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A proposta gerencial da aplicabilidade da Gestão por Competências em uma Universidade Pública: desafios e entraves

RC: 36847
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SILVA, Kárytha Krystyny Melo da [1], SILVA, Alex Alves da [2]

SILVA, Alex Alves da. SILVA, Alex Alves da. A proposta gerencial da aplicabilidade da Gestão por Competências em uma Universidade Pública: desafios e entraves. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 09, Vol. 03, pp. 131-144. Setembro de 2019. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/administracao/proposta-gerencial

RESUMO

A preocupação básica deste artigo não é apresentar a proposta de Gestão de Competências como solução às incertezas acerca de como deverá proceder a administração de pessoas em uma organização pública. Pelo contrário, levanta-se justamente questionamentos acerca da aplicabilidade de uma ferramenta gerencial no âmbito da administração Pública voltada ao Ensino Superior. Tratar criteriosamente a adequação do capital humano a fim de promover o adequado atendimento das necessidades institucionais vem sendo um desafio enfrentado pelos dirigentes das universidades públicas federais. A gestão por competências é uma proposta que considera a identificação da força de trabalho, detectando o perfil dos servidores por cargo, onde estão lotados, suas atribuições e como estão fazendo seus trabalhos, inclusive, as competências individuais desses servidores. Contudo, há uma série de desafios e entraves em torno da implantação desta estratégia proposta como caminho para a melhoria de resultados frente as metas institucionais. Estes desafios e entraves não se resumem a técnicas e ferramentas a serem utilizadas, ou mesmo ao mapeamento de competências com vistas ao redimensionamento de pessoal, desenvolvimento e captação, mas estendem-se à necessidade de um estudo organizacional abrangente que inclui os processos administrativos, em suas singularidades, respeitadas as distinções das organizações públicas frente às empresariais.

Palavras-chave: Competências, universidades públicas, estudo organizacional.

INTRODUÇÃO

Desde 1920, ano de criação da primeira Universidade Pública Federal do Brasil, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por meio do Decreto 14.343/1920, já foram criadas, até o ano corrente, 68 Universidades Federais, responsáveis pelo Ensino Superior no país em abrangência nacional.

Além dos alunos, fazem parte da comunidade acadêmica os servidores docentes e técnicos administrativos. Se tratando especificamente do quadro efetivo de técnicos-administrativos em educação da Administração Pública Federal, estes são funcionários ocupantes de cargos mediante concurso público, assalariados frente a um plano de carreira e com tempo de permanência na instituição indefinido. A admissão, a transferência e a promoção destes funcionários são baseadas em critérios, válidos para toda a organização que levam em conta a competência, o mérito e a capacidade do funcionário em relação ao cargo ou função. Sob moldes burocráticos, tudo é encaminhado para que haja previsibilidade do comportamento de seus membros em meio a normas e racionalidades instituídas para a consecução dos fins colimados pelo Estado dentro de uma estrutura organizacional.

Em uma tendência a flexibilizar os controles burocráticos no Estado emergem modelos que vislumbram a melhoria da eficiência e da eficácia na Administração Pública brasileira, tornando o termo “gestão” cada vez mais frequente e envolto a políticas com veias gerenciais que infiltram técnicas empresariais no interior de uma organização pública. Assim, a Administração Pública vem sido configurada em uma mescla burocrática e gerencial.

Sob a análise do contexto histórico da administração pública no Brasil, destacamos um marco de reformas direcionadas ao aprimoramento dos serviços públicos brasileiros, a partir do ano de 1995. A proposta de Administração Pública Gerencial surgiu face à intervenção política do governo Fernando Henrique Cardoso, em resposta à grande crise vivenciada pelo Estado e, ainda, ao advento da globalização da economia. Nisso, se constitui como reforma administrativa, pautada por fenômenos mundiais e, portanto, históricos, que impuseram a redefinição das funções do Estado e da sua democracia. Segundo Bresser Pereira (1996, p. 7) “a crise do Estado implicou na necessidade de reformá-lo e reconstruí-lo; a globalização tornou imperativa a tarefa de redefinir suas funções”.

Através do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado “procurou-se definir as instituições e estabelecer as diretrizes para a implantação de uma administração pública gerencial no país” (BRESSER PEREIRA, 1996, p. 12). A proposta de reestruturação do Estado brasileiro engaja-se à defesa da administração pública gerencial.

A estratégia volta-se (1) para a definição precisa dos objetivos que o administrador público deverá atingir em sua unidade, (2) para a garantia de autonomia do administrador na gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros que lhe forem colocados à disposição para que possa atingir os objetivos contratados, e (3) para o controle ou cobrança a posteriori dos resultados. Adicionalmente, pratica-se a competição administrada no interior do próprio Estado, quando há a possibilidade de estabelecer concorrência entre unidades internas. No plano da estrutura organizacional, a descentralização e a redução dos níveis hierárquicos tornam-se essenciais. Em suma, afirma-se que a administração pública deve ser permeável à maior participação dos agentes privados e/ou das organizações da sociedade civil e deslocar a ênfase dos procedimentos (meios) para os resultados (fins) (BRESSER PEREIRA, 1996, p.16).

Vasconcelos Coutinho (2000) analisando os pressupostos do modelo de administração pública gerencial destacou que o foco inicial teve grande influência mercadológica, uma vez que a abordagem adotada foi a de técnicas e métodos da administração de empresas. De acordo com o autor “essa abordagem tem tido um impacto tão grande nas organizações públicas, que o primeiro passo geralmente tem sido identificar quem é o cliente, compreendido como as pessoas que usufruem dos serviços públicos” (VASCONCELOS COUTINHO, 2000, p. 42). Retomamos uma discussão que vem dividindo opiniões: o fato das ferramentas de gestão utilizadas no setor privado serem incorporadas pelas organizações públicas.

Nesse contexto a profissionalização dos administradores e servidores públicos foi tida como uma das bases da administração pública gerencial, responsabilizando-os pelo funcionamento eficiente ou não do Estado. Por isso, a profissionalização do serviço público passa a ser uma das diretrizes para se atingir a efetividade e extinguir as práticas patrimonialistas e as disfunções burocráticas existentes em muitas instituições públicas brasileiras. Para Bergue (2010), diante da complexidade das mudanças, transformar o modelo burocrático de gestão por meio das concepções da administração gerencial impactou, também, a área de Gestão de Pessoas das organizações. Novas formas de gestão, passam a ser requeridas das organizações. Questões relativas à administração pública gerencial, como a lógica gerencial e os modelos de gestão de pessoas nas instituições públicas são discutidos e exigidos, como sinônimo de busca pela máxima eficiência no serviço público. Porém, adotar as técnicas gerencialistas nos setores de recursos humanos das organizações públicas torna mais arrevesado o cenário de alocação e desenvolvimento de funcionários em conformidade com suas competências.

Inspirados por este modelo de gestão, a administração de recursos humanos na Administração Pública brasileira é construída sob influências dos preceitos gerencialistas. Nesse cenário influenciado pelo Gerencialismo[3], foi instituído o Decreto 5.707, de 23 de Fevereiro de 2006, como proposta para o desenvolvimento permanente do servidor público com adequação das competências requeridas por eles para o alcance dos objetivos institucionais, a Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal que objetiva a melhoria da eficiência, eficácia e qualidade dos serviços públicos prestados ao cidadão. Dentre as estratégias descritas no Decreto para a capacitação e o desenvolvimento profissional dos servidores públicos federais temos a implantação do modelo de Gestão por Competências, promovido através do Mapeamento das Competências das suas diferentes unidades. O Decreto Federal nº 5.707/06, tornou-se instrumento de orientação de gestão para muitas organizações públicas brasileiras. Conquanto, na representação das mudanças, algumas experiências são permeadas por dificuldades. Dentre as barreiras que dificultam a implementação do modelo estão: questões culturais, dificuldades metodológicas de mapeamento de competências, baixo envolvimento da alta administração e níveis gerenciais, dificuldade de articulação das novas práticas aos subsistemas de gestão de pessoas, carência de pessoal qualificado e desconhecimento do tema (PIRES et. al., 2005).

Diante disso, ao setor de Administração de Pessoal das universidades públicas é incumbido um grande desafio, realizar um Mapeamento que aprimore a aplicação da Gestão de Competências na instituição. Em uma universidade pública, engajada a uma dimensão tão fundamental na organização social que é a educação, a emergência em superar entraves que venham comprometer o desempenho institucional e sim, o desempenho profissional de cada funcionário, considerando que esses dois fatores atuam em mão dupla, ainda é um desafio.

Assim, para procedermos à discussão, adentraremos com conceitos teóricos que nos auxiliem na construção de uma compreensão acerca do percurso que a Administração Pública vem trilhando no que diz respeito aos recursos humanos. Como ampliação dessa temática, há extensa literatura dedicada à gestão de pessoas por competências, com foco na área privada. Por outro lado, poucas obras se referem às especificidades desse tema na administração pública, como os estudos de Bruno-Faria e Brandão (2003), Pires et al. (2005) e Bergue (2010).

1. GESTÃO POR COMPETÊNCIAS: CONCEITOS

Para iniciarmos a discussão acerca da temática Gestão por competências em unidades administrativas de uma universidade pública faz-se necessários explanarmos alguns conceitos envoltos dessa ferramenta de gestão.

De acordo com Isambert-Jamati (1997 apud VARGAS, Cesar Sperling, 2012), no fim da Idade Média, a expressão “competência” era associada essencialmente à linguagem jurídica. Dizia respeito à faculdade atribuída a alguém ou a uma instituição para apreciar e julgar certas questões. Por extensão, o conceito de competência veio a designar o reconhecimento social sobre a capacidade de alguém pronunciar-se a respeito de determinado assunto e, mais tarde, com o advento da Administração Científica, passou a ser utilizado para qualificar o indivíduo capaz de realizar determinado trabalho.

Para Durand (2000, apud Brandão e Guimarães, 2001, p.10):

Atualmente a maioria dos autores da Administração destacam os hábitos, as atitudes e os conhecimentos de um indivíduo como partes integrantes de sua competência. Competências representam combinações sinérgicas de conhecimentos, habilidades e atitudes, expressas pelo desempenho profissional, dentro de determinado contexto ou estratégia organizacional […] o conhecimento corresponde a uma série de informações assimiladas e estruturadas pelo indivíduo, que lhe permitem “entender o mundo”. A habilidade, por sua vez, está relacionada ao saber como fazer algo ou à capacidade de fazer uso produtivo do conhecimento. A atitude, terceira dimensão da competência, refere-se a aspectos sociais e afetivos relacionados ao trabalho.

Segundo Zarifian (1996), competência significa assumir responsabilidades frente a situações de trabalho complexas aliado ao exercício sistemático de uma reflexividade no trabalho.

Le Boterf (1999 apud FLEURY, 2002), explica que a competência da pessoa é decorrente da aplicação conjunta, no trabalho, de conhecimentos, habilidades e atitudes, que representam os três recursos ou dimensões da competência. Diante das competências organizacionais, a área de Recursos Humanos definiria o perfil de um cargo e as competências individuais necessárias ao bom desempenho deste. Em consequência disto, a proposta da aplicabilidade dessa ferramenta diz que os gestores de cada área estariam aptos para definirem quais deverão ser os conhecimentos, atitudes e habilidades de suas equipes em relação às competências organizacionais. Desse modo, as equipes definirão quais deverão ser os conhecimentos, as atitudes e as habilidades que cada um deverá desenvolver para atingir com melhor desempenho as metas das atividades meio e fim da organização.

A literatura contemporânea apresenta diversas abordagens para a adoção de modelos de gestão por competências:

Para Guimarães (2014) o uso da abordagem da competência no setor público requer um processo de transformação das organizações que formam esse setor. Para tanto, observa que se faz necessário agilizar o rompimento com os modelos tradicionais de administrar os recursos públicos e a introdução de uma nova cultura de gestão.

Siqueira e Mendes (2009, p. 242) compartilham da preocupação de que não se faça apenas a transferência das tecnologias gerenciais do setor privado para o setor público. Esses autores enfatizam que, também é preciso considerar a subjetividade do servidor público nesse processo, pensar os impactos dessas mudanças, e o quanto da ideologia gerencial e a pressão atual podem prejudicar as relações de trabalho nas organizações públicas, ao invés de desenvolvê-las. “Estar atento às relações de trabalho nos órgãos públicos torna-se fundamental em processos de mudança cultural nos serviços prestados por servidores públicos”.

Para Brandão e Guimarães (1999), a utilização de um modelo de gestão de recursos humanos com foco nas competências implica que a organização planeje, selecione, desenvolva e remunere recursos humanos tendo como foco as competências essenciais. Segundo Ferreira (1996), a implantação do modelo de gestão pública gerencial admite não somente o significado de mudar sistemas, organizações e legislação, mas também, criar as condições ideais para o desenvolvimento das pessoas que conduzirão e realizarão as reformas.

A gestão por competências tem como etapa inicial o mapeamento de competências que “tem como propósito identificar o gap ou lacuna de competências, ou seja, a discrepância entre as competências necessárias para concretizar a estratégia corporativa e as competências internas existentes na organização” (IENAGA,1998, p.12). Nessa senda, considera-se mapeamento de competências a identificação das competências técnicas e comportamentais necessárias a cada cargo, área ou mesmo a todos os colaboradores da organização, a fim de adequar essas competências aos objetivos da Instituição.

O conceito de Rabaglio (2008, p.15) diz que “o mapeamento de competências é a estratificação criteriosa e organizada de todos os conhecimentos, habilidades e atitudes necessários para a eficácia e resultados em um cargo específico. O que pode ser mapeado, pode ser medido, precisamos de qualidade e quantidade para gerar credibilidade”.

Conforme proposto por Bruno Faria e Brandão (2003) o processo começa identificando as competências (organizacionais e individuais) necessárias à consecução dos objetivos da organização. Para essa identificação, geralmente é realizada, primeiro, uma pesquisa documental, o Questionário é talvez técnica mais utilizada para mapear competências. A formatação desse instrumento geralmente requer a aplicação prévia de uma ou mais técnicas – análise documental, observação e entrevista – com o objetivo de identificar elementos para compor os seus itens.

Tomando esses conceitos para o contexto de uma instituição pública de ensino superior, todas estas informações seriam coletadas através do preenchimento de formulários por parte dos servidores, pelos quais a equipe de gestão teria o perfil traçado dos técnico-administrativos em educação ocupantes do quadro de pessoal efetivo da Instituição. Realiza-se a coleta de dados com pessoas chave da organização, para que tais dados sejam cotejados com a análise documental. Para esse fim, propõem-se outros métodos e outras técnicas de pesquisa, como, por exemplo, a observação, os grupos focais e os questionários estruturados com escalas de avaliação. Também é considerada a identificação quantitativa da atual força de trabalho da universidade, considerando para isto, a quantificação dos servidores ativos, afastados, cedidos, identificando-os por setor de lotação. Outra identificação quantitativa a considerar é o Tempo de Serviço do servidor, bem como faixa etária e situação da saúde ocupacional dos servidores da IFES. Também deverá ser identificado o nível de qualificação e áreas de formação do servidor e as condições tecnológicas e ambientais do seu setor de trabalho.

Além da identificação das competências necessárias à estratégia organizacional, alinhadas ao Planejamento Estratégico de uma IFES, por vezes, já elaborando equivocadamente sob perspectivas gerencialistas, o mapeamento de competências pressupõe também “inventariar as competências internas já disponíveis na organização, com o propósito de identificar a lacuna entre as competências necessárias e as já existentes na organização” (CARBONE, 2005, p. 22).

A Identificação das competências disponíveis na organização geralmente é realizada por meio de instrumentos de avaliação de desempenho, uma vez que a competência humana é expressa em função do desempenho da pessoa no trabalho (BRANDÃO e GUIMARÃES, 2001).

Segundo Lucena (1992), a avaliação de desempenho analisa sistematicamente o desempenho dos colaboradores em função das atividades que exerce, das metas estabelecidas, resultados alcançados e do potencial de desenvolvimento. Dessa maneira, a área de gestão de pessoas estaria aparentemente atenta às demandas das pessoas, verificando continuamente as melhores práticas para o bom desempenho dos profissionais. Levar em consideração o comportamento humano dos funcionários, adequando as suas competências ao cargo é o anseio da gestão por competências que vislumbra um processo alinhado aos interesses da organização e do servidor.

Existem técnicas de avaliação relacionadas ao conjunto de procedimentos envolvidos na coleta de informações sobre as competências profissionais dos servidores. A Escola Nacional de Administração Pública (ENAP)[4] auxilia na legitimação da proposta de gestão por competências na Administração Pública, através de treinamentos e cursos de extensão, disseminando instrumentos de avaliação a serem utilizados para acessar essas informações. A técnica da observação, por exemplo, pode utilizar instrumentos de registro, como as fichas de controle. Quanto aos testes de conhecimento, os instrumentos mais comuns são as provas escritas (ou dissertativas) e orais. Durante esses testes, os servidores têm a oportunidade de demonstrar a posse de determinados conhecimentos considerados relevantes para um bom desempenho profissional. (ENAP, 2008).

Uma vez realizado o mapeamento da lacuna de competências, pode-se então planejar e realizar a captação e/ou o desenvolvimento de competências profissionais, visando minimizar essa lacuna, bem como retribuir os profissionais que manifestam, de forma exemplar, as competências necessárias à consecução dos objetivos organizacionais. (BRANDÃO e BAHRY, 2005). Rabaglio (2008) diz que a contemplação deste desenvolvimento técnico deve ser através de treinamentos, cursos, ciclos de palestras, seminários e até mesmo visitas técnicas a organizações nacionais e internacionais, estágios, grupos de trabalho, etapas de auto-aprendizado e de coach. A aparente efetividade do mapeamento de competências é alcançada por um posterior redimensionamento de pessoal, bem como programas de desenvolvimento de pessoas adequando os recursos humanos aos interesses institucionais.

Para Brandão e Bahry (2005), um dos desafios das organizações públicas para implantar a gestão por competências, é a criação de um ambiente propício à aprendizagem que ofereça aos servidores reais oportunidades de crescimento na carreira. Sua eficiência e aplicabilidade em relação a alguns processos ainda precisam de discussões mais aprofundadas e investigações empíricas. Mas para isso é imprescindível o envolvimento, receptividade, motivação e participação dos funcionários públicos em relação ao processo.

Embora as técnicas e procedimentos voltados à gestão por competências estejam aparentemente bem amarrados e direcionados à consecução dos objetivos de uma organização, o cenário de uma instituição pública de ensino superior muito se difere do campo empresarial. E por isso a Gestão por Competências requer do setor público uma série de mudanças organizacionais que permitam a implantação do modelo, por vezes ignoradas.

Ressalto, que esse artigo, não intenciona apresentar soluções, tampouco, defender ou aprimorar alguma “ferramenta de gestão” a ser implantada na área de Recursos Humanos. Propõe-se aqui uma reflexão acerca do estreitamento da Administração Pública à compreensão rasa de gerenciamento de instituições públicas e da consequente negligência na aplicabilidade de ferramentas genuínas do campo empresarial no âmbito dos recursos humanos em uma instituição de ensino superior.

Assim, o próximo item desse artigo fará uma sucinta explanação dos desafios e entraves da aplicabilidade da gestão por competência em uma Universidade, enfatizando como ponto de partida a superação da lógica gerencialista no campo da administração Pública.

2. UMA EXPLANAÇÃO DOS DESAFIOS E ENTRAVES

Além dos entraves advindos de uma estratégia construída sobre um alicerce condenado ao insucesso social – o business, também existem os enfrentamentos inerentes a cultura organizacional arraigada. Isso estende o desafio da aplicabilidade da gestão de competências à superar a resistência a possíveis mudanças advindas dessas novas práticas dentro da organização. Esse entrave é presente não somente no comportamento individual dos funcionários, também engloba os gestores e o comportamento organizacional da instituição.

Leal, Souza e Rocha (2008) entendem que, para o alcance de mudanças, as organizações precisam considerar, inicialmente, a adequação da sua cultura aos desafios apresentados pelo ambiente e a exigência de mudanças de comportamento e atitudes, além da avaliação da fase em que a organização se encontra em termos de desenvolvimento. Para eles, isto somente é possível modificando as crenças e os valores que os impulsionam.

Assim, mesmo que o potencial dos funcionários esteja encurralado pela repetição de práticas rotineiras em meio a padronização de procedimentos, por vezes, em uma atividade já realizada a anos na mesma unidade de lotação, a resistência a possíveis mudanças é influenciada por sentimentos de desmotivação e temorisidade. Segundo Xavier (2006, p.110), “a tendência natural é que as pessoas se acomodem e se tornem resistentes, pois isso é mais fácil e confortável”. Diante do desalento procedente da maneira como o trabalho é imposto como elemento alheio ao homem, e por isso, fatigante, eis um grande desafio para o dirigente da administração pública: adotar posturas que venham a atenuar os reflexos dessas mudanças estreitadas ao atendimento das demandas sociais.

Ora! Alocar, realocar e desenvolver pessoas não é tão simples. A organização precisa estar previamente organizada e preparada para mapear, realocar e desenvolver pessoas. Não se trata apenas de mapear perfis profissionais e adequá-los aos setores afins, estamos falando em humanização na Administração Pública que ao mesmo tempo que reconhece as singularidades das pessoas compreende esses atores sociais como elementos ativos na sociedade, em contraposição ao engessamento dos servidores como meras ferramentas manuseadas com a rasa finalidade de atenderem as demandas institucionais, tal como proposto pela Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal.

Embora as distinções ainda sejam negligenciadas, as ações dos dirigentes no campo da Administração Pública, devem considerar as particularidades da esfera pública frente a esfera privada, não somente no que diz respeito a finalidade dessas duas esferas, mas também no que concerne a relação dos funcionários públicos com o Estado diante do vínculo de estabilidade, cuja permanência não é sujeita a aceitação dessas estratégias organizacionais propostas. Outro grande desafio da aplicabilidade de gestão de competências, é superar o ideário de aplicar novas práticas sobrepostas a uma estrutura supostamente estática. Para Souza (2009), as organizações são formadas por pessoas, com os seus conhecimentos, experiências, expertise, potencialidade, criatividade, capacidade, redes e relacionamentos; e por processos e tecnologias, verificadas, ainda, as variáveis externas. Esse autor avalia que a gestão universitária, resguardadas as suas especificidades e atribuições, se enquadra na contextualização de uma nova forma de gestão com as pessoas. “A Universidade, por sua função de criar, manter e transmitir o conhecimento e a cultura da sociedade, inexoravelmente, está exposta e inserida neste contexto de transformações” (SOUZA, 2009, p.99).

Aplicar a gestão por competências em uma universidade pública, não se restringe apenas a mapear as competências dos funcionários, desenvolvê-las e proceder ao posterior redimensionamento desses, abrange um vasto estudo organizacional que expande análises para além das perspectivas gerencialistas. Um estudo a ser realizado por uma equipe multidisciplinar iniciado desde a compreensão dos processos institucionais e das atividades a serem adequadas, incluindo a qualidade de vida desse servidor, e os possíveis fatores higiênicos e motivacionais[5] que venham a estar comprometendo seu desempenho profissional.

Outro fator relevante é que cada universidade carrega consigo particularidades que não estão previstas nos manuais de aplicabilidade dessa ferramenta de gestão defendida pelos “gurus” da administração contemporânea. Comumente são criados novos cursos de graduação, pós-graduação, além de outras medidas direcionadas ao desenvolvimento institucional. Contemplam-se atividades não apenas diretamente voltadas ao ensino, pesquisa e extensão, existem aquelas que atuam na manutenção da organização preparando-a para efetivar sua atividade fim, exemplos: contabilidade, orçamento, contratações de fornecedores e de pessoal, manutenção predial, obras, serviços, jurídico, administração de patrimônio e material, etc; um universo de atividades e unidades administrativas que engajadas levam ao funcionamento de uma IFES. Compreende-se que frente a diversificação dos serviços realizados nas unidades administrativas de uma Universidade, e na emergência em adequar o quadro funcional de técnicos administrativos em educação com vistas ao melhor desempenho das atividades meio e fim, não se resume apenas à gerir competências. Aplicar a Gestão de Competências em uma Universidade Federal traduz a necessidade dessas instituições em dedicar maior atenção não somente aos recursos humanos, mas a todos os processos e relações construídas na organização.

Constituir um quadro de pessoal de uma universidade qualificado, motivado e adequado às necessidades da organização de forma constante e contínua, não é tarefa fácil. Tarefa ainda mais árdua frente a tentativa de efetivar-se através de ferramentas incorporadas do campo empresarial ao contexto do setor público. Em síntese, não podemos olhar e nem tratar essas duas esferas como lados da mesma moeda. Também se compreende o equívoco em adotar generalidades e estudos fragmentados em uma organização, pois a compreensão da dinâmica organizacional se dá mediante um estudo abrangente da organização como um todo, considerando não apenas os procedimentos e processos internos, mas a teia de relações externas que são constituídas em prol do seu funcionamento.

No mais, é considerável a necessidade de definição de critérios que identifiquem a situação atual e que projetem o formato ideal no que tange ao quantitativo/qualitativo de técnicos administrativos que venham a suprir as demandas crescentes e o perfil atribuído às atividades.

Por fim, sobretudo, a gestão de competências implica em mudanças de métodos, processos, forma do dirigente e colaboradores pensarem, sentirem e agirem, estando dispostos a abrir mão de velhas práticas e incorporar o novo, emancipando-se principalmente dos conceitos e instrumentos business que vêm sido utilizados na administração pública frequentemente como supostas soluções aos problemas organizacionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As universidades como toda a Administração Pública devem voltar-se a atender aos anseios da sociedade em suas especificidades a fim de desenvolverem ações administrativas que contemplem as necessidades dos servidores e as necessidades institucionais com práticas producentes e permanentes. A gestão de pessoas no setor público possui uma importância crucial relacionada ao desenvolvimento dos servidores com os objetivos estratégicos da organização. Contudo, consideramos entraves diversos e enraizados em políticas propagadas pelos dirigentes governamentais que se configuram como soluções paliativas, estratégias por vezes infundadas e objetivos inalcançáveis.

Salientamos como grande desafio o de superar as estratégias relutantes em incutir técnicas adotadas no campo empresarial nas organizações públicas, ainda que seja evidente a contraversão da finalidade do setor privado à finalidade do setor público.

É importante salientar ainda que este artigo objetivou apresentar questionamentos acerca da proposta de aplicabilidade da gestão de competências em universidades federais, não intencionando propor esta ferramenta como alternativa efetiva ou a ser aperfeiçoada. Mesmo que não tendo sido realizado um estudo de caso em uma universidade pública federal específica, foi possível realizar uma explanação sobre o tema transpondo por conceitos e análise do contexto histórico em torno da temática. A partir disso, embasado em uma perspectiva crítica da aplicabilidade do gerencialismo no setor público, concluiu-se que a transformação direcionada ao bem estar social deve ser iniciada pelo desenraizamento das propostas governamentais implantadas na Administração Pública às técnicas empresariais, estendendo isso não somente às universidades públicas federais, mas à todas as organizações da esfera pública.

REFERÊNCIAS

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3. Este modelo difundiu-se, nos anos de 1990, pela América Latina, sendo adotado como modelo para reestruturação do estado brasileiro, na gestão Luis Carlos Bresser Pereira, ex-ministro do MARE (sigla), na gestão do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso. Disponível em: http://moodle3.mec.gov.br.

4. A ENAP foi criada pelo decreto 93.277, de 19 de setembro de 1986, para ser “o pólo irradiador da Reforma Administrativa” (FERRAREZI; ZIMBRÃO; AMORIM, 2008) que o Governo do Presidente José Sarney pretendia implantar.

5. Herzberg indicou que fatores relacionados ao conteúdo do cargo ou com a natureza das tarefas desenvolvidas pelo indivíduo são fatores de satisfação motivacionais. Aqueles determinados pelo ambiente que permeiam o indivíduo e ligados a condições dentro das quais desempenha seu trabalho; são fatores que apenas previnem a insatisfação, são os higiênicos (PILATTI, p. 55).

[1] Mestrado em Administração, área de Estudos Organizacionais (UFRGS) e graduação em Administração (FAAO).

[2] Especialista em Administração Pública (UCAMPROMINAS), Graduação em Análise de Sistemas da Informação (UFAC) e Bacharel em Direito (FAAO).

Enviado: Junho, 2019.

Aprovado: Setembro, 2019.

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Kárytha Krystyny Melo da Silva

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