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Turismo sombrio e religioso: Duas vertentes convexas a partir de comparações entre Portugal e Brasil

RC: 76226
395
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/turismo/turismo-sombrio

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

GALLETTO, Karen Cristina [1]

GALLETTO, Karen Cristina. Turismo sombrio e religioso: Duas vertentes convexas a partir de comparações entre Portugal e Brasil. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 02, Vol. 08, pp. 108-115. Fevereiro de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/turismo/turismo-sombrio, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/turismo/turismo-sombrio

RESUMO

Este estudo tem como objetivo discorrer acerca de duas modalidades de turismo: o religioso e o sombrio. Para isso, propõe-se a realização de uma abordagem qualitativa de cunho comparativo entre ambos a partir de dados que se referem ao seu desenvolvimento, tanto no Brasil quanto em Portugal. Levaremos em consideração às proximidades históricas entre os dois países e propomos uma reflexão acerca do turismo em seu âmbito global a partir de duas modalidades aparentemente antagônicas, mas que reservam em si variáveis em comum. Pretendemos contribuir, com este trabalho, para o alargamento do conhecimento sobre o tema, tendo em vista que ainda são escassos os estudos que contemplam tanto o turismo religioso, como o turismo sombrio, mais conhecido em sua vertente inglesa como “Dark Tourism”.

Palavras-chave: Dark Tourism, Turismo Religioso, Turismo Sombrio, Turismo em Portugal, Turismo no Brasil.

INTRODUÇÃO

Discorrer a respeito do turismo em geral remete-nos ao seu crescimento exponencial desde meados dos anos 1950, colocando-o absolutamente como um dos setores mais importantes da economia mundial.

Com o objetivo de refletir sobre a importância do turismo na economia global, este artigo pretende realizar uma reflexão a partir de duas modalidades de turismo aparentemente antagônicas, mas que reservam em si variáveis em comum: o turismo sombrio (ou assombrado), mais conhecido pela referência em inglês “Dark Tourism” e o turismo religioso.

Definidos os objetos de estudo, pretendemos analisá-los especificamente em Portugal e no Brasil, países que, além da história que os aproxima, intercambiaram vasta cultura, desde os tempos da colonização, legando um conjunto de heranças para ambos, principalmente no aspecto religioso, fato que na contemporaneidade impacta especialmente o turismo.

Segundo Ribeiro (2010), o turismo religioso faz uma alusão ao bem, à busca do ser humano por algo divino, algo maior, que traz cura, promove sensação de bem estar, trazendo assim uma ilusão prazerosa. Difere-se do turismo sombrio, que está diretamente ligado a locais associados à morte ou ao sofrimento, mas impossibilitando o esquecimento de que sempre serão locais de memória.

Se pararmos para refletir, uma experiência relacionada ao turismo sombrio pode ser a verdadeira experiência do turismo religioso, justamente porque propicia a recriação do sentido que o indivíduo faz dos outros e até de si mesmo.

Aparentemente distantes, o turismo religioso e o sombrio acabam por interligar-se em caráter mais essencial e subjetivo nas suas experiências, pois aludem ao campo psicológico, tendo o poder de transformar sentimentos, tais como as percepções de memória, prazer, experiências satisfatórias e vivência relacionadas a valores.

No que concerne aos estudos sobre essas duas modalidades, podemos identificar que são recentes as pesquisas acerca de ambos, mais principalmente do turismo sombrio, que ganhou visibilidade em meados dos anos 1990, intensificando-se no alvorecer do século XXI, momento em que se populariza inclusive a nomenclatura “turismo sombrio”, também denominado de “assombrado” que, assim como postulou Stone (2006), tem em sua essência “o ato de viajar para locais associados com morte, sofrimento, e o aparentemente macabro” (p. 146).  

Alguns autores, como Sharpley (2009), defendem que a prática do turismo sombrio é muito mais antiga do que o próprio conceito: “Desde que as pessoas são capazes de viajar, elas são atraídas – propositadamente ou não – para locais, atrações ou eventos que estão ligados de uma forma ou de outra com morte, sofrimento, violência ou catástrofe” (p. 4).

Acredita-se que, para o entendimento da realização de viagens desse gênero, é preciso tencionar que estas se relacionem ao desejo de autoconhecimento, uma busca analítica do seu próprio eu, ou até mesmo por mera curiosidade, tendo em vista que o ser humano é movido por novas descobertas e experiências.

Sobre o turismo religioso, este não é necessariamente realizado por catedráticos ou místicos, mas sim pela busca de amplitude espiritual ou até metafisica, estabelecendo necessariamente pelo menos algum dado de religiosidade. Ademais, também pode ser experimentado por meio de locais como: romarias, lugares sagrados e de peregrinação. Assim, compreende-se que o turismo religioso seja, ao mesmo tempo, uma forma indiscutível de turismo e uma manifestação evidente da religiosidade contemporânea, em diferentes sociedades (SALGADO, 2001).

Essa busca incessante pela fé coadunou-se, desde as épocas da colonização, com o processo de catequização dos nativos nas terras do Novo Mundo, realizada pelos colonizadores portugueses e, mais tarde, também por outros estrangeiros que vieram aportar, recriando formas de poder transloucadas da metrópole, consumando o consentimento de que o que era falado jamais poderia ser desobedecido, dado o risco da punição divina. Introduziu-se a partir daí o catolicismo aos nativos, fazendo-os adquirir o hábito das vestimentas e frequentar as missas e catequeses.

Embora pensando nos atuais dias, encontramos um Brasil ainda sim crente, mas também com várias influências religiosas trazidas por outros grupos que iriam compor a pluralidade étnica brasileira, como os africanos com o candomblé e a umbanda de matrizes diversas, que foram, segundo Ortiz (1999) e Oliveira (2008), um produto direto das transformações ocorridas em um determinado período no contexto da sociedade brasileira.

 Um movimento de transformação social corresponde a um movimento de mudança cultural, isto é, as crenças e práticas afro-brasileiras se modificam tomando um novo significado dentro do conjunto da sociedade global brasileira. Nesta dialética entre social e cultural, observaremos que o social desempenha um papel determinante. (ORTIZ, 1999, p. 15).

Com o passar dos anos, emergiram em território brasileiro, com grande força, as igrejas de caráter protestante, o que provocaria, no futuro, a perda da hegemonia católica na região, ao contrário do que ocorre em Portugal, onde timidamente hoje se veem algumas igrejas protestantes, mas numericamente incomparáveis às igrejas católicas do país.

A religião em si tem um poder motivacional muito grande. Promove bem estar, além de regras a serem seguidas. Entretanto, também podemos perceber que esta, muitas vezes, acaba por servir a determinados indivíduos como caminho para o enriquecimento, desviando a religião de suas funções originais como forma de capitalização individual. Esse é um tema bastante polêmico.

Em Portugal, algumas igrejas cobram por sua entrada, como acontece em Coimbra, assim como na maior parte dos mosteiros do território. O termo “caridade” por si só já corrobora o que não é obrigatório, mas pode provocar sentimentos de intimidação.

O fato de a sociedade e a cultura dos portugueses estarem, historicamente, envolvidas pela religião católica significa que esta tem um lugar importante no país. Aliás, os fenômenos religiosos têm tido, no percurso histórico de todos os povos, um papel relevante nas suas formas de pensar, agir e sentir-se pertencente. Também a procura de uma explicação para o sentido da vida individual e coletiva, assim como do cosmos, coloca o religioso no centro desse esforço, levando, com frequência, os indivíduos a autodefinirem-se por uma posição de aceitação ou rejeição, de ceticismo ou de dúvida face a ele. Este conjunto de fatos e questões, dada a sua importância na dinâmica sociocultural e psicológica, suscitou a nossa curiosidade, pois ainda existem poucos estudos que abarcam essa temática.

COMPARATIVOS ECONÔMICOS ENTRE TURISMO RELIGIOSOS E TURISMO SOMBRIO

Tanto o turismo religioso como o sombrio são importantes nichos para o movimento do mercado turístico. Bons exemplos do turismo religioso português são as peregrinações no Caminho de Santiago, além das que se dirigem ao Santuário de Fátima.

Se delimitarmos como exemplo a região norte de Portugal, é muito comum perceber que o turismo religioso tem extrema importância, sendo sua procura demasiada pelo enquadramento regional do famoso caminho de Santiago.

O turismo religioso poderá representar entre 10% a 14% do total do turismo nacional, estima o investigador e docente Varico Pereira, da Universidade Católica de Braga, em reportagem vinculada ao canal Observador. Segundo Pereira, o peso de Fátima é muito significativo para o setor, no qual estima que 90% dos turistas religiosos que vêm a Portugal passam pelo santuário. Ressalvou também que o turismo tem um efeito multiplicador na economia, abrangendo hotelaria, alimentação, transportes, comércio ou empresas de animação turística, efeito que consequentemente também se aplica ao turismo religioso.

Portugal tem condições únicas para se apresentar como um destino definitivo do turismo religioso (com 900 anos de história), ponto de cruzamento das principais religiões, assumindo a posição com fatores de competitividade e valorização do patrimônio material e imaterial, alusivo à herança judaica no país, além de todo o patrimônio associado ao culto religioso.

Já no Brasil, o turismo religioso, representa uma fatia menor, mas também crescente. De acordo com os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a procura por viagens religiosas no país cresceu 61% nos últimos 10 anos. Isso significa um aquecimento da economia no ramo de viagens.

Essas viagens partem de caminhadas feitas pelos peregrinos – as famosas romarias –,  festas de cunho religioso, como a Paixão de Cristo, e retiros espirituais feitos pelos evangélicos e outras religiões que também os aderem. Nota-se que no Brasil também se encontra um dos maiores templos católicos da América Latina: o Santuário de Aparecida do Norte, situado no Estado de São Paulo.

A respeito do turismo sombrio ou assombrado, ocorrem viagens tanto em Portugal como no Brasil, com o intuito de visitar cemitérios, memoriais de guerra, locais de desastres naturais e antigas prisões que, apesar de aparentarem morbidez, são atrações que marcaram momentos históricos importantes e prestam também homenagem aos mortos.

Segundo Prezzi (2009), esse sentimento de fascínio dos turistas pelo que amedronta é um dos fatores de atração para o turismo sombrio em todas as suas formas de comercialização. O sentimento de medo que não é racional é tanto uma forma de atrair os visitantes como de fazê-los permanecer no local.

Em Portugal, o turismo de espíritos começa a ganhar alguma notoriedade nomeadamente na cidade de Lisboa, que desde 2011, com a criação da empresa Ghost Tours, organiza o Haunted Lisbon Tour, passeio noturno a pé em que atores narram os acontecimentos mais impressionantes da história da capital portuguesa nos últimos séculos. As histórias são reais e foram repescadas durante uma pesquisa que durou meses nos arquivos da Torre do Tombo.

No Brasil, esse turismo também já vem se consolidando, como por exemplo no caso do denominado Favela Tour, destinado, principalmente, aos estrangeiros, sendo um roteiro educativo que tem por finalidade apresentar a realidade da sociedade brasileira, além de propiciar à comunidade local novas perspectivas.

Conforme pesquisa solicitada pelo Ministério do Turismo e aplicada pela Fundação Getúlio Vargas aos turistas que chegavam ao Aeroporto Tom Jobim, no Rio de Janeiro, mais da metade do total de entrevistados desejava conhecer as favelas.

Assim como aborda Medeiros (2007), turistas procuram experiências inusitadas, interativas, aventureiras e autênticas, em destinos cujo apelo reside na antítese daquilo que se convencionou tratar como turístico. Identificando as favelas como um dos cenários opostos à realidade cotidiana do turista, esse interesse tem, então, características comparáveis ao turismo sombrio, cuja finalidade comprova a semelhança em relação ao formato, à promoção e à divulgação, bem como o retorno à população local (PREZZI, 2009).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O turismo já é a maior ou uma das maiores atividades econômicas do mundo, sendo possível perceber as diversas possibilidades de nichos e variáveis que envolvem sua gestão.  Além disso, o desenvolvimento de padrões de qualidade é fundamental para atender às exigências e às expectativas de diversos gostos e públicos, tanto do turismo sombrio como do religioso.

Percebeu-se também, com este estudo, que o campo de pesquisa sobre as variações turísticas abordadas ainda é incipiente, mas que ambas, por se assemelharem em diversos aspectos, podem vir a ser compreendidas em conjunto, ou de forma comparada, abrindo novas possibilidades de temáticas de investigação.

A atividade turística dá-se por meio da utilização do território. Assim, tanto o caso do turismo sombrio como o do religioso enquadram-se dentro do processo de “turistificação”, pois muitas vezes os cenários visitados foram readaptados com a intenção de receber públicos afins. Essa readaptação se dá a partir da criação de atmosferas que possam contribuir para resgatar memórias e sentimentos, levando assim a uma experiência de reflexão aprofundada aos seus adeptos, tornando a experiência única e, de algum modo, duradoura.

Pode-se concluir, a partir disso, que o turismo é uma ferramenta que pode gerar reflexão em torno da própria experiência de lazer, mas que também transcende o simples ato de divertimento, pois promove naqueles que o vivenciam experiências psicológicas e emocionais únicas. Destaca-se, também, a importância do turismo sombrio e do turismo religioso como empecilhos da banalização da memória coletiva, dado que os locais de visitação são, agora, um registro imersivo de episódios históricos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MEDEIROS, B. A Favela que se vê e que se vende: reflexões e polêmicas em torno de um destino turístico. Revista brasileira de Ciências Sociais, v. 22, n. 65, 2007.

OBSERVADOR. Disponível em: https://observador.pt/2017/05/04/peso-do-turismo-religioso-em-portugal-oscila-entre-10-e-14-diz-investigador/. Acedido em: 12.04.2020.

OLIVEIRA, J. Das macumbas à umbanda: uma análise histórica da construção de uma religião brasileira. Limeira: Editora do Conhecimento, 2008.

ORTIZ, R. A morte branca do feiticeiro negro: umbanda e sociedade brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1999.

PREZZI, A. Turismo Sombrio: uma viagem em busca do inusitado. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2009.

RIBEIRO, C. M. Turismo religioso: fé, consume e mercado. Faculdade de Ciências Sociais e Tecnológicas: E-Revista Facitec, v.5, n.1, Art.6, 2010.

SALGADO, J. R. Turismo religioso: alternativa de apoyo a la preservación del patrimonio y desarrollo. Universidad de Barcelona: Revista Bibliográfica de Geografia y Ciências Sociales, 2001.

SHARPLEY, R.; STONE, P. R. The Darker Side of Travel: The Theory and Practice of Dark Tourism. Great Britain: Channel View Publications, 2009.

STONE, P. R. A Dark Tourism Spectrum: Towards a typology of death and macabre related tourist sites, attractions and exhibitions. Tourism: An Interdisciplinary International Journal, 54 (2). pp. 145-160, 2006.

[1] Licenciada em Ciências Sociais (Instituto Superior de Ciências Aplicadas – Limeira/SP), Pós-Graduação em Administração de Empresas (Fundação Getúlio Vargas – Campinas SP), Mestranda em Patrimônio Cultural (Universidade do Minho – Portugal).

Enviado: Agosto, 2020.

Aprovado: Fevereiro, 2021.

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Karen Cristina Galletto

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