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A relevância da afetividade para o processo cognitivo

RC: 125379
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/processo-cognitivo

CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

SILVA, Letícia Alves da [1]

SILVA, Letícia Alves da. A relevância da afetividade para o processo cognitivo. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 08, Vol. 05, pp. 25-39. Agosto de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/processo-cognitivo, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/processo-cognitivo

RESUMO

O presente trabalho trata da temática da relação das práticas pedagógicas e da afetividade para o processo cognitivo. A pesquisa, supracitada, buscou encontrar alternativas para a seguinte questão: quais as contribuições do aspecto afetivo para a aprendizagem dos alunos na escola básica? O objetivo geral foi aprofundar conhecimentos sobre a relevância da dimensão afetiva para o processo de ensino-aprendizagem. A natureza da pesquisa caracterizou-se como básica, tendo objetivos exploratórios. A metodologia adotada foi a qualitativa, apoiando-se em pesquisa bibliográfica. Os resultados encontrados foram satisfatórios confirmando as hipóteses do objeto de pesquisa. Constatou-se que a adoção da afetividade na prática pedagógica do professor potencializa a aprendizagem dos alunos e constitui-se como alternativa para uma educação crítica e significativa.

Palavras-chave: Afetividade, Processo de Ensino-Aprendizagem, Cognição, Práticas Pedagógicas.

1. INTRODUÇÃO

De acordo com os estudos acerca do processo de ensino-aprendizagem, apontados pela área da educação, nota-se que a aprendizagem escolar é influenciada por diversas vertentes que vão além de estar em uma sala de aula. Marques (2019), em seus trabalhos sobre a neurociência cognitiva, – ciência da aprendizagem e educação – aponta que a emoção, motivação, atenção, socialização e a memória são aspectos importantes para auxiliar no aprendizado e que o desenvolvimento de cada um destes garante ao indivíduo uma aprendizagem significativa.

Mizukami (2009), em Ensino: as abordagens do processo, destaca a multidimensionalidade do processo educativo, composta pela dimensão humana, técnica, cognitiva, emocional, sociopolítica e cultural. Dessa forma, a maneira como o professor ensina e se relaciona com a turma terá um grande impacto no processo de aprendizagem dos alunos, podendo surtir efeitos positivos ou negativos.

Mediante o exposto, a presente pesquisa buscou encontrar alternativas para a seguinte questão: quais as contribuições do aspecto afetivo para a aprendizagem dos alunos na escola básica?

Pretendemos verificar se: as práticas pedagógicas marcadas pela afetividade, humanizando o processo, surtem efeitos positivos no aspecto cognitivo dos discentes; a postura do professor diante das dificuldades de aprendizagem dos alunos influencia a autoestima destes no prosseguimento dos estudos.

Em virtude das questões apresentadas, a presente pesquisa propõe em seu objetivo geral aprofundar conhecimentos sobre a relevância da dimensão afetiva para o processo de ensino-aprendizagem.

Especificamente pretendemos: identificar de que maneira o aspecto afetivo, dada a interação professor-aluno, influencia na aprendizagem e analisar as contribuições das interferências positivas e negativas da afetividade para o processo cognitivo.

Marques (2019) afirma que a emoção, para a neurociência cognitiva, é uma das áreas que pode auxiliar no aprendizado. Para o autor, a inteligência humana está intimamente ligada à emoção, ou seja, a esfera afetiva interfere significativamente na cognição pois, quanto mais um evento contém emoção, mais o indivíduo se lembrará dele e isso afeta na obtenção de conhecimento de forma positiva ou negativa.

Entretanto, a negligência dessa dimensão no processo educativo acaba resultando em: conflitos no interior das escolas, muitas vezes protagonizados por docentes e discentes, na permanência dos índices de evasão escolar, como demonstrada nas notas estatísticas do Censo Escolar (2017) segundo o Inep, na relação professor-aluno marcada por animosidade, o que não contribui em nada para a aprendizagem, e no baixo desempenho acadêmico dos estudantes.

Dado o exposto, se faz de extrema importância refletirmos acerca da relevância e contribuição da afetividade para o processo cognitivo e no processo de ensino-aprendizagem para uma educação de qualidade e significativa.

Para o desenvolvimento dessa pesquisa, de cunho bibliográfico, a metodologia adotada foi a qualitativa.

A escolha da metodologia qualitativa sobreveio embasando-se nos estudos de Minayo (2010), a qual defende que esta abordagem trabalha com o universo dos significados, dos motivos e das atitudes. Sendo assim, está em harmonia com os objetivos da pesquisa em questão.

Quanto à natureza, consiste em uma pesquisa básica e exploratória.

A predileção dos instrumentos, técnicas e abordagens de pesquisa utilizou-se do embasamento de Gil (2010), Fachin (2017) e Prodanov e Freitas (2013).

2. COGNIÇÃO E APRENDIZAGEM PARA A PSICOPEDAGOGIA

Cognição, segundo o dicionário Michaelis (2008), deriva do latim cognitione e consiste no ato de adquirir um conhecimento. Já a palavra aprender, originada do latim apprehendere, significa “ficar sabendo, reter na memória, tomar conhecimento de.”

Percebemos que esses dois verbetes estabelecem uma relação entre si, e esse é o campo de estudo da Psicopedagogia. Segundo Dusi; Neves e Antony (2006, p. 5):

A Psicopedagogia é área interdisciplinar fundamentada em conteúdos psicológicos e pedagógicos […]. Sua ação visa melhor compreensão do processo de aprendizagem humana e suas repercussões no desenvolvimento do indivíduo, identificando sua apropriação do conhecimento, evolução e fatores interferentes, propiciando o reconhecimento, tratamento e prevenção das alterações da aprendizagem que deles decorrem.

Na perspectiva da psicopedagogia, a cognição, ampliando o significado dado pelo dicionário, é o ato que consiste em processar as informações e responder adequadamente aos estímulos do ambiente em que o indivíduo vive. E para isso ocorrer é necessário o engajamento de diversas regiões cerebrais.

Entretanto, a aprendizagem não depende apenas das sinapses do cérebro. O indivíduo necessita de um ambiente propício para aprender.

Conforme afirmam Piletti e Rossato (2018), estudiosos das teorias de Skinner, “aprender fazendo”, praticando ou estar em contato com o objeto não garante que o aluno realmente aprenda, pois isso requer certo tipo de comportamento do aluno, o qual é reforçado ou inibido pela ação do professor em sala de aula por uma estrutura psíquica que geralmente chamamos de afetividade.

Numa abordagem comportamental, as contingências de reforço são essenciais para que ocorra a aprendizagem e o esquema em que essas contingências surgem é o que vai indicar a frequência do comportamento aprendido. (PILETTI e ROSSATO, 2018, p. 25)

Ainda segundo os autores acima mencionados, “a qualidade do ato de ensinar do professor, e do método utilizado por ele, tem relação direta com o ato de aprender do aluno” (PILETTI e ROSSATO, 2018, p. 26).

Desse modo, quem ensina deve ter conhecimento da dimensão do que sua postura desencadeia nos alunos e em sua aprendizagem.

Em vista do mencionado, os estudos de La Taille; Oliveira e Dantas (1992) e Piletti e Rossato (2018) acerca do desenvolvimento da inteligência na perspectiva da teoria psicogenética de Henri Wallon, a qual está associada à afetividade, se fazem pertinentes ao objetivo da presente pesquisa e para elucidar como essa operante (afetividade) exerce influência no processo ensino-aprendizagem. 

2.1 COGNIÇÃO: O DESENVOLVIMENTO DA INTELIGÊNCIA E DA AFETIVIDADE NA PERSPECTIVA DE WALLON

La Taille; Oliveira e Dantas (1992) e Piletti e Rossato (2018), estudiosos das teorias psicogenéticas, afirmam que Henri Paul Hyacinthe Wallon desenvolveu em suas pesquisas uma teoria amparada na psicologia genética a qual busca conhecer o adulto por meio da criança. A partir disso, para o conhecimento da gênese da inteligência, a etapa infantil é o ponto de partida.

Em seus estudos categorizou o desenvolvimento da inteligência em 5 estágios, os quais não são lineares e apresentam durações e idade relativas entre os sujeitos, pois depende das características individuais e das condições do meio em que o indivíduo vive para o seu desenvolvimento.

Na concepção de Wallon, o desenvolvimento do pensamento infantil é marcado por descontinuidades, crises e conflitos – é dialético. Envolve mudanças que se dão por saltos, provocando reestruturações do comportamento, sobre as quais interferem um fator biológico (maturação do sistema nervoso, com novas possibilidades fisiológicas) e outro social (com o arranjo de novas possibilidades por meio dos estímulos e situações novas). Do conflito entre esses dois aspectos, desencadeia-se a formação do pensamento e da inteligência. (PILETTI e ROSSATO, 2018, p. 103-104)

Nessa teoria de Wallon a afetividade possui igual relevância do aspecto cognitivo e atuam juntos para o desenvolvimento pleno do indivíduo e construção do conhecimento. Essas duas dimensões (cognitiva e afetiva) imbricam-se a todo o momento nas atividades desenvolvidas pelo indivíduo desde a infância até a fase adulta.

[…] no início da vida, a afetividade e inteligência estão sincreticamente misturadas, com o predomínio da primeira.

A sua diferenciação logo se inicia, mas a reciprocidade entre os dois desenvolvimentos se mantém de tal forma que as aquisições de cada uma repercutem sobre a outra permanentemente. Ao longo do trajeto, elas alternam preponderâncias, e a afetividade reflui para dar espaço à intensa atividade cognitiva […] (DANTAS, 1992, p. 90).

Piletti e Rossato (2018) trazem como exemplo a leitura de um livro de história, o qual pode, além de desenvolver o conhecimento, ativar a subjetividade a partir da identificação da criança com os personagens exteriorizando, assim, sua afetividade.

O ser humano é um indivíduo extremamente afetivo, pois a primeira linguagem que conhece é o afeto, e é dessa forma que ele se comunica com os outros no início da vida, conforme veremos no desenvolvimento dos estágios da inteligência. Dantas (1992, p. 90) afirmam que a afetividade “[…] é também uma fase do desenvolvimento, a mais arcaica. O ser humano foi, logo que saiu da vida puramente orgânica, um ser afetivo”.

Dado o exposto, conheceremos os estágios de desenvolvimento da inteligência e afetividade na perspectiva de Wallon a fim de analisarmos as contribuições desses estudos para a prática pedagógica do professor visando à eficiência do processo ensino-aprendizagem.

No estágio impulsivo-emocional, correspondente ao primeiro ano de vida, o bebê é um ser extremamente dependente que realiza ações involuntárias, impulsivas, pois a esfera cognitiva está adormecida, desse modo a dimensão afetiva é predominante.

Piletti e Rossato (2018, p. 105) apud Dantas (1992) afirmam que: “a afetividade fornece o primeiro e mais forte vínculo entre os indivíduos, realiza a transição entre o estado orgânico e a sua etapa cognitiva, que é atingida por meio da mediação social”.

A partir do contato com o mundo, com a cultura humana e com os conhecimentos do cotidiano, a criança vai se desenvolvendo ativando a esfera cognitiva e com isso, a afetividade impulsiva do estágio anterior começa a ser manifesta pelos gestos, caracterizando o estágio sensório-motor e projetivo até os 3 anos.

“A partir daqui a criança se torna um ser com caráter cognitivo, ocupado com o conhecimento perceptivo e motor do mundo. […] A afetividade impulsiva se fortalece pelo contato físico e se expressa pelos gestos.” (PILETTI e ROSSATO, 2018, p. 106).

No estágio do personalismo (entre os 3 a 6 anos) acarreta a formação da personalidade da criança, visto que sua entrada na escola ocasiona uma ruptura com o vínculo familiar dando origem a construção de sua autonomia e noção de si nas relações sociais que estabelece com os outros.

Ao mesmo tempo em que caminha para a autonomia, também imita com frequência o outro, como uma forma de inserção social. A criança imita os que a rodeia, quem lhe desperta sua admiração como pais, irmãos, professores etc.

A afetividade passa a ocorrer num plano mais simbólico, manifestando-se através de palavras e ideias, incorporando os recursos intelectuais. (PILETTI e ROSSATO, 2018, p. 107).

Com o processo de construção da personalidade, a criança vai mostrando interesse na exploração da relação que estabelece com o meio em que vive. “Nesse momento, procura diferenciar o eu do não eu, o que é do seu ponto de vista do que é do outro”, (PILETTI e ROSSATO, 2018, p. 108). Wallon denominou esse estágio como categorial, que ocorre entre os 7 a 12 ou 14 anos.

Na adolescência, último estágio do desenvolvimento da inteligência segundo Wallon, ocorre um desequilíbrio afetivo na medida em que o adolescente está no processo de busca e compreensão de sua personalidade, o qual é acentuado pelas ativações hormonais característica desse período, e no avanço do desenvolvimento da inteligência.

Enquanto a criança exercia a imitação constante do adulto, o adolescente demonstra o desejo de distinguir-se dele, numa busca por mudança, por sua transformação. Como a afetividade torna-se cada vez mais racionalizada, é possível que os adolescentes gradativamente teorizem sobre suas relações afetivas. (PILETTI e ROSSATO, 2018, p. 108)

A teoria do desenvolvimento desses estágios por Wallon pode contribuir significativamente para a prática pedagógica dos educadores, na medida em que ocasiona na compreensão dos conflitos em que a criança passa por esses estágios e o grau de sua inteligência a fim de adotar métodos de ensino adequados, utilizando a afetividade como ponto de partida para a aprendizagem. Pois, para Wallon a inteligência “[…] surge depois da afetividade, de dentro dela e conflitando com ela, pensamento que talvez explique o porquê os alunos aprendem mais quando “gostam” do professor.” (PILETTI e ROSSATO, 2018, p. 104).

Por isso, para que o processo ensino-aprendizagem seja eficaz, a dimensão afetiva deve ser considerada nas relações estabelecidas entre o professor e aluno, contribuindo assim para o pleno desenvolvimento cognitivo do educando.

Afetividade e inteligência caminhando juntas podem levar a situações de dificuldade na aprendizagem escolar, a comprometimentos afetivos que podem estar perturbando o funcionamento cognitivo, exigindo assim, que o afetivo seja trabalhado, numa oportunidade à sua expressão. (PILETTI e ROSSATO, 2018, p. 104).

2.2 ANÁLISE DA CONTRIBUIÇÃO DA NEUROCIÊNCIA COGNITIVA PARA O PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM

Marques (2019) em seus estudos esclarece que a neurociência cognitiva é uma das áreas da neurociência que se ocupa das capacidades mentais do ser humano, como a linguagem, pensamento, memória, inteligência, percepção e aprendizado.

Mais especificamente, ela busca compreender como um indivíduo adquire conhecimento a partir das experiências sensoriais a qual é submetido.

[…] seus estudos compreendem como uma pessoa processa as informações adquiridas pelo ambiente e as transforma em aprendizado. A partir daí, é possível definir estratégias assertivas de ensino, o que garante à pessoa uma melhor absorção do conteúdo. (MARQUES, 2019)

Segundo Brockington (2011, p. 20): “Atualmente, a Neurociência Cognitiva fornece um novo entendimento acerca de diferentes processos cognitivos e desvenda as propriedades neurais que dão suporte à linguagem, ao entendimento aritmético, à realização de cálculos etc.”.

A Neurociência Cognitiva em seus estudos compreende cinco áreas que podem auxiliar no aprendizado. São elas: emoção, motivação, atenção, socialização e memória.

A afetividade está ligada às emoções, assim como à inteligência. Esse aspecto interfere na nossa aprendizagem e cognição, pois, quanto mais um evento contém emoção, mais o indivíduo se lembrará dele positivamente ou negativamente.

Talvez essa percepção explique o porquê de os alunos aprenderem mais quando gostam ou se sentem respeitados pelo docente.

Freire e Shor (1986) afirmam que muitos estudantes não conseguem superar o desgosto que adquiriram com o trabalho intelectual na escola, pois um simples ato do professor em sala de aula pode desenvolver traumas cognitivos que impedem a aprendizagem.

As afirmações supracitadas corroboram com as teorias de Masetto (1997), as quais defendem que a dimensão humana do processo de aprendizagem se dá através do relacionamento interpessoal entre os alunos, professores e demais agentes educadores.

Para o autor, esse tipo de relacionamento cria um clima afetivo que é responsável pelo sucesso ou fracasso da aprendizagem, pois, esta necessita ser fundada em um bom relacionamento entre os sujeitos que participam do processo.

Na visão de Zabala (1998), a ponderação do clima estabelecido em sala de aula é primordial na potencialização da aprendizagem. Nas teorias do autor, a maneira do docente de ver e avaliar o aluno impacta e repercute no interesse por aprender. Com isso, um ambiente escolar em que são valorizadas a participação, a cooperação, o respeito e ações que gerem sentimentos de segurança nos alunos contribui significativamente para a aprendizagem. Ele salienta que essas interações são presididas pelo afeto.

Freire e Shor (1986), em sua obra Medo e Ousadia – o cotidiano do professor, salientam que a postura comportamental e a fala do professor podem repercutir no processo cognitivo dos alunos. Pois, se os discentes percebem a indiferença do professor em sua prática pedagógica, estes acreditam que são os motivadores que inspiram esse sentimento. Do mesmo modo, se notam o entusiasmo do educador, podem extrair desse quesito um interesse subjetivo por aprender.

Dado o exposto, se faz necessário o resgate da temática afetividade na ação pedagógica do professor como facilitadora do processo de ensino-aprendizagem.

2.3 BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: ATUAL DESTAQUE DO CAMPO EMOCIONAL NA APRENDIZAGEM

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018) é um documento que estabelece os conhecimentos primordiais a serem desenvolvidos na Educação Básica para todos os alunos das redes públicas e privadas, de áreas urbanas e rurais do Brasil.

Este documento é uma referência obrigatória para as escolas do Brasil, que está previsto em leis como: Constituição de 1988 (art. 210º); Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (art. 26º); Diretrizes Curriculares Nacionais (art. 14º); Plano Nacional de Educação (metas 2, 3 e 7).

Ele tem por objetivo ser a matéria-prima, a própria base para a elaboração dos currículos de educação. As escolas seguem com autonomia para elaborar e planejar suas abordagens e práticas pedagógicas e avaliações, contudo, as avaliações, materiais didáticos, qualificação dos profissionais de educação para o desenvolvimento dos conteúdos, entre outros, devem estar adequados aos objetivos pretendidos pela BNCC.

Este documento assume como pressupostos desenvolver uma educação que contribua para a formação integral dos indivíduos, seu crescimento como cidadão e sua qualificação para o trabalho, objetivando ofertar uma educação comum para todos a fim de garantir a equidade nacional.

A BNCC contém 10 competências gerais para a Educação Básica (1. Conhecimento; 2. Pensamento científico, crítico e criativo; 3. Senso estético; 4. Comunicação; 5. Argumentação; 6. Cultura digital; 7. Autogestão; 8. Autoconhecimento e autocuidado; 9. Empatia e cooperação; 10. Autonomia) que norteiam todos os campos dos conhecimentos abordados na escola, as quais devem ser desenvolvidas pelos alunos durante seu percurso escolar.

A competência 8, que aborda o autoconhecimento, pretende que a Educação Básica promova no aluno o “conhecimento, a apreciação e cuidado da saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.” (BNCC, 2018, p. 9).

Já a competência 9, procura exercitar nos alunos “a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos […]” (BNCC, 2018, p. 9).

Mediante o exposto, o resgate e a reflexão dessas duas competências trazem contribuições significativas para que o processo educativo se dê de forma prazerosa e na maneira do aluno “[…] de se situar frente à aprendizagem: com mais ou menos segurança, ilusão, expectativas.” (ZABALA, 1998, p. 100).

Contribuem, também, para a prevenção e resolução de conflitos, visto que a educação, segundo Freire (1996, p. 145 e 146) é uma prática humana e por isso não pode ser concebida “como uma experiência fria, sem alma, em que os sentimentos e as emoções, os desejos, os sonhos devessem ser reprimidos por uma espécie de ditadura racionalista”.

2.4 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO CONTRIBUINDO PARA A APRENDIZAGEM

Dada a multidimensionalidade do processo educativo segundo Mizukami (2009), pode-se afirmar que o conhecimento formal, adquirido na escola, está associado ao processo ensino-aprendizagem e à esfera cognitiva. Entretanto, considerando outras variáveis que exercem influência nesse processo, como: o diálogo, o respeito, a interação, a motivação e a afetividade, podemos analisá-las utilizando-as como instrumento para o adequamento da prática pedagógica do professor visando atender as necessidades escolares dos alunos.

Com isso, afastamo-nos da mecanização do processo ensino-aprendizagem onde se perde o sentido do ato de educar e aprender.

Zabala afirma que:

[…] A aprendizagem é potencializada quando convergem as condições que estimulam o trabalho e o esforço. É preciso criar um ambiente seguro e ordenado, que ofereça a todos os alunos a oportunidade de participar, num clima com multiplicidade de interações que promovam a cooperação e a coesão do grupo. Interações essas presidas pelo afeto […]. (ZABALA, 1998, p. 100)

Os estudos da psicanálise voltados para a educação corroboram com a afirmação de Zabala, pois no período do desenvolvimento psicoafetivo da criança, mais especificamente na fase de latência (entre os 5 a 11 anos de idade), a relação professor-aluno ganha uma notória importância, pois é neste momento que o professor assume o papel dos pais na vida escolar da criança, conforme afirmam Piletti e Rossato (2018).

Para os autores, estudiosos das teorias de Freud, “os sentimentos provenientes da resolução edípica, que eram dirigidos aos pais, pertencerão agora aos professores” (p. 61).

Desse modo, consoante Piletti e Rossato (2018), a aquisição do conhecimento dependerá da relação professor-aluno estabelecida em sala de aula, a qual dependerá da ação, da postura do professor em sala de aula, ou seja, sua prática pedagógica.

Segundo Maria das Graças Della Pace (2000) afirma, muitas vezes é atribuída ao discente a responsabilidade em não aprender, mas não é analisado que essa resistência surge a partir do choque entre o aluno e o professor, sua prática pedagógica e sua relação com a turma marcada por animosidade.

O desenvolvimento cognitivo dos alunos, em consonância com os estudos de Wallon, Piletti e Rossato (2018) apud Wallon (1968), ocorre pela interação entre os sujeitos, pelo grupo social, e no caso da escola, a interação se dá, também, pela relação professor-aluno, gerando, assim, novas experiências as quais se transformam em conhecimento.

Segundo Della Pace:

Uma vez valorizada a afetividade nesta relação, o aluno poderá ter um ganho significativo em seu desenvolvimento, não apenas no plano cognitivo, mas, sobretudo, no afetivo, tão necessário na construção de uma personalidade competente e capaz de enfrentar os problemas que se apresentam na vida em sua cotidianidade. (DELLA PACE, 2000, p. 18).

O ser humano é um indivíduo social que necessita de uma rede relações para se desenvolver, a qual constitui a dinâmica social, ou seja, é no convívio com as pessoas, no contato com os outros em atividades diárias e nos grupos do qual faz parte que ele vai se expandindo, assimilando conhecimentos, hábitos e atitudes necessárias ao convívio social. “Daí a importância do grupo como elemento formador” (HAYDT, 2011, p. 42).

Para a autora, “Cada classe constitui também um grupo social. Dentro desse grupo, que ocupa o espaço de uma sala de aula, a interação social se processa por meio da relação professor-aluno e da relação aluno-aluno” (HAYDT, 2011, p. 42). Dessa forma, a sala de aula constitui-se também como um espaço social, pois é nessa atmosfera que os alunos se desenvolvem, exercitam posturas e regras do convívio em sociedade e atitudes, gerando, assim, novas experiências as quais se transformam em conhecimento.

Então, se percebe que o processo ensino e aprendizagem não é um ato isolado e individual, mas depende do valor pedagógico da interação entre professores e alunos e de ambos com o conhecimento.

“Portanto, é necessário que o professor saiba sintonizar-se emocionalmente com seus alunos, pois depende muito desse relacionamento e dessa empatia para estabelecer um clima favorável ao ensino e à aprendizagem.” (PILETTI e ROSSATO, 2018, p. 63-64).

2.5 METODOLOGIA

O desenvolvimento da presente investigação se deu a partir de uma pesquisa bibliográfica.

Segundo Fachin:

[…] a pesquisa bibliográfica, em termos genéricos, é um conjunto de conhecimentos reunidos em obras de toda natureza. Tem como finalidade conduzir o leitor à pesquisa de determinado assunto, proporcionando o saber. (FACHIN, 2017, p. 112)

Para a realização da pesquisa a escolha da abordagem metodológica qualitativa foi a mais coerente, pois de acordo com Minayo (2010), ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos e das atitudes, sendo assim, está em harmonia com os objetivos da pesquisa em questão e contribuiu para a compreensão da realidade social no interior das escolas.

Sua natureza caracteriza-se como pesquisa básica, pois sua finalidade é “gerar conhecimentos novos úteis para o avanço da ciência sem aplicação prática prevista.” (PRODANOV e FREITAS, 2013, p. 51).

No que tange aos objetivos da pesquisa, enquadra-se na classificação exploratória. Gil (2010) afirma que as pesquisas exploratórias “têm como propósito proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses.” (GIL, 2010, p. 27). Para ele, nesse tipo de pesquisa “[…] interessa considerar os mais variados aspectos relativos ao fato ou fenômeno estudado.” (GIL, 2010, p. 27).

Essas afirmações de Gil estão consonantes com a finalidade do presente estudo, que trata da temática da relação das práticas pedagógicas e da afetividade, tendo por objetivo explicitar o impacto desses dois elementos na cognição dos alunos.

Para coleta de dados a serem analisados e comporem a presente pesquisa foram selecionadas as técnicas de leitura seletiva e analítica.

O objetivo da seleção dessas técnicas se deu para garantir que todos os tópicos de interesse do estudo fossem abordados.

Tendo em vista o teor dos assuntos dos dados coletados, buscamos compreender a relevância da afetividade e seus impactos na relação professor-aluno, na prática docente e no aspecto cognitivo dos alunos.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho buscou-se refletir sobre a relação das práticas pedagógicas e da afetividade no processo de ensino e aprendizagem e o impacto desses dois elementos no aspecto cognitivo dos alunos.

O conhecimento adquirido ao longo do desenvolvimento desta pesquisa contribuiu significativamente para uma postura docente mais consciente de sua relevância para o processo de aprendizagem dos alunos.

Pude perceber a grande valia dessa pesquisa para o campo da educação, pois, o ser humano é um indivíduo extremamente afetivo, conforme afirmam os autores citados, e sua primeira linguagem é o afeto. Daí a importância dessa dimensão na prática pedagógica do professor, devido a inteligência surgir depois da afetividade e de dentro dela.

Essas duas dimensões (afetiva e cognitiva) possuem igual relevância para o desenvolvimento cognitivo. Apesar de ao longo do tempo se diferenciarem, as aquisições de cada uma repercutem sobre a outra incessantemente e imbricam-se e revelam-se nas atividades desenvolvidas pelo indivíduo desde a infância à fase adulta. Dessa maneira, o processo de ensino e aprendizagem não pode ser manifestado de maneira fragmentada.

Ao decorrer do processo dessa pesquisa, pode-se constatar que a adoção do aspecto afetivo no processo de ensino e aprendizagem de alunos na escola básica contribui para: uma gestão consciente dos conflitos que surgem no interior das escolas, uma boa relação professor-aluno que resulta na autoestima dos discentes para o prosseguimento nos estudos e um bom desempenho acadêmico, pois muitos estudantes atribuem à aprendizagem ao bom relacionamento e estima (afeto) que sentem por determinados educadores, e a diminuição dos índices de evasão escolar.

Com isso, constatou-se que a adoção da afetividade na prática pedagógica do professor potencializa a aprendizagem dos alunos e constitui-se como alternativa para uma educação prazerosa, agradável, crítica e significativa.

REFERÊNCIAS

BRASIL (Brasília). Base Nacional Comum Curricular, Ministério da Educação, 2018. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf> Acesso em: 6 de dezembro de 2021.

BRASÍLIA (Distrito Federal). Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Notas Estatísticas – Censo Escolar, 2017. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/notas_estatisticas/2018/notas_estatisticas_Censo_Escolar_2017.pdf> Acesso em: 2 de dezembro de 2021.

BROCKINGTON, Guilherme. Neurociência e educação: investigando o papel da emoção na aquisição e uso do conhecimento científico. 2011. 199 f. Tese. (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Educação. Ensino de Ciências e Matemática) -Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, SP, 2011. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-01082013-155030/publico/JOSE_GUILHERME_BROCKINGTON.pdf> Acesso em: 6 de dezembro de 2021.

DELLA PACE, Maria das Graças Alvarenga. A dimensão afetiva na relação professor-aluno no cotidiano de uma instituição escolar. Rio de Janeiro, 2000. Dissertação (Mestrado em Educação e Desenvolvimento Humano) – Universidade Estácio de Sá, 2000.

DUSI, M.L; NEVES, M.M; ANTONY, S. Abordagem gestáltica e psicopedagogia: um olhar compreensivo para a totalidade criança-escola. Paidéia, Ribeirão Preto, n.16, p. 34, 2006.

FACHIN, Odília. Fundamentos de metodologia: noções básicas em pesquisa científica. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura).

FREIRE, Paulo e SHOR, Ira. Medo e Ousadia – o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. 11. ed. (Coleção Educação e Comunicação, v. 18).

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

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[1] Pós-graduada em Psicopedagogia Institucional e Clínica e Graduada em Pedagogia. ORCID: 0000-0003-1775-870X.

Enviado: Maio, 2022.

Aprovado: Agosto, 2022.

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Letícia Alves da Silva

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