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Uma interpelação filosófica em diálogo com a pedagogia de Paulo Freire e Jacques Rancière

RC: 66243
187
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/jacques-ranciere

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

QUEIROZ, José Pereira de [1], PONTES, Dalila Fonseca [2], OLIVEIRA, José Luiz De Jesus Egues De [3], SANTOS, Cleidison Da Silva [4], FERNANDES, Marcos Aurélio [5]

QUEIROZ, José Pereira de. Et al. Uma interpelação filosófica em diálogo com a pedagogia de Paulo Freireae Jacques Rancière. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 11, Vol. 15, pp. 05-16. Novembro de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/jacques-ranciere, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/jacques-ranciere

RESUMO

Este artigo científico tem por objetivo apresentar uma interpelação filosófica em diálogo com a pedagogia de Paulo Freire e Jacques Rancière, concebendo interpelação como o exercício do pensar, investigar e abordar. Nesse sentido trataremos aqui a respeito do ensino, como segundo eixo da Didática, no âmbito da educação básica, numa perspectiva filosófica e epistemológica tomando a experiência do não saber como possibilidade de aprendizagem. Provocamos um diálogo entre as teorias de ensino de Paulo Freire e Jacques Rancière, na tentativa de fazer uma reflexão do ensino segundo a perspectiva socrática que se funda na ironia, na maiêutica e no estranhamento todos articulados por meio da hermenêutica como método de fazer interpelação filosófica objetivando pensar a importância do não saber na aprendizagem. Ao propor uma interpelação filosófica em diálogo com a pedagogia de Paulo Freire e Jacques Rancière buscaremos também as contribuições de autores como Nicolau de Cusa, Sócrates e Heidegger para fazer um contraponto com os princípios do pensar filosóficos do “não saber do pensar”. Tentaremos em forma de pergunta provocar o diálogo entre a perspectiva filosófica socrática e a pedagogia de Paulo Freire e Jacques Rancière, buscando respostas para a pergunta: como despertar a experiência do não saber no ensino? Como uma possibilidade de ressignificação da didática do ensino no contexto do século XXI.

Palavras-Chaves: Interpelação, filosofia, pedagogia, didática, ressignificação.

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho de teoria didática é pensar no segundo eixo da didática que trata a respeito do ensino no âmbito da educação básica, numa perspectiva filosófica e epistemológica tomando a experiência do não saber como possibilidade de aprendizagem. Através da discussão dos textos de Paulo Freire, Jacques Rancière tentaremos abrir um caminho de reflexão do ensino na perspectiva socrática que se funda na ironia, na maiêutica e no estranhamento, mas o objetivo aqui é pensar na importância do não saber na aprendizagem. Nesse sentido considera-se importante provocar um diálogo entre os teóricos Paulo Freire, Jacques Rancière com o objetivo de refletir sobre as práticas de ensino na perspectiva socrática do não saber como possibilidade de ressignificação da didática do ensino no contexto do século XXI. Assim, nosso intuito é pensar como despertar a experiência do não saber no ensino segundo a perspectiva pedagógica da pobreza, concebida como pedagogia do não saber segundo as contribuições de Paulo Freire e Jacques Rancière, teóricos da educação, fazendo um contraponto com os princípios do pensar filosófico do “não saber do pensar”, a partir de Sócrates, Nicolau de Cusa e Heidegger, explorando “o não saber do pensar”, pois quem pensa não sabe e quem sabe não pensa. Assim podemos começar colocando um problema: Como despertar a experiência do não saber no ensino?

2. METODOLOGIA

A metodologia deste artigo científico é norteada pela pesquisa bibliográfica qualitativa e o método utilizado é o estruturalismo fenomenológico segundo Husserl, considerado o fundador da fenomenologia moderna (1859—1938). Assim, esta pesquisa trata de uma investigação adequada das ciências sociais e, nesse sentido, tem o estruturalismo como concepção filosófica. Nesta pesquisa, através do método fenomenológico estruturalista, a análise fenomenológica será utilizada como metodologia através da descrição dos fenômenos em estudo, a hermenêutica como uma interpretação fenomenológica que busca explicar os significados menos aparentes e os fenômenos fundamentais e essenciais nesse caso especificamente fazendo uma interpelação filosófica em diálogo com a pedagogia de Paulo Freire e Jacques Rancière, tendo como requisito a promoção do conhecimento por meio dessa perspectiva. Essa pesquisa terá a participação de teóricos: Paulo Freire, Jacques Rancière, Sócrates, Nicolau de Cusa, Heidegger e outros.

3. A IMPORTÂNCIA DO NÃO SABER NA APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DE PAULO FREIRE

Na tentativa de pensar em como despertar a experiência do não saber no ensino vamos dando o primeiro passo colocando em questão as contribuições de Paulo Freire (1996), em sua obra “Pedagogia da Autonomia”,  que se funda na problematização, no diálogo e na curiosidade em vista da autonomia do educando como possibilidade de despertar a experiência do não saber na mesma perspectiva socrática.

Nesse sentido recorremos a Freire (1996, p.16) que pensa nessa mesma perspectiva problematizadora, investigadora filosófica do espanto ao tratar do processo de ensino quando diz que “ensinar exige pesquisa” que segundo Demo (2007) é concebida como condição de consciência crítica e como componente de toda proposta emancipatória, nesse sentido a pesquisa  tem como condição essencial seu manejo como princípio científico, educativo e uma atitude cotidiana. Nessa perspectiva ele diz que o professor deve ser o profissional que educa pela pesquisa e o aluno deixa de ser objeto de ensino para se tornar parceiro de trabalho. Assim como aprender também exige pesquisa, pois segundo Freire (1996) não há pesquisa sem ensino e nem ensino sem pesquisa de forma que esses que fazeres se encontram associados um ao outro. De forma que, a pesquisa como promoção dialógica do conhecimento promove no ensinar e aprender o diálogo epistemológico entre os sujeitos, entre o pensar, entre as disciplinas, enfim no mundo. Daí, Freire (1996) ressalta que no processo da aprendizagem pode deflagrar no aprendiz uma curiosidade crescente e que pode torná-lo cada vez mais criador, porque quanto mais se exercer criticamente a capacidade de aprender tanto mais se constrói e desenvolve a curiosidade epistemológica. O autor destaca que ensinar exige criticidade e diz que nesse processo não há diferença e distância entre ingenuidade e a criticidade, entre o saber puramente feito e o saber metodicamente rigoroso, mas sim uma superação e não ruptura. Nesse sentido, Freire (1996, p17) expressa que: “a superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se cristaliza”. Nessa perspectiva a curiosidade ingênua no processo de seu cristalizar como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, se assemelha à busca do saber pela via do não saber, pois o que é empírico torna se epistemológico, filosófico e científico.  Ele conclui que: “não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos”. Nesse sentido, Freire (1996) trata da autonomia em seu aspecto da exigência da curiosidade como condição para ensinar e denunciar sua negação na experiência formadora que a dificulta e a inibe na formação do educando. De forma que para ele o educador autoritário ao silenciar a curiosidade do educando ele a tolhe. Mas ao contrário disso, o bom clima pedagógico- democrático contribui com a aprendizagem do educando que em sua prática vai exercitando a curiosidade entre liberdade e limites eticamente que respeitam a privacidade do outro.

Assim, para o autor “sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo, nem ensino. O autor ainda pontua que: “O exercício da curiosidade convoca a imaginação, a intuição, as emoções, a capacidade de conjecturar, de comparar, na busca da perfilização dos objetos ou do achado de sua razão de ser”.  Ademais, Freire (1996, p.69) destaca que “ensinar exige disponibilidade para o diálogo” nas minhas relações com os outros e com a realidade. Nesse sentido, é na disponibilidade para o diálogo que construímos nossa segurança, que é indispensável para a própria disponibilidade. E no ato de ensinar, testemunhar abertura aos outros, a disponibilidade curiosa à vida, a seus desafios, são saberes necessários à prática educativa, além disso tomar a própria prática de abertura aos outros como objeto da reflexão crítica deveria fazer parte da aventura docente. Portanto, na experiência do ser inacabado é que o sujeito ao se abrir inaugura com seu gesto de abertura a relação dialógica que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão nos processos históricos. Assim, é com essa postura de abertura aos outros que no ato de ensinar e no respeito da construção da autonomia como parte deste que exige liberdade e autoridade e que ambas se constroem ao longo do caminho. Freire (1996, p. 55) diz que os filhos têm o direito de ir forjando sua própria autonomia, pois ninguém é sujeito da autonomia de ninguém, porque ninguém amadurece de repente, mas vamos amadurecendo todo dia ou não, pois a autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Assim o autor pontua que: “é nesse sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade”.

4. A AUTONOMIA DOS SUJEITOS SEGUNDO O MÉTODO DO MESTRE IGNORANTE

Jacques Rancière, filósofo francês, (2002, p. 8-9) em seu livro “o  Mestre  Ignorante” narra  as  experiências vividas por um pedagogo chamado Joseph Jacotot, o qual se vê refletindo sobre o método de ensino desenvolvido nas escolas após passar por uma experiência inovadora, chegando a levantar e questionar dois métodos de instruir que pode ser tanto prática do embrutecimento (método explicativo) quanto a da autonomia, o autor desencadeia uma bela possibilidade de reflexão pedagógica, filosófica e política, sobre a relação existente entre os institutos educacionais e a sociedade, sendo favorável a autonomia intelectual do educando, de forma que ao aplicar o método do não saber socrático ele possibilita a autonomia dos alunos, ou seja, demonstra que é possível efetivar a aprendizagem pela vida do não saber ou da douta ignorância.

Rancière (2002, p. 8-9) nos conta a história acerca das lições do professor que espalharam-se entre os estudantes holandeses, os quais se prontificaram a se beneficiar de seus ensinamentos, sendo Joseph Jacotot desafiado a ensinar-lhes francês, no entanto ele ignorava completamente o holandês e a maior parcela dos alunos o francês, diante disso, o professor teve uma solução imediata para resolver o problema desencadeado pela falha na  comunicação, pois autor lembra-se da publicação da edição bilíngue do Telêmaco, que seria uma espécie de dicionário francês que serve para quase tudo e contando com um intérprete indicou-o aos alunos e pediu-lhes que por meio da tradução aprendessem o francês lendo e dissertando sobre o que compreenderam, a experiência inédita tem início neste exato momento, porque Jacotot não dera nenhuma aula sobre o francês, com isso esperava-se um resultado desastroso no processo da atividade solicitada, mas o que ele não imaginava e ficou surpreendido, foi com bom desenvolvimento dos alunos perante algo que ignoravam, onde sem explicações prévias os jovens sozinhos superaram o desafio imposto. Assim, tal fato levou o mestre a refletir se seria mesmo necessário a instrução de um professor ou só bastava desenvolver à vontade para realizar algo. De modo que, a partir da experiência de Joseph Jacotot, podemos pensar as possibilidades de como despertar a experiência do não saber como o fez o mestre ignorante com seus alunos, que não sabendo e sem explicação conseguiram aprender a língua francesa. De forma que, colocando em análise percebe-se que o não saber é o que nos torna fecundos para receber o saber, porque faz-se necessário  se esvaziar da pretensão do saber, pois enquanto temos a pretensão de saber não aprendemos nada, mas quando nos encontramos no não saber, na experiência do vazio, na disponibilidade do não saber, nos desfazemos dessa pretensão, e aquilo que pensávamos não saber, se mostra como aquilo que já sabíamos, mas não dávamos conta disso.

Portanto, no processo ensino-aprendizagem faz-se necessário percorrer a via do pensar, o caminho do esvaziamento para desconstruir o pretenso conhecimento, isto é, a opinião já formada, que muitas vezes é ingênua e unilateral, mas que pode se mostrar ao longo do caminho de maneira mais provada, madura e verdadeira. Nesse sentido, a teoria de Jacques Rancière, na experiência do mestre ignorante, o pedagogo Joseph Jacotot, dialoga com o pensar socrático, com a pedagogia da pobreza, do  não saber, pois Jacotot é esse mestre ignorante que pela via do não saber, do desconhecido consegue sem ser professor explicativo, possibilitar o conhecimento aos seus alunos holandeses que estavam estudando francês. Assim, a prática pedagógica de Jacotot dialoga com o princípio pedagógico do pensar de Sócrates: “oida oudèn eidos” – sei nada sabendo, e nada saber aqui é o saber o nada.

5. SÓCRATES E O MÉTODO DE ENSINAR PELA VIA DA MAIÊUTICA E DA IRONIA

E na tentativa de articular Pedagogia da autonomia com Filosofia, num primeiro momento, recorreremos aos conceitos da filosofia a partir de Sócrates para buscar os fundamentos e princípios filosóficos do pensar, para assim continuar o pensar problematizador de como despertar a experiência do não saber na aprendizagem? Segundo Buzzi (1972, p. 41) o nome “Sócrates” no pensamento ocidental significa abrir caminhos do saber e segundo a etimologia seu significado remete a própria filosofia, porque significa força (kratos) que salva (soo) e prenuncia assim, a nova tarefa do pensamento ocidental que é de abrir caminhos de saber a partir de suas próprias possibilidades, de forma que o caminho de saber aberto por Sócrates é a própria filosofia que na história do povo ocidental ficou conhecida como maiêutica ou ironia, sendo que maiêutica significa a arte de dar à luz, ou de parir as ideias e ironia socrática como convivência humana, método de investigação das palavras do povo, que pressupõe conhecer a partir da realidade da convivência humana por meio  das coisas simples e úteis no dia a dia, assim como por meio da discussão da ordem social.

Nesse sentido, podemos tentar abrir caminhos ao ensinar e aprender pela vida do não saber despertando uma postura humilde, problematizadora, investigadora através da pesquisa promovendo a discussão como parte do processo dialético e dialógico com os alunos para que busquem a própria aprendizagem como sujeitos autônomos, ou seja, capazes de construir o próprio conhecimento como aconteceu com os alunos do mestre ignorante e com os alunos de Paulo Freire quando este aplicou um método de alfabetização de adultos. Ensinar numa perspectiva do pensar filosófico possibilita alunos críticos e sujeitos de seu próprio conhecimento, libertos das práticas do ensino bancário, libertos da reprodução do conhecimento, ou seja, sujeitos autônomos. De modo que a ironia socrática ao colocar descoberto a ignorância do próprio saber está contida no aforismo socrático que diz “só sei que nada sei”, assim, esse trilhar do caminho que se abre para descobrir a própria ignorância, pode ser uma possibilidade de ensinar desconstruindo os saberes ingênuos que os educandos trazem e a partir do diálogo e da leitura de jornais, revistas, artigos científicos, livros literários promover o conhecimento crítico, significativo e contextualizado com a realidade econômica, social, política e cultural. Mas sobretudo ensiná-los a partir do aprender a pensar, problematizar e questionar.

6. “A DOUTA IGNORÂNCIA” COMO CULMINÂNCIA DA PESQUISA E INVESTIGAÇÃO EM NICOLAU DE CUSA

Num segundo momento recorreremos a Nicolau de Cusa (1640)  para pensar “o não saber” onde diz em sua obra a “ Douta Ignorância” afirma que o quanto mais sábia uma pessoa, mais ela reconhecerá a ignorância que lhe é própria, pois para ele o nosso conhecimento conceitual é meramente aproximativo, de modo que, a realidade absoluta das coisas que são infinitas permanecem eternamente incognoscíveis à razão finita dos homens.  Assim, o reconhecimento do limite da nossa compreensão racional, a douta ignorância, é um passo necessário para a compreensão do sentido místico da filosofia do Cusano, a qual busca transcender a razão e abstrair a linguagem para, através do intelecto, apreciar a essência infinita do ser máximo, chamado Deus, de onde provém a verdade absoluta de todas as coisas. Nesse sentido, Leão (2008, p. 283) pontua sobre Nicolau de Cusa e a “Douta Ignorância sobre o aprender a pensar expressando que:

Ora, se tudo que é real, realiza-se a partir e para a unidade infinita do criador, o espírito humano permanecerá sempre aquém da infinitude e, por isso, continuará sempre inadequado e desconforme à realidade de qualquer real e, sobretudo, de si mesmo. Esta inadequação constitui o ponto de partida determinante e inexorável que guia e supera, ao mesmo tempo, todo esforço de conhecimento e compreensão do homem! A tarefa da filosofia está e reside em reconhecer e admitir no próprio seio do conhecimento conquistado e do saber alcançado o vigor e a presença dessa inadequação entre o espírito humano e a verdade. É a docta ignorância, isto é, o reconhecimento consciente da nesciência no próprio seio da ciência. A docta ignorantia perfaz tanto o princípio como o fim de todo esforço de conhecimento humano. Percebê-lo é apanágio da filosofia. (LEÃO, 2008, p. 283).

A pedagogia do pensar, neste sentido, não só forma o humano como um homem comum, mas também forma o humano como um “idiota”, no sentido que Nicolau de Cusa deu a esta palavra, ao escrever o seu “Idiota de sapientia”. É aquele que, sendo comum, é, ao mesmo tempo, todo singular, todo próprio (idios), isto é, o idiota é o que se deixa encaminhar na via da “docta ignorantia”, do sábio não-saber. Assim, como provocamos um diálogo entre as teorias do ensino de Paulo Freire, Jacques Rancière e as teorias filosóficas de Sócrates, Cusano que possuem os princípios filosóficos do fazer da pedagogia do pensar, do não saber, da autonomia, buscaremos também em Heidegger os fundamentos dessa relação. Se de um lado Freire e Jacques Rancière se baseiam nas experiências do não saber como via do ensinar e aprender, Heidegger concebe o não saber como uma possibilidade para abrir caminhos através de questionamentos, do pensar e não pensar, do dito e do não dito, ou seja, colocando questões a respeito do ser, tendo como base o homem e o mundo, e no pensar o homem pensa o fenômeno do pensar humano pela via do não saber.

7. HEIDEGGER ENSINANDO PELA VIA DO ESTRANHAMENTO

E por último recorreremos a Heidegger  nessa mesma tentativa de pensar “como despertar a experiência do não saber”, nesse sentido Heidegger (apud FERNANDES, 2016, p. 85)  indica transformações que acenam para um outro princípio do pensar, que se funda na compreensão do ser do ente como presença ou vigência constante.

Com base nesse último princípio, o do impensado, do pressentimento de um novo pensar, que está a serviço do pensar que pensa o ser do ente é que podemos nos colocar a pensar no ensino a partir de uma postura do não saber, da necessidade de esvaziar se, de desconstruir o saber prepotente, de um saber programado pelos programas educacionais para  que os alunos reproduzam, para se revestir do saber próprio da pedagogia da pobreza que pressupõe a busca do conhecimento pela via do não saber enquanto atitude amorosa da busca da verdade, pois o pensar é mais um não saber que um saber, pois quando o saber se torna poder totalitário, o não saber se torna libertador. Nesse sentido,  a marca da filosofia de Heidegger (1989) está essencialmente ligada ao ato de questionar e de interrogar, sendo, portanto,  profundamente educativa ou formadora, de modo que  cabe à filosofia interrogar-se a si mesma e instalar-se no ser ou quem sabe, no nada, ou no não saber, no pó de nossa reflexão e no abrir caminhos, da metáfora da floresta negra, fazendo perguntas como:  O que significa pensar?; Que é metafísica?; Que é isto – a filosofia?, etc. E este o que é? Trata se do estranhamento que é uma maneira própria de fazer perguntas em que a filosofia tenta colocar o questionamento da essência do ser, das coisas. Segundo Heidegger (1973) o espanto é páthos, a arkhé da filosofia, que arkhé designa aquilo de onde algo surge, e arkhé torna se aquilo que é expresso pelo verbo arkhein, o que impera. Já páthos do espanto não está simplesmente no começo da filosofia, mas o espanto carrega a filosofia e impera em seu interior.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto,  fazer uma interpelação filosófica em diálogo com a pedagogia de Paulo Freire e Jacques Rancière objetivando pensar no ensino, como segundo eixo da Didática, tomando a experiência do não saber como possibilidade de ressignificação da aprendizagem requer buscar os  princípios do pensar pela via do não saber do pensar e para isto propomos o diálogo entre os teóricos da filosofia desta perspectiva e a teoria pedagógica de Paulo Freire e de Jacques Rancière. No diálogo das teorias filosóficas com seus princípios com a pedagogia de Paulo Freire nota se que para despertar a experiência do não saber no ensino faz-se necessário a promoção de uma pedagogia da autonomia que se funde na problematização, no diálogo e na curiosidade como caminhos para que essa perspectiva  de ensino se efetive. Além disso, ensinar exige pesquisa como condição de consciência crítica e autônoma, como condição essencial no manejo do princípio científico, epistemológico e educativo. Assim como, ensinar exige disponibilidade para o diálogo promovido nas relações com os outros e com a realidade existencial. E para que se instaure uma pedagogia da autonomia no processo ensino aprendizagem faz se necessário que o ensino seja centrado em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade que se resultam em experiências que respeitam e garantem a liberdade.

Nessa mesma perspectiva a pedagogia da autonomia, como um modo de ensinar, (também de Emancipatória) segundo Jacques Rancière, é uma possibilidade de despertar a experiência do ensino pela vida do não saber, pois através do experimento do mestre ignorante, do pedagogo Joseph Jacotot, Rancière demonstrou que é possível ensinar sem a utilização do método explicativo e sem ter o conhecimento total das coisas, basta criar meios e utilizar instrumentos que ajudem no processo do ensino,  pois ele demonstrou em suas experiências de ensino que é possível pensar na efetivação do ensino pela via do não saber como pregava e fazia Sócrates com seus discípulos, utilizando a maiêutica e a ironia,  superando a desigualdade, inerente à lógica da explicação, pois  aquele que ordena detém um certo poder e o outro obedece. Nesse sentido seu método de ensino segue a lógica do reconhecimento de que todas as inteligências são iguais e que o professor não precisa necessariamente saber da matéria que está ensinando, mas deve acompanhar o trabalho do aluno e o desenvolvimento de sua autonomia.

O pensar problematizador de Sócrates, apontou a tarefa do pensamento ocidental que foi de abrir caminhos do saber através da própria filosofia e de seus métodos utilizando da maiêutica em que ele provocava e motivava  seus discípulos para parir as ideias, ou seja para dar à luz ao pensar, e por meio da ironia que promovia o conhecimento por meio da convivência humana, da discussão da realidade social. Nesse sentido, foi Sócrates que primeiro desenvolveu e aplicou os princípios filosóficos da pedagogia do pensar e que pode assim contribuir com o ensino pela vida do não saber, no contexto do século XXI, através de sua arte de fazer perguntas e de colocar questões. Nicolau de Cusa aponta a “Douta Ignorânciacomo culminância da pesquisa e de todo processo de investigação e de promoção do ensino tomando como base “o não saber”, pois para ele quanto mais sábio for uma pessoa mais reconhecerá a ignorância que lhe é própria, pois para ele o conhecimento dos conceitos é meramente uma aproximação da verdade, da realidade, porque o conhecimento absoluto é infinito e incognoscível à razão finita dos homens, e que só pela via do não saber, da ignorância podemos conhecer os mistérios divinos que se revelam aos ignorantes, como o fez São Francisco de Assis, que mergulhou nos mistérios divinos por meio da pedagogia da pobreza, onde o criador revelava seus mistérios àquele que se enamorou da douta ignorância e se fez nada diante do tudo, do sumo bem, do eterno bem. E por fim, Heidegger, contribui com essa tentativa desta interpelação filosófica em diálogo com a pedagogia de Paulo Freire e de Jacques Rancière, com o princípio do impensado, do pressentimento do novo pensar como fenômeno humano, que pensa o ser do ente que nos possibilita pensar o ensino na perspectiva do não saber, que requer mudança da postura prepotente e arrogante diante do conhecimento para uma nova postura do pensar que busca o esvaziamento e a desconstrução de um saber infundado programado pela instituição de ensino que utiliza programas educacionais que possibilitam a reprodução do  conhecimento. De modo que para despertar a experiência do não saber no ensino por meio das contribuições de Heidegger pressupõe  aprender o deixar aprender, pois o professor é muito menos seguro de suas coisas que os alunos, nesse sentido, o professor na busca do conhecimento sempre deve trilhar a via do não saber como método de investigação epistemológica.

REFERÊNCIAS

BUZZI, R. A. Introdução ao pensar. O ser, o conhecimento e a linguagem, 1ª edição, Vozes, Petrópolis, RJ, 1972.

DEMO, P. (2006) Pesquisa: Princípio Científico e Educativo, 12º Edição, Cortez, São Paulo.

FERNANDES, M. A. (no prelo 2016) Diálogos: Filosofia e Educação, Brasil.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,1996. (coleção leitura).

HEIDEGGER, M. (1987). Introdução à metafísica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro

LEÃO, E. C. Aprendendo a Pensar I. Teresópolis: Ed. Daimon, 2008, p. 283.

___________ Que é isto a Filosofia? Trad. Ernildo Stein. São Paulo. Abril Cultural, Col. Os pensadores, v.XLV,1989.

RANCIÈRE, J. El Maestro ignorante. Cinco lecciones sobre la emancipación intelectual. Editorial Laertes, 1ª edición 2003.

[1] Doutorando em Educação pela Universidade Nacional de Rosário- UNR Argentina. Possui pós graduação em docência do ensino superior, pela Universidade Cândido Mendes, ( UCAM) Rio de Janeiro; pós-graduação em tecnologia na educação pela Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro e pós-graduação em metodologia do ensino fundamental pela Universidade Federal de Goiás (UFG).Graduado em Letras Portuguesa e Inglês pela Universidade Estadual de Goiás (UEG).

[2] Doutoranda em Educação pela Universidade Nacional de Rosário – UNR Argentina. Possui pós-graduação e Currículo, didática e Avaliação pela Universidade Estadual da Bahia – UNEB, Pós-graduação em Metodologia do Ensino de língua Portuguesa e literatura pela Faculdade Regional de Filosofia, Ciências e letras de Candeias- Bahia. Formação em Língua Espanhola certificado pelo DUCLE – ARGENTINA. Professora de Língua Espanhola e Língua portuguesa. Graduada em Letras Vernáculas pela UFBA – Universidade Federal da Bahia.

[3] Doutorando em Educação na UNR-Argentina, Professor de Matemática, e Policial Penal de MT.

[4] Doutorando em Educação pela Universidade Nacional de Rosário – UNR, Argentina, Especialização em língua Inglesa. Possui graduação em Letras – Inglês pela Faculdade Castelo Branco (2006). Direito e Filosofia.

[5] Orientador. Doutorado em Filosofia. Mestrado em Filosofia. Graduação em Filosofia.

Enviado: Setembro, 2020.

Aprovado: Novembro, 2020.

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José Pereira de Queiroz

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