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Paternidade responsável: uma reflexão sociológica do abandono paterno

RC: 138566
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/abandono-paterno

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL 

MOROSINI, Agostinho [1]

MOROSINI, Agostinho. Paternidade responsável: uma reflexão sociológica do abandono paterno. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 01, Vol. 03, pp. 42-52. Janeiro de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/abandono-paterno, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencias-sociais/abandono-paterno

RESUMO

Este artigo tem como objetivo refletir acerca da paternidade responsável e o fenômeno do abandono paterno dentro da perspectiva sociológica. Pressupõe-se a existência desse fenômeno, acompanhado de uma invisibilidade social: que existe, mas não é debatida. Nas considerações finais, se observa que o fenômeno do abandono paterno se agravou a partir dos tempos modernos, mas encontra-se vestígios de sua existência desde a antiguidade grega clássica servindo, ainda, como um alerta para a necessidade de se retirar esse fenômeno da invisibilidade social e suscitar caminhos de superação.

Palavras-chave: Abandono, Paternidade, Responsabilidade, Invisibilidade social.

1. INTRODUÇÃO

Em estudos de Sociologia, um dos fenômenos encontrados nas sociedades é a invisibilidade social, como é o caso do abandono paterno. Este é, precisamente, o problema desta pesquisa, que tem como objetivo refletir sobre o fenômeno do abandono paterno em perspectiva sociológica.

Considera-se o pressuposto de que em toda sociedade existem fenômenos ou tipos de condutas que podem ser classificadas como “fatos sociais” e que, de acordo com Durkheim (1999), não apenas são exteriores ao indivíduo, como também são dotados de uma força imperativa e coercitiva pela qual se impõem a ele, quer queira, quer não.

A proposta deste tema surgiu a partir da observação da existência inegável do fenômeno do abandono paterno, acompanhado de alguma invisibilidade. Na tese de Dagoberto Rosa de Jesus (2022), desenvolvem-se as argumentações, fundamentando-se na literatura brasileira e na mitologia grega, mostrando o problema da orfandade desde os tempos antigos. Nesse estudo, Jesus (2022), leva o leitor a pensar acerca da orfandade, buscando mostrar o tema da memória na evocação da infância, onde há um espaço referente à falta do pai ou à falta da mãe. É neste ponto que versa o presente artigo.

A base teórica está fundamentada em: Durkheim (1999), relativa a fenômenos sociais ou fatos sociais; MacIntyre (2001), que analisa o emotivismo, a perda de parâmetros e paradigmas para a vivência da ética na modernidade; Bauman (2004), que defende uma superficialidade, uma espécie de liquidez nos comportamentos humanos; Jesus (2022), autor da atualidade que, por meio da literatura, levanta a discussão da paternidade, mostrando o problema da orfandade; Lins (2009), especialmente na área da Filosofia da Educação, que demonstra a importância da ética e da necessidade da formação de um sujeito ético. Outros autores são considerados ao longo do texto, na medida em que corroboram com o tema.

Utiliza-se a metodologia de interpretação hermenêutica de Paul Ricoeur (2013). Esse método de análise possibilita que sejam extraídas informações fundamentais contidas nos documentos, levando o pesquisador a possíveis aproximações e conclusões. Nessa abordagem, é fundamental atentar para o significado dos conceitos expressos nos discursos e ações que se apresentam.

2. PATERNIDADE E RESPONSABILIDADE

Diferentemente da figura da mãe, que é concreta e quase indiscutível, a imagem do pai pode ser mesclada de certezas e dúvidas. O termo pai, traduzido do latim pater, acima do sentido de progenitor, visando a procriação, implica em um reconhecimento como pai em relação ao filho. No romance de Machado de Assis (1839-1908), em sua obra Dom Casmurro (ASSIS, 2020), deixa a dúvida entre os personagens, se o filho de Capitu é de fato de Bentinho ou do Escobar. Contudo, sem julgar se de fato houve infidelidade ou não, há uma certeza de que Capitu é a mãe.

De acordo Savanti (2009), “a história da paternidade está intrinsecamente ligada ao modo em que cada cultura concebeu a relação entre família e organização social” (grifos do autor). Nessa afirmação, referente à história da paternidade nas culturas, pode se incluir o matriarcado e patriarcado, com suas características particulares e consequências. Não se pretende aprofundar nessa seara aqui nesse trabalho. Contudo, a autora observa que, a partir do séc. XX, houve mudanças significativas naquela que fora considerada a família tradicional, agora questionada nas suas estruturas, principalmente com a desvalorização social da figura paterna. Inclui-se, dentre outros fatores, o movimento feminista, as questões de gênero e as questões de bioética, assuntos pertinentes, mas que não se pretende aprofundar neste trabalho, deixando-os como sugestão para quem se habilitar a tratar desses temas. O que interessa para este texto é a questão da paternidade responsável e irresponsável.

Para haver de fato paternidade, verdadeiramente, é necessário haver, também, a responsabilidade, do contrário permanece apenas o sentido de progenitor. Contudo, a realidade atual mostra a dificuldade de muitas pessoas em se firmar vínculos duradouros no tempo que passa. Bauman (2004), aponta para possíveis sintomas de uma fragilidade nos relacionamentos humanos, realidade que exige um olhar mais atento, principalmente no que se refere às pessoas em situação de vulnerabilidade. Na pós-modernidade, as vivências humanas e os relacionamentos tornaram-se superficiais, descompromissados com os valores mais relevantes que deveriam nortear a sociedade, como: a veracidade, a fidelidade, a honestidade. Os relacionamentos, na maioria das vezes são, apenas, para se “experimentar”.

É nessa dinâmica do mundo pós-moderno que Wojtyla (2016, p. 221) enfatiza que “o homem e a mulher, nas suas relações conjugais, não se encontram numa relação limitada a si mesmos: por força das coisas, a sua relação abrange a nova pessoa que, graças à sua união, pode ser (pro)criada”. O autor refere-se à expressão “nova pessoa”, concernente ao filho(a) do casal. Note-se a outra expressão “pode ser”, pois o autor discorre longamente em sua obra, mostrando a fundamental pergunta que o casal deve fazer: “posso ser pai?” ou “posso ser mãe?”  De acordo com o autor, quando se exclui das relações sexuais conjugais o elemento potencial da paternidade e da maternidade, fica tão somente a intenção do prazer sexual. Ou seja, quando o homem ou a mulher rejeita absolutamente a ideia de ser pai ou de ser mãe, correm o risco de objetivar a pessoa do outro e buscar meramente o prazer sexual, o que põe em risco o amor afetivo e a estabilidade da união.

O que significa a junção dos dois termos responsabilidade e paternidade? Pode-se pensar em senso de responsabilidade, vida moralmente consciente, em oposição à prática de imoralidades. De acordo com Von Hildebrand (2020, p. 38-39), “o homem dotado de senso de responsabilidade entende, pois, toda a seriedade do mundo dos valores e suas exigências, levando-as em consideração. Tem presente a seriedade e o caráter irrevogável da realidade em cada decisão” (grifos do autor). Não existe a preocupação aqui em conceituar responsabilidade, mas mostrar, conforme o autor, a importância de uma vida consciente, baseada nos valores fundamentais para uma vida ética e virtuosa.

3. UMA REFLEXÃO EM PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA

É possível observar, por meio da literatura e em perspectiva sociológica, que o fenômeno do abandono paterno não é algo somente da atualidade. De acordo com Jesus (2022), há indícios, na literatura brasileira, de que a existência do abandono paterno vem desde tempos antigos e o recurso que os escritores utilizavam eram as suas produções literárias, especialmente a partir do séc. XVI:

Pela pena de Ana Miranda podemos ver um Brasil que iniciava sua história tendo muitos de seus personagens marcados pelo selo da orfandade. Essa ausência do pai ou da mãe na literatura e, por que não dizer, na história de nosso país remonta desde o século XVI: um país de órfãos. Deste período até os dias de hoje, essa marca pode ser observada na literatura, posto ser este espaço uma forma de representação da realidade. Esse indivíduo que, como afirma Riobaldo, tem um “escuro nascimento” (ROSA, 2019, p. 127), se apresenta na literatura nos mais diversos textos, na prosa, no verso e nas mais diversas formas das manifestações culturais e artísticas, desde o cancioneiro popular, passando por Machado de Assis, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e chegando a contemporâneos, como Milton Hatoum e Ana Miranda, entre tantos outros (JESUS, 2022, p. 45).

É importante pontuar que o foco deste artigo não é a orfandade, contudo nota-se que esta é uma das consequências diretas ligadas ao abandono paterno. No texto destacado, o autor mostra um cenário invisível, mas existente e inegável da realidade, isto é, do mundo real. E, se no séc. XVI os fatores que provocavam o fenômeno tinham relação direta com a capital europeia, a situação atual mostra-se bastante diferente, devido ao mundo globalizado da pós-modernidade, pois um dos sintomas desses tempos tecnológicos (Modernidade e Pós-modernidade) é o paradoxo no qual a humanidade avança muito rápido tecnologicamente, – o que é bom, pois traz possibilidades de melhorias – mas, ao mesmo tempo, regride ética e moralmente.

O sociólogo Durkheim (1999), utiliza a ideia de “fato social” para mostrar que em toda a sociedade existem fenômenos, tipos de condutas ou modos de pensar que, segundo esse autor, não apenas são exteriores ao indivíduo, mas também são dotados de uma força imperativa e coercitiva pela qual se impõem a ele, quer queira, quer não. Desse modo, o abandono paterno, analisado como um “fato social”, nos aponta para diversos outros fatores inerentes, ainda que exteriores ao indivíduo, mas a ele relacionados e que a ele se impõe imperativamente.

No caso concreto do pai ausente ou aquele que, por algum motivo definitivamente abandonou a mulher no período de gestação ou por motivo de enfermidade, deve ser estudado sob vários ângulos, isto é, nas diversas perspectivas das ciências humanas e sociais, dentre as quais cita-se: o fator econômico; o fator educacional; o campo da ética e moral; e o problema da vulnerabilidade, devido a força imperativa desses fatores.

Pela ótica do fator econômico, pode-se alegar que o desemprego é uma das causas que o levou a abandonar a esposa. Porém, existem uma série de outras situações sociais entrelaçadas, como, por exemplo, a personalidade do indivíduo diante das situações extremas (o fator psicológico); um possível processo de aprendizagem deficiente (tanto na família quanto na escola) pelo qual tenha passado o indivíduo, levando-o a condutas sem parâmetros éticos e morais; o envolvimento com a criminalidade; bem como as diversas variáveis consequentes da desestruturação da família.

No campo educacional existe a preocupação com a educação para a vida ética desde a fase da infância. Lins (2009), defende que o desenvolvimento da pessoa é notadamente influenciado pela educação e, por meio desta, o sujeito pode alcançar a maturidade ética e a identidade moral. Contudo, é extremamente necessário que outras áreas do saber se debrucem sobre o tema em busca de soluções.

A gravidade do abandono paterno não pode ficar na invisibilidade, sendo apenas classificado como “fato social”. Trata-se de uma realidade muito dura, o sentir-se abandonado por aqueles que haviam declarado “amar para sempre”. Resta para essas pessoas a indignação, o sofrimento e a sensação de desprezo. A essa realidade sórdida ou sordidez do real, Faus (1995), observa que a pós-modernidade fez a experiência dura e inegável, de que a nossa realidade social é sórdida e que a ilusão moderna não tinha feito senão mascarar a sordidez com belas palavras altissonantes.

A verdade é que se trata de uma realidade bem conhecida em todas as épocas, mas escondida pela invisibilidade social. Conforme Miura; Tardivo e Barrientos (2018), muitos homens abandonam suas mulheres ao depararem-se com alguma situação de doença grave e prolongada por parte dela. Fato que também é uma realidade constatada por Prado e Cunha (2019), com o artigo no qual se refere à pesquisa indicando que a mulher tem seis vezes mais chances de ser abandonada pelo marido ou parceiro após a descoberta de uma doença do que ao contrário, ou seja, quando o homem fica doente. Por outro lado, não é tão conhecida ou evidenciada a realidade das mulheres, sejam adolescentes ou adultas, que são abandonadas por seus parceiros quando elas se tornam gestantes. Trata-se de realidades existentes, embora não sejam tão evidenciadas.

De acordo com Cortella (2015), a ideia de não ser notado ou evidenciado dentro de uma sociedade alcança o conceito de invisibilidade. Desse modo, aplicando essa ideia à presente reflexão, tal situação aponta para um fenômeno conhecido como “invisibilidade social”, isto é, quando nas diversas instâncias da sociedade, pessoas ou situações que, embora existam, não são vistas ou são simplesmente ignoradas.

Ao refletir tal situação do ponto de vista dos princípios da ética e da moral, mesmo de forma genérica, pode-se ter a percepção das alterações na escala de valores dos indivíduos em sociedade, a depender do meio sociocultural no qual está inserido. Uma espécie de inversão das coisas e das atitudes humanas. Como diz a letra de uma música “Rolam as pedras” de Kiko Zambianchi (1985), “Tudo está tão certo que parece errado”. E depois: “Tudo tão errado, que parece certo”:

Vejo sonhos livres, pais, irmãos e filhos […]

Tudo está tão certo que parece errado

É onde não consigo me achar

Luzes da verdade na realidade

Sempre estão mudando de lugar.

Rolam as pedras, devem rolar […]

Tudo tão errado que parece certo

Foi difícil me nivelar

Depois da infância e da liberdade

Que nem sempre quer me acompanhar (ZAMBIANCHI, 1985, s/p).

É inegável que os valores variam, em suas gradações, de uma cultura para outra, mas alguns valores éticos, como o respeito à pessoa, por ser pessoa humana, permanecem independentemente dessas variações, pois o sujeito deve agir eticamente em qualquer lugar do mundo. Contudo, as constantes alterações na escala de valores, como indica na letra dessa música, aumentam os dilemas da transitoriedade das fases do indivíduo ao longo da vida. Quando se desconsidera a validade dos valores éticos fundamentais, ao deparar-se com a alternância de situações no dinamismo dos fatos sociais que a pessoa experimenta, perde-se a sustentação da vivência saudável em sociedade.

Sobre este aspecto, recorda-nos Bauman (1998), uma situação de “mal-estar da pós-modernidade” na qual, desde os primórdios da Modernidade, prometia a emancipação do homem, com relação às estruturas tradicionais. Porém, atualmente, embora seja perceptível inúmeros avanços tecnológicos, segundo o autor, os tempos modernos não são capazes de eliminar as duras realidades do sofrimento nas estruturas atuais da sociedade.

Pode-se pensar em uma desordem moral identificada por MacIntyre (2004), mostrando, nas sociedades atuais, situações reveladoras de uma séria crise moral. Esse autor considera que as sociedades modernas são caracterizadas por ideologias, como: o emotivismo e o relativismo, que consistem em não aderir a nenhum parâmetro ou paradigma ético ou moral e viver em uma “liberdade” mal compreendida, ou seja, em uma vida desregrada. No entanto, ser livre não significa fazer tudo o que se quer. Isto seria uma forma de “libertinagem”, pois a liberdade bem compreendida consiste no agir eticamente, respeitando o outro e a si mesmo nas tomadas de decisões e tendo condutas virtuosas. Ao passo que, viver sem parâmetros éticos, equivale a viver em decadência moral, o que pode levar a humanidade à sua autodestruição.

Aprofundando a reflexão, considera-se, ainda, as possibilidades do abandono paterno por motivo de enfermidade; por gravidez na adolescência; e por algum abalo no relacionamento do casal. Tais situações evidenciam a realidade de que as coisas nem sempre acontecem conforme planejado, ao passo que nem todas as pessoas conseguem lidar com o inesperado.

Pode-se encontrar, ainda, a realidade das mães que são abandonadas quando dão à luz a crianças portadoras de alguma deficiência.  Segundo Lourenço (2020 s/p), muitos pais não suportam a perda do “filho ideal” e abandonam a família. Na matéria citada pela autora, apresenta-se dados da pesquisa: “As dores das mães de filhos com deficiência”, com 240 participantes, na qual a psicóloga Ana Celeste de Araújo Pitiá afirma que muitas mães acumulam a dor da perda do “filho ideal”, o abandono paterno e a sobrecarga emocional. A pesquisadora, ainda, afirma ser um cenário que se repete, pois, na maioria dos casos, são as mulheres que precisam enfrentar a luta para que as crianças recebam um tratamento digno, deixando seus projetos pessoais para se dedicar, sozinhas, aos filhos, pois os pais não suportaram a ideia de ter um filho diferente daquilo que haviam idealizado.

Em uma pesquisa, Schiro e Koller (2013), mostram que a gravidez durante a adolescência, em muitos aspetos, possui características distintas no modo de percepção para cada um dos sexos, especialmente no que se refere ao uso de contraceptivos, na avaliação da própria gravidez em relação com a escola e o trabalho. Esse fato evidencia o quanto a gravidez apresenta diferentes repercussões na vida dos adolescentes. Há uma espécie de transferência de responsabilidade. Por esse motivo, segundo as autoras, seria interessante investigar a gravidez na adolescência em outros níveis sociais, de forma a entender como os diferentes contextos socioeconômicos podem interferir no desempenho de pais adolescentes.

As pessoas desamparadas, geralmente, costumam silenciar-se. De acordo com o estudo de Miura; Tardivo e Barrientos (2018), “a vivência do desamparo, no momento da gravidez, afeta o estado emocional da mulher, dificultando sua disponibilidade no cuidado consigo e com o bebê”. De acordo com esse estudo, no Brasil, um número significativo de adolescentes grávidas, dão à luz todos os anos. A violência e o abandono do companheiro também foram observados nas experiências de adolescentes submetidas ao estudo, acentuando, ainda mais, as situações de vulnerabilidade das jovens e de seus bebês. Esta pesquisa, também, evidenciou a repetição da violência transgeracional, o que significa dizer que as adolescentes vivenciaram a violência e/ou abandono por parte dos companheiros durante a gravidez, assim como suas mães também já haviam sofrido.

Em outra pesquisa publicada por Belli (2022), envolvendo 1038 mulheres entrevistadas, 4% indicaram ter passado por algum tipo de abalo de relacionamento com o esposo durante a gravidez. Nesta pesquisa foi constatado que nem todas as desavenças se atribuem diretamente à própria gestação, mas estão de alguma forma relacionadas a ela. Por outro lado, há um percentual de 32% relacionadas a mudanças comportamentais, seja em decorrência da gestante ou do parceiro. Neste contexto, a falta de maturidade dos pais é citada por 26% como outro motivo principal. Impactante é observar que em 11% dos casos o próprio bebê é a causa do abalo e para 9% dos pais existe a dúvida sobre a paternidade do bebê. A conclusão da pesquisa demonstra que o abandono na gestação alcança proporções alarmantes. Por outro lado, observa-se, também, que não é difícil encontrarmos mulheres guerreiras batalhando, educando e criando seus filhos sozinhas, as conhecidas por “pães”.

Pode-se considerar que esse relativismo ético, na atualidade, seja herança de correntes filosóficas provindas, especialmente, da primeira metade do século XX, como: o individualismo, o positivismo, o cientificismo, o coletivismo (inspirado no idealismo hegeliano) (BURGOS, 2018). Contudo, as posições relativistas nos fazem pensar na necessidade de propor uma postura personalista, baseada na ética como resgate do valor da pessoa, em sua dignidade. Não como “coisa” simplesmente a ser utilizada para alguma finalidade alheia à própria natureza (por exemplo: como objeto de desejo ou de lucro), mas como um ser único e que, por isso, deve ser respeitado e reverenciado por sua dignidade de pessoa humana.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Está claro que este artigo não esgota o assunto. Muito pelo contrário, configura-se como uma tentativa de trazer à evidência a difícil realidade do abandono paterno, suscitando novos estudos. Este é o primeiro ponto a considerar ao término deste texto. Há necessidade de novas pesquisas e estudos mais aprofundados em torno desse tema específico e de tantos outros em que se verificam entrelaçados.

Observa-se, também, que esse fenômeno não surgiu nos tempos modernos. Pode-se dizer que a situação se agravou a partir da Modernidade e da Pós-Modernidade, mas vem desde os tempos antigos, como mostra o estudo de Jesus (2022), que aponta a orfandade, não somente ao longo da história brasileira a partir do séc. XVI, mas desde as personagens da mitologia grega, onde pode-se encontrar indícios do fenômeno da ausência do pai.

Destarte, através das pesquisas, estudos abordados e exposição de alguns dados no decorrer do texto, sem, todavia, esgotar o alcance do tema, foi possível emitir essas considerações, visando suscitar o interesse dos leitores no sentido de aprofundar o estudo do problema do abandono paterno. Desse modo, o tema permanece em aberto, apresentando possibilidades para novos estudos.

REFERÊNCIAS

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BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

BELLI, Mayara. Uma em cada cinco brasileiras é abandonada na gestação. Famivita, julho de 2022. Disponível em:  https://www.famivita.com.br/conteudo/uma-em-cada-cinco-brasileiras-e-abandonada-na-gestacao/. Acesso em: 01 de dez. 2022.

BURGOS, Juan Manuel. Introdução ao personalismo. São Paulo: Cultor de Livros, 2018.

CORTELLA, Mario Sergio. Pensar faz bem: Família, carreira, convivência e ética. Vol. 2. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

FAUS, José Ignácio González. Desafio da pós-modernidade. Trad. Euclides Martins Balancin. São Paulo. Paulinas, 1995.

JESUS, Dagoberto Rosa de. Veredas da orfandade: entre meninos, fazendeiros e jagunços – o menino de Engenho, São Bernardo e Grande Sertão: Veredas. 2022. Tese (Doutorado em Estudos Literários) – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas e Linguagem, Universidade do Estado de Mato Grosso. Tangará da Serra, 2022.

LINS, Maria Judith Sucupira da Costa. Maturidade Ética e Identidade Moral: a construção na prática pedagógica. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 9, n. 28, p. 633-649, set./dez., 2009. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/pdf/de/v09n28/v09n28a16.pdf. Acesso em: 24 jan. 2023.

LOURENÇO, Tainá. Luta de mães de crianças autistas é marcada pela dor do abandono. Jornal da USP, dezembro de 2020. Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/luta-de-maes-de-criancas-autistas-e-marcada-pela-dor-do-abandono/. Acesso em 10 dez. 2021.

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WOJTYLA, Karol. Amor e responsabilidade. São Paulo: Cultor de Livros, 2016.

ZAMBIANCHI, Kiko. Rolam as pedras. Letras, 1985. Disponível em: https://www.letras.mus.br/kiko-zambianchi/46828/. Aceso em: 20 de mai. 2022.

[1] Mestrando em Educação, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Especialização em Sociologia, pelo Claretiano – Centro Universitário, SP. Graduação em Teologia pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo. Graduação em Filosofia, pelo Instituto Agostiniano de Filosofia (IAF) de Franca – SP. ORCID: 0000-0003-3691-1263.

Enviado: Dezembro, 2022.

Aprovado: Janeiro, 2023.

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Agostinho Morosini

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