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A deficiência sob a perspectiva de Vigotsky: reflexões sobre a defectologia

RC: 145651
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/defectologia

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL 

ROSARIO, Poliana de Souza [1]

ROSARIO, Poliana de Souza. A deficiência sob a perspectiva de Vigotsky: reflexões sobre a defectologia. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 06, Vol. 02, pp. 22-31. Junho de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/defectologia, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/defectologia

RESUMO 

Esse estudo está baseado na aprendizagem das pessoas com deficiência na perspectiva de Lev Vigotski (1997).  Tal área é chamada de defectologia vigotskiana e é uma pesquisa qualitativa e bibliográfica que tem como objetivo compreender o processo de aprendizagem da pessoa com deficiência intelectual fundamentada nesse teórico.  O século XX foi marcado inicialmente pelo despertar da sociedade para esses sujeitos o que contribuiu para o nascimento da defectologia.  Nessa época a deficiência estava relacionada a defeito e os estudos de Vigotski (1997) estavam voltados para as potencialidades e não para tais defeitos.  A preocupação de Vigotski estava pautada em transformar a maneira como era vista a compreensão da deficiência que estava atrelada a fatores biológicos e limitantes.  Apesar de se reconhecer que há um viés biológico na deficiência, o argumento dele estava defendendo a forma como era vista culturalmente (VIGOTSKI, 1997).  Para esse autor, a aprendizagem das pessoas com deficiências estava intimamente relacionada ao que se oferecia para esse aprendizado, ou seja, aos estímulos e a escola é um lugar adequado para tais estímulos, pois quando pensamos numa proposta Vigotskiana a relacionamos com o ambiente dinamizado pelas relações sociais e mediado por elementos e signos que contribuem (VIGOTSKI, 2008). A pesquisa permitiu que se percebesse que a escola é um lugar potencializado para a aprendizagem da pessoa com deficiência quando esse ambiente é favorável a uma aprendizagem contínua e com a mediação de alguém que tem mais conhecimento, consolidando-se pelas relações propostas pela Zona de Desenvolvimento Proximal.

Palavras-chave: Inclusão,  Educação Especial,  Deficiência,  Defectologia.

1. INTRODUÇÃO

A defectologia[2] foi escrita por Vigotski por volta do início do século XX. Em seus estudos são relatadas as análises sobre o desenvolvimento e aprendizagem da criança com deficiência, considerando os vários tipos de deficiência, podendo ser intelectual ou física.  Para Vigotski a deficiência era vista como um defeito, por isso o nome defectologia, mas isso desclassificava a pessoa a tornando inferior.  De acordo com Van der Veer e Valsiner (1996), havia uma equipe multidisciplinar que avaliava essas pessoas e lhes davam diagnósticos.  Essas equipes eram compostas de médicos, psicólogos, pedagogos e as crianças apresentavam todo tipo de deficiência.

O trabalho de Vigotski foi inovador, pois ele foi um dos precursores na defectologia e sua proposta estava direcionada para o potencial da pessoa e não seus defeitos.  Na atualidade, quando ouvimos essas definições nos parecem preconceituosas, uma vez que social e culturalmente não nos baseamos numa definição de deficiência considerando defeitos.

Esse estudo apresenta uma proposta de desenvolver ideias e refletir sobre o conceito de defectologia e entender a proposta de Vigotski para o desenvolvimento e aprendizagem da pessoa com deficiência. Nesse sentido, pode-se considerar como objetivo dessa pesquisa compreender como a deficiência é vista sob a perspectiva de Vigotski. Ademais, buscou-se responder à seguinte pergunta de pesquisa: como a deficiência é vista sob a perspectiva de Vigotski e como ocorrem os processos que a envolvem? Para responder a essa questão, a pesquisa se dará de forma qualitativa por meio de pesquisa bibliográfica, considerando os termos usados na época, o que precisa ser compreendido para não se confundir com preconceito ou desinformação.

O meio em que a pessoa está inserida é de extrema importância e faz toda a diferença, ainda mais quando consideramos que não é somente para as pessoas com deficiência, mas para qualquer sujeito.  A deficiência vem sendo estudada e os estudos evoluindo, mas os estudos de Vigotski permanecem contextualizados até o momento e devemos considerar sua abordagem sobre o desenvolvimento e aprendizagem da pessoa com deficiência.

2. DESENVOLVIMENTO

Os métodos psicológicos usados para pesquisar as deficiências no início dos estudos em defectologia tinham suas bases mais efetivas em elementos quantitativos.  Binet e as escalas de psicometria se destacaram muito nesse período, mas Vigotski contestou esses procedimentos.  De acordo com Van Der Veer; Valsiner (1996):

[…] as crianças em desenvolvimento tornavam-se não mais desenvolvidas, mas desenvolvidas de um modo diferente, fazendo uso de um outro conjunto de instrumentos. Vygotsky, consequentemente opunha-se a todos os procedimentos diagnósticos que fossem baseados em uma abordagem puramente quantitativa. (VAN DER VEER; VALSINER, 1996, p. 84).

Quando o defeito é considerado como o principal elemento de representação para a pessoa com deficiência, podemos entender que, de forma geral, essa pessoa não recebe muito crédito da sociedade.  Isso poderia gerar um sentimento de inferioridade, o que poderia ser considerado um motivo de estímulo para o aprendizado na perspectiva da defectologia.

As primeiras ideias de Vigotski, de acordo com Van der Veer e Valsiner (1996), estavam voltados prioritariamente para os estudos com pessoas surdas-mudas, cegos e pessoas com deficiências mentais e em 1925 seus estudos se destacaram com a sua viagem por vários países como Alemanha, Inglaterra e França.

Para Vigotski a educação voltada para o Aspecto social deve ser valorizada, bem como o potencial da criança com deficiência, dessa forma é possível dar um outro direcionamento para o desenvolvimento normal.  Para ele o defeito tinha uma ação direta com o aspecto físico do ambiente.  A própria deficiência ou defeito, na concepção de Vigotski leva a família a dar um tratamento diferenciado para a criança, o que afeta sua relação com o meio de forma negativa (VAN DER VEER; VALSINER, 1996).

Os estudos em defectologia propostos por Vigotski visavam compreender uma maneira de entender a deficiência, desvinculando-a do aspecto biológico e limitador somente.  Não houve uma tentativa de negar esses aspectos, porém ele buscava não se restringir a eles.  Ele acreditava que havia algo maior e com teor cultural que envolvia os processos de aprendizagem da pessoa com deficiência que iria além dos seus defeitos, termo usado por ele em seus estudos. Van der Veer e Valsiner (1996) indicam que, para Vigotski a pessoa e seus aspectos físicos estão envolvidos numa relação direta com meio social em que vivem, portanto, suas relações são estabelecidas com base nisso.

O que surge como barreira em decorrência da deficiência estão diretamente relacionadas com a forma como a pessoa se relaciona com a sociedade em seu convívio.  A consciência da deficiência se dá, de acordo com Vigotski, a partir do momento que a pessoa se depara com a normalidade do outro, pois seus parâmetros passam a se basear nessa relação.

Pletsch e Braun (2008) afirmam que, de acordo com Vigotski, a criança nasce somente com os aspectos biológicos comandando suas relações, mas o contato com a cultura e sociedade despertam para um processo humanizado que interfere na aprendizagem e no desenvolvimento diretamente.

Quando nos referimos atualmente à Deficiência Intelectual (DI) podemos fazer referência ao que Vigotski chamava de Deficiência Mental.  De acordo com Pletsch e Braun (2008), sua visão era clínica e a deficiência não fazia parte de um processo, dessa forma, a pessoa com deficiência ficava limitada e estagnada e essa situação foi amplamente combatida por ele.  Cada pessoa é diferente da outra, sendo assim, as particularidades precisam ser respeitadas e precisa ser entendido que o ambiente faz toda a diferença na construção da sua identidade.

A fim de entendermos melhor a defectologia, precisamos também entender os fenômenos que constituem o processo de transformação da pessoa, assim, de acordo com Valdés (2002), podemos considerar que a humanidade vive em constante mudança em vários de seus aspectos e tais mudanças afetam nossa vida em sociedade.

A defectologia de Vigotski fazia críticas à forma como as escolas especiais agiam com suas crianças, para ele essas escolas não eram um canal de viabilização do convívio social e assim não contribuíam para o desenvolvimento psicossocial dos alunos.

Os aspectos terapêuticos eram prioritários e as escolas se baseavam nas informações clínicas para conduzir os aspectos pedagógicos em relação à criança.  Isso contribuía muito para a estigmatização da criança levando-a a ser vista como alguém limitado em relação aos outros em alguns aspectos.  O foco não estava na superação ou no desenvolvimento das potencialidades, mas sim em fazer somente o que ela poderia.

De acordo com Vigotski (1997), a questão estava relacionada à separação ou seleção de quem poderia frequentar a escola normal e dos que não poderiam fazer parte dela.  Essa atitude só provocava a separação e discriminação para a vida das crianças com alguma deficiência.

Foi possível perceber uma mudança de visão em relação a tais enfoques quando os direcionamentos clínicos se tornaram insuficientes para oferecer as diretrizes educacionais para o aluno.  Para Vigotski (1997), a transformação de atitude pedagógica, voltando-se para as habilidades da criança, veio trazer um atendimento de melhor qualidade.  Com essa mudança, outro foco passou a ser a tentativa de desvendar o desenvolvimento infantil da pessoa com deficiência e o que direciona esse desenvolvimento.

Dessa forma, a orientação passa a ser em relação a levar o aluno a lidar com a deficiência.  É importante ressaltar que Vigotski pontua que a deficiência não é somente um fator biológico, mas antes de tudo carrega em si as causas sociais.

[…] a criança cujo desenvolvimento foi comprometido por alguma deficiência, não é menos desenvolvida do que as crianças ‘normais’, porém é uma criança que se desenvolve de outra maneira. Isto é, o desenvolvimento, fruto da síntese entre os aspectos orgânicos, socioculturais e emocionais, manifesta-se de forma peculiar e diferenciada em sua organização sociopsicológica. Assim, não podemos avaliar suas ações e compará-las com as demais pessoas, pois cada pessoa se desenvolve de forma única e singular (PLETSCH e BRAUN, 2008, p. 4).

Essa visão de Vigotski nos impulsiona a entender uma educação inclusiva em toda a sua plenitude, uma vez que cada pessoa carrega em si suas marcas sociais, biológicas e pessoais.  Crer que o desenvolvimento se dá somente por vias biológicas é negar que a pessoa é um ser histórico e social.

Para Vigotski (1997), as pessoas apresentam “defeitos” de diferentes ordens, então o desenvolvimento da pessoa com deficiência intelectual ocorre da mesma forma que o de outras pessoas. Ele sugere que a compensação se dá na tentativa de superar as dificuldades e tornar a pessoa mais integrada ao meio e através da sua personalidade e seu organismo.

O que é importante não está baseado na deficiência e sim na personalidade da criança e em sua reação frente à dificuldade posta pelo que Vigotski chama de defeito em sua teoria da defectologia.  Fica claro que a pessoa com deficiência não é constituída somente de “defeitos”, mas sim é dotada de potencialidades e capacidade de compensar tais limitações diante dos desafios que o meio lhe impõe.

Para Vigotski (1997) a personalidade se equilibra, e busca compensações, assim, considerando o próprio processo de desenvolvimento da criança. É fundamental ir para além do conhecimento da deficiência, é preciso vê-la considerando sua personalidade e o seu meio, dessa forma será possível encontrar mais fidelidade no estudo sobre a deficiência.

Esse processo de compensação se dá pelo enfrentamento travado pelo organismo e a “enfermidade”, como chamado por Vigotski.  A deficiência provoca sintomas variados e de duplas ordens, ou seja, por um lado as funções são alteradas e por outro, o organismo tenta enfrentar o transtorno.  O desenvolvimento do ser humano, de forma geral deve servir como modelo para o entendimento do processo de compensação, pois as dificuldades podem servir de estímulo para as funções compensatórias.

A educação da criança com diferentes defeitos deve basear-se no fato de que, simultaneamente com o defeito, estão dadas também as tendências psicológicas de uma orientação oposta; estão dadas as possibilidades de compensação para superar o defeito e de que precisamente essas possibilidades se apresentam em primeiro plano no desenvolvimento da criança e devem ser incluídas no processo educacional como sua força motriz.  Estruturar todo o processo educativo seguindo a linha das tendências naturais à supercompensação significa não atenuar as dificuldades que surgem do defeito, mas tencionar todas as forças para sua compensação, apresentar somente tarefas e em ordem que respondam ao caráter gradual do processo de formação de toda a personalidade sob um novo ponto de vista (VIGOTSKI, 1997, p. 32-33).

Vigotski (1997) pontuou que poderia não ser o bastante entender e fundamentar os processos compensatórios, mas com o desenvolvimento dos seus estudos, percebeu a importância de discorrer sobre a natureza desse processo e de sua duplicidade.

O autor aponta, ainda, que a compensação, como processo é resultante da subjetividade da personalidade da pessoa frente às situações que surgem em decorrência da deficiência.  De acordo com essa teoria o processo de compensação tem seu início com a percepção da limitação ou “defeito”, como chamado na defectologia e o sentimento de inferioridade provocado por ele na pessoa, chamado de “sentimento de menos valia” pelo autor (VIGOTSKI, 1997).

A conscientização da própria deficiência vai ser associada a um sentimento de inferioridade que será o gerador da reação para a superação da limitação.  Dessa forma a inferioridade pode se transformar em superioridade com o investimento e estímulo ao processo de compensação “O desenvolvimento do raciocínio dos defectólogos é assim: para o surgimento da compensação é necessário que a criança interiorize e sinta sua deficiência” (VIGOTSKI, 1997, p. 105).

Esse direcionamento da defectologia de Vigotski ressalta a importância da aceitação da deficiência, ou seja, negá-la não traria nenhum benefício ao processo de desenvolvimento, uma vez que para que haja compensação é necessário que haja o sentimento de inferioridade como ponto de partida para a inserção da pessoa no processo de desenvolvimento das potencialidades.

De acordo com Vigotski (1997), a criança com deficiência intelectual, por exemplo, apresenta significativa autossatisfação e se não for confrontada com a realidade das suas limitações não vai se sentir desafiada a superar-se, inibindo ou dificultando o processo de compensação.  O termo usado por Vigotski como “sentimento de inferioridade” deve ser entendido como uma denominação somente, uma vez que com vistas à sua teoria o importante é o incentivo às descobertas e contribuição para o processo de compensação.

Vigotski sustenta um outro lado do sentimento de inferioridade que pode surgir por meio do convívio social e o processo compensatório se sustenta por essa questão relacional.  Superar as dificuldades se torna um elemento propulsor para que o processo de compensação se efetive.

Vigotski (1997) entendia os elementos culturais formados e reformados no meio social são estimulados pela escolarização.  Assim o processo de inclusão da pessoa com deficiência na escola é tão importante, uma vez que nela as relações sociais se dão sem a superproteção familiar, que muitas vezes tenta esconder ou fingir que a deficiência não existe, impedindo do processo de compensação se efetivas.

O convívio com as outras pessoas, na sala de aula, por exemplo, a interação entre essas pessoas viabiliza novas aprendizagens.  Ninguém chega à escola vazio, cada um traz consigo suas experiências e vivências sociais e familiares.  Para que as funções psicológicas superiores sejam desenvolvidas são necessárias ações na Zona de Desenvolvimento Proximal[3] e essas funções são “[…] constituídas em situações específicas, na vida social, valendo-se de processos de internalização, mediante uso de instrumentos de mediação” (CAVALCANTI, 2005, p. 4).

De acordo com Vigotski (2008) o processo de desenvolvimento não parte da individualidade para as relações sociais, mas “[…] segundo a nossa concepção, o verdadeiro curso do desenvolvimento do pensamento não vai do individual para o socializado, mas do social para o individual” (VIGOTSKI, 2008, p. 24).

Dessa forma, podemos perceber que a escolarização da pessoa com deficiência é um ponto muito importante para que o processo de compensação, bem como o seu próprio desenvolvimento se dê favoravelmente.  Cavalcanti (2005) aponta que, esse processo se dá de fora para dentro e de uma instância interpessoal para intrapessoal.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A defectologia, baseada em Vigotski (1997), mesmo sendo do século passado, se apresenta como um tema atual.  Salvo alguns conceitos como “defeito” que não são mais aceitos ou utilizados, entendemos que suas ideias são pertinentes para refletirmos acerca do processo inclusivo da pessoa com deficiência.

Ao longo dessa pesquisa foi possível perceber algumas limitações de estudo e destaca-se a principal delas que está relacionada justamente à perspectiva inclusiva.  Quando Vigotski desenvolveu seus estudos não se falava em inclusão, o ensino das pessoas com deficiência estava limitado às escolas especiais, portanto percebe-se que, a forma como vemos e lidamos com a pessoa com deficiência na atualidade terá influência também dos processos inclusivos.

Com base nesse quesito, entende-se que esse poderia ser um ponto de partida para estudos futuros, com a perspectiva de entender a defectologia em um ambiente inclusivo das pessoas com deficiência intelectual, ampliando-se assim o campo de estudos e relacionando-o a esse contexto que vivemos na atualidade.

Percebeu-se a importância do meio social no desenvolvimento da pessoa com deficiência e o quanto o convívio sem preconceitos pode contribuir para sua aprendizagem.  Quando a deficiência é tratada com naturalidade, discutida, refletida e assumida, de acordo com o que propõe Vigotski (1997), ocorre a busca pela superação pelo processo de compensação.  A defectologia não é um estudo que nos aponta as falhas ou os defeitos, apesar de usar tal termo, mas sim nos mostra as possibilidades de desenvolvimento do potencial do indivíduo.

Retomando o objetivo do estudo, o de compreender o processo de aprendizagem da pessoa com deficiência intelectual fundamentada em Vigotski, foi possível entender que a aprendizagem, nessa perspectiva, ocorre de forma contínua, é um processo com muitos aspectos que precisam ser considerados, precisa de acontecer com mediação de alguém que tem mais conhecimento a fim de termos as novas conquistas e conhecimentos consolidados pelas relações propostas pela Zona de Desenvolvimento Proximal.

A participação do outro no desenvolvimento da pessoa com deficiência é fundamental. No trabalho com pessoas com deficiência, é preciso ter um olhar sensível para observar os detalhes e indícios em seu comportamento, garantindo as interações com os outros, provocando um movimento contrário ao que se encontra cristalizado e tentando interagir com esses sujeitos na busca de dar significado às suas vivências e de propiciar sua inserção na cultura.

Na perspectiva de Vigotski, entendemos que é fundamental a tomada de consciência acerca da deficiência para que possa ser superada no sentido da limitação.  Quando a pessoa se vê limitada pode ter uma tendência a sentir-se inferior, mas de acordo com a defectologia, a consciência pode transformar esse sentimento em gatilho para a superação com o sentimento de compensação.  A negação da deficiência não traz nenhum benefício para o desenvolvimento da pessoa com deficiência. Ao negarmos a informação para a pessoa com deficiência não estamos contribuindo para o confronto que gera o desafio e por sua vez a superação deste.

A escolarização pode estimular o confronto com os elementos culturais e sociais que irão interferir no processo de inclusão da pessoa com deficiência.  Inclusão e escolarização são processos que se completam e um depende do outro (VIGOTSKI, 1997).  Conviver com outras pessoas viabiliza as aprendizagens, pois ninguém chega à escola sem saber nada, cada um vem com suas experiências, vivências, decepções, superações, enfim, cada um carrega sua subjetividade, sua história.  Para que as funções superiores se desenvolvam são necessárias as ações na Zona de Desenvolvimento Proximal e com a validação dos processos de internalização pela mediação.

A escola é um lugar potencializado para o desenvolvimento do sujeito, porém é preciso superar a concepção da escola como lugar voltado somente para a socialização e adaptação das atividades com o acesso ao currículo.

O espaço escolar é aquele que projeta a pessoa para além do que lhe é apresentado imediatamente, impulsionando-a a estudar não somente os fatos e fenômenos, mas também as interrelações, uma boa escola deve ser para todos, para pessoas com ou sem deficiências, uma vez que nessas relações avançamos nos processos de humanização.  Saviani (2005) aponta que o nível do desenvolvimento que se alcança pelas formações sociais na atualidade exige minimamente conhecimentos sistemáticos e sem eles não se considera a pessoa como cidadão.

Essa pesquisa evidenciou a necessidade da interação entre pares e entre professor e alunos com o foco na mediação proposta por Vigotski, mas é necessário pensarmos na educação da pessoa com deficiência na realidade em que vivemos na atualidade, em que as crianças estão em escolas comuns, em contextos que podem gerar comparações e em que professores nem sempre estão preparados para lidar com tais situações, assim torna-se imperativo um aprofundamento de estudos relacionados a essa condição gerada pela inclusão, que se não for bem trabalhada como proposto por Vigotski pode ser uma limitação para o desenvolvimentos dos alunos com deficiência na escola regular.

REFERÊNCIAS

CAVALCANTI, L. S. Cotidiano, mediação pedagógica e formação de conceitos: uma contribuição de Vygotsky ao ensino da geografia. Cadernos Cedes, Campinas, v. 25, n. 66, p. 185-207, 2005.

PLETSCH, M. D.; BRAUN, P. A inclusão de pessoas com deficiência mental: um processo em construção. Democratizar, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 1-12, 2008.

RUPPEL, C.; HANSEL, A.; RIBEIRO, L. Vygotsky e a defectologia: contribuições para a educação de estudantes com deficiência nos dias atuais. Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v.8, n.1, p. 11-24, 2021.

SAVIANI, D. Educação socialista, pedagogia histórico-crítica e os desafios da sociedade de classes. In: LOMBARDI, J. C.; SAVIANI, D. (Orgs.). Marxismo e educação     : debates contemporâneos. Campinas: Autores Associados, HISTEDBR, 2005.

VALDÉS, M. T. M. A educação especial na perspectiva de Vygotsky. In: MAGALHÃES, R. C. B. P.; LAGE, A. M. V. (Orgs.). Reflexões sobre a diferença: uma introdução à educação especial. Fortaleza: Demócrito Rocha, 2002.

VAN DER VEER, R.; VALSINER, J. Vygotsky: uma síntese. São Paulo: Loyola, 1996.

VYGOTSKY, L. S.  Fundamentos de defectologia.  In: Obras completas. Tomo cinco. Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1997.

VYGOTSKY, L. S.  Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ

2. Defectologia: campo de estudos que tratam sobre o desenvolvimento e a aprendizagem das pessoas que possuem uma deficiência, seja de natureza sensorial (visual, auditiva e surdocegueira), física ou intelectual (RUPPEL, HANSEL & RIBEIRO, 2021).

3. Zona de Desenvolvimento Proximal: caracterizado como a distância entre o nível de desenvolvimento real (aquilo que a criança consegue fazer por si mesma) e o nível de desenvolvimento potencial (aquilo que a criança consegue fazer com o auxílio de outras pessoas) (RUPPEL, HANSEL e RIBEIRO, 2021).

[1] Especialista em Educação Especial e Inclusiva. ORCID: 0000-0002-7199-9910. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2060634133347525.

Enviado: 11 de janeiro, 2023.

Aprovado: 17 de abril, 2023.

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Poliana de Souza Rosario

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