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Afastamentos laborais no serviço público: aspectos introdutórios do caso brasileiro

RC: 147165
145
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/administracao/afastamentos-laborais

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SANTOS, Vanessa da Cruz Nóbrega do [1], BONINA, Noemi [2], FERRAZ, Fernando Toledo [3]

SANTOS, Vanessa da Cruz Nóbrega do. BONINA, Noemi. FERRAZ, Fernando Toledo. Afastamentos laborais no serviço público: aspectos introdutórios do caso brasileiro. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 07, Vol. 06, pp. 134-149. Julho de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/administracao/afastamentos-laborais, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/administracao/afastamentos-laborais

RESUMO

Entende-se ser relevante que todo planejamento estratégico de uma Gestão eficaz, se interesse pela qualidade de vida de seus servidores em todos os seus aspectos. Baseado nessa premissa espera-se que a partir da análise dos dados emitidos por sistemas integrados de gestão de recursos humanos no serviço público, seja possível verificar os aspectos relevantes para essa observação ser realizada em nível de Brasil. Por exemplo, dentre os diversos tipos de afastamento previstos na Lei 8.112 de 11 de dezembro de 1990, o decorrente de licença para tratamento de saúde, dentre eles o de Saúde Mental abrangido pelo CID F (00 – 99) – Transtornos Mentais e Comportamentais, tem tido um aumento significativo em relação aos demais tipos de afastamento, despertando o interesse em lançar um olhar mais apurado construindo uma análise crítica desses dados. A literatura consultada demonstra  que o número de servidores afastados por saúde mental tem se tornado frequente. Assim, a proposta do estudo foi evidenciar a relação entre afastamento laboral e transtornos comportamentais e mentais observando aspectos introdutórios dessa questão no caso brasileiro.

Palavras-chave: Afastamento laborais, Serviço público, Transtornos.

1. INTRODUÇÃO

Há uma forte percepção de que as doenças relacionadas ao trabalho estão crescendo a cada dia, necessitando de uma atenção especial aos estudos que apontem o que pode ser feito para proporcionar uma melhora na qualidade de vida das pessoas no ambiente de trabalho por elas inseridas. As relações de trabalho de uma instituição pública, por exemplo, podem ter desencadeadas várias doenças psicossomáticas em seus servidores, tendo uma influência direta nos números de casos de ausências laborais.

Gomide Jr, Esteves e Silva (2020) salientam que fatores organizacionais como o estresse e a satisfação dos indivíduos relacionam-se a elevados níveis de falta ao trabalho, o que repercute também na percepção do clima organizacional. Além disso, carga horária, insatisfação com as condições de trabalho e até mesmo o relacionamento interpessoal inadequado foram identificados como associados ao absenteísmo e ao afastamento laboral (ALENCAR; MERLO, 2018; GOMIDE JR; ESTEVES; SILVA, 2020).

Pedraza (2020) afirma que a experiência de afastamento laboral dos colaboradores tende a gerar um pensamento e uma percepção coletiva sobre as práticas, procedimentos e políticas formais e informais que são observadas na organização. Andrade e Briones (2020) corroboram afirmando que as pessoas, sua conduta e seus sentimentos dentro do trabalho são essenciais para a constituição de elementos como o clima organizacional.

Alguns autores (CORTES; RODRIGUES; TORO, 2019; PEDRAZA, 2020; PANTOJA-PANTOJA et al., 2020; SOTELO; ARRIETA; FIGUEROA, 2015) salientam ainda que o clima organizacional refere-se também às condutas que são reconhecidas e estimuladas pela gerência, e que funcionam como catalisador para regular o comportamento dos empregados em cumprimento às exigências organizacionais.

O ambiente organizacional influencia o clima que por sua vez vai provocar posturas e comportamentos diferenciados dependendo de como é percebido por cada um. Neste ambiente é evidenciado como o clima organizacional é considerado entre os colaboradores, dado que isto depende da suceptibilidade de cada um, o que pode afetar seu rendimento dentro da organização (ANDRADE; BRIONES, 2020).

Marques, Martins e Sobrinho (2011) afirmam que o conceito de saúde é uma construção social, assim como o conceito de trabalho, ou seja, é uma “leitura da sociedade que determina o que é doença e saúde, muitas vezes independente do sujeito envolvido” (MARQUES; MARTINS; SOBRINHO, 2011, p. 672). Somente com a evolução da medicina do trabalho avançando para as questões sobre saúde ocupacional é que surge a preocupação com a saúde do trabalhador. Os autores completam afirmando que, na atualidade, ocorre uma mudança conceitual que relaciona a saúde com o processo de trabalho, levando em consideração a subjetividade do trabalhador e que se encerra no termo “Saúde do Trabalhador”.

O próprio Ministério da Saúde (BRASIL, 2001, p. 161) reconhece o lugar que o trabalho ocupa na vida das pessoas, afirmando que “sendo fonte de subsistência e de posição social, a falta de trabalho ou mesmo a ameaça de perda do emprego geram sofrimento psíquico, pois ameaçam a subsistência e a vida material do trabalhador e de sua família” e ainda vai além ao afirmar sobre o trabalho “ao mesmo tempo abala o valor subjetivo que a pessoa se atribui, gerando sentimentos de menos-valia, angústia, insegurança, desânimo e desespero, caracterizando quadros ansiosos e depressivos”.

Para Jesus e Murcho (2014), o absenteísmo laboral é um dos distintos fatores que podem influenciar a produtividade e o bem-estar dos trabalhadores, além de causar impacto significativo nos resultados da organização. A Orga­nização Internacional do Trabalho – OIT (1989), caracteriza o absenteísmo laboral como a falta ao tra­balho por parte do empregado.

Diversos autores (GOMIDE JUNIOR; ESTEVES; SILVA, 2020; CECCATO et al., 2014; ALENCAR; MERLO, 2018; PEREIRA et al., 2020) concordam que o fenômeno do absenteísmo laboral é complexo em virtude da diversidade de elementos que podem provocá-lo. Fatores como comunicação no ambiente de trabalho, saúde ocupacional e a própria motivação dos trabalhadores podem ser fatores que influenciam sua ocorrência.

Além disso, e sob outro aspecto, os afastamentos de um servidor de seu local de trabalho gera um reflexo em diversas áreas, como: planejamento de atividades, comprometimento de rotinas empregadas, custos financeiros gerados para alocação de novos servidores, dentre outros (PEREIRA et al., 2020). Dentro desta perspectiva, Gomide Junior, Esteves e Silva (2020) salientam que os impactos do absenteísmo sobre os custos organizacionais são de complexa mensuração, mas que superam os custos do prensenteísmo, “que ocorre quando os trabalhadores exercem suas atividades profissionais mesmo em estado de adoecimento” (p. 358).

Dessa forma, utilizando como metodologia de investigação o levantamento bibliográfico, com o objetivo de reunir os estudos mais atualizados sobre a temática de forma a possibilitar um conhecimento introdutório sobre o assunto proposto, foi realizada uma revisão da literatura, utilizando como ferramenta as bases de dados Scopus e Scielo.

2. GESTÃO PÚBLICA VOLTADA À GESTÃO DE PESSOAS

A administração púbica brasileira carrega traços dos três modelos de gestão que configuram os três períodos de gestão pública: o Estado patrimonialista, o burocrático e o gerencial, isto torna o setor público complexo e desafiador para a gestão de pessoas (CARMO et al., 2018).

Carmo et al. (2018) salientam:

Baseada na Nova Gestão Pública (New Public Management – NPM), a perspectiva gerencialista propõe um serviço público mais flexível, descentralizado, eficiente, de melhor qualidade e orientado ao cidadão, aproximando-se do setor privado. Após as mudanças pretendidas pelas reformas gerencialistas, principalmente na década de 1990, os dirigentes passaram a lidar com muitos paradoxos, relacionados à transformação contínua das organizações. Esses paradoxos estimularam estudos relacionados a estilos de liderança, estrutura organizacional, medidas de desempenho, administração de recursos humanos, tecnologia, cultura e estratégia no setor público. (CARMO et al., 2018, p. 165).

Nogueira e Santana (2015) salientam que no que tange à gestão de pessoas, a perspectiva gerencialista almeja um estilo de gestão semelhante ao da iniciativa privada, ou seja, o gestor público deve ter a capacidade de alinhar os funcionários à estratégia da organização e de governo, para que tais esforços gerem resultados concretos para os cidadãos.

Dutra (2009) define a gestão de pessoas como […] um conjunto de estratégias, técnicas e procedimentos, focados na mobilização de talentos, potenciais, experiências e competências do quadro de colaboradores de uma organização, bem como a gestão e operacionalização das normas internas e legais incidentes. Para Bergue (2007) a gestão de pessoas no âmbito do setor público pode ser definido como um esforço orientado para o suprimento, a manutenção e o desenvolvimento de pessoas nas organizações públicas, em conformidade com os ditames constitucionais e legais, observadas as necessidades e condições do ambiente em que estão inseridos.

Na área privada o interesse gira em torno da organização, enquanto na esfera pública o interesse é atender aos anseios da sociedade e a ela servir. A gestão de pessoas do setor público tem diferenças em relação à área privada, pois requer um olhar sensível às necessidades dos servidores, seu capital humano, para que possam servir com excelência à sociedade. A gestão de pessoas, neste caso, vai muito além de gerir papéis, requer um relacionamento focado nas pessoas que ali servem. Gemelli e Filippim (2010) fazem uma separação entre os conceitos que se relacionam aos aspectos macro da Administração voltados para a subárea da gestão de pessoas:

  • Administração de Pessoal: Rotinas de recursos humanos que ajudam no dia a dia, como fechamento de pontos, folha de pagamento, manutenção de registros, assentamentos funcionais e controle dos servidores;
  • Administração de Recursos humanos: Sensível avanço no elemento humano e nos processo de trabalho, análise sistêmica da organização e destaque no ambiente laboral;
  • Administração de Pessoas: Organizações voltadas ao capital humano, como seu mais valioso componente.

Neste sentido, a gestão de pessoas no setor público se encontra ainda no estágio de administração de pessoal, tendo como foco as atividades burocráticas (GEMELLI; FILIPPIM, 2010). Os estudos sugerem a urgência de evolução das práticas para novos estágios, buscando a integração entre os aspectos propostos pelo estado gerencialista, para suas instituições subordinadas e seus servidores.

Assim, entendendo que o estudo se trata de uma análise com base em uma realidade brasileira, dada a natureza e os objetivos propostos para a investigação, a busca de artigos nas bases Scopus e Scielo foi orientada pelos critérios estabelecidos a do tema de pesquisa, no qual foi definido a “string” de busca. Assim, as palavras utilizadas foram:  public, sector, health  professional, health work, mental health, absen, leave. Foram utilizados os operadores booleanos AND e OR, além do operador de truncamento.

A revisão da literatura foi realizada de modo a verificar as lacunas e possibilidades de se conhecer aspectos sobre afastamento laboral, transtornos comportamentais e mentais e serviço público.

3. CARGA PSÍQUICA DO TRABALHO – ELO ENTRE TRABALHO E SAÚDE MENTAL

As atividades humanas, conhecidas pelo termo “trabalho” medeiam as relações entre homem e sociedade, trazendo significância e dignidade nos aspectos pessoais e sociais (DUTRA; COSTA; SAMPAIO, 2016), além disso, a transformação no ambiente que a ação do trabalho humano proporciona exerce considerável influência sobre os trabalhadores, seja na sua saúde, na satissfação e produtividade, seja como gerador de significado central na constituição da identidade individual e de outras formas de inserção social.

Dejours (2013) salienta que embora existam muitas dimensões deletérias referentes às relações de emprego, o trabalho é a atividade pela qual o humano não só transforma a natureza, como também a si próprio. Zambroni-de-Souza e Moraes (2018,p. 104) corroboram afirmando que “por isso que muitos trabalhadores experimentam uma situação paradoxal: enfrentam meios de trabalho hostis, organização e/ou condições do trabalho que favorecem a via patogênica do sofrimento e o adoecimento, levando muitas vezes ao afastamento do trabalho”.

Para Cavalheiro e Tolfo (2011), verifica-se a representação de dois extremos na configuração da atividade laboral nas concepções modernas sobre trabalho: por um lado, algo bom, positivo, desejável, e, por outro, algo mal, negativo, indesejável.

Neste sentido, como o ser humano dedica boa parte de sua existência ao trabalho, considerando-o mesmo como um dos aspectos mais relevantes da vida pessoal, especialmente por sua representação psicossocial (CAVALHEIRO; TOLFO, 2011), as inadequações do trabalho tendem a gerar processos de adoecimento, os quais podem restringir sua participação social e, consequentemente, sua qualidade de vida (DUTRA; COSTA; SAMPAIO, 2016).

Vários estudos mostram, ainda, que o status socioeconômico influência a saúde que também está relacionada à qualidade de vida e as diferentes condições de trabalho (CAVALHEIRO; TOLFO, 2011; DEJOURS, 2013; SIMÕES, 2013; DUTRA; COSTA; SAMPAIO, 2016; ZAMBRONI-DE-SOUZA; MORAES, 2018). Em condições desfavoráveis, o trabalho causa danos, além de expor o trabalhador a doenças profissionais, insatisfação e restrições na qualidade de vida (DUTRA; COSTA; SAMPAIO, 2016).

Assim, entende-se que as condições de trabalho tem sofrido transformações, sendo de extrema e urgente importância o debate sobre a relação entre trabalho e saúde/saúde mental. Cavalheiro e Tolfo (2011) afirmam que existem três aspectos a se considerar em toda atividade: físico, cognitivo e psíquico, onde cada um deles pode determinar sobrecargas aos trabalhadores.

Para Simões (2013), o trabalho pode ser um reduto do prazer e do crescimento, acenando para a possibilidade de se ter uma ocupação laboral e uma ascensão social, com trocas e experiências entre os indivíduos, mas também pode se tornar uma fonte geradora de sofrimento e adoecimento.

Baseados nesse pensamento, alguns autores (SIMÕES, 2013; DEJOURS, 2013; DUTRA; COSTA; SAMPAIO, 2016) salientam que o trabalho pode ser uma fonte de vida e alegria, conferindo identidade ao ser humano nos campos social e pessoal. Mas, pode também em contraponto, ser uma poderosa fonte de adoecimento psicossomático e social, uma vez que o desgaste e o estresse podem desencadear um desequilíbrio emocional e psicossomático ao trabalhador.

Necessário se faz conhecer as causas do adoecimento mental como uma medida de prevenção aos casos observados, apresentados pelos autores estudados. Lidar com o adoecimento sem pesquisar suas causas e origens pode não ser suficiente para capacitar a equipe gestora de uma unidade ou instituição pública nos cuidados com seus colaboradores. Se de fato, eles forem vistos pelos gestores como a força máxima da organização, o ambiente sadio, clima organizacional adequado e a valorização profissional, pode emergir como resultado de uma atenção focada na saúde mental dos colaboradores.

4. CLASSIFICAÇÃO ESTATÍSTICA INTERNACIONAL DE DOENÇAS E PROBLEMAS RELACIONADOS À SAÚDE

Para Laurenti et al. (2013) a análise estatística de uma variável com grande número de categorias, como é o caso da variável doença, só é possível ser feita classificando as categorias. “Uma classificação de doenças é um sistema que agrupa as doenças análogas, semelhantes ou afins, segundo uma hierarquização ou eixo classificatório” (LAURENTI et al., 2013, p. 1).

Atribui-se ao britânico John Graunt o primeiro estudo estatístico sobre doenças que foi uma análise da mortalidade por causa. De acordo com Laurenti et al. (2013, p.2):

Esse estudo apareceu na clássica e sempre citada publicação de 1662 “Natural and Political Observation Made Upon the Bills of Mortality”, onde analisou a mortalidade de Londres, a partir dos dados registrados nas paróquias, segundo algumas variáveis, como sexo, idade, procedência e – o grande feito! – causa.

A partir desse marco, várias tentativas foram feitas no intuito de criar uma classificação de doenças, as quais, na realidade, representavam classificações de causas de mortes, não incluindo a maioria das doenças não letais.

A não existência de uma classificação e uso internacional dificultava a comparabilidade internacional sobre frequência de doenças que eram causas de morte e a classificação de Graunt não passava de exercícios médicos sem aplicações aparentes e com utilização limitada, afirmam Laurenti et al. (2013).

Desde Graunt, até às primeiras décadas do século XX, as informações sobre doenças advinham das estatísticas de mortalidade por causa (LAURENTI et al.., 2013). Laurenti et al. (2013) salienta ainda que várias tentativas de classificação foram sendo feitas a partir de meados do século XIX, tanto que a importância de uma classificação de uso internacional foi reconhecida e recomendada no Primeiro Congresso Internacional de Estatística, realizado em Bruxelas em 1853.

Neste sentido, Nubila e Buchalla (2008) salientam que a primeira Classificação Internacional de Doenças (CID), ou “Lista Internacional de  Causas de Morte” foi aprovada em 1893, também conhecida como “Classificação de Bertillon” ou “Classificação Internacional de Causas de Morte” a qual se mantinha como uma classificação somente para causas de morte. Desde então, ela vem sendo revisada periodicamente – a primeira revisão foi em 1900. Somente a partir da sexta revisão é que passou a contemplar todas as doenças e motivos de consulta, ou seja, “passou a codificar situações de pacientes hospitalizados, depois consultas de ambulatório atenção primária, sendo seu uso sedimentado também para morbidade”(NUBILA; BUCHALLA, 2008, p. 326).

A décima revisão, denominada “Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde” (CID-10), foi aprovada em 1989. Nesta revisão foram estabelecidos mecanismos para atualizar a CID-10, o que não ocorria antes, de acordo com Laurenti et al. (2013). Além disso, foi aprovada também a ideia de desenvolver uma família de classificações para os diferentes usos em administração de serviços de saúde e epidemiologia.

De acordo com Nubila e Buchalla (2008, p.326):

O conceito de uma “Família” de Classificações foi surgindo na medida da percepção dos usuários de que uma classificação de doenças não seria suficiente para todas as questões relacionadas à saúde. Segundo esse conceito, a CID atenderia as necessidades de informação diagnóstica para finalidades gerais, enquanto outras classificações seriam usadas em conjunto com ela, tratando com diferentes enfoques informações sobre procedimentos médicos e cirúrgicos e as incapacidades, entre outros.

A CID-10 é uma publicação oficial da Organização Mundial da Saúde (OMS), isto indica que os países membros devem adotá-la com a finalidade de apresentar estatisticamente as causas de morte (mortalidade) ou das doenças que levam a internações hospitalares e atendimentos ambulatoriais (morbidade), além disso, atualmente é a classificação diagnóstica padrão internacional para definições de propósitos epidemiológicos gerais e administrativos da saúde, o que inclui a análise da situação geral de saúde de grupos populacionais e o monitoramento da incidência e prevalência de doença e outros problemas de saúde (NUBILA; BUCHALLA, 2008).

Nubila e Buchalla (2008) e Laurenti et al. (2013) salientam que a CID registra uma condição anormal de saúde e suas causas, mas não registra o impacto destas condições na vida da pessoa ou paciente, e é hoje uma exigência legal para todos os bene­fícios e atestados relacionados ao paciente também no Brasil.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando os aspectos abordados nos achados após realização da revisão da literatura, nos seus aspectos introdutórios, foi encontrada referências sobre reflexos da exposição aos ambientes laborais voltados à promoção de saúde (servidores da área hospitalar), que podem promover afastamentos no serviço público.

Neste sentido, ao abordar sobre o estresse ocupacional, Ribeiro (2005) o apresentam como uma relação entre trabalhador e seu ambiente, podendo ser considerado como um problema de saúde pública, tendo causas multifatoriais. Nesse sentido, relata-se após estudo, que a exposição de forma contínua a situações estressantes ocupacionais pode ocasionar e levar os profissionais a apresentar transtornos mentais e comportamentais.

Os estudos de Santana et al. (2019) revelaram que a rotina hospitalar diária ocasiona estresse e demanda emocional dos profissionais da área de saúde, podendo proporcionar o surgimento de doenças psíquicas. Relatam, ainda, que isso pode ocorrer porque o ambiente hospitalar possui aspectos e particularidades diferentes de outras Organizações, principalmente a necessidade de atendimento ágil e direcionado a pacientes já fragilizados emocionalmente.

Além desses fatores de sobrecarga emocional, existem fatores associados ao ambiente físico e seus variados aspectos. Lancman et al. (2019) afirmam que o desgaste psíquico é inevitável ao se observar um ambiente de trabalho precarizado, tanto em recursos materiais quanto humanos.

O ambiente de trabalho pode ser um fato gerador de estresse e adoecimento (DUTRA; COSTA; SAMPAIO, 2016; GIONGO; MONTEIRO; SOBROSA, 2015; GOMIDE; MARTINS; RONZANI, 2013; GUILLAND; CRUZ; KASZUBOWSKI, 2018; LANCMAN et al., 2019; PEREIRA et al., 2020; ZAMBRONI-DE-SOUZA; MORAES, 2018), assim, se mostra importante observar sua contribuição para desencadear estresse, adoecimento físico e mental dos trabalhadores.

Para Pereira et al. (2020):

Cada sujeito é único, cada ambiente de trabalho também é singular. É necessário, portanto, tratar cada trabalhador de forma individualizada. É questionável a aplicabilidade de determinantes de riscos psicossociais como medidas exatas, de aplicação igual a todos os indivíduos em qualquer ambiente laboral. É preciso considerar as particularidades e o grau de complexidade de cada um (PEREIRA et al., 2020, p. 2).

A OIT define os fatores psicossociais como uma preocupação importante no ambiente de trabalho contemporâneo (GUILLAND; CRUZ; KASZUBOWSKI, 2018; PEREIRA et al., 2020; SANTANA et al., 2016). Ela tem observado a elevação dos índices de afastamento do trabalho em virtude de transtornos mentais, além de enfatizar a relevância de fatores psicossociais e o quanto os estímulos de estresse podem levar ao sofrimento relacionado ao trabalho (MELLO et al., 2015; MENDES; LIMA; MATIAS-PEREIRA, 2018; PIE et al., 2020; SILVA; PEREIRA; MOURA, 2020).

Em um contexto onde as relações do trabalho podem ser um dos principais motivos de doenças e consequentes afastamentos laborais, torna-se desafiador o estudo do cenário organizacional, pois depara-se com fatores ainda desconhecidos. Bastos et al. (2018) salientam o surgimento de alguns estudos que evidenciam altos índices de suicídio e transtornos mentais em determinadas classes profissionais, dentre os quais alguns que mostram que a incidência de depressão está associada ao alto índice de síndrome do esgotamento profissional em profissionais de saúde, professores e policiais.

Marques, Martins e Sobrinho (2011) acrescentam que entender que o trabalho se apresenta como um fator preponderante no processo de saúde e adoecimento dos trabalhadores do serviço público, traz ganhos para as possibilidades de ação sobre impactos desses novos modos de viver e trabalhar na saúde dos trabalhadores, repercutindo numa abertura para se avançar no debate sobre o tema.

Os transtornos mentais e comportamentais e as doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, que predominam na população pesquisada, são apenas emergência de outros processos que os subsidiam, resultam, assim, não de fatores isolados, mas de contextos de trabalho em interação com o corpo e o aparato psíquico dos trabalhadores (MARQUES; MARTINS; SOBRINHO, 2011, p. 668).

Nesta perspectiva, considerando o afastamento por doença entre trabalhadores da saúde, Martins et al. (2009) afirma que os profissionais de saúde carecem de um olhar atento voltado às suas necessidades, devido a toda conjuntura envolvida no decorrer de suas atividades. Trabalhar no âmbito de um ambiente onde a doença se faz presente requer um fortalecimento do colaborador tanto no sentido físico como emocional. Lidar dia a dia com os desafios que advém da profissão não é tarefa fácil, e para muitos pode se tornar estressante a ponto de desistirem. Ou seja, enquanto os casos de afastamento por saúde mental não forem alvos de estudos, pouco haverá o que se fazer para ajudar a amenizar esse quadro.

O percentual de servidores afastados de suas atividades laborais, por estarem acometidos de transtornos comportamentais e mentais deveria gerar algum olhar mais apurado para a situação por parte da gestão.

O papel burocrático existente nas rotinas administrativas, que são: avaliação psicológica, perícia médica e condução do servidor acometido a afastar-se de suas atividades laborais, podem estar sendo cumprido com exatidão, mas o papel mais importante da administração de pessoas, que é ver o servidor como um capital humano único e essencial, que necessita de cuidados, pode ainda ser falho.

A partir da análise realizada entende-se que existe uma relação de causas entre transtorno, serviço público e práticas cotidianas de trabalho que merecem ser aprofundadas a partir do estudo introdutório apresentado nesta pesquisa.

Por fim, sugere-se o aprofundamento no debate e levantamento de mais dados na perspectiva de possíveis sistemas de registros de doenças da área de gestão de pessoas nos órgãos públicos, de modo a ampliar o olhar sobre a situação de saúde mental dos servidores a partir das suas práticas de trabalho.

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[1] Mestrado. ORCID: 0000-0002-2064-5039. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5323582780920752.

[2] Doutorado. ORCID: 0000-0002-9888-5235. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7186373503896998.

[3] Doutorado. ORCID: 0000-0002-0485-9061. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0915676556857578.

Enviado: 16 de janeiro, 2023.

Aprovado: 26 de abril, 2023.

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Noemi Bonina

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