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Diagnóstico e tratamento de miocardiopatia não compactada após morte súbita abortada: relato de caso

RC: 149182
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/tratamento-de-miocardiopatia

CONTEÚDO

RELATO DE CASO

ZAMBRANO, Luis Alberto Fuentes [1], NOGUEIRA, Ana Cláudia Cavalcante [2]

ZAMBRANO, Luis Alberto Fuentes. Diagnóstico e tratamento de miocardiopatia não compactada após morte súbita abortada: relato de caso. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 10, Vol. 02, pp. 43-53. Outubro de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/tratamento-de-miocardiopatia, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/tratamento-de-miocardiopatia

RESUMO

O miocárdio ventricular não compactado isolado é uma cardiomiopatia congênita caraterizada pela presença de trabeculações anormais no ventrículo esquerdo. A aparição clínica varia desde ausência de sintomas, manifestações clínicas de arritmias, insuficiência cardíaca e tromboembolismo até morte súbita dos pacientes. O objetivo deste artigo foi relatar um caso de miocardiopatia não compactada em um paciente de 62 anos trazido ao pronto socorro de um hospital terciário após morte súbita abortada em ritmo chocável, neste cenário, propôs-se descrever as formas de apresentação da miocardiopatia não compactada, os principais exames complementares e tratamento mais adequado. A metodologia utilizada foi o relato do caso em questão em conjunto com a revisão da literatura sobre o tema. O paciente recebeu tratamento medicamentoso e cirúrgico para as principais manifestações, sendo encaminhado para seguimento ambulatorial.

Palavras-chave: Miocárdio ventricular não compactado isolado, Morte súbita, Exames complementares.

1. INTRODUÇÃO

A não compactação do miocárdio, também chamada de Miocardiopatia Não Compactada (MNC), é uma anomalia rara, caracterizada por excessivas trabeculações do Ventrículo Esquerdo (VE) e profundos recessos intertrabeculares, resultantes na sua maioria da interrupção do processo da compactação das fibras miocárdicas durante a fase embrionária, mas também pode ser adquirida por remodelamento cardíaco, principalmente em atletas jovens, grávidas e portadores de anemia falciforme (Arbustini; Weidemann; Hall, 2014). Há relatos de uma variedade de mutações em genes envolvidos principalmente na codificação de proteínas sarcoméricas, do citoesqueleto, das mitocôndrias ou da membrana nuclear, como tafacina, alfa-distrobrevina, cypher, lâmina A / C, canal de sódio cardíaco dependente de voltagem tipo 5, beta-miosina de ou proteína C de ligação à miosina (Weir-Mccall et al., 2016). Ambos os sexos são acometidos, sendo o masculino de maior destaque, podendo haver acometimento familiar entre 18-50 % dos casos (Arbustini et al., 2016). Ainda não existe conhecimento exato da prevalência, porém estudos ecocardiográficos atingem 0,014%, sendo possível que esse número seja subestimado devido que a maioria são em hospitais terciários e paciente sem sintomas (Vinardell; Avila; Santana, 2016).

O amplo espectro clínico da doença pode variar desde pacientes assintomáticos até complicações cardiovasculares de alta morbimortalidade como eventos tromboembólicos, arritmias e insuficiência cardíaca, sendo a dispneia o sintomas mais comum na admissão (Parekh et al., 2018). O prognóstico da doença favorece a pacientes com função sistólica preservada e assintomáticos (Zhang et al., 2016).

O presente estudo tem como objetivo demostrar, a partir de um relato de caso de MNC, o correto manejo diagnóstico de pacientes após morte súbita e intervenção terapêutica precoce visando evitar as variedades de complicações. Apesar de ser uma doença rara, o caso apresentado orienta um maior conhecimento da comunidade médica sobre o diagnóstico diferencial de miocardiopatias pouco comum na prática clínica.

2. RELATO DE CASO

BCN, 62 anos, sexo masculino, casado, natural de Brasília, deu entrada no pronto socorro do Hospital de Base do Distrito Federal em junho de 2021 após ter apresentado quadro de mal súbito no supermercado. Assistido pela equipe de resgate com 10 minutos, sendo evidenciado uma parada cardiorrespiratória em ritmo chocável de taquicardia ventricular, com retorno à circulação espontânea após dois choques. Paciente possuía antecedentes de síncopes não esclarecidas, história familiar positiva de morte súbita e hipertrofia prostática benigna em tratamento. Na admissão, encontrava-se sedado sob intubação orotraqueal, em ventilação mecânica, no modo pressão controlada, fluxo de oxigênio 80%, frequência respiratória 16 incursões por minutos, pressão positiva expiratória final de 8 cmH2O, estável hemodinamicamente, sem uso de drogas vasoativas e diurese preservada e coletada por sonda vesical de demora. Ao exame físico: estado geral grave, mantendo boa perfusão periférica com tempo de enchimento capilar de 3 segundos, sem sinais de desconforto respiratório. Murmúrio vesicular presente, sem ruídos adventícios. Ritmo cardíaco regular, em 02 tempos, sem sopro e abdômen flácido, sem visceromegalia e ruídos hidroaéreos presentes.

Eletrocardiograma da admissão em ritmo sinusal e com sinais de sobrecarga ventricular esquerda com infradesnivelamento do segmento ST com T negativas (Figura 2). Pensando em síndrome coronariana aguda como uma das principais causas de morte súbita abortada e com as alterações eletrocardiográficas encontradas, foi encaminhado para hemodinâmica após administração de 200 mg de ácido acetil salicílico e 600 mg de clopidogrel; realizada cineocoronariografia que demonstrou ausência de lesões obstrutivas em coronárias e hipocinesia anterior acentuada com volume diastólico final aumentado. A investigação diagnóstica foi complementada com tomografia de crânio sem presença de alterações e angiotomografia de aorta torácico-abdominal com achados de dilatação da aorta ascendente de 50 mm. Paciente regulado para UTI evoluindo para extubação nas primeiras 24 horas de evolução. Ecocardiograma transtorácico (Figura 1) com volume do átrio esquerdo de 51,4 ml/m²; fração de ejeção ventricular esquerda de 34 %, diâmetro diastólico do VE de 61 mm, diâmetro sistólico do VE de 45 mm; VE com hipocontratilidade difusa, presença de extensas trabeculações localizadas nas regiões: anterolateral medial e apical e em toda região apical e movimentação assincrônico da região apical e do septo interventricular (secundária ao bloqueio de ramo esquerdo). Presença de fluxo colorido nos recessos intertrabeculares. Relação miocárdio compactado por não compactado: 2,4 (Segundo os Critérios de Jenni e Zurique: uma relação maior que 2 é compatível com miocárdio não compactado). Dilatação acentuada do VE com disfunção sistólica de grau moderado.

Iniciado tratamento para insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida com inibidores da enzima convertedora de angiotensina 2 (enalapril 5 mg duas vezes ao dia), antagonista de mineralocorticoide (espironolactona 25 mg ao dia), beta bloqueadores (metoprolol 25 mg duas vezes ao dia), antiarrítmicos (amiodarona 200 mg por dia) e anticoagulação oral (rivaroxabana 20 mg por dia). Após consentimento do paciente foi implantado Cardiodesfibrilador Implantável (CDI) como prevenção secundária de morte súbita. Paciente recebeu alta hospitalar com 21 dias para seguimento no ambulatório de arritmologia e doenças genéticas cardíacas. Retorna após seis meses assintomático, trazendo Ressonância Magnética Cardíaca (RMC) relevando presença de miocárdio com exuberantes trabeculações no segmento anteroapical, inferolateral do ventrículo esquerdo com uma relação entre a porção compactada e não compactada do miocárdio foi maior de 2,3 em esses segmentos (Figura 3) eforçando o diagnóstico da doença, holter 24 horas sem arritmia e novo ECO com melhora função ventricular esquerda.

Figura 1. Ecocardiograma transtorácico janela apical quatro câmaras. É possível identificar múltiplos recessos intertrabeculares de músculo comunicando-se com a cavidade ventricular esquerda (VE) (seta azul). AE (átrio esquerdo); AD (átrio direito); VD (ventrículo direito)

Fonte: Autor, 2023.

Figura 2. Eletrocardiograma. Sinais de sobrecarga ventricular esquerda com infradesnivelamento do segmento ST com T negativas (círculos vermelhos)

Fonte: Autor, 2023.

Figura 3. Ressonância magnética cardíaca eixo longo quatro câmaras. Apresentando trabeculações excessivas compatíveis com não compactação miocárdica na cavidade ventricular esquerda (seta azul)                   

Fonte: Autor, 2023.

3. DISCUSSÃO

Existem várias formas de apresentações clínicas, desde assintomática até complicações como insuficiência cardíaca congestiva, arritmias ou tromboembolismo sistêmico, sendo necessário um maior conhecimento sobre a doença. Mais da metade dos pacientes apresentam sintomas de IC, com disfunção do ventrículo esquerdo em até 84% dos pacientes (Towbin et al., 2015). As taquicardias ventriculares graves estão presentes em 20% ou mais dos pacientes com MNC (Zuccarino et al., 2015). De acordo a vários estudos publicados a ocorrência de eventos tromboembólicos variam de 0 a 38% como embolia pulmonar, mesentérica e acidente vascular encefálico (Carrilho-Ferreira; Almeida; Pinto, 2014). No caso descrito, o paciente apresenta parada cardiorrespiratória em taquicardia ventricular sendo uma das manifestações arritmogênicas malignas da doença com distúrbio de condução intraventricular associado a uma insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida.

Entre os métodos principais no diagnóstico da doença contamos com a ecocardiografia e ressonância magnética cardíaca, sendo possível diferenciar com outras patologias como miocardiopatia não compactada, hipertensivas, fibroelastose, tumores e trombo apical (Sousa et al., 2018). Existem critérios ecocardiográficos para MNC: inexistência de outras anomalias cardíacas simultâneas, predomínio em regiões apicais, laterais médias e inferior médias do VE, além de visualização de trabéculas e recessos intertrabeculares profundos com razão de camada compactada da não compactada maior do que 2 (Zhang et al., 2016). O paciente em estudo apresenta trabeculações extensas em região apical e lateral do ventrículo esquerdo, com uma relação miocárdio compactado por não compactado de 2,4. Devido às inúmeras incompatibilidades e achados inespecíficos com o uso da RMC, sugere-se que esse método seja aplicado na avaliação de pacientes com MNC, quando o diagnóstico por ecocardiograma não estiver confirmado, ou quando não for possível obter um ECO de boa qualidade, ou ainda, quando o cálculo do grau de fibrose puder ajudar a delinear a gravidade da doença (Bennett; Freudenberger, 2016). Em vista a reforçar o diagnóstico, avaliação de grau de fibroses, a RMC do paciente em questão revela a presença de trabeculações exuberantes, com uma relação miocárdio compactado por não compactado maior de 2,3. Vários achados eletrocardiográficos podem ser encontrados como hipertrofia ventricular esquerda, inversão de onda T, distúrbio de condução intraventricular, infradesnivelamento do segmento ST (Coris et al., 2016). Assim, cabe ressaltar a presença de alterações eletrocardiográficas encontradas no paciente como alterações de sobrecarga ventricular esquerda e infradesnivelamento do segmento ST com ondas T negativas.

Prevenir ocorrências de eventos tromboembólicos e arrítmicos, assim como compensar os sintomas de IC forma parte dos principais objetivos do tratamento da doença. Uso de medicamentos das classes antiarrítmicas ou desfibriladores cardíacos implantáveis para prevenir arritmias fatais, assim como uso de Betabloqueadores (BB) e inibidores da conversão de angiotensinogênio para tratamento da IC conforme as diretrizes internacionais (Poffo, et al., 2017). Na prevenção secundária de morte súbita e arritmias malignas, foi implantado um cardiodesfibrilador implantável associado a medicamentos antiarrítmico (amiodarona) em combinação com as classes de medicações utilizadas para IC como enalapril (IECA) e metoprolol (BB). Pacientes com fração de ejeção inferior a 40 %, disfunção sistólica, fibrilação atrial ou histórico de tromboembolismo recomendam uso de anticoagulantes, assim como uso de ácido acetilsalicílico em pacientes assintomáticos e fração de ejeção normal (Hotta, et al., 2017). Como medida preventiva para trombose, iniciamos o tratamento com anticoagulante oral com inibidor do fator da coagulação Xa (ribaroxabana) devido a fração de ejeção ventricular esquerda menor que 40 %.

4. CONCLUSÃO

O diagnóstico precoce da miocardiopatia não compactada visa uma melhor sobrevida dos pacientes.  Sendo assim, deve-se pensar na realização de uma propedêutica minuciosa em pacientes com morte súbita abortada de etiologia não definida. Não existe tratamento específico da doença, sendo assim as principais manifestações clínicas são tratadas de forma semelhante as outras miocardiopatias que possuem fração de ejeção reduzida, arritmias cardíacas malignas e anticoagulação, que deve ser considerada conforme o risco tromboembólico individual.

REFRÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS

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ARBUSTINI, Eloisa; et al. Left ventricular noncompaction: a distinct genetic cardiomyopathy?. Journal of the American College of Cardiology, v. 68, n. 9, p. 949-966, 2016.

BENNETT, Courtney E; FREUDENBERGER, Ronald. The Current Approach to Diagnosis and Management of Left Ventricular Noncompaction Cardiomyopathy: Review of the Literature. Cardiology Research and Practice, v. 2016, Article ID 5172308, 2016.

CARRILHO-FERREIRA, Pedro; ALMEIDA, Ana G; PINTO, Fausto J. Non-compaction cardiomyopathy: prevalence, prognosis, pathoetiology, genetics, and risk of cardioembolism. Curr Heart Fail Rep, v. 11, n. 4, p. 393- 403, 2014.

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VINARDELL, Juan M; AVILA, Maria D; SANTANA, Orlando. Isolated Left Ventricular Noncompaction Cardiomyopathy: A Transient Disease?. Reviews in Cardiovascular Medicine, v. 17, n. 1-2, p. 80-84, 2016.

WEIR-MCCALL; Jonathan R; et al. Left Ventricular Noncompaction: Anatomical Phenotype or Distinct Cardiomyopathy?. Journal of the American College of Cardiology, v. 68, n. 20, p. 2157-2165, 2016.

ZHANG, Xiaoxiao; et al. Incremental value of contrast echocardiography in the diagnosis of left ventricular noncompaction. Front Med, v. 10, n.4, p. 499-506, 2016.

ZUCCARINO, Flavio; et al. Left ventricular noncompaction: imaging findings and diagnostic criteria. AJR American Journal of Roentgenology, v. 204, n. 5, p. W519-30, 2015.

[1] Pós-graduação. ORCID: https://orcid.org/0009-0003-9890-738X. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/9508606048646424.

[2] Orientadora. Mestrado. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7869-3826. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9033112298206796.

Enviado: 3 de abril, 2023.

Aprovado: 17 de agosto, 2023.

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Luis Alberto Fuentes Zambrano

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