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Cultura e educação: escola e a cultura inclusiva

RC: 146904
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/escola-e-a-cultura

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

MAIDANA, Gessiane Andréa [1]

MAIDANA, Gessiane Andréa. Cultura e educação: escola e a cultura inclusiva. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 07, Vol. 05, pp. 05-18. Julho de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/escola-e-a-cultura, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/escola-e-a-cultura

RESUMO

A cultura é um componente ativo na vida do ser humano, que se expressa em suas ações e práticas em sociedade, formando um conjunto de sistemas e significados que dão sentido a elas. O presente estudo, baseia-se na importância de compreender o tema, para entender os muitos caminhos que conduziram a humanidade às suas relações presentes, enfatizando o local onde, após o meio familiar, a criança está inserida: na escola.  O encontro dessa diversidade de culturas existentes, acontece dentro da escola, e receber adequadamente esta miscelânea cultural, promovendo a aceitação e o respeito pelas diferenças existentes, é uma tarefa desafiadora enfrentada pelos professores. Freire (1963), enquanto pensador humanista, traz diversas reflexões a partir de suas próprias experiências diante de outras culturas, com olhar de humildade, diálogo e respeito às especificidades culturais. (FREIRE, 1963) Para o autor, a cultura de um povo é a porta de entrada para compreender sua realidade. Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa, que objetivou discutir os conceitos de cultura, principalmente no campo educacional, e os caminhos tomados na busca por uma cultura que inclua as diferenças. A escola, que oferecer um currículo multicultural será um espaço onde a inclusão pode acontecer.

Palavras-chave: Cultura, Diversidade, Educação, Inclusão.

1. INTRODUÇÃO

O termo cultura é tema de estudos na sociologia, história, antropologia, entre outras áreas, e, a partir de cada uma dessas, é trabalhada com enfoques distintos, pelo caráter transversal que a cultura tem.

A palavra “cultura” vem do latim colere, que significa cultivar. Com o passar do tempo, vários conceitos foram surgindo a respeito dela, estando diretamente ligada à sociedade, a ideias, valores e comportamentos de um determinado grupo social. O homem, desde seus primórdios, vive em grupos ou sociedades, cultivando distintas culturas, que diferenciam um segmento do outro. Existem insignes conceitos de cultura na contemporaneidade, quando se fala de “cultura política”, “cultura empresarial”, “cultura agrícola”, “cultura de células”, entre outras.

Freire (1992), em sua obra intitulada “Pedagogia da esperança”, enfatiza que o ser humano não vive sozinho, desacompanhado de seus pares, sua família. “Carregamos conosco a memória de muitas tramas, o corpo molhado de nossa história, de nossa cultura; a memória, às vezes difusa, às vezes nítida, clara, de ruas da infância, da adolescência; a lembrança de algo distante […]” (FREIRE, 1992, p.16).

Contudo, nas definições e conceitos sobre cultura, existe o determinismo biológico, e acredita-se que as diferenças raciais davam mais ou menos habilidades inteligência a uns ou a outros. Laraia (2001) afirma, que para os antropólogos, as diferenças genéticas não são determinantes nas diferenças culturais. O lugar onde o povo nasce não importa, mas, sim, onde ele cresce e convive na construção de sua cultura.

As questões geográficas do espaço em que o indivíduo está inserido não se constituem em um fator de determinante cultural, como traz Laraia (2001). Os seres humanos, vão se adaptando de acordo com os desafios e limitações impostas pelo meio onde vivem.

Já para Eagleton (2011, p. 9), a “cultura é considerada uma das duas ou três palavras mais complexas de nossa língua […].” Mais complexa do que o termo cultura, para o autor, somente o termo “natureza”, que é o seu oposto.

Com o pensamento pós-moderno, o termo cultura se pluralizou, está fragmentado e, portanto, relativizado, como destaca Faustino (2006, p. 61):

O antropólogo Adam Kuper (2002) observa que só os cientistas norte-americanos criaram mais de 150 definições para o termo até a primeira metade do século XX. Com a afirmativa “a cultura está mais em voga do que nunca”, Kuper (2002) mostra que este conceito está se fazendo presente nas mais diversas partes do mundo e nos mais variados setores da sociedade. Para este autor, cultura tornou-se um termo politicamente correto podendo ser usado desde os pesquisadores de mercado em Londres, passando por um magnata japonês, pelos habitantes na Nova Guiné até um religioso radical do Teerã, como forma de falar sobre identidades coletivas.

Desta forma, o termo cultura passou a ser discutido por organismos internacionais, em discursos de chefes de estado, nas políticas públicas, nos movimentos sociais e na mídia. Muitos projetos políticos de grande destaque trazem o termo cultura como base, destacando o respeito à diversidade cultural e religiosa, às identidades, entre outros.

Incorporar a cultura nos processos de ensino e aprendizagem, vem sendo algo discutido tanto por educadores, como em movimentos sociais durante as últimas décadas. Como lembra Bourdieu (2008), a cultura e a educação estão interligadas, não podendo existir uma sem a outra, fundamentadas na ideia de que a cultura é uma parte fundamental de todo o processo educacional e tem um papel de primordial na formação de um indivíduo crítico e socializado, buscando a inclusão da cultura no currículo escolar.

Em uma sala de aula, existe uma riqueza cultural muito grande, e o reconhecimento dessa multiculturalidade da sociedade é muito importante. Autores como Candau (2002), Forquin (1993), entre outros, enfatizam a relação existente entre escola e cultura, instigando a busca de uma melhor compreensão acerca da transcendência da cultura no processo de aprendizagem e nas práticas pedagógicas.

E assim como a educação está em uma constante evolução, a história e a cultura também, não se constituindo em algo estático e parado. Segundo Freire (2016, p. 16), “Não haveria cultura nem história sem inovação, sem criatividade, sem curiosidade, sem liberdade sendo exercida ou sem liberdade pela qual, sendo negada, se luta.” A construção de uma educação multicultural tem sido foco de discussão entre vários autores e pesquisadores, com o objetivo de incorporar pressupostos curriculares cooperativos que tornem o ambiente escolar favorável a todos os grupos de alunos, independente de suas diferenças sociais, étnicas ou culturais. É na escola que acontece a socialização das culturas mais variadas, e ela precisa estar preparada para respeitá-las, para que todos os alunos possam exercer seus direitos como cidadãos sem serem tachados ou excluídos independente de suas raízes culturais.

Este trabalho busca discutir os conceitos de cultura, principalmente no campo educacional, e os caminhos tomados na busca por uma cultura que inclua as diferenças.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 A CULTURA COMO CONCEITO ANTROPOLÓGICO

Na antropologia, a cultura vem assumindo diversas definições. Primeiramente, como um fenômeno natural, contudo, com suas causas e regularidades, em que a diversidade nada mais é, do que o resultado da desigualdade de estágios existentes no processo de evolução. Essa primeira definição foi dada por Edward Burnett Tylor (1832-1917), que acreditava nessa evolução da cultura, pela qual as sociedades primitivas deveriam passar até chegar ao nível das civilizadas (apud LARAIA, 2001, p. 14).

As diferenças entre as culturas e as obras das civilizações dos diversos povos ou grupos se explicam, antes de tudo, pela história cultural de cada grupo, com as vivências de cada um.

Na contemporaneidade, o conceito cultura é a temática de amplos debates, sobretudo na área das ciências humanas, na antropologia. Numa perspectiva marxista, a cultura, na atualidade, demanda um esforço no sentido de relacioná-la com a história da humanidade e a formação do ser social. Seguindo esse pensamento, podemos afirmar que a cultura só pode ser compreendida corretamente se não for desvinculada das relações de produção e reprodução da existência do ser humano. No marxismo, para se definir cultura, precisa-se levar em conta a relação ser humano e natureza, o trabalho como ação do ser humano que transforma o meio, modificando-o, modificando-se e, com isso, produzindo a cultura. O processo de desenvolvimento humano é de humanização da natureza e, simultaneamente, de naturalização do gênero humano (MARKUS, 1974).

A diversidade cultural é um tema muito mais complexo do que se pensa. Apresenta um significado muito além da apologia, ao aspecto pluriétnico e pluricultural da sociedade. Para entender o que a diversidade cultural realmente é e significa, é preciso se posicionar de forma crítica e política, com um olhar mais ampliado que consiga abarcar os seus diversificados recortes. Diante da sociedade brasileira, que possui grande riqueza cultural e é formada por múltiplas raças, entender a diversidade cultural torna-se mais desafiador.

Dentro da diversidade cultural existente, começa-se a observar a luta dos diferentes grupos em busca do respeito às diferenças, como os negros, os índios, as mulheres, os homossexuais, as pessoas com necessidades especiais e tantos outros. O desafio está em criar mecanismos para que as diferenças, que são distintas dentro de cada grupo, sejam respeitadas, para que as políticas públicas sejam criadas e implementadas, não resultando em práticas culturais, políticas e pedagógicas solitárias e excludentes.

2.2 A CULTURA E SUA IMPORTÂNCIA NO CAMPO EDUCACIONAL

A cultura é constantemente associada ao saber, à educação e até, em certo ponto, à sofisticação, tendo significado, nesse sentido, em nível social e educacional. Muitas vezes, quem não tem estudo é considerado sem cultura, sendo discriminado. Por isso, Matta 1986, faz uma distinção entre os conceitos de cultura, evidenciando que ela é vista como a quantidade de leituras, títulos universitários, habilidades mentais, a inteligência em si.

Outro conceito de cultura seria o antropológico, que se refere à vida social, às normas de comportamento que relacionam um ser a um determinado grupo.

Para nós, “cultura” não é simplesmente um referente que marca uma hierarquia de “civilização”, mas a maneira de viver total de um grupo, sociedade, país ou pessoa. Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia, um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. (MATTA, 1986, p. 123).

Ao se levar em conta as especificidades que compõem a diversidade cultural e os caminhos que precisam ser percorridos para a construção do diálogo e para a garantia da cidadania a todos e para todos, não se pode esquecer de uma instituição muito importante em nossa sociedade que tem um papel primordial nessa função: a escola.

A escola tem uma missão social e política que vai muito além de escolher a metodologia eficaz para a transmissão dos conhecimentos historicamente acumulados e preparar as novas gerações para o mundo do trabalho ou para ingressarem numa universidade. Essa visão limitada da função da escola precisa ser superada principalmente pelos educadores, pois são eles que estão ligados diretamente ao processo. Nesse sentido, a educação escolar, embora não tenha o poder de resolver sozinha todas essas questões, ocupa um lugar de destaque na sociedade e na discussão sobre a diversidade cultural (MUNANGA, 1999).

Como a escola é um dos espaços socioculturais em que as diferentes presenças se encontram, as diversas culturas se cruzam no dia a dia. Sendo assim, existe a necessidade de preparação para receber essa diversidade. Esse é o grande desafio que as escolas têm enfrentado.

A sociedade brasileira, que é dona de uma riqueza cultural tão abundante, precisa assumir a responsabilidade de criar condições para que essa miscelânia seja respeitada. Como a escola é o espaço cultural onde os indivíduos se encontram, depois da família, ela possui a responsabilidade de formar educadores que favoreçam e proporcionem o respeito às diferenças.

A partir de 1990, a questão das diferenças vem ocupando outro lugar no discurso pedagógico, mas a educação ainda precisa melhorar e avançar muito na compreensão e respeito à diversidade cultural da sociedade. Na busca desses objetivos, a escola vem modificando suas práticas pedagógicas, dando a elas um novo significado nos últimos anos, com o intuito de superar a visão estreita que ainda faz parte da cultura da escola, que prioriza perfis ideais de alunos e educadores. A área da pedagogia vem sendo desafiada a incorporar outras áreas das ciências humanas, inclusive os avanços da própria psicologia, área na qual os educadores buscam a compreensão de que, ao se estabelecer padrões culturais, cognitivos e sociais, há a contribuição para uma exclusão.

As pessoas se humanizam em vários espaços, como na família, na escola, no trabalho, lazer, entre outros, e são nesses espaços que a diversidade acontece, onde há interação com o outro. E perceber a escola como esse espaço cultural significa, acima de tudo, reconhecer que as diferenças existem, aceitá-las e respeitá-las como um eixo importante no processo educativo. Entretanto, essa análise nem sempre é simples, muitas vezes, ela desafia o indivíduo, faz com que ele se defronte com sua própria história, suas próprias ações, opções e valores. Um rompimento de preconceitos acontece, superando velhas e ultrapassadas convicções, dando espaço a novos valores e referenciais.

Se educar é formar e socializar o indivíduo. Pode-se dizer que a cultura e a educação estão relacionadas, pois, para que o processo de educação ocorra, é necessária a transmissão de crenças, valores, conhecimentos, hábitos, etc, através da comunicação, de alguém para alguém. Pode-se afirmar, ainda, que o conteúdo educacional que faz com que o indivíduo se transforme, saindo da sua condição natural, e seja estabelecido como sujeito humano pode ser denominado de cultura. Forquin (1993, p. 24), afirma que “educar, ensinar, é colocar alguém em presença de certos elementos de cultura a fim de que este alguém deles se nutra, os incorpore à sua substância e construa sua identidade intelectual e pessoal em função deles.”

O espaço escolar é onde acontece um amplo desenvolvimento da aprendizagem e uma reconstrução do conhecimento, por meio da integração entre as diferenças. Quando se relaciona a cultura com os conteúdos escolares, tem-se a necessidade de se selecionar e reelaborar os conteúdos para que possam, assim, ser transmitidos às novas gerações. Como cita Forquin (1993, p.16),

[…] a educação escolar não se limita a fazer uma seleção entre os saberes e os materiais culturais disponíveis num dado momento, ela deve também, para torná-los efetivamente assimiláveis às jovens gerações, entregar-se a um imenso trabalho de reorganização, de reestruturação, ou de “transposição didática” […].

A educação, devido a sua importância, mais do que qualquer outra atividade, deveria merecer contínua atualização. As constantes mudanças, a evolução e os avanços na tecnologia influenciam a sociedade de forma que a educação não pode ficar estagnada. São necessários estudos profundos e constantes em todos os níveis escolares, com o objetivo de acompanhar todas as mudanças que acontecem e que refletirão tanto no processo educacional quanto cultural.

Os movimentos intelectuais que surgiram no panorama político do pós-guerra, na Inglaterra, nos meados do século XX, provocaram uma grande reviravolta na teoria cultural. A revolução copernicana constituiu um evento científico chave na história cultural da humanidade, operada pelos estudos culturais, resultando numa ampla transformação da forma como o homem via o Universo e a si mesmo.

Séculos antes, a universidade já era vista como a instituição responsável pelo processo contínuo de organização e reorganização da cultura. Iniciada em mosteiros e catedrais, que tinham como principal objetivo a preservação de uma cultura mais rígida. A universidade, aos poucos, começou a ser vista como um lugar de expansão e interação cultural.

2.3 CULTURA DE INCLUSÃO

Ao se refletir sobre a cultura e o ensino nas escolas regulares, defronta-se com um grande desafio, pois fazer a escola para todos é assumir diretamente o propósito de reinventar cotidianamente o mundo em que se vive.

“Se a educação sozinha não transforma a sociedade sem ela tão pouco a sociedade muda” (FREIRE, 2016, p. 67). Desta forma, a responsabilidade de transformar a sociedade para que haja espaço e oportunidade para todos ainda está na escola. Contudo, a escola atual precisa passar por uma reforma em todo o ensino. “A reforma de ensino deve levar a reforma do pensamento, e a reforma do pensamento deve levar à reforma do ensino.” (MORIN, 2003, p. 20).  “Acreditamos que está na educação, sem dúvida, a principal ferramenta para a transformação social verdadeira que almejamos.” (SANTOS; PAULINO, 2008, p. 11)

A escola, principalmente a pública, surgiu, no seu contexto histórico, com o objetivo de preservar a cultura dominante. De acordo com Valle e Connor (2014, p.25), “os reformadores viram a educação pública como um meio para preservar a posição e os valores da cultura dominante”. A obrigatoriedade de ensino veio ao encontro dessa cultura, e, por muito tempo, os educadores buscaram cultivar esse nivelamento que estava enraizado, com o aluno-padrão e turmas homogêneas, nas quais todos devem, ao final de cada período, chegar a um mesmo resultado.  Nesse sentido, a educação inclusiva tem importância fundamental, pois busca, por princípio básico, a minimização de todo e qualquer tipo de exclusão em arenas educacionais, onde todos participam de forma coletiva e individual (SANTOS; PAULINO, 2008).

No início do século XX, a educação se tornou obrigatória em um momento histórico de grandes mudanças populacionais, quando a oportunidade de emprego nas fábricas atraía os cidadãos do campo. Precisava-se ter um maior controle sobre os trabalhadores que superlotavam as cidades (VALLE; CONNOR, 2014). Desse modo, a escola moldou-se de acordo com o que se passava fora dela, social, cultural e politicamente. A classificação e a marginalização assombravam os filhos de imigrantes, que não conseguiam acompanhar as aulas por questões linguísticas e culturais, as meninas, que eram vistas somente como futuras donas de casa apenas, e os filhos de indígenas e negros, que eram vistos como primitivos e inferiores.

Se for levado em conta que “a educação deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana) e ensinar a se tornar um cidadão” (MORIN, 2003, p. 65), a educação deve partir do educando, do mundo em que vive.O respeito, então, ao saber popular, implica necessariamente o respeito ao contexto cultural. A localidade dos educandos é o ponto de partida para o conhecimento que eles vão criando do mundo.” (FREIRE, 1992, p. 86). Segundo Perrenoud (2014, p. 28), “a escola não constrói a partir do zero, nem o aprendiz é uma tabula rasa, uma mente vazia; ele sabe ao contrário, ‘muitas coisas’, questionou-se e assimilou ou elaborou respostas que o satisfazem provisoriamente.”

“A educação tem caráter permanente. Não há seres educados e não educados. Estamos todos nos educando.” (FREIRE, 2013, p. 28). O educando, juntamente com o educador, precisa reconstruir o conhecimento baseando-se na sua própria realidade, de modo que o conhecimento produzido seja objeto de sua avaliação crítica e contribua para a sua releitura do mundo. Os professores, profissionais da cultura, e não de um único padrão de aluno, de únicas práticas pedagógicas, atividades e currículo escolar, devem entender que todos têm diferenças, sem exceção, de raça, sexo, crenças, idade, e são essas diferenças socioculturais que enriquecem a relação entre professor e aluno, entre os alunos e também entre os próprios educadores.

O trabalho em favor da diversidade pedagógica é algo complexo e que exige do educador o reconhecimento das diferenças, estabelecendo padrões de respeito e de ética e garantindo os direitos sociais e culturais. Segundo Morin (2003, p. 99):

 Os problemas da educação tendem a ser reduzidos a termos quantitativos: “mais créditos”, ‘” mais ensinamentos”, “menos rigidez”, “menos matérias programadas”, “menos carga horária”. É preciso haver mais créditos mais ensinamentos. É preciso respeitar o optimum demográfico da classe para que o professor possa conhecer cada aluno individualmente e ajudá-lo em sua singularidade.

O mundo não vai tornar-se inclusivo de uma hora para outra. A inclusão é um constante processo que envolve mudanças culturais, sociais, pedagógicas e também econômicas, pois vive-se de um processo de total exclusão. No século XVIII e nos meados do século XIX, as pessoas com alguma deficiência ainda eram afastadas da vida em sociedade, consideradas incapazes, improdutivas, um total fardo a ser carregado pelas famílias. A mudança de paradigmas e revisão de conceitos, em busca de uma sociedade mais inclusiva, requer conhecer o processo evolutivo da inclusão, numa busca constante de olhar para si e para o mundo, sob um ângulo das diferenças. Como Morin (2000, p. 35) busca salientar:

O conhecimento dos problemas-chave, das informações-chave relativas ao mundo, por mais aleatório e difícil que seja, deve ser tentado sob pena de imperfeição cognitiva, mais ainda quando o contexto atual de qualquer conhecimento político, econômico, antropológico, ecológico… é o próprio mundo. (MORIN, 2000, p. 35)

Instaurar uma cultura de inclusão na comunidade escolar é algo que se busca diariamente, pois as escolas estão cada vez mais enriquecidas com diversos tipos de deficiências que levam os profissionais a se desafiarem constantemente na busca de novos conhecimentos. Uma cultura de inclusão deve começar aí, pois, se o educando que tem uma deficiência for rejeitado pelos colegas e visto pelas outras famílias como uma ameaça ao avanço ou à segurança de seus filhos, não adiantará nada ter profissionais qualificados e comprometidos, projetos, adaptações curriculares, metodologias e avaliações que atendam à diversidade. Todos os esforços pedagógicos possíveis de incluí-lo devem acontecer no ambiente educacional.

A cultura de inclusão nada mais é do que um conjunto de valores e atitudes sobre como as pessoas com deficiências devem ser acolhidas e tratadas na escola e na sociedade; valores e atitudes que devem ser compartilhados e vivenciados por todos, educadores, funcionários, crianças e pelas famílias dessas. Pois de nada adianta os professores serem inclusivos se os alunos e a escola em si não são.

A instalação de uma cultura inclusiva não acontece da noite para o dia, é um processo lento e que envolve padrões atitudinais e comportamentais extremamente complexos, cuja modificação é lenta e gradual em qualquer indivíduo, e mais ainda quando se pensa no nível coletivo.

Todos que trabalham na escola devem assumir a missão de torná-la mais inclusiva. É necessário comprometimento, por parte dos educadores, dos funcionários, dos alunos e das famílias.

Por exemplo, quando uma turma recebe um aluno surdo, o ensino da língua portuguesa deve ocorrer paralelamente com a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Os cartazes, as apresentações das turmas e tudo que envolve não só a turma, mas a escola, deve ter LIBRAS, para que o aluno com surdez tenha as mesmas oportunidades de aprender dos demais.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cultura estimula o pensamento sobre os seus mais diversos conceitos, nunca saindo do seu importante papel na sociedade, na educação, no reconhecimento e no respeito às diversidades existentes. É um componente ativo na vida de todos, uma vez que não existe indivíduo no mundo todo que não possua uma cultura, pois cada um é possuidor e transmissor de várias culturas. Bourdieu (2008) afirma que cultura é parte principal da educação, sua essência: sua a existência de uma relacionada com a outra. Embasado na ideia de que a cultura é um elemento que nutre todo o processo educacional e que tem um papel de suma importância na formação de um indivíduo crítico e socializado. Esse movimento reivindica a inclusão da cultura no currículo escolar.

A palavra cultura traz diversos conceitos, de modo que diferentes autores dialogam constantemente sobre o tema. No âmbito educacional, a cultura vem, ao longo da história, moldando-se e adequando-se às necessidades que surgem.

Uma cultura educacional inclusiva, que leve em conta as especificidades de todos os educandos, vem sendo buscada ao longo dos últimos anos.

A discussão sobre a educação multicultural, é uma das mais importantes, dentro e para a educação. Diversos pesquisadores e estudiosos, buscam incorporar pressupostos curriculares para que o ambiente escolar se torne favorável a todos, independente de seus grupos étnicos, sociais ou culturais.

A escola deve ter um papel intermediador entre as diversas culturas que a formam, permitindo o debate, a valorização e o respeito a todas, favorecendo, assim, a inclusão. Uma barreira que pode ser notada, e que dificulta uma cultura inclusiva, é o fato, de os currículos da maioria das escolas ainda estarem engessados, necessitando, com urgência, de uma revisão. As salas de aulas estão repletas de diversidades culturais, que precisam ser abraçadas por um currículo que contemple a todas: um currículo multicultural.

Um currículo multicultural, ao ser implantado nas escolas, desafiará os professores a criarem técnicas e estratégias pedagógicas para conseguirem trabalhar as diferenças culturais existentes, facilitando o aproveitamento de todos os alunos pertencentes aos diversos grupos socioculturais e favorecendo a inclusão daqueles que têm alguma necessidade especial em educação, buscando educar para o respeito ao plural, ao diferente e para o exercício da democracia.

Nesta pesquisa, questionou-se sobre quais políticas públicas ainda são necessárias para contemplar a implementação de currículos que atendam as diversas culturas, abrindo espaço para mais estudos a respeito dessa temática.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 9ª ed. Campinas: Papirus, 2008.

CANDAU, Vera Maria Ferrão. Sociedade, cotidiano escolar e cultura(s): uma aproximação. Educação e Sociedade, v. 79, p. 125-161, 2002.

EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. 2ª ed. São Paulo: Editora UNESP, 2011.

FAUSTINO, Rozangela Célia. Política educacional nos anos de 1990: o multiculturalismo e a interculturalidade na educação escolar indígena. 2006. 334f.  Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2006.

FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Trad. Guacira Lopes Louro. Porto Alegre, Artes Médicas, 1993.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

FREIRE, Paulo. Medo ou ousadia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.

FREIRE, Paulo. Conscientização e Alfabetização: uma nova visão do processo. Revista de Cultura da Universidade do Recife. Nº 4; Abril-Junho, 1963.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

MARKUS, Gyorgy. Teoria do Conhecimento no jovem Marx. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.

MATTA, Roberto da. Explorações: ensaios de sociologia interpretativa. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2ª ed.  São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

MUNANGA, Kabengele. (org.) Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da Educação, 1999.

PERRENOUD, Philippe. 10 novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed 2014.

SANTOS, Mônica Pereira; PAULINO, Marcos Moreira (orgs.) Inclusão em educação: culturas, políticas e práticas. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2008.

VALLE, Jan W.; CONNOR, David J. Ressignificando a deficiência: da abordagem social às práticas inclusivas na escola. Porto Alegre: AMGH, 2014.

[1] Licenciatura em História; Pedagogia. Pós graduação: Educação Especial Inclusiva; Gestão Pública Municipal, Tradução, Interpretação e Docência na Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS; Educação Especial e Inclusiva com Ênfase em Surdez e Libras; Supervisão Escolar. Mestranda em Educação, graduada em Letras/ Libras e pós graduada em Educação integral. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8664-512X. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/6891300909967456.

Enviado: 27 de fevereiro, 2023.

Aprovado: 26 de abril, 2023.

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Gessiane Andréa Maidana

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