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Bilinguismo na educação infantil

RC: 39709
895
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/bilinguismo-na-educacao

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

VIOLA, Blenda Augusta Ribeiro [1], NONATO, Gleides Ander [2]

VIOLA, Blenda Augusta Ribeiro. NONATO, Gleides Ander. Bilinguismo na educação infantil. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 10, Vol. 08, pp. 149-153. Outubro de 2019. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/bilinguismo-na-educacao

RESUMO

A necessidade de dominar uma segunda língua é um fenômeno mundial. Escolas em todo o mundo lançam mão do bilinguismo para investir na educação do futuro. No entanto, há de se compreender o processo de aquisição linguística além de uma simples proposta pedagógica para o futuro. O objetivo geral do presente trabalho é analisar e discutir como se desenvolve o processo de assimilação de duas línguas na Educação Infantil. Além disso, verificar se a apropriação bilíngue realmente acontece e como se desenvolve a comunicação durante esse processo diante da relação pensamento, linguagem, ensino e aprendizagem, por meio das teorias construtivistas e sócio interacionistas de Piaget e Vygotsky, respectivamente. Foram usadas fontes bibliográficas e documentais que envolvem o tema do bilinguismo de outros trabalhos já realizados acerca do assunto em pauta. Notou-se que o bilinguismo infantil requer o desenvolvimento por meio de uma conjuntura cujos intercâmbios sejam potencialmente favoráveis para o desenvolvimento cognitivo da criança. Vale ressaltar que é importante ponderar a valorização afetiva e o significado de cada língua e cultura para a própria criança.

Palavras-Chave: Bilinguismo, educação infantil, pensamento, linguagem.

1. INTRODUÇÃO

A necessidade de dominar uma segunda língua é um fenômeno mundial. Escolas em todo o mundo lançam mão do bilinguismo para investir na educação do futuro.

Há bem pouco tempo, as escolas bilíngues eram almejadas por famílias estrangeiras em prol do ensino de sua língua materna concomitante ao da língua do país vigente. Na cidade de Belo Horizonte, por exemplo, o advento da Fundação Torino, em 1975, era uma forma de garantir a continuidade dos estudos dos filhos dos funcionários italianos do Grupo FIAT, por meio de uma parceria com o governo italiano. Hoje, por outro lado, a situação é diferente, mesmo que não se fale o idioma em casa, os pais procuram as escolas internacionais para que seus filhos imerjam naturalmente na fluência de duas ou mais línguas.

A Educação Bilíngue é uma proposta pedagógica para o futuro. No contexto da sociedade capitalista, as escolas especializadas apresentam diversas vantagens voltadas para crianças e adolescentes. O objetivo fundamental seria o de ampliar as oportunidades e criar novos caminhos para a realização pessoal no futuro, principalmente, pelo fato de a língua inglesa, por exemplo, ter se tornado um pré-requisito de uma vida sem fronteiras. Rajagopalan (2003, p.70) certifica que o “verdadeiro propósito do ensino de línguas estrangeiras é formar indivíduos capazes de interagir com pessoas de outras culturas e modos de pensar e agir. Significa transformar-se em ‘cidadãos’ do mundo’”.

O objetivo geral do presente trabalho é o de estudar e analisar como se desenvolve o processo de assimilação de duas línguas na Educação Infantil. Além disso, verificar se a referida assimilação realmente ocorre e como acontece a comunicação durante sua evolução. Para a construção deste artigo, portanto, desenvolvemos um ponto de vista teórico acerca da Educação Infantil e o Ensino Bilíngue. Em seguida, foi dissertado sobre o ensino e aprendizagem na Educação Infantil e como ele se apresenta no contexto do bilinguismo.

Para tal, foi desenvolvida uma pesquisa de natureza qualitativa bibliográfica de cunho crítico e reflexivo, com a finalidade de discutir tanto o conceito de Educação Bilíngue dentro do contexto da Educação Infantil, quanto como acontecem os processos de aquisição língua perante as dialéticas: ensino versus aprendizagem e pensamento versus linguagem.

2. A EDUCAÇÃO INFANTIL E O ENSINO BILÍNGUE

2.1 UMA ABORDAGEM TEÓRICA

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n°. 9.394/96, “Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.” (BRASIL, 1996. p. 10)

No contexto da Educação Infantil, a fim de lapidar as atitudes e desenvolver a criança para a vida, é na infância que hão de se despertar os hábitos de organização, ordem, tempo, espaço, coordenação motora, interesse para outros idiomas, conhecimento de cultura.

Ao integrar o brincar, o cuidar e o educar, a proposta do Ensino Bilíngue utiliza uma grade diferenciada e uma filosofia inovadora de ensino, ao trabalhar a aquisição do idioma naturalmente. A escola, logo, é um lugar propício para se desenvolver metodologias que favoreçam e promovam a apropriação linguística, além de incentivar o conhecimento cultural, construindo saberes diversos, como: costumes, datas comemorativas, expressões idiomáticas, culinária, dentre outros.

A terminologia Bilinguismo, segundo Butler e Hakuta[3] (2013), indica uma dimensão de comunidade, na qual se dividem competências verbais e não verbais. Ainda, tal conceito abrange “um comportamento linguístico, psicológico e sociocultural complexo e com aspectos multidimensionais” (BUTTLER; HAKUTA, 2013, p.110).

A Educação Bilíngue, portanto, é uma proposta pedagógica para o futuro. Diante do mundo globalizado, as escolas especializadas apresentam diversas vantagens voltadas para crianças e adolescentes. O objetivo fundamental seria o de ampliar as oportunidades e criar novos caminhos para a realização pessoal no futuro, principalmente, pelo fato de a língua inglesa, por exemplo, ter se tornado um pré-requisito de uma vida sem fronteiras.

Por outro lado, um desafio de conciliar a Educação Infantil à Bilíngue é a de lidar com o aspecto emocional e afetivo da criança. O fato de conviver com culturas distintas poderá ou não ocasionar conflitos diante dos modelos brasileiro e americano, por exemplo. Ao conviver com condutas distintas, o desenvolvimento da criança pode ser influenciado pelo simples fato de ela se sentir confortável, ou não, no processo de adaptação de ambas as culturas.

O bilinguismo infantil implica o desenvolvimento de um contexto de interações potencialmente benéfico para o desenvolvimento cognitivo, mas é importante considerar a valorização afetiva e o significado de cada língua e cultura para a criança (FLORY, 2008). E, a partir da configuração da lei n° 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996, no art. 29, como já mencionada anteriormente, tendo em vista o Ensino Bilíngue, é preciso considerar e ponderar o estudo de duas culturas distintas e alcançar um equilíbrio em todos seus aspectos em prol do desenvolvimento infantil.

Além disso, outro desafio eminente é o de valorizar ambas as culturas em foco. A teoria de equilibração de Piaget, segundo Flory (2008), assegura que, para que haja a construção do conhecimento, há uma necessidade cognitiva de equilíbrio:

A teoria da equilibração permite explicar o fato de existirem pesquisas com resultados contraditórios, encontrando ora vantagens, ora desvantagens ao se compararem grupos de crianças bilíngues e monolíngues; sendo as desvantagens últimas associadas ao contexto sócio afetivo, sobretudo às valorizações e desvalorização vinculadas às línguas e culturas. (FLORY, 2008, p.16-17)

Flory (2008), ainda, esclarece que isso tudo ocorre devido ao contato do indivíduo com o meio, e que para que as vantagens cognitivas relacionadas ao bilinguismo aconteçam é necessária à valorização afetiva positiva de ambas as línguas e culturas. Assim, é possível pensar que seja importante que se prepare um ambiente que, além de apresentar o equilíbrio (a presença da segunda língua, por exemplo), estimule a reequilibração, configurando desafios próximos da possibilidade de assimilação atual da criança e em cujo ambiente o sentido e a valorização afetiva positiva de ambas as línguas possam acontecer.

Em O nascimento da inteligência da criança, Piaget (1936/1987) explica que a atribuição de significações é sempre dependente de uma estrutura ou sistema dentro do qual um objeto do conhecimento é assimilado, e que essa estrutura vai ficando cada vez mais complexa, ampliando-se, ao mesmo tempo em que se conserva, possibilitando a atribuição de significados cada vez mais complexos e multidimensionais. Assim, o que era estrutura total num momento inicial, passa a ser uma subestrutura no momento seguinte, compondo essa estrutura total maior, mas não deixando de existir enquanto subsistema. Baseando-se nessa construção formal, desenvolvemos a hipótese segundo a qual, na construção da linguagem verbal por um bilíngue precoce, as duas línguas representariam dois subsistemas integrantes de um sistema linguístico maior, respeitando o mesmo processo de ampliação e conservação concomitantes, garantindo a diferenciação entre os subsistemas e a integração dos mesmos num sistema total maior. (FLORY, 2008, p.124).

Em outras palavras, uma totalidade que, num primeiro momento, é a mais complexa possível e se torna, num momento posterior, parte de uma nova totalidade que a engloba e dentro da qual ela pode se relacionar com outras.

Traçando os pontos em comum conforme Brasil (1998) e Vygotsky (2008), por outro lado, nota-se que as crianças se apropriam das características da oralidade e aprendem a falar por meio da interação social. Os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil elucidam que:

A linguagem oral possibilita comunicar ideias, pensamentos e interações de diversas naturezas, influenciar o outro e estabelecer relações interpessoais. Seu aprendizado acontece dentro de um contexto e é por meio do diálogo que a comunicação acontece. São sujeitos em interações singulares que atribuem sentidos únicos às falas. Quanto mais as crianças puderem falar em situações diferentes, como contar o que lhes aconteceu em casa, contar histórias, dar um recado, explicar um jogo ou pedir uma informação, mais poderão desenvolver suas capacidades comunicativas de maneira significativa (BRASIL, 1998, p.120-121).

A aprendizagem do idioma estrangeiro poderá, consequentemente, se potencializar se realmente acontecer de maneira espontânea, e até mesmo afetiva, ao mesmo tempo em que acontece o desenvolvimento infantil: proposta do ensino bilíngue.

2.2 ENSINO E APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO BILÍNGUE

A aprendizagem é uma experiência social, mediada pela utilização de instrumentos e signos, de acordo com os conceitos utilizados por Liev Vygotsky (2008). Ao analisar o estudo realizado em animais, macacos e chipanzés, por exemplo, verificou-se que o pensamento e a linguagem possuem diversas origens e desenvolve-se segundo diferentes cursos de desenvolvimento.

Nas crianças, entretanto, o aprendizado desperta internamente vários processos de desenvolvimento, visto que o seu funcionamento ocorre apenas quando há interação da criança com seu ambiente de convívio (VYGOTSKY; LURIA; LEONTIEV, 2010). O aprendizado, portanto, ocorre primeiramente na interação que o indivíduo estabelece com outros indivíduos antes de se tornar um processo mental. Consequentemente, a interação e o contexto sociais são os fundamentos do desenvolvimento cognitivo.

Além disso, Vygotsky (2008) assegura que é por meio da palavra que se alcançam resultados no que se refere ao conceito de pensamento e de fala. E, embora ainda não dominem a linguagem como um sistema simbólico e escrito, as crianças utilizam meios verbais para garantirem uma comunicação efetiva.

Vygotsky (2008) explana o conceito e o processo do pensamento verbal e seus estágios no desenvolvimento infantil: antes mesmo de dominar a linguagem, a criança demonstra capacidade de resolver problemas práticos e fazer uso de instrumentos a fim de alcançar seus próprios objetivos. Piaget (1975a), por sua vez, compreende que a ação da criança no mundo é composta por meio de sensações e movimentos, sem o intermédio de representações simbólicas, através de uma inteligência prática. E para que haja uma construção cognitiva, é necessário que haja uma constante interação entre sujeito e objeto.

Piaget vai mostrar como o homem, logo que nasce, apesar de trazer uma fascinante bagagem hereditária que remonta a milhões de anos de evolução, não consegue emitir a mais simples operação de pensamento ou o mais elementar ato simbólico. Vai mostrar ainda que o meio social, por mais que sintetize milhares de anos de civilização, não consegue ensinar a esse recém-nascido o mais elementar conhecimento objetivo. Isto é, o sujeito humano é um projeto a ser construído; o objeto é, também, um projeto a ser construído. Sujeito e objeto não têm existência prévia, a priori: eles se constituem mutuamente, na interação. Eles se constroem. Como? O sujeito age sobre o objeto, assimilando-o: essa ação assimiladora transforma o objeto. O objeto, ao ser assimilado, resiste aos instrumentos de assimilação de que o sujeito dispõe no momento. Por isso, o sujeito reage refazendo esses instrumentos ou construindo novos instrumentos, mais poderosos, com os quais se torna capaz de assimilar, isto é, de transformar objetos cada vez mais complexos. Essas transformações dos instrumentos de assimilação constituem a ação acomodadora. Conhecer é transformar o objeto e transformar a si mesmo. (O processo educacional que nada transforma está negando a si mesmo.) O conhecimento não nasce com o indivíduo, nem é dado pelo meio social. O sujeito constrói seu conhecimento na interação com o meio tanto físico como social. (BECKER, 1992, p.88)

Em outras palavras, Piaget (1975b) demonstra que a partir do momento em que uma criança interage com um determinado objeto ou ideia nova, cria-se um desequilíbrio. Logo, haverá o processo de assimilação e acomodação para, posteriormente, essa relação estabelecer um equilíbrio novamente. Assim, o processo de aprendizagem se dá de dentro para fora.

Em contrapartida, do ponto de vista sócio interacionista de Vygotsky (2008) demonstra-se que a criança é capaz de reconhecer sua língua materna como um sistema particular, ao expressar o mesmo pensamento em línguas diversas. Assim, a criança se torna consciente das operações linguísticas cuja própria estruturação acarreta uma forma mais complexa de se pensar. A sequência do pensamento, segundo Vygotsky (2008), vai do social para o individualizado: primeiro a fala social, depois a egocêntrica, e, então, a interior. Ou seja, no mínimo duas pessoas devem estar envolvidas ativamente, trocando experiências e ideias, uma vez que a interação entre as pessoas possibilita novos conhecimentos. Para Vygotsky (2008), então, a interação constrói conhecimento e é a língua que intermedeia esse processo. Para Piaget, contudo, em análise feita por Vygotsky (2008), o verdadeiro curso do pensamento vai do individual para o social:

[…] as crianças com menos de sete ou oito anos não mantêm uma vida social estável e, por isso, a verdadeira linguagem social da criança, isto é, a linguagem que ela utiliza em sua atividade fundamental é a do brinquedo -, é uma linguagem de gestos, movimentos e mímica, tanto quanto de palavras. (VYGOTSKY, 2008, p.19).

Esse comportamento evidencia a capacidade do pensamento representativo, visto que a criança provoca representações da realidade por meio do próprio pensamento. Ainda segundo Piaget (1987), há quatro fases do desenvolvimento infantil, e aquele que corresponde à idade em consideração no presente trabalho corresponde à fase pré-operatória, que vai de dois a sete anos.

Nesse momento, inicia-se a capacidade do pensamento representativo. Em outras palavras, a criança começa a construir representações da própria realidade em seu pensamento, quando muitas ratificam, por exemplo, por meio das brincadeiras de ‘faz de conta’ e dos incessantes ‘porquês’. Dessa maneira, ela poderá atribuir características humanas aos animais, plantas e objetos, como por exemplo, dizer que a boneca vai comer porque está com fome ou que vai apagar a luz porque a flor precisa dormir.

Para Vygotsky, Luria e Leontiev (2010), a aprendizagem é concomitante ao desenvolvimento da criança, como também os aspectos básicos de tal relação quando a criança entra para a escola. Nesse caso, Vygotsky introduz o conceito de zona de desenvolvimento proximal, que consiste na “distância entre o nível de desenvolvimento real e o desenvolvimento potencial”. Conforme Vygotsky, Luria e Leontiev (2010, p.95):

[…] um adulto possui um determinado número de habilidades culturais. Todas elas são necessárias para o processo de crescimento e aprendizagem, e, na ocasião em que a criança atinge a idade escolar, essas habilidades já são, em considerável extensão, automáticas. Quando lemos ou escrevemos, não executamos realmente nenhuma ação psicológica complexa, mas apenas automaticamente reproduzimos técnicas que aprendemos em estágios anteriores de desenvolvimento. Se queremos descobrir como as habilidades culturais são desenvolvidas, devemos voltar aos primeiros estágios de sua história e descrever o caminho que elas percorreram na mente da criança.

Um fato relevante, que não é levado em consideração é que as pesquisas sobre o desenvolvimento do pensamento e da linguagem no estudante costumam partir da ideia de que o desenvolvimento da criança é independente daquele que se aprende realmente na escola.

Para Piaget, trata-se de uma questão de método, e não de uma questão referente às técnicas que se devem usar para estudar o desenvolvimento mental da criança. O seu método consiste em atribuir tarefas que não apenas são completamente alheias à atividade escolar, mas que excluem também toda a possibilidade de a criança ser capaz de dar a resposta exata. Um exemplo típico que ilustra os aspectos positivos e negativos desse método são as perguntas utilizadas por Piaget nas entrevistas clínicas com as crianças. Quando se pergunta a uma criança de cinco anos por que o sol não cai, não só é evidente que ela não pode conhecer a resposta certa, ou seria um gênio, mas também que não poderia imaginar uma resposta que se aproximasse da correta. Na realidade, a finalidade de perguntas tão inacessíveis é precisamente excluir a possibilidade de se recorrer a experiências ou conhecimentos precedentes, ou seja, a de obrigar o espírito da criança a trabalhar sobre problemas completamente novos e inacessíveis, para poder estudar as tendências do seu pensamento de uma forma pura, absolutamente independente dos seus conhecimentos, da sua experiência e da sua cultura (VYGOTSKY; LURIA; LEONTIEV, 2010, p.103-104).

Outro ponto importante a se considerar é o papel do professor durante esse processo de ensino aprendizagem. O professor piagetiano é um, enquanto o professor vygostkyano é um intermediador.

O pensamento realista de Piaget é dissociado das necessidades, interesses e desejos concretos, como se fosse realmente um “pensamento puro” cuja única função é a busca da verdade pela verdade. Isso implica na independência do processo de desenvolvimento e do de aprendizagem. O curso do desenvolvimento precede sempre o da aprendizagem. A aprendizagem segue sempre o desenvolvimento. A aprendizagem é uma superestrutura do desenvolvimento, e essencialmente não existem intercâmbios entre os dois momentos. Como se a aprendizagem fosse colocada em primeiro plano. Assim, o professor está presente para aguçar a imaginação e curiosidade da criança, a fim de que ela consiga construir o próprio conceito e chegar ao que Piaget (1975) denomina equilibração.

Já para Vygotsky, Luria e Leontiev (2010), pelo contrário, a aprendizagem é desenvolvimento. Trata-se, como se vê, de uma tese oposta à colocada anteriormente. Nesse caso, Vygotsky introduz o conceito de zona de desenvolvimento proximal, que consiste na “distância entre o nível de desenvolvimento real e o desenvolvimento potencial”. Conforme Vygotsky, Luria e Leontiev (2010, p. 95):

[…] um adulto possui um determinado número de habilidades culturais. Todas elas são necessárias para o processo de crescimento e aprendizagem, e, na ocasião em que a criança atinge a idade escolar, essas habilidades já são, em considerável extensão, automáticas. Quando lemos ou escrevemos, não executamos realmente nenhuma ação psicológica complexa, mas apenas automaticamente reproduzimos técnicas que aprendemos em estágios anteriores de desenvolvimento. Se queremos descobrir como as habilidades culturais são desenvolvidas, devemos voltar aos primeiros estágios de sua história e descrever o caminho que elas percorreram na mente da criança.

Para Vygostky (2008), ainda, a diferença entre a zona de desenvolvimento proximal real e potencial está apenas na aplicabilidade do conhecimento em questão, por exemplo: o conhecimento real é aquilo que o aluno já sabe e consegue aplicar sozinho, já para o conhecimento potencial o aluno necessita de auxílio para compreender melhor. Dessa maneira, o professor entra como um intermediador, pois ele oferece as ferramentas necessárias para que a criança consiga adquirir novos conceitos. E o que Vygostky considera como aprendizagem está diretamente relacionado ao intervalo entre a zona de desenvolvimento proximal real da zona de desenvolvimento proximal potencial. Nesse momento, segundo ele, a criança aprende.

O que se trata aqui, portanto, é oferecer um ambiente de ensino sociocultural em dois idiomas que possibilite a aquisição de uma segunda língua com a mesma naturalidade que a criança adquiriu a língua materna, por meio da imersão (SILVA, 2009).

Baker (2006) pondera que o programa de imersão consiste em aprender a segunda língua desde a educação infantil de forma subconsciente, análoga a ao aprendizado da primeira língua, visto que o conteúdo curricular se torna foco para o desenvolvimento da língua.

Tudo o que sabemos sobre a mentalidade da criança de um ano e meio ou dois choca-se com a ideia de que ela possa ser capaz de realizar operações intelectuais tão complexas. Tanto a observação quanto os estudos experimentais indicam que só muito mais tarde a criança apreende a relação entre o signo e significado, ou o uso funcional dos signos; isso está muito além do alcance de uma criança de dois anos. Além do mais, investigações experimentais sistemáticas demonstraram que a apreensão da relação entre signo e significado, e a transição para fase em que a criança começa a operar com os signos nunca resultam de uma descoberta ou invenção instantânea por parte da criança (VYGOTSKY, 2008, p.33).

Nota-se, portanto, que “o aprendizado escolar induz o tipo de percepção generalizante, desempenhando assim um papel decisivo na conscientização da criança dos seus próprios processos mentais” (VYGOTSKY, 2008, p.115).

2.2.1 O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM BILÍNGUE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Quando uma criança é inserida em um ambiente de aprendizagem em dois idiomas, ela aprende a utilizar de modo apropriado a língua específica e as respostas culturalmente adequadas (MARTINS, 2007).

Conforme Genesee (1994), a criança inserida nesse contexto adquire a segunda língua de uma maneira sequencial. Em um primeiro momento, a criança, mesmo exposta à segunda língua, continua a usar a língua materna. Depois, geralmente, a criança passa por um período denominado não verbal ou de silêncio. Enfim, passa a utilizar frases “telegráficas” e “frases feitas” na segunda língua.

No período de silêncio, entende-se que as crianças estão em constante processo de compreensão da segunda língua. Elas observam com atenção, a fim de absorver o máximo possível do que a professora e outras crianças dizem da segunda língua. Ainda nesse período de silêncio, as crianças utilizam a linguagem não verbal para se comunicar, como mímica e gestos. Assim como a aprendizagem da primeira língua, as crianças começam a repetir os sons que estão a sua volta e então utilizam uma linguagem “telegráfica”. Essas tentativas comumente são formuladas pelas crianças com as palavras que já aprenderam, como, por exemplo, objetos espalhados pela sala ou mesmo a recitação das letras do alfabeto. As frases feitas servem como apoio para a criança se comunicar com a professora e os colegas. Desse modo, as crianças compreendem e adquirem significados para se comunicar na segunda língua e utilizam frases pré-formuladas. Após esse momento, as crianças começam a desenvolver um entendimento de sintaxe e da estrutura gramatical da língua, o que permite a formulação de frases mais elaboradas, deixam de utilizar frases pré-formuladas e isso contribui para ampliar o vocabulário da nova língua, (SANTOS, 2013, p.8).

Genesee (1994) explana que as crianças tendem a assumir elementos isolados de uma língua na outra. Martins (2007), por sua vez, diz que é muito comum as crianças, no processo de aquisição de uma segunda língua, trocarem algumas palavras ou misturarem as duas línguas.

A troca de código geralmente ocorre quando uma criança está tentando classificar uma ideia ou resolver uma ambiguidade. Ela é também usada para atrair ou manter a atenção do ouvinte ou para elaborar uma afirmação. As crianças algumas vezes misturam as duas línguas quando tentam comunicar uma palavra ou expressão que não está imediatamente disponível para elas na segunda língua. (MARTINS, 2007, p. 39)

Genesee (1994) demonstra que eventuais trocas são comuns, visto que a criança, em um primeiro momento, não tem consciência que está em contato com duas línguas distintas e não é capaz de separar ambos os idiomas conscientemente. Aos poucos, a criança passa a diferenciar as duas línguas e passa a escolher qual língua utilizar dependendo do contexto social de comunicação.

Conforme as crianças se familiarizam com as duas línguas, elas se sentem mais seguras e não tendem a trocar palavras; com o tempo elas entendem que cada língua tem sua particularidade, seu próprio vocabulário, sintaxe, e compreendem as duas línguas, e então escolhem que língua devem utilizar com determinada pessoa (MARTINS, 2007).

Poderia se considerar essa troca como um ponto negativo do bilinguismo, no entanto, pesquisas atuais têm constatado que quando as crianças fazem essas trocas elas estão utilizando recursos efetivos da comunicação (GENESEE, 1994). O autor ainda salienta que até os adultos proficientes utilizam essa estratégia de maneira sofisticada, sem influenciar negativamente a sintaxe das línguas. Fonoaudiólogos defendem que os erros devem ser considerados marcas daquilo que está sendo organizado na produção linguística da criança, uma vez que demonstram a reflexão da criança sobre a língua.

A ação metodológica da escola, também, reflete muito diretamente a influência do pensar sobre a língua dessas orientações, adotadas com maiores cuidados e, principalmente, por meio de uma crítica dos pressupostos que subjazem a cada proposta metodológica da alfabetização.

Martins (2007), por fim, afirma que o ponto central na educação bilíngue é promover um currículo responsivo cultural e linguisticamente, inserindo a criança de maneira natural no universo sonoro da segunda língua, sem considerar os valores linguísticos e culturais da língua materna a fim de ampliar esses valores, posteriormente.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pôde-se analisar o desenvolvimento inicial do Bilinguismo na Educação Infantil e discutir como se desenvolve o processo de assimilação de duas línguas. Observou-se que o processo de assimilação linguística, por sua vez, claramente, lança mão da dicotomia pensamento, linguagem e da palavra como produto dessa analogia.

Percebeu-se, também, que, embora ainda não dominem a linguagem como um sistema simbólico e escrito, as crianças utilizam meios verbais para garantirem uma comunicação efetiva, seja a partir do ponto de vista construtivista de Piaget ou sócio interacionista de Vygotsky.

A apropriação linguística, portanto, acontece de maneira espontânea e plena. No entanto, percebe-se que a criança necessita, antes de tudo, sentir-se confortável e compreender, de certa forma, o porquê de aprender uma segunda língua.

Assim sendo, o bilinguismo infantil requer o desenvolvimento em um contexto de interações potencialmente benéfico para o desenvolvimento cognitivo, porém é importante avaliar a valorização afetiva e o significado de cada língua e cultura para a criança.

REFERÊNCIAS

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FLORY, Elizabete Villibor. Influências do bilingüismo precoce sobre o desenvolvimento infantil: uma leitura a partir da teoria da equilibração de Jean Piaget. 2008. Tese (Doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. doi:10.11606/T.47.2009.tde-31052009-105610.(a) Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-31052009-105610/pt-br.php>. Acesso em: 22 abr. 2018.

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3. “(…) highly complex social, psychological, and linquistic phenomena and need to be understood from a multidimensional aspect”.

[1] Graduada em Pedagogia.

[2] Mestre em Educação; Pós graduação lato sensu em Língua Inglesa; Pós graduação lato sensu em Cultura e Literatura; Graduação em Letras; Graduação em Pedagogia.

Enviado: Junho, 2019.

Aprovado: Outubro, 2019.

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Gleides Ander Nonato

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