  • Identificação de oportunidades de melhorias e indicadores de desempenho – Constatação dos motivos pelos quais os objetivos não estão sendo alcançados e quais são as formas de aperfeiçoar os processos existentes ou estabelecer novos processos. A partir das informações extraídas dos relatos dos gestores e da observação direta para compreensão do funcionamento dos subprocessos, foram constatados alguns gargalos que serão apresentados a seguir;
  • Proposição do estado futuro do processo “TO-BE” – Consistiu na proposta de uma remodelagem através da gestão do processo, com base no processo anterior;
  • Consolidação da pesquisa – Contemplou as conclusões gerais da pesquisa, a partir de uma comparação de como a implantação de um novo processo pode ser eficaz para a obtenção de resultados positivos e satisfatórios.

A análise bibliométrica consiste em analisar a produção científica existente sobre determinados temas e assuntos. A bibliometria pode ser definida como uma “técnica quantitativa e estatística de medição dos índices de produção e disseminação de conhecimento científico” (ARAUJO, 2006, p. 12).

As pesquisas nas bases de dados Scopus, Scopus e WoS foram realizadas selecionando “All Fields”, ou seja, todos os campos. Desta forma, englobou-se: autores, palavras-chave, resumos etc.

Observou-se a existência da Lógica Booleana, isto é, a combinação de dois ou mais termos que, ao relacionar operadores da lógica, tornam a busca mais complexa. Tais operadores são “And” (e), “Or” (ou) e (Not) não. No caso dos termos em questão, o operador utilizado foi “And”, já que a ideia é que todas as palavras digitadas estejam compondo a mesma interseção e os resultados não encontrem as palavras de modo isolado (ROWLEY, 1993).

A fase inicial para definição de um novo processo ou a atualização de um já existente é a análise para compreensão do estado atual (“AS-IS”), como ele se encontra e de que forma ele cumpre os objetivos. Esta análise é realizada por meio de técnicas, como: modelagem, entrevistas, simulações e muitas outras, visando avaliar a maneira como os processos de negócios estão operando.

A criação de uma compreensão completa do negócio pode ter um benefício imediato pela padronização de regras e partes dos fluxos de trabalho. Pode também ajudar a gerência a tomar decisões de negócio que poderão melhorar a operação mesmo antes a análise do fluxo de processo inicie (ABPMP, 2013).

O desenho consiste em abordar a maneira interacional entre os processos e suas atividades. De acordo com o ABPMP (2013), o desenho compreende solucionar problemas existentes ou ainda aproveitar oportunidades, proporcionando melhores resultados. É mais do que um simples modelo de fluxos de trabalho, apesar de não representar o fluxo de conhecimento aplicado ao trabalho em um modelo estático ou dinâmico.

Para realização do desenho do processo de acesso ao atendimento oncológico das organizações da baixa, média até chegar à alta complexidade, a notação adotada para a padronização da diagramação dos fluxos de trabalho foi a Business Process Management Notation (BPMN) Notação de Gerenciamento de Processos de Negócio. Vale ressaltar que a BPMN atua com uma linguagem comum, que permite às organizações descreverem seus fluxos de trabalho de forma a operacionalizar suas tarefas entre todos os envolvidos.

As questões que nortearam o mapeamento da situação atual foram: “Quem encaminha?”, “O que é solicitado?”, “Como é realizada a triagem?”, “O que é produzido em cada etapa?”, “A saída corresponde à entrada?” e “Qual é o resultado para o cliente/paciente?”. Na construção da representação gráfica, foi utilizado o software Bizagi, ferramenta de modelagem de processos gratuita, que permite o compartilhamento de arquivos de processos mapeados.

A fase seguinte se constituiu em identificar as oportunidades de melhoria através das informações coletadas nas entrevistas com os sujeitos cotidianos dos processos e também a partir dos gargalos detectados. Por gargalos, define-se como uma restrição de capacidade que cria uma fila (ABPMP, 2013, p. 124). As perguntas que guiam a identificação desses gargalos são: “Quais são os fatores que contribuem para a criação e desenvolvimento de um gargalo?”, “Quais são as restrições que influenciam?”, “Qual é a natureza dessa restrição?”, “De que forma esses gargalos podem ser reduzidos ou solucionados?”.

Os indicadores de desempenho ressaltam os elementos que contribuem para a transformação do processo, assim, ao final “[…] as mudanças proporcionarão aumento de produtividade, melhoria da qualidade, aumento da capacidade e redução de tempo do processo” (ABPMP, 2013, p. 27).

Para identificar os indicadores de desempenho foi necessário analisar os gargalos e compará-los ao plano estratégico da instituição, que, no caso desta pesquisa, é a rede municipal de saúde de São Gonçalo, de modo que os processos sejam ajustados a fim de alinhar os objetivos.

Com isso, várias possibilidades foram levantadas com o intuito de transformar os subprocessos que compõem o contexto avaliado. Desse modo, todo trabalho desnecessário ou que não tinha bom aproveitamento foi excluído, visando aumentar a eficiência do processo.

A fase final constituiu em indicar soluções para os problemas suscitados nas fases anteriores. Para isso, foram propostos novos projetos mais eficientes e viáveis a partir da utilização de um software.

3.1 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE DADOS

Segundo o ABPMP (2013), “o primeiro passo para definir um novo processo ou atualizar um que já exista é criar um entendimento comum do estado atual (“AS-IS”) do processo e como ele cumpre seus objetivos” (ABPMP, 2013, p. 107).

Para isso, foi necessário identificar todas as etapas que permeiam os processos do fluxo dos pacientes oncológicos na rede pública municipal, já que “[…] sem a compreensão da operação atual e seus problemas, regras e desafios, a equipe esquecerá atividades-chave de negócio e falhará na compreensão das causas dos problemas, tendendo a criar desenhos que não são efetivos” (ABPMP, 2013, p. 146).

Diante da necessidade específica desta pesquisa, as informações foram colhidas através de uma entrevista semiestruturada com gestores e funcionários da Atenção Básica, Atenção Especializada e Subsecretaria de Regulação, Controle, Avaliação e Auditoria, além da observação direta realizada partir da pesquisa de campo, etapa que inclui, além da pesquisa de campo, procedimentos de coleta de dados da pesquisa, tratamento dos dados e análise dos resultados.

A estratégia aqui utilizada foi dialogar com componentes de diferentes domínios da rede de saúde municipal de São Gonçalo, de modo a compreender as individualidades e particularidades de cada processo. Com a finalidade de fazer a análise do processo, as organizações de saúde foram classificadas em 5 grupos: UBSs, Pólos Sanitários, Central de Regulação, Clínicas Especializadas da Média Complexidade e Hospitais da Alta Complexidade. Essa classificação foi necessária para a compreensão dos fluxos dos pacientes e suas trajetórias. A partir da observação direta, pôde-se estabelecer um tipo de trajetória mais frequente.

De acordo com Morgan (1997), a definição de grupos focais tem relação a uma técnica de pesquisa qualitativa, derivada das entrevistas grupais, que coleta informações por meio das interações grupais. Para a triagem dos indivíduos, a escolha é feita com base na necessidade de colher informações sobre determinado produto, serviço ou tema comum a partir das experiências comuns de um grupo de participantes selecionados. O perfil com características em comum, que estão associadas à temática central em questão, foi estabelecido selecionando indivíduos que convivam com o assunto a ser discutido e tenham conhecimento quanto aos fatores que influenciam os dados.

Dumas et al. (2018), aponta que a entrevista a especialistas é um relevante artifício para obter informações sobre como um processo é executado. Esta pode ser dividida em três fases: 1) entrevista, que consiste na interlocução entre o entrevistador e o entrevistado a partir de perguntas pré-selecionadas que possam conduzir e orientar para o assunto desejado; 2) modelagem, que representa a reunião e análise do máximo de informações relevantes sobre o processo e o ambiente; e 3) validação, uma vez que os dados são coletados, precisam ser tratados para a distinção entre o que é pessoal do geral, já que o conhecimento do processo pode ser fragmentado e precisa ser legitimado para fins de conhecimento empírico. Os tipos de elementos obtidos devem ser aproveitados de maneira complementar, a fim de buscar uma compreensão geral da razão para que o processo exista dentro do ambiente.

4. RESULTADOS

Nesta parte do estudo, temos por finalidade apresentar as principais diferenças entre os processos mencionados, bem como realizar uma breve discussão comparativa da contribuição de um novo processo.

Através da análise, foi realizado o desenho do estado atual que se é o objeto desta pesquisa. A partir da observação direta, pôde-se estabelecer um tipo de trajetória mais frequente, conforme descrito abaixo na Figura 1. Todavia, cabe ressaltar que as trajetórias dos pacientes podem variar, uma vez que o próprio sistema de saúde possui falhas e brechas que os permitem fazer isso.

Figura 1. Trajetória linear do paciente na Rede SUS – SG

Fonte: Próprio autor, 2017.

Quando o paciente identifica uma necessidade de atendimento que não seja de urgência, procura uma Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima ao seu domicílio para realizar o agendamento de consulta com o médico. Na consulta, o médico pode solicitar um exame específico e até encaminhar para um médico especialista, dependendo da evolução do caso. Nesse caso, o paciente procura o atendimento na rede por conta própria, levando somente o pedido de exame ou a guia de encaminhamento. Em seguida à realização do exame, ele retornava ao médico inicial para apresentação dos resultados e receber posterior encaminhamento para o médico especialista.

Após, o paciente deixa a solicitação ou o encaminhamento na UBS, junto com fotocópia da identidade, CPF, comprovante de residência e do cartão SUS. A UBS coleta todas as solicitações e encaminhamentos, e leva para o Pólo Sanitário responsável da sua região, de modo geral, semanalmente. Contudo, foi verificado que, em alguns casos, o próprio Pólo disponibiliza um carro que passa pelas unidades recolhendo as pastas com os pedidos, e também tem uma rotina de coleta e entrega das solicitações na Central de Regulação (CR). O tempo médio desde o dia da consulta até a chegada dos papéis na CR é de 14 dias.

Na CR, as guias são avaliadas, autorizadas e carimbadas pelos médicos reguladores, utilizando critérios definidos previamente. As guias autorizadas são devolvidas para os Pólos Sanitários e, em seguida, para as UBSs, ou o paciente retira diretamente na CR. É importante mencionar que a autorização da CR é feita através de um carimbo no pedido do exame ou do encaminhamento, tendo a validade de 30 dias. Com isso, teoricamente o tempo entre a consulta e a autorização é de até 45 dias.

As clínicas de consultas especializadas e de exames possuem agenda própria. O paciente leva a solicitação, e a marcação pode ser feita na hora ou o pedido fica na clínica para posterior contato a respeito de data e hora. Após a realização do exame, o resultado é disponibilizado em torno de 15 dias. Com o resultado em mãos, o paciente retorna à UBS para realizar um novo agendamento com o médico solicitante. Na consulta, o médico pode solicitar um exame de biópsia para confirmação do diagnóstico e posterior encaminhamento para um médico especialista, dependendo do tipo do câncer. O pedido da biópsia segue o mesmo trâmite dos outros exames, e o seu resultado pode demorar até 60 dias.

Figura 2. Desenho do processo do fluxo de pacientes de Oncologia na rede SUS de São Gonçalo

Fonte: Próprio autor, 2017.

Além da autorização para encaminhamentos para as clínicas localizadas no próprio município, existe o Sistema Nacional de Regulação (SISREG), no qual os pacientes são inseridos e é possível gerenciar todo o complexo regulatório, da rede básica até a internação hospitalar, regulando vagas de leitos, cirurgias e realizando marcações para consultas e procedimentos no município do Rio de Janeiro.

O sistema é alimentado diariamente na parte da manhã e os agendamentos são realizados a partir das 09 horas. Usualmente, o tempo médio é de 15 dias para a conclusão do agendamento, e as vagas são distribuídas para o mesmo mês ou no máximo para o início do mês seguinte.

A partir das informações extraídas dos relatos dos gestores e da observação direta para a compreensão do funcionamento dos subprocessos, foram constatados alguns gargalos que serão apresentados a seguir.

Quadro 1. Problemas e causas

Problema Possíveis causas Sugestão de melhoria
 

Guia incompleta ou ilegível

Preenchimento com letra ilegível por parte do médico ou outro funcionário Utilizar guias informatizadas ou digitalizadas, através de sistemas de informação
Tempo utilizado no trânsito das guias em papel Circuito embaraçado / Ausência de sistemas de informação Implantar sistemas de informação com circuito mais objetivo e efetivo
Resultados dos exames chegam à consulta com prazo vencido Demora no trânsito do paciente entre os médicos e a realização dos exames Reduzir o intervalo de tempo de acesso aos especialistas e exames
Dificuldade em entrar em contato com o paciente para informar sobre o agendamento da consulta ou exame Cadastro desatualizado devido a mudanças constantes nos telefones de contato informados quando Conscientizar pacientes e responsáveis pelo cadastro na UBS ou Central de Regulação sobre a sua importância
Dificuldade de comunicação para informar agendamento entre funcionário administrativo da Central de Regulação e o paciente  

Baixa escolaridade ou analfabetismo funcional

Criação de uma Central de Marcação que dispara mensagem via SMS e registra as informações no celular de contato
Informações omitidas nas guias de referência Desconhecimento do protocolo Divulgar os protocolos corretamente e treinar os profissionais

Fonte: Próprio autor, 2017.

Para a construção do quadro acima, foi utilizado o recurso de modelagem de processos e compreensão do estado atual. Os problemas e dificuldades indicados pelos envolvidos nos subprocessos apontam para complicações do fluxo de documentação e para a inserção do paciente nos sistemas de regulação, gerando empecilhos que obstruem o percurso do paciente e seu acesso ao tratamento e/ou cirurgia.

5. DISCUSSÃO

A seguir, apresenta-se as principais diferenças entre os processos mencionados, bem como realiza-se uma breve proposição de um novo processo que possa contribuir para a otimização do atendimento ao público gonçalense.

Quadro 2. AS-IS e Situação Atual

DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO ATUAL PROPOSTAS DE MELHORIA
Paciente sem acompanhamento, “perdido” na rede municipal Paciente acompanhado pelo sistema implantado e com monitoramento eletrônico através de registros em prontuário eletrônico
Ausência de fluxo pré-estabelecido Fluxo a ser estabelecido de acordo com as lacunas a serem preenchidas
Regulação apenas para alguns procedimentos e consultas fora do município Regulação para todos os procedimentos e consultas dentro e fora do município
Descentralização, causando filas múltiplas Centralização dos agendamentos previamente pela Central de Regulação
O uso de pedido no papel possibilita perda, duplicidade, entre outros Utilização de sistema de informação com software específico (ESUS)

Fonte: Próprio autor, 2017.

O Quadro 2 apresenta as oportunidades de melhoria detectadas na análise da situação atual e trata de aspectos que prejudicam a velocidade dos pacientes pelo fluxo como um todo, desde a identificação da neoplasia até o início do tratamento.

Primeiro, o paciente buscava atendimento na esfera municipal para consulta ou procedimento e tentava marcação em cada unidade de acordo com o agendamento próprio. Agora, o paciente é inserido no sistema a partir da sua consulta na UBS (o processo de implantação na rede básica ainda se encontra ativo) ou nas clínicas especializadas. Após essa inserção, é realizado todo o acompanhamento do usuário em todas as unidades municipais de saúde frequentadas. A partir dessa análise, foi proposto e implantado um novo macroprocesso contendo as melhorias sugeridas.

A inexistência de um fluxo de acesso padrão implantado no município, detectada no início dessa análise, dificultou a validação de indicadores que mostrassem a performance dos processos antigos. Por meio de uma análise minuciosa, foi feito um levantamento dos principais fatores que entravavam o acesso ao tratamento oncológico. Através da proposição de mudanças, foi estabelecido um novo fluxo com base em macroprocesso que utilizava indicadores como forma de medição de desempenho.

É válido informar que os indicadores apresentados não foram abordados durante a apresentação do “AS-IS” devido à carência de informações e dados, e até mesmo de um fluxo estabelecido institucionalmente.

O primeiro indicador a ser avaliado é o número dos acessos às especialidades disponibilizadas. A princípio, até 2016, como cada unidade possuía agenda própria, não havia possibilidade de mensurar a real necessidade da razão da quantidade de pessoas por especialista. A ausência de um sistema de regulação centralizada no município impossibilitava uma análise precisa da procura, levando em consideração que a fila para cada especialista era por livre demanda.

Quadro 3. Quantidade de especialistas na rede[3]

  Médicos especialistas em 2016
Total 208

Fonte: Próprio autor, 2020.

Com isso, fica como proposta a realização de um remanejamento de especialidades, após relatório de acompanhamento sistemático em cada unidade, para que cada médico atenda um quantitativo de pacientes de modo que parte da população não fique descoberta e os números das filas diminuam.

Por conseguinte, fomos direcionados ao segundo indicador mais importante: distribuição da agenda. A quantidade de vagas dispostas à população, seja para consultas ou exames, foi relacionada pelo número de atendimentos realizados.

Quadro 4. Procedimentos de detecção 2016

Procedimentos 2016
Mamografia bilateral para rastreamento 9.782
Ultrassonografia mamária bilateral 1.388
Esofagogastroduodenoscopia 1
Dosagem de antígeno prostático específico (PSA) 19.367

Fonte: Próprio autor, 2020.

No que diz respeito aos números de vagas dispostas à população para consultas, não foi possível trazê-los, uma vez que após exaustivas tentativas junto ao setor de Faturamento da Subsecretaria responsável, os dados não foram disponibilizados, demonstrando a inviabilidade de levantar tais materiais, corroborando com a hipótese da ineficiência do processo anterior.

Em relação ao indicador “tempo”, não foi possível apresentar com precisão dados relativos ao período anterior a 2017, considerando que as informações não eram centralizadas em nenhum setor, não existia qualquer tipo de prestação de contas e nem um sistema de informação que pudesse coletar e reunir esses dados. Espera-se que com a implantação de um software, a partir de 2018, se torne mais viável adquirir esses dados.

O indicador “qualificação e capacitação do pessoal” deve ser analisado com cautela, uma vez que não havia um fluxo centralizado. Após a implantação do fluxo e, consequentemente, do software, será necessário treinamento da equipe. Como meta, foi estabelecido a diminuição de pendências nas inserções de pacientes nos sistemas SER e SISREG, uma vez que, diante desta situação, o paciente fica parado na fila.

Todo o gerenciamento dos subprocessos deverá ser realizado através do sistema operacional, que deverá trabalhar de forma integrada, por meio de módulos que atendem desde a atenção primária à média e alta complexidade, possibilitando seu uso em qualquer tipo de unidade da rede de saúde. Com um servidor central para os dados, os cadastros dos pacientes atendidos em uma unidade de saúde poderão ser consultados por quaisquer outras pessoas que utilizem o sistema, sendo possível o acesso a registros clínicos dos pacientes.

A adoção desse modelo de sistema de gestão da saúde permitirá que se melhore consideravelmente a qualidade dos serviços essenciais prestados aos cidadãos, gerando mais agilidade nos atendimentos, com redução das filas de espera, organização e categorização das informações de saúde do município, fornecendo uma ampla base de dados para análise do quadro da saúde, importante ferramenta para a tomada de decisões por parte da gestão.

6. CONCLUSÃO

Este estudo teve como objetivo analisar e melhorar o fluxo de pacientes oncológicos na rede municipal de saúde de São Gonçalo, a partir da óptica dos processos. Para tanto, foi necessário examinar toda a estrutura que compõe a rede do SUS no município, de modo a avaliar os processos de forma individualizada e identificar lacunas e oportunidades de melhoria.

Uma revisão da literatura associada à pesquisa de campo e entrevistas com gestores foi fundamental para compreender a estrutura do Sistema Único de Saúde brasileiro e suas características únicas, bem como fornecer uma visão sobre as lacunas e entraves do sistema.

Os processos estudados e acompanhados pelos usuários da rede não foram planejados e, com o tempo, as vicissitudes tornaram-se naturalizadas e rotineiras. Quando um paciente é encaminhado à Atenção Especializada para exames e procedimentos, a descentralização das agendas e da regulação para o município impossibilitava o controle do que estava sendo prestado.

Os indicadores de desempenho ressaltam os elementos que contribuem para a transformação do processo, assim, ao final “[…] as mudanças proporcionarão aumento de produtividade, melhoria da qualidade, aumento da capacidade e redução de tempo do processo” (BPM, 2013, p. 27).

Em relação ao recorte do tema em questão, não foram identificados estudos análogos ou em áreas afins que apresentem semelhanças com a profundidade deste estudo no contexto do município de análise, ou que abordem essas questões na mesma estrutura de uma rede municipal de saúde. Ao longo dos anos, cresceu o interesse em implantar a gestão de processos no SUS, principalmente como ferramenta de modelagem e análise, bem como de melhoria de processos.

Como sugestão para pesquisas futuras, recomendam-se estudos sobre a importância da gestão de processos para a redução de custos e a utilização de técnicas de gestão de processos no âmbito do SUS, ampliando para outros municípios.

De maneira geral, os achados deste estudo ajudam a tornar os processos investigados mais compreensíveis para todos os envolvidos, inclusive os usuários do SUS. As sugestões de melhorias feitas podem ser úteis para os líderes de outras organizações de saúde que estão lidando com questões referentes aos indicadores propostos que podem ser usados para avaliar o desempenho de processos semelhantes.

REFERÊNCIAS

ARAUJO, C. A. Bibliometria: Evolução Histórica e Questões Atuais. Em questão, v. 12, n. 1, pp. 11-32, 2006.

ASSOCIATION OF BUSINESS PROCESS MANAGEMENT PROFESSIONALS – BRASIL – ABPMP. ABPMP Guia para o gerenciamento de processos de negócio: corpo comum de conhecimento. 1ª Ed. ABPMP, 2013.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.

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APÊNDICE – NOTA DE RODAPÉ

3. Número totalizado pertinente às especialidades dos tipos de cânceres selecionados para a pesquisa: ginecologista, mastologista, urologista e gastroenterologista.

[1] Mestrando. ORCID: 0000-0001-6056-5781.

[2] Orientador. ORCID: 0000-0002-9009-1027.

Enviado: 11 de janeiro, 2023.

Aprovado: 10 de março, 2023.

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