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A importância do conhecimento sobre as funções psíquicas superiores para o processo de aprendizagem plena do educando

RC: 150069
866
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/funcoes-psiquicas-superiores

CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

MELO, Eloana Maria dos Santos [1]

MELO, Eloana Maria dos Santos. A importância do conhecimento sobre as funções psíquicas superiores para o processo de aprendizagem plena do educando. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 11, Vol. 01, pp. 67-81. Novembro de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/funcoes-psiquicas-superiores, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/funcoes-psiquicas-superiores

RESUMO

A aprendizagem é o objetivo principal do professor, a qual necessita estar centrada nas necessidades dos discentes, incluindo na forma como adquirem ao conhecimento. Neste sentido, o presente artigo teve como objetivo refletir sobre a relevância do educador compreender os fundamentos neurocientíficos e psicológicos das Funções Psíquicas Superiores (FPS) para aprimorar sua prática pedagógica e obter resultados mais significativos na educação de seus alunos. A metodologia utilizada neste estudo foi a revisão de literatura, de abordagem qualitativa, com a pesquisa de autores por meio de plataformas científicas como o Google Acadêmico e o SciELO (Scientific Electronic Library Online). A partir da pesquisa, observou-se que as FPS, como atenção, memória, linguagem, consciência e emoções estão intrinsecamente ligadas com o processo de aquisição do conhecimento do ser humano e que elas podem ser utilizadas para embasar a prática pedagógica de professores, de modo a tornar o processo de ensino mais enriquecedor e significativo para o aluno. O estímulo de tais funções favorece a plasticidade cerebral e a qualidade das interações sociais, que, ao fim, resulta em melhorias nos aspectos educacionais, como maior facilidade de aprendizagem, mas também na formação do indivíduo para a vida. Nesse sentido, concluiu-se que conhecimento sobre as FPS são importantes para aprimorar a prática docente e para potencializar o processo de ensino e aprendizagem.

Palavras-chave: Cérebro, Funções Psíquicas Superiores, Aprendizagem, Docente.

1. INTRODUÇÃO

O cérebro humano, como o principal órgão do Sistema Nervoso Central (SNC), desempenha uma vasta gama de funções, desde as mais fundamentais até as denominadas Funções Psíquicas Superiores (FPS). Dentre as áreas em que as FPS podem ser aplicadas, como na neurociência e na psicologia socioconstrutivista, tem-se a educacional, em que o conhecimento sobre tais funções pode auxiliar os professores a alcançarem sucesso no processo de ensino-aprendizagem.

Sobre o assunto, Cosenza e Guerra (2011) destacam que a aquisição de novos conhecimentos, comportamentos e habilidades está intrinsecamente ligada a alguns processos neuropsicológicos, as chamadas funções psíquicas. Portanto, a oferta de uma educação de qualidade requer que o educador compreenda o que são essas funções e como utilizá-las na aprendizagem, contribuindo assim para a construção de um fazer pedagógico verdadeiramente significativo. Com base nessa afirmação, o presente estudo parte do seguinte problema de pesquisa: Qual a importância do conhecimento das FPS pelo docente para que o aluno tenha uma aprendizagem significativa?

A relevância desse tema se justifica pela necessidade de um processo educacional cada vez mais efetivo. O entendimento dos docentes sobre as funções psíquicas e como elas se relacionam com a aprendizagem contribui para que desenvolvam práticas de ensino que potencializem o aprendizado, já que “[…] as estratégias pedagógicas que respeitam o funcionamento do cérebro tendem a ser mais eficazes” (Cosenza; Guerra, 2011, p. 143).

Corroborando com essa afirmação, Relvas (2009) argumenta que a aprendizagem ocorre em um ritmo individual e personalizado para cada pessoa, o qual depende da mobilização das FPS e das conexões neurais, muitas das quais se desenvolvem por meio da interação do indivíduo com o ambiente. Portanto, o conhecimento sobre algumas FPS, como a atenção, a memória, a fala, a consciência e as emoções, permite a criação de estratégias que estimulem tais funções, o que, por sua vez, contribui para a potencialização do processo de ensino.

Assim, o objetivo geral deste trabalho foi refletir sobre a importância de os educadores adquirirem conhecimentos sobre as FPS para aprimorar suas práticas pedagógicas e alcançar resultados mais significativos na educação de seus alunos. Os objetivos específicos são: apresentar o funcionamento de algumas FPS e como o entendimento delas beneficia o aprendizado dos alunos; discorrer sobre o socioconstrutivismo e a plasticidade cerebral para o desenvolvimento pleno dos educandos; e refletir sobre a necessidade de os educadores possuírem um conhecimento abrangente sobre como o cérebro aprende, a fim de atuarem como mediadores eficazes e consolidarem a aprendizagem dos alunos.

Para atingir esses objetivos, a metodologia empregada neste estudo foi a revisão de literatura, de abordagem qualitativa, com a busca de autores por meio das plataformas científicas do Google Acadêmico e SciELO (Scientific Electronic Library Online), utilizando os seguintes descritores: funções psíquicas superiores; aprendizagem; docente; cérebro.

2. AS FUNÇÕES PSÍQUICAS SUPERIORES E A APRENDIZAGEM

As FPS desempenham um papel fundamental no processo de aprendizado do ser humano, principalmente a atenção, a memória, a linguagem, a consciência e as emoções. De acordo com Relvas (2009), essas FPS são características distintivas do ser humano e são essenciais para o funcionamento normal do cérebro. Assim, os tópicos a seguir apresentam os principais aspectos de cada uma dessas funções e como eles podem auxiliar os docentes na sua prática pedagógica.

2.1 A ATENÇÃO E A RETENÇÃO DE INFORMAÇÕES

A capacidade de atenção permite que os seres humanos realizem uma seleção criteriosa das informações que estão recebendo do meio em que se encontram. Quando um indivíduo é confrontado com diversos estímulos simultaneamente, a atenção atua de modo a concentrar o pensamento em um estímulo específico, deixando de lado o que, no momento, é dispensável. Compreender os processos neurobiológicos subjacentes ao fenômeno da atenção é de extrema importância para embasar intervenções pedagógicas apropriadas e oferecer suporte aos alunos, sobretudo aqueles que enfrentam dificuldades de concentração (Cosenza; Guerra, 2011).

Em relação às áreas do cérebro responsáveis pela atenção e sua regulação em diferentes níveis, destacam-se um grupo de neurônios localizados no mesencéfalo, uma região situada abaixo do cérebro, conhecida como Locus Coeruleus (LC), cujo principal neurotransmissor é a noradrenalina. É nesse local que são gerados os níveis químicos necessários para que os indivíduos mantenham um estado de alerta adequado durante o processo de assimilação do conhecimento que o professor deseja transmitir. Consequentemente, problemas relacionados a esse sistema podem resultar na dificuldade/incapacidade da pessoa em manter o seu foco, como no caso do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH (Cosenza; Guerra, 2011).

Ao abordar os desafios que problemas de atenção podem acarretar para a aprendizagem em sala de aula, é necessário considerar os dois tipos de atenção, que são a atenção reflexa e a atenção voluntária:

É preciso levar em conta que a atenção pode ser regulada de duas formas: de “baixo para cima” ou de “cima para baixo”. No primeiro caso, são importantes os estímulos periféricos e suas características (como a novidade ou o contraste) e esse tipo de atenção pode ser chamado também de atenção reflexa. No segundo caso, ela é regulada por aspectos centrais do processamento cerebral, e esse tipo de atenção pode ser chamado de atenção voluntária. Aqui podem ser importantes fatores como os estados internos do organismo (como a necessidade de água ou alimento) e a escolha pessoal determinada por um contexto específico ou por um objetivo a ser alcançado (Cosenza; Guerra, 2011, p. 44).

No que diz respeito a esses processos, é imperativo que o professor esteja ciente de como funcionam e empregue estratégias para despertar o interesse do aluno e mitigar possíveis distrações. Por exemplo, o educador, dentro de suas possibilidades, pode trabalhar na organização do ambiente da sala de aula, minimizando a presença de elementos que possam desviar a atenção do aluno durante as atividades, com o objetivo de fomentar uma abordagem mais interativa na apresentação do conteúdo. Isso implica antecipar potenciais distrações que poderiam afetar a atenção reflexa do aluno, prejudicando assim seu aprendizado.

Além disso, é crucial que o docente estimule a atenção voluntária do aluno, para que ele esteja receptivo ao processo de aprendizagem. O professor deve fomentar a curiosidade do aluno em sala de aula, incentivando seu envolvimento ativo no processo de aprendizagem. Estratégias como o uso do humor ou de elementos digitais para ensinar podem ser eficazes para despertar o interesse e manter o discente concentrado no que está sendo ensinado, aumentando as chances de retenção do conhecimento. Dessa forma, cabe ao docente, embasando-se em como o processo atencional ocorre, otimizar a aprendizagem de seus alunos e identificar eventuais problemas que possam afetar seu foco (Cosenza; Guerra, 2011).

2.2 A MEMÓRIA COMO FATOR ÍMPAR PARA O APRENDIZADO DO EDUCANDO

A memória é uma das principais FPS, pois é por meio dela que se retém a informação adquirida ao longo de toda a vida, e, quando comprometida, gera sérios problemas cognitivos. Assim, essa função é de suma importância para a prática docente, cujo objetivo principal é auxiliar os alunos na retenção dos conteúdos socioculturais que são ensinados. Como afirma Oliveira (2014, p. 19), “[…] se não houvesse um meio de armazenar as experiências vividas na mente e um mecanismo complexo para recuperá-las, a aprendizagem não seria possível”.

Sobre o funcionamento da memória, Cammarota, Bevilaqua e Izquierdo (2008, p. 244) argumentam que:

Nossas memórias, assim como as dos outros animais, provém da experiência. Por isso é mais sensato falar de “memórias” e não de “Memória”, já que existem tantas memórias quantas experiências possíveis. É evidente que a memória de ter colocado o dedo na tomada não é igual à da primeira namorada, à da casa da nossa infância, à de andar de bicicleta, à de como nadar, à do perfume de uma flor, ou à de exercer a Psicologia.

A memória pode ser categorizada com base em sua duração e tipo, sendo elas a memória de curta duração, a exemplo da memória operacional ou de trabalho, e a memória de longa duração, que se divide em memória declarativa e memória não declarativa. Em relação à memória de curta duração, Cosenza e Guerra (2011) afirmam que ela pode ser comparada a uma central de operações, na qual o indivíduo manipula informações necessárias à sua consciência no momento, integrando as mais recentes com aquelas já armazenadas em sua memória, pelo tempo necessário para atender às demandas imediatas.

No âmbito educacional, a memória de curta duração é utilizada para auxiliar o aluno na recuperação ativa das informações, promovendo a integração das informações recentes com aquelas que já se encontram na memória de longa duração. Isso pode ser estimulado, por exemplo, com a aplicação de exercícios que consolidem o conteúdo ensinado, o que facilitará a retenção das informações na estrutura cognitiva do aluno.

Sobre a memória declarativa, também conhecida como memória explícita de longa duração, ela desempenha um papel crucial na formação completa dos alunos no ambiente escolar, responsável por consolidar os conhecimentos em suas mentes, garantindo o pleno alcance de seus objetivos de aprendizado e desenvolvimento. Segundo Cosenza e Guerra (2011), três processos são essenciais para a formação dessa memória: repetição, elaboração e consolidação. A partir desses três processos, o educador pode desenvolver estratégias de ensino para potencializar a memorização, como, por exemplo, trabalhar com a repetição de questões-chave do conteúdo, aplicar exercícios que propiciem a elaboração do conhecimento, entre outras possibilidades.

Além disso, é relevante considerar de que forma o armazenamento da memória explícita de longa duração ocorre. De acordo com Cosenza e Guerra (2011), essa memória é armazenada de forma fragmentada em várias regiões do córtex cerebral, e quando é evocada, as informações interconectam-se em uma rede, formando uma representação unificada do objeto armazenado. Sobre o assunto, Kandel (2009, p. 149) ressalta que:

Hoje, temos razões para acreditar que a memória de longo prazo é armazenada no córtex cerebral. Além disso, seu armazenamento ocorre na mesma área do córtex cerebral que processou a informação originalmente – ou seja, as memórias das imagens visuais são armazenadas em diferentes áreas do córtex visual e a memórias das experiências táteis são armazenadas no córtex somatossensorial.

Assim, entende-se que a memória explícita de longa duração não é armazenada em um único centro, mas sim em diferentes partes, dispersas, que se integram quando exigidas. Por fim, tem-se a memória não declarativa, também conhecida como memória implícita, que, embora não possa ser expressa verbalmente, desempenha um papel fundamental no desenvolvimento dos processos procedimentais que todos os seres humanos precisam dominar em suas atividades cotidianas.

Segundo Relvas (2009), essa memória está relacionada às habilidades sensório-motoras necessárias em tarefas mais básicas, como dirigir, escovar os dentes e pentear os cabelos. No âmbito educacional, esse tipo de memória é de maior interesse nos primeiros anos da educação, como no ensino infantil ou nos primeiros anos do ensino fundamental, com o docente devendo estimulá-la por meio de atividades que desenvolvam habilidades psicomotoras.

2.3 A LINGUAGEM COMO FERRAMENTA COGNITIVA PARA A INTERNALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO

O ser humano é um ser social e, para compartilhar informações e interagir com seus pares, ele utiliza-se da linguagem, um conjunto de símbolos e códigos que permitem a comunicação. Ela desempenha um papel fundamental na preservação do conhecimento humano, sendo responsável por manter viva a herança cultural da humanidade e o acúmulo de informações. Essa função não apenas assegura a sobrevivência do ser humano, mas também contribui para a evolução do seu pensamento. Sobre o assunto, Miilher (2009, p. 16) afirma que:

O homem é o único animal capaz de utilizar símbolos para comunicar-se. Esta capacidade simbólica não apenas é um marco entre as espécies, mas é socialmente, um marco interindividual. Sabe-se que melhores comunicadores mostram melhores índices de sociabilidade e tendem a ser emocionalmente mais saudáveis e satisfeitos.

A linguagem é utilizada para a integração do indivíduo na sociedade e contribui significativamente para a formação da sua consciência através da atribuição de significado aos símbolos. Por meio dessa habilidade, o sujeito é capaz de interpretar o mundo ao seu redor, possibilitando representações que transcendem o contexto imediato:

A consciência se reflete na palavra como o sol em uma gota de água. A palavra está para a consciência como o pequeno mundo está para o grande mundo, como a célula viva está para o organismo, como o átomo para o cosmo. Ela é o pequeno mundo da consciência. A palavra consciente é o microcosmo da consciência humana (Vygotsky, 1989, p. 496).

Dentre os diversos tipos de linguagem humana, a fala emerge como uma das mais fundamentais. Essa habilidade é inata do ser humano, com regiões cerebrais voltadas exclusivamente para essa função, o que permite que ela se desenvolva naturalmente por meio da interação com os indivíduos em seu ambiente social. Segundo Relvas (2009), existem duas áreas funcionais relacionadas à fala: a área de Wernicke, que desempenha um papel na compreensão e escolha de palavras, e a área de Broca, responsável pela expressão verbal. A descoberta de Paul Broca de que a fala possui uma localização específica no córtex frontal esquerdo foi um marco significativo nas pesquisas sobre a fisiologia cerebral no século XX.

Já a leitura e a escrita, ao contrário da fala, não contam com uma estrutura pré-existente no cérebro, o que significa que a interação social por si só não é suficiente para o desenvolvimento dessas habilidades:

A linguagem escrita, exatamente por ser uma aquisição recente na história da nossa espécie, não dispõe de um aparato neurobiológico preestabelecido. Ela precisa ser ensinada, ou seja, é necessário o estabelecimento de circuitos cerebrais que a sustentem, o que se faz por meio de dedicação e exercício. O que ocorre é que estruturas e circuitos desenvolvidos ao longo da evolução para executarem outras funções são agora recrutados para processar a linguagem escrita. A aprendizagem da leitura modifica permanentemente o cérebro, fazendo com que ele reaja de forma diferente não só aos estímulos linguísticos visuais, mas também na forma como processa a própria linguagem falada. Por exemplo, os alfabetizados passam a ter consciência de que as palavras são constituídas por elementos menores, as sílabas e fonemas, o que escapa à compreensão dos analfabetos (Cosenza; Guerra, 2011, p. 101).

Desta maneira, a linguagem escrita e a leitura são pontos que devem ser bem trabalhados no âmbito educacional, considerando que somente por meio de um processo de aprendizagem assertivo, é possível desenvolver estas habilidades linguísticas de maneira completa. Neste ponto, não se trata apenas de aprender a ler e escrever, mas de se tornar o indivíduo em um fruidor pleno destas linguagens, capaz de captar diferentes significados por meio da leitura, bem como de se expressar de maneira plena através da escrita.

Cabe aqui salientar a importância dessas formas de linguagem para a vida das pessoas, pois é por meio da fala, da escrita e da leitura que ocorrem grande parte das interações sociais, necessárias tanto no contexto pessoal como no profissional. Assim, o ensino deve desempenhar esse papel do desenvolvimento da linguagem, com os docentes tendo a função de promover o ensino e o aprimoramento das mesmas.

2.4 A EMOÇÃO PARA UMA MAIOR CONSOLIDAÇÃO DO CONHECIMENTO

De maneira geral, as emoções atuam como sinalizadores para reações do corpo humano diante de diferentes situações. Quando surgem, elas ativam uma variedade de recursos cognitivos, incluindo a atenção e manifestações fisiológicas, alertando o indivíduo para a ocorrência de algo, seja consigo mesmo ou ao seu redor. De acordo com Cosenza e Guerra (2011), embora exista uma compreensão intuitiva das emoções, sua definição teórica tem sido objeto de discussões dependendo da área em que é apresentada. No âmbito da neurociência:

[…] as emoções são fenômenos que assinalam a presença de algo importante ou significante em um determinado momento na vida de um indivíduo. Elas se manifestam por meio de alterações na sua fisiologia e nos seus processos mentais e mobilizam os recursos cognitivos existentes, como a atenção e a percepção. Além disso, elas alteram a fisiologia do organismo visando uma aproximação, confronto ou afastamento e, frequentemente, costumam determinar a escolha das ações que se seguirão (Cosenza; Guerra, 2011, p. 81).

Uma das estruturas cerebrais intimamente relacionadas à regulação das emoções é o sistema límbico, com destaque para uma pequena área chamada amígdala. De acordo com Cosenza e Guerra (2011), a amígdala é responsável pela geração de todas as emoções, tanto as consideradas “negativas”, como raiva e medo, quanto as tidas como “positivas”, associadas ao bem-estar e ao prazer. Neste último caso, a amígdala está conectada ao circuito dopaminérgico, uma região responsável pela motivação:

A maioria dos comportamentos motivados, direcionados para um objetivo, é aprendida. A própria obtenção da comida e água, quando estamos famintos ou sedentos, obedece a esta regra. Mesmo o recém-nascido selecionará alguns comportamentos que foram bem-sucedidos para esse fim e tenderá a repeti-los no futuro. Nossas motivações nos levam a repetir as ações que foram capazes de obter recompensa no passado ou a procurar situações similares, que tenham chance de proporcionar uma satisfação desejada no futuro. Portanto, ela é muito importante para a aprendizagem em geral. A liberação de dopamina em algumas regiões cerebrais parece estar associada a esse tipo de recompensa, que leva à aprendizagem (Cosenza; Guerra, 2011, p. 75).

As emoções também são relevantes na formação de memórias. Eventos que envolvem estímulos emocionais tendem a criar registros mentais mais robustos, raramente esquecidos. Assim, a mobilização de emoções é uma estratégia que pode ser utilizada por docentes, assim como afirma Relvas (2012, p. 55): “[…] para garantir que as informações sejam transformadas em aprendizagem, as aulas devem ser envolventes emocionalmente, já que quando têm significado na vida do aluno e são permeadas pela emoção, dificilmente são esquecidas”. Consequentemente, os professores que despertam o interesse dos alunos, os motivam e criam um ambiente de aprendizado que estimula emoções positivas podem alcançar resultados significativos em sua prática pedagógica.

Com base em tudo que foi exposto até o momento, é inegável os benefícios do conhecimento sobre as FPS e sobre os princípios neurocientíficos relacionados à atenção, memória, linguagem, consciência e emoções para a aprendizagem, atuando como uma ferramenta para potencializar o ensino dos alunos. Neste ínterim, cabe agora compreender sobre a plasticidade cerebral e o socioconstrutivismo, conceitos relacionados com as FPS.

3. A PLASTICIDADE CEREBRAL E O SOCIOCONSTRUTIVISMO

O SNC e o Sistema Nervoso Periférico (SNP) desempenham papéis cruciais na aprendizagem de habilidades e competências, e na aquisição de conhecimentos, por meio da interação do indivíduo com o ambiente externo e interno. O principal mediador desse processo é a célula nervosa conhecida como neurônio, que, segundo Relvas (2009), é especializada na condução e transmissão de informações. Os neurônios são formados por dendritos, responsáveis por receber informações de estímulos, o corpo celular e o axônio, um prolongamento que conduz o impulso nervoso para a célula nervosa subsequente, culminando nos terminais sinápticos.

Esses processos sinápticos desencadeiam mudanças significativas no organismo e contribuem para a plasticidade cerebral, que é a capacidade do cérebro humano de se reconfigurar e se desenvolver em resposta a novos estímulos e, por conseguinte, a novas aprendizagens. Nesse sentido, o meio social desempenha um papel fundamental, como destacado por Gonçalves e Pinto (2016, p. 611): “A capacidade cerebral está intimamente relacionada com estímulos provenientes da escola, da família e do ambiente em geral, além de fatores essenciais que afetam a aprendizagem, como o ambiente, a idade e, principalmente, a motivação”.

Além disso, é importante ressaltar que avanços nos estudos sobre a plasticidade cerebral quebraram o paradigma de que o cérebro não sofria mais alterações na fase adulta:

O cérebro adulto é maleável e, devido à plasticidade, se adapta continuamente a novas circunstâncias. Essa capacidade cerebral de mudanças é atribuída à plasticidade cerebral, a qual sugere o cérebro estar bem constituído para a aprendizagem ao longo da vida e para adaptação ao ambiente. Nesse sentido, a forma como o processo de ensinar e aprender são conduzidos pode contribuir com os processos de ativação do cérebro devido à plasticidade, mas, para isso, são necessários estímulos (Dorneles; Cardoso; Carvalho, 2012, p. 252-253).

A plasticidade cerebral está intrinsecamente ligada à perspectiva socioconstrutivista, concebida pelo psicólogo russo Vygotsky (1989), o qual desempenhou um papel pioneiro na discussão sobre como o cérebro se adapta ao ambiente. O teórico argumentava que a interação com o meio é o processo pelo qual o indivíduo desenvolve suas FPS. Portanto, por meio da interação com o ambiente circundante, a pessoa se apropria do patrimônio cultural da humanidade, internalizando-o por meio de instrumentos e símbolos que facilitam essa conexão.

Para efetivar esse processo, é essencial que o professor atue como mediador, orientando o aluno na internalização dos conhecimentos socioculturais. Sobre o assunto, Souza (2004, p. 56) afirma que o “[…] mediador é capaz de enriquecer a interação do mediado com o ambiente, utilizando elementos que não fazem parte dos estímulos imediatos, mas que preparam a estrutura cognitiva do mediado para transcender os estímulos recebidos.” Tébar (2011, p. 77) complementa essa perspectiva ao afirmar que:

A mediação é um fator humanizador de transmissão cultural. O homem tem como fonte de mudança a cultura e os meios de informação. O mediador se interpõe entre os estímulos ou a informação exterior para interpretá-los e avaliá-los. Assim, o estímulo muda de significado, adquire um valor concreto e cria no indivíduo atitudes e críticas flexíveis. A explicação do mediador amplia o campo de compreensão de um dado ou de uma experiência, gera disposições novas no organismo e produz uma constante retroalimentação informativa (feedback). Trata-se de iluminar a partir de diferentes pontos um mesmo objeto do nosso olhar.

Com base nessas considerações, é possível afirmar que a interação do organismo com o ambiente desempenha um papel fundamental na complexidade cerebral, por meio do fenômeno da plasticidade cerebral. A teoria do socioconstrutivismo de Vygotsky (1989) corrobora essa premissa, ao afirmar que o contato com o meio promove o amadurecimento do indivíduo e possibilita o desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores (FPS).

Sendo assim, torna-se imprescindível que o professor tenha conhecimento sobre a maneira como o indivíduo aprende sob a perspectiva socioconstrutivista e o funcionamento das Funções Psicológicas Superiores, a fim de exercer de forma significativa seu papel como mediador. Dessa forma, o educador estará cumprindo sua função como facilitador na construção da estrutura cognitiva do aluno, garantindo, assim, o direito ao desenvolvimento e à aprendizagem de seus alunos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho foi o de refletir sobre a importância de os professores adquirirem conhecimento sobre as Funções Psicológicas Superiores (FPS) a fim de aprimorar suas práticas pedagógicas e, consequentemente, obter resultados mais significativos. A pesquisa demonstrou que o entendimento das FPS é essencial para que os educadores compreendam melhor o funcionamento psíquico e cerebral, o que permite a criação de abordagens pedagógicas assertivas para promover o processo de ensino-aprendizagem.

Quando os educadores compreendem melhor como funcionam a atenção, a memória, a linguagem, a consciência e as emoções, eles podem criar atividades mais estimulantes e desafiadoras que despertam a atenção e a curiosidade dos alunos. Além disso, podem aproveitar as emoções para melhorar a memorização e trabalhar o desenvolvimento das funções executivas, permitindo a aquisição de conhecimento e habilidades. Isso muda a perspectiva da sala de aula, tornando-a mais centrada no processo de aprendizado, com base nos fundamentos neurocientíficos.

Abordagens pedagógicas embasadas em tais concepções contribuem para um processo de ensino efetivo, que estimula a plasticidade cerebral e a aquisição do conhecimento por meio de interações sociais significativas. Ambientes de ensino que ofereçam poucos estímulos para o desenvolvimento completo das FPS podem gerar alunos com dificuldades de aprendizagem. Assim, conclui-se que, para garantir que os alunos tenham acesso pleno aos conhecimentos socioculturais e seus direitos de cidadania assegurados, os docentes devem compreender as FPS e, assim, promover melhorias no processo de aprendizagem, proporcionando uma plena aquisição do conhecimento.

REFERÊNCIAS

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COSENZA, Ramon; GUERRA, Leonor. Neurociência e educação: Como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011.

DORNELES, Caroline Lacerda; CARDOSO, Aliana Anghinoni; CARVALHO, Fernanda Antoniolo Hammes de. A educação de jovens e adultos na perspectiva das Neurociências. Revista Psicopedagogia, Associação Brasileira de Psicopedagogia. v. 29, p. 244-255, 2012.

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KANDEL, Eric. Em busca da memória: o nascimento de uma nova ciência da mente. Trad: Rejane Rubino. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

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RELVAS, Marta Pires. Fundamentos biológicos da educação: despertando inteligências e afetividade no processo de aprendizagem. 4ª ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2009.

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SOUZA, Ana Maria Martins. A mediação como princípio educacional: bases teóricas das abordagens de Reuven Feuerstein. São Paulo: SENAC, 2004.

TÉBAR, Lorenzo. O perfil do professor mediador: pedagogia da mediação. Trad. Priscila Pereira Mota. São Paulo: SENAC, 2011.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

[1] Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade do Estado do Pará – UEPA, Pós-graduada em Supervisão e Orientação Educacional e Tecnologias e Educação a Distância pela União Brasileira de Faculdades – UNIBF. ORCID: 0009-0006-8935-4885. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/7425849500738419.

Enviado: 21 de agosto, 2023.

Aprovado: 11 de outubro, 2023.

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Eloana Maria dos Santos Melo

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