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Direitos Sexuais no Ensino Superior: Contribuições para a formação profissional de enfermeiros

RC: 76565
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/direitos-sexuais

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

JUCÁ, Thaylana Maria Reis [1], SOUSA, Danielle Busquet de [2], SILVA, Belisa Maria Santos da [3], GOULART, Maithê de Carvalho e Lemos [4], REGAZZI, Isabel Cristina Ribeiro [5], KNUPP, Virgínia Maria de Azevedo Oliveira [6], QUITETE, Jane Baptista [7]

JUCÁ, Thaylana Maria Reis. Et al. Direitos Sexuais no Ensino Superior: Contribuições para a formação profissional de enfermeiros. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 02, Vol. 09, pp. 69-80. Fevereiro de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/direitos-sexuais, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/direitos-sexuais

RESUMO

Objetivo: relatar a experiência da criação de uma disciplina que se propôs a discutir gênero, sexualidades e educação em saúde, em uma instituição pública de ensino superior. Método: estudo descritivo, do tipo relato de experiência, com a finalidade de divulgar uma inovação curricular na formação de enfermeiros. Resultados: Os discentes participaram ativamente das aulas, relatando experiências, inquietações e buscando informações confiáveis e relevantes para o contexto da atenção à saúde do respectivo grupo populacional. Conclusão: A disciplina proporcionou aos acadêmicos a imersão no contexto da diversidade sexual, sobretudo no que se refere aos direitos reprodutivos, sexuais e de saúde, possibilitando a (des) construção de preconceitos, fortalecendo a empatia e o respeito entre os membros da comunidade acadêmica.

Descritores: Direitos sexuais, Direitos reprodutivos, Enfermagem, Formação profissional.

INTRODUÇÃO

A Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBTT), constituída no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), tem como característica a consolidação de um marco contra o preconceito e a descriminalização, pois é composta por uma série de diretrizes para facilitar o acesso do público LGBTQIA+ aos serviços de saúde, devendo ser um compromisso político-ético e profissional de todos os envolvidos nessa instância (BRASIL, 2013) (SILVA et al., 2016).

Neste contexto, respeitar os direitos humanos é uma forma de garantir o exercício de cidadania de uma sociedade com mais empatia e assim mais respeitosa com os outros, como garantir acesso e informação a todos. Torna-se importante reconhecer que os processos discriminatórios contra o público LGBTQIA+ são geradores de agravos à saúde, tais como o: sofrimento psíquico, etilismo, tabagismo e uso de outras drogas (BITENCOURT e RIBEIRO, 2019).

Ademais, destaca-se a vulnerabilidade individual, social e programática às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST/HIV/Aids), ideações e tentativas de suicídio desde a adolescência até a maturidade e velhice (BELEM et al., 2018). Entre as décadas de 1980 e 2000, cerca de 2511 (dois mil quinhentos e onze) homossexuais foram assassinatos no Brasil, todos considerados crimes praticados decorrentes da homofobia (BRASIL, 2008b). São violências praticadas por pessoas desconhecidas em 48% dos casos notificados. Contudo, em 12% dos casos os criminosos são pessoas do ambiente familiar das vítimas e/ou colegas de escola-faculdade. Em 9% dos casos foram praticados por amigos/conhecidos (9%) (BRASIL, 2008).

O preconceito dos profissionais de saúde sobre a prática sexual e social de LGBTQIA+ acarreta a desqualificação da atenção à esta população, evidenciando assim que os processos discriminatórios alcançam o próprio sistema de saúde (SILVA et al., 2016) (NIETSCHE et al., 2018). Corrobora-se que, o despreparo dos profissionais de saúde pode prejudicar o estabelecimento de vínculo, aspecto fundamental para o cuidado humanizado e de qualidade, dentre elas a relação interprofissional e a profissional-paciente (VITIRITTI et al., 2016). Tais atos, que violam direitos humanos, concorrem para redução da assiduidade, baixa procura por serviços de saúde e déficit no autocuidado, o que eleva à vulnerabilidade da população LGBTQIA+ aos agravos em saúde (BELEM et al., 2018).

Considerando a fragilidade no atendimento integral, universal e com equidade, principalmente ao grupo supramencionado, constamos que o Projeto Político Pedagógico do Curso de Enfermagem/UFF do Campus Universitário Rio das Ostras/RJ não contemplava conteúdo temático sobre direitos sexuais em nenhuma de suas disciplinas obrigatórias ou optativas. Fato similar ao ocorrido em por outras instituições de ensino superior (STRONG e FOLSE, 2015) (CARABEZ et al., 2015).

Com base nestes pressupostos, este manuscrito tem por objetivo relatar a experiência da criação de uma disciplina no curso de graduação em enfermagem, que se propôs a discutir gênero, diversidade sexual, sexualidades e educação em saúde, em uma instituição pública de ensino superior.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, com a finalidade de divulgar uma inovação curricular na formação de enfermeiros, ocorrida no ano de 2016. A disciplina, foi ofertada aos discentes dos diversos cursos do Campus Universitário da Universidade Federal Fluminense/Rio das Ostras (Psicologia, Serviço Social, Produção Cultural, Engenharia de Produção, Ciência da Computação), e não somente discentes do Curso de Enfermagem.

A primeira etapa deste estudo foi realizada por uma discente junto à comunidade acadêmica sobre principais dúvidas e questionamentos acerca da temática diversidade sexual. A seguir, foi construída a ementa e o conteúdo programático da disciplina, paralelamente a busca bibliográfica, tendo por pressupostos as dúvidas e questionamentos apontados pela comunidade acadêmica. A proposta da disciplina foi apresentada em reunião do Departamento de Enfermagem (REN) e aprovada por unanimidade pelo corpo docente. Sendo assim, foi incorporada ao Currículo do Curso de Graduação em Enfermagem sendo ofertada a partir do primeiro semestre letivo do ano 2016, tendo caráter optativo com carga horária de 30 horas.

Esta disciplina teve o propósito interdisciplinar de alcançar os diversos cursos do referido Campus, neste sentido utilizou-se referências bibliográficas de diversas bases teóricas, tais como: direito, sociologia, psicologia, antropologia, saúde e políticas públicas. As estratégias pedagógicas propostas foram: a exposição dialogada, a roda de conversa, o estudo dirigido, aplicação de pré-teste e pós-teste e a dinâmica de grupo. Além disto, a disciplina contou com uma proposta inovadora de ensino, a partir do relato de experiência de vida de casais homoafetivos e também de transexuais em roda de conversa, abordando os temas relacionados à adoção homoafetiva e ao processo da transexualidade (preconceito, sofrimento, terapia hormonal e legitimação do nome social), respectivamente.

Foi aplicado um instrumento pré-teste a todos os discentes no primeiro dia de aula da disciplina, com intuito de compreender o conhecimento destes sobre conceitos específicos da diversidade sexual, tais como: as definições de gênero e identidade de gênero e orientação sexual, exemplos de direitos sexuais e direitos reprodutivos, legislação sobre transgenitalização e hormonioterapia, homofobia, nome social, união estável LGBTQIA+ e adoção homoafetiva. Ao final da disciplina, foi preenchido por todos os discentes, instrumento de avaliação da disciplina contendo três perguntas para resposta livre: Que bom que…. Que pena que…. Sugiro que…

RESULTADOS

A ementa da disciplina contemplou o estudo do conhecimento historicamente contextualizado sobre a população LGBTQIA+, baseada nos conceitos de gênero e sexualidade, considerando as políticas públicas e o anteparo jurídico direcionado a este grupo populacional. Também se propõe a discutir sobre a relevância da atuação dos profissionais de saúde e sociedade civil. Para tanto, propusemos como objetivos a serem alcançados ao final da disciplina: apresentar as definições sobre gênero e sexualidade; discutir sobre a construção cultural, social e política da diversidade sexual e do preconceito; apresentar as práticas e políticas de saúde relacionadas à população LGBTQIA+, compartilhar as leis, normas, estatutos de proteção jurídica à população LGBTQIA+, e discutir sobre saúde mental neste contexto.

O conteúdo programático da disciplina contemplou: definições sobre identidade de gênero e sexualidade; construções culturais, sociais e políticas sobre gênero e diversidade sexual; política nacional de atenção à saúde da mulher lésbica, bissexual e da mulher transexual; saúde mental da população LGBTQIA+, política nacional de atenção à saúde do homem gay, bissexual e homem transexual, proteção jurídica; e preconceito de gênero.

Nos dois semestres letivos em que a disciplina foi ofertada tivemos 38 alunos matriculados, todos do Curso de Enfermagem, embora a disciplina tenha sido ofertada a todos os cursos do Campus Universitário. A faixa etária dos discentes variou de 18 a 25 anos, tendo apenas três discentes com mais de 35 anos de idade.

Os resultados do pré-teste evidenciaram desconhecimento prévio sobre conceitos de gênero, identidade de gênero e orientação sexual. Os discentes não conseguiram citar exemplos de direitos sexuais, embora tenham citado pelo menos um direito reprodutivo: o direito de planejar a gravidez e ter ou não filhos. Assim como, demonstraram desconhecimento sobre a proteção jurídica da população LGBTQIA+, tais como o direito de escolha por um nome social que represente a identidade de gênero, por exemplo.

Quadro 01: Avaliação final dos participantes da disciplina Diversidade sexual e de gênero na perspectiva dos direitos sexuais e reprodutivos.

Que bom que… Que pena que… Sugiro que…
“Esclareceu muitas dúvidas que eu tinha antes de fazer a disciplina”. “Faltou tempo”. “A duração da aula fosse maior, o tempo passou muito rápido”.
“Aprendi sobre temas que nunca tive contato antes”. “Muitos não são capazes de discutir francamente seus embaraços e angústias”. “Tenha uma carga horária maior”.
“Compartilhamos ideias e esclarecemos posicionamentos”. “Não seja disciplina obrigatória na graduação”. “Lute para que a disciplina se torne obrigatória”.
“Percebi a complexidade deste tema”. “Acabou”. “Que continue”.
“Essa disciplina foi criada”. “Os outros cursos não participaram”. “Que o Curso de Enfermagem aborde estes conteúdos nas disciplinas obrigatórias”.
“Pude aprender e entender melhor essas questões que geram debates e como futuro profissional saber lidar e amparar”. “Muitos assuntos não foram discutidos com mais exame”. “Possa aumentar a carga horária da disciplina e fazer acréscimo de temas”.
“Aprendi muito e abriu minha visão”. “Não participei das discussões, fui mais ouvinte das aulas por motivo de timidez”. “Essa matéria se difunda e tome proporções estratosféricas até que cada indivíduo saiba o que é a sexualidade e seus direitos”.
“A turma teve bastante abertura para expressar seus conhecimentos, suas dúvidas, e até mesmo dar opinião sobre os assuntos abordados”. “Não foi oferecida antes, pois é essencial para atuação no campo prático”. “Repita a disciplina no próximo semestre”.
“Ocorreram debates críticos bons”. “Faltou discutir mais temas, mais conteúdos”. “Abordem um pouco mais as questões da saúde do público LGBTT e questões pertinentes”.
“Conseguimos chegar ao final desta matéria nos respeitando um ao outro”. “Não consegui participar dos debates”. “Todos os cursos tenham a oportunidade de participar”.

Fonte: autores.

Os resultados emanados da avaliação final da disciplina refletem a complexidade da inserção do tema na formação profissional dos futuros profissionais de saúde, especificamente dos futuros enfermeiros.

DISCUSSÃO

O perfil etário dos discentes foi de adultos jovens, em plena formação, constantemente vulneráveis ao preconceito incidentes sobre a sua sexualidade. Para Foucault (1988) falar sobre sexualidade é também trazer ao debate os pilares que a sustentam, tendo o sistema de poder grande controle sobre as formas que os indivíduos devem identificar-se, ou seja, ultrapassa a biologia, demonstrando que há uma construção social sobre tal assunto (BUTER, 2013). São necessárias diversas discussões sobre gênero, sexualidade, preconceito, humanização do cuidado e quebras de paradigmas para que possamos evoluir em saúde coletiva, garantindo assim, uma saúde integral para todos (BRASIL, 2013).

Quanto ao conhecimento sobre legislação, muitos discentes desconhecem os direitos garantidos pela legislação brasileira. Os resultados revelam desconhecimento sobre os conceitos básicos da temática, fato corroborado por estudos realizados com profissionais de saúde em pleno exercício profissional, tais como médicos e enfermeiros (BITENCOURT e RIBEIRO, 2019).

Atualmente no Brasil temos diversas legislações, normas e diretrizes de atenção à saúde da população LGBTQIA+, que não são divulgadas entre os profissionais de saúde, especialmente entre os enfermeiros e a equipe de enfermagem (SILVA et al., 2016), reforçando a necessidade da constituição destes conhecimentos ainda no processo de formação dos profissionais. Esta constatação torna-se preocupante quando nem mesmo a instituição formadora detém estas informações. Se o enfermeiro não é munido do conhecimento sobre diversidade de gênero e direitos sexuais e reprodutivos, como é possível realizar o cuidado integral e o aconselhamento necessário afim de empoderar estes indivíduos? Ademais, não somente transmitir informações, mas sobretudo fazer com que aquele indivíduo se sinta seguro e acolhido, propiciando melhor adesão ao tratamento proposto.

O cuidado integral à população implica em saber identificar fatores que possam interferir na construção da percepção de saúde na esfera social. Portanto faz-se necessário que enfermeiros e docentes enfermeiros tenham um perfil ativo nesta construção por novos conhecimentos e no próprio reconhecimento de uma sociedade plural com demandas múltiplas (SILVA et al., 2016).

Neste sentido, o enfermeiro que norteia seu cuidado considerando a heteronormatividade como regra, terá um fator limitante na qualidade de sua prática de cuidado e consequentemente do ensino (DARSIE e SARAIVA, 2016), desconsiderando o mundo plural em que vivemos. A prática de saúde heteronormativa considera apenas dois gêneros: feminino e masculino (BITENCOURT e RIBEIRO, 2019). E, ainda, institucionaliza a obrigatoriedade de identificação de gênero a partir do sexo que nos foi atribuído como natural pelas características anatômicas e fisiológicas do corpo (PINO, 2017).

A prática da enfermagem, de um modo geral ainda está pautada no modelo biomédico, com reducionismo à genitalidade, ênfase na doença e tecnicista do cuidado, com destaque para as tecnologias duras, desconsiderando os determinantes de saúde e as relações sociais imbricadas no processo saúde-doença (BELEM et al., 2018) (ANDRADE et al., 2017). Com base nesses princípios, compreendemos a importância de uma prática educacional transformadora, inclusiva, na qual a escola teria o papel de contribuir no sentido de denunciar a dominação e opressão presentes nas relações sociais, fornecendo elementos para que os indivíduos percebam as concretas determinações da realidade social e, assim, construam as bases para a luta pela alteração do modo de produção e reprodução da vida (PINO, 2017).

Porém a história nos revela que a educação escolar no Brasil não foi fundamentada nesses princípios, nem poderia, pois desde as primeiras organizações tinha o objetivo de servir aos interesses das classes dominantes (em especial, a soberania da Igreja Católica, ainda na Idade Média). Com isso, percebemos que o sistema de ensino se adequa às exigências do contexto econômico-sociocultural no qual está histórica e dialeticamente imerso (PINO, 2017).

Os espaços educacionais são lugares onde a vida cotidiana de adolescentes e jovens lésbicas, gays, travestis, transexuais se desenvolve. Dessa maneira, esses locais são permeados por vivências individuais e coletivas que são particulares às pessoas LGBTQIA+, como a afirmação/negação da sexualidade/orientação sexual, o enfrentamento de preconceitos e da LGBTfobia, a negação de direitos e situações de opressão (PINO, 2017).

Alguns profissionais chegam a utilizar a justificativa de que é uma população que não chega ao serviço, embora saibam que a demanda existe. Outros consideram o usuário LGBTQIA+ como não pertencente ao ambiente das unidades de saúde (BELEM et al., 2018). Contudo, há relatos sobre dificuldades em abordar aspectos relativos à saúde dessa população em decorrência de lacunas na formação profissional. Além disso, os profissionais desconhecem a existência e/ou diretrizes de uma política para LGBTQIA+ (BELEM et al., 2018). Assim como, legislação específica, como por exemplo, direito ao nome social (BRASIL, 2009).

Discutir sexualidade e gênero em uma Instituição de Ensino Superior (IES), e em um curso de Graduação em Enfermagem é de grande importância para termos cada vez mais profissionais aptos a lidar com a diversidade e pluralidade das relações futuras, acompanhar as mudanças do conceito família, casal e gênero e poder abranger e respeitar todos os indivíduos que estejam sob seu cuidado (STRONG e FOLSE, 2015). Para isso, atenta-se para necessidade de que os profissionais de saúde sejam preparados, desde a sua formação, para atendê-las. (NIETSCHE et al., 2018).

Faz-se necessário que enfermeiros educadores repensem saberes e práticas, que estejam reforçando determinismos biológicos presentes nos padrões de gênero e, que detêm homens e mulheres em pensamentos arcaicos sobre os comportamentos para cada sexo, sendo esse um dos pilares para a manutenção das desigualdades de gênero. Para além dos fatores biológicos que são utilizados na tentativa de justificar preconceitos. Vale ressaltar que, o fator cultural de cada sociedade é o que determinará os padrões para cada sexo. (DARSIE e SARAIVA, 2016).

A população LGBTQIA+, comparada aos indivíduos heterossexuais, enfrenta entraves estruturais, culturais e organizacionais ao deparar-se com barreiras simbólicas, morais e estéticas articuladas a marcadores sociais da diferença, lógicas de exclusão e/ou não aceitação social (BELEM et al., 2018). O sofrimento psíquico pode ser provocado por inúmeros fatores, inclusive pelo sentimento de não pertencimento ao sexo biológico, dentre outras questões. São citadas como dificuldades para se vincular a um emprego: a mudança de nome, aspectos emocionais como depressão, o preconceito e o julgamento da aptidão técnica pela aparência física (ARAN et al., 2008). As mulheres lésbicas, por exemplo, podem apresentar adoecimento psíquico desencadeado pela violência sofrida no núcleo familiar (REDE FEMINISTA DE SAÚDE, 2006).

O cotidiano marcado pela ansiedade, pelo medo e pela expectativa ou simplesmente por supor que pode sofrer preconceito de gênero ou orientação sexual são motivos desencadeantes do uso abusivo de drogas, o que reverbera em adoecimento para este grupo populacional. A educação tem um papel político-pedagógico pela sua capacidade de fornecer elementos para que possam se reconhecer como sujeitos na busca por uma liberdade substantiva e, portanto, na eliminação das opressões e explorações.

Uma educação que garanta o respeito à diversidade humana, isto é, que não seja sexista, racista, homofóbica e que valorize a livre expressão da orientação sexual e da identidade de gênero de todos os usuários dos serviços de saúde e que se coloca a serviço da emancipação humana, em meio às lutas sociais, amplia as referências de formação dos sujeitos dessas lutas. (PINO, 2017) (ANDRADE et al., 2017).

Logo, a discussão de conceitos como gênero e questões pertinentes às pessoas LGBTQIA+ na universidade é uma das ferramentas para que as orientações sexuais e identidades de gênero não fiquem apenas vinculadas às discussões de natureza cultural, mas sejam entendidas como o que são: dimensões da essência humana que se edificam por meio de construções sociais (PINO, 2017).

A educação na enfermagem e na saúde pode ser compreendida como um processo educativo, dinâmico e dialógico que busca revitalização e qualificação pessoal e profissional, bem como melhoria da qualidade de vida e saúde dos sujeitos envolvidos (STRONG e FOLSE, 2015). Destaca-se que o estudo apresenta como limitação o fato de ter sido abordada apenas sob o ponto de vista dos acadêmicos.

Entende-se que o processo formativo do enfermeiro depende de diversos sujeitos, incluindo população LGBTQIA+, discentes, docentes e profissionais da saúde. Este estudo se propõe a fomentar uma discussão temática sobre diversidade de gênero no campo da saúde e da enfermagem. Possibilitando uma formação profissional mais qualificada e ética.

CONCLUSÃO

Concluímos que relatar nossa experiência poderá estimular outras instituições de ensino superior (IES) a incluir em seus currículos este conteúdo temático fomentando assim diálogo entre discentes e docentes, quebrando paradigmas e preconceitos, ampliando a construção de conhecimento. Bem como, propiciará a garantia dos direitos humanos aos usuários dos serviços de saúde, por meio do cuidado realizado por profissionais de enfermagem qualificados no atendimento da população LGBTQIA+.

Considerando que a educação institucionalizada, em sentido amplo, pode colaborar também na formação de consciência dos sujeitos sobre os processos de transformação da sociedade em que vivemos, além de ampliar a discussão sobre a saúde desse grupo da população vulnerável. Os resultados emanados da avaliação final da disciplina refletem a complexidade da inserção do tema na formação profissional dos futuros profissionais de saúde, especificamente dos futuros enfermeiros.

REFERÊNCIAS

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[1] Enfermeira especialista em Gênero, Sexualidade e Direitos Humanos pela Escola Nacional de Saúde Pública/ENSP/FIOCRUZ. Pesquisadora do grupo de pesquisa Laboratório de Estudos sobre Mulheres e Enfermagem/LEME/UFF Campus Rio das Ostras.

[2] Enfermeira pela Universidade Federal Fluminense.  Pesquisadora do  Grupo Estudo e Pesquisa em Saúde Coletiva/GEPESC-/UFF/ Campus Rio das Ostras. Pesquisadora do grupo de pesquisa Laboratório de Estudos sobre Mulheres e Enfermagem/LEME/UFF Campus Rio das Ostras.

[3] Acadêmica de Enfermagem da Universidade Federal Fluminense/Campus Rio das Ostras. Bolsista PROAES/ Desenvolvimento acadêmico. Pesquisadora do grupo de pesquisa Laboratório de Estudos sobre Mulheres e Enfermagem/LEME/UFF Campus Rio das Ostras.

[4] Doutora em Ciências pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

[5] Doutora em Ciências da Saúde pela UNIRIO.

[6] Doutora em Ciências da Saúde – UNIRIO.

[7] Enfermeira Obstétrica. Doutora em Enfermagem pela UERJ.

Enviado: Dezembro, 2020.

Aprovado: Fevereiro, 2021.

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Belisa Maria Santos da Silva

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