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Inversão uterina não puerperal por leiomioma parido: relato de caso

RC: 133900
1.646
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/leiomioma-parido

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

NASCIMENTO, Luciana Garcia do [1], CARVALHO, Benedito Dias de [2], MOLISANI, Julia Terra [3], GATO, Fábio Luiz da Silva [4]

NASCIMENTO, Luciana Garcia do. Et al. Inversão uterina não puerperal por leiomioma parido: relato de caso. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 11, Vol. 15, pp. 95-107. Novembro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/leiomioma-parido, DOI: 10.327498/nucleodoconhecimento.com.br/saude/leiomioma-parido

RESUMO 

A Inversão Uterina Não-Puerperal (IUNP), embora rara, é uma emergência ginecológica com risco de óbito devido à perda sanguínea, devendo, portanto, ser prontamente reconhecida e tratada. Ela pode decorrer devido a leiomiomas submucosos pediculados que, após necrose ou degeneração do pedículo, estimulam o processo inflamatório do endométrio, culminando em contrações que expelem o tumor pelo canal vaginal, recebendo, assim, o nome de leiomioma parido. Neste contexto, visa-se responder: quais os procedimentos devem ser realizados e qual o melhor tratamento para os casos de Inversão Uterina Não-Puerperal? Desta forma, objetivou-se descrever o desfecho clínico e ginecológico de uma mulher com IUNP causada por leiomioma parido em uma maternidade do extremo norte do Brasil. Trata-se de um estudo descritivo do tipo relato de caso, a partir de dados de uma mulher diagnosticada com inversão uterina secundária a leiomioma parido. A pesquisa foi realizada na cidade de Macapá, capital do Amapá. As coletas de dados ocorreram no Hospital da Mulher Mãe Luzia, por meio de prontuário e questionário aplicado à participante. Realizou-se análise descritiva, por meio de tabelas de frequência, medidas numéricas e registros fotográficos da condição. Foram verificadas as condições sociodemográficas, clínicas, ginecológicas e resultados de exames de imagens e laboratoriais. Como resultados, descreveu-se a situação clínica e ginecológica de um caso raro de inversão uterina causado por leiomioma parido. A paciente, 49 anos, multípara, sem comorbidades, foi admitida em serviço de emergência por hemorragia transvaginal profusa e sinais de hipovolemia. Constatou-se inversão uterina por leiomioma, parte da massa foi seccionada via vaginal e prosseguiu-se com intervenção cirúrgica através de histerectomia total. Por fim, concluiu-se que a inversão uterina não puerperal é uma emergência ginecológica rara. Contudo, exige do profissional de saúde decisões clínicas desafiadoras e a demora na sua identificação e tratamento podem acarretar consequências fatais à paciente, devido a quadros hemorrágicos. O tratamento consiste em medidas que buscam a realocação uterina e, inicialmente, a preservação da fertilidade da paciente, no entanto, em determinados casos, a histerectomia parcial ou total são as melhores opções para estabilização do quadro.

Palavras-chave: Ginecologia, Inversão Uterina, Leiomioma, Doenças Uterinas, Fibroma Uterino.

1. INTRODUÇÃO

Um mioma uterino é caracterizado por uma neoplasia benigna monoclonal, originando-se de alterações em células musculares do útero. A miomatose é uma patologia ginecológica de ampla incidência, sendo o tumor mais frequente do sistema reprodutivo feminino, acometendo até 80% das mulheres em todo o mundo. Sua etiopatologia ainda não é completamente elucidada, contudo, alguns fatores de riscos associados são: a nuliparidade, a obesidade, a menarca precoce, a descendência africana e a idade – todos estes secundários à influência hormonal no crescimento do nódulo (BRITO; UENO e MACHADO, 2021).

Os miomas apresentam diversas manifestações clínicas, variando desde impactos significativos na qualidade de vida a quadros assintomáticos de achado incidental. Estima-se que apenas 20 a 30% das mulheres sejam sintomáticas. Condições como: localização, número e dimensão do tumor, são os principais fatores influentes nos efeitos sob a vida da paciente (BRITO; UENO e MACHADO, 2021; COSTA e METZGER, 2020).

Leiomiomas de maiores dimensões localizados nas camadas mais externas do útero – chamados miomas subserosos -, são associados a sintomas compressivos e, em casos de crescimento acentuado, podem prejudicar, inclusive, funções renais. Por sua vez, nódulos localizados na cavidade interna – classificados como miomas submucosos -, podem causar as alterações na integridade do endométrio e na capacidade do miométrio de se contrair, provocando, frequentemente, sangramentos anormais e alterações no ciclo menstrual (COSTA e METZGER, 2020).

Outrossim, miomas localizados na camada uterina intermediária, entre a cavidade interna e o revestimento seroso externo, são nomeados miomas intramurais – os quadros clínicos por eles determinados são complexos e vinculam-se às proporções do nódulo. O crescimento de um mioma intramural pode reclassificá-lo como mioma submucoso ou mioma subserosos, dependendo de onde está localizada a maior porcentagem da massa tumoral (LIMA et al., 2020).

Miomas submucosos de crescimento acentuado por vezes são pediculados – ligados à parede uterina por um cordão que, ao sofrer necrose ou torção, degenera-se. O mioma, então, distende a cavidade endometrial e pode desencadear uma reação inflamatória na parede uterina, levando a uma resposta de contração. Após o processo expansivo, ocorre a dilatação do colo uterino e, dessa forma, a sua protrusão sobre o canal vaginal, justificando a nomenclatura como mioma parido ou expelido (VIEIRA et al., 2019).

Isto posto, uma complicação possível, contudo não frequente em nosso meio, é a inversão uterina. Nomeia-se inversão uterina, o quadro emergencial de deslocamento do útero em seu anteverso, perdendo-se sua posição anatômica e funcionalidade. Embora a condição seja mais comumente descrita como complicação obstétrica puerperal, pode ser causada por leiomioma – a maioria dos casos relatados como miomas submucosos e, geralmente, em mulheres negras. Nestas circunstâncias, caracteriza-se a inversão uterina não-puerperal (IUNP) (VIEIRA et al., 2019).

Ante ao exposto, visa-se responder: quais os procedimentos devem ser realizados e qual o melhor tratamento para os casos de Inversão Uterina Não-Puerperal? Desta forma, este artigo objetivou descrever um caso de inversão uterina não-puerperal (IUNP) causada por leiomioma parido, em mulher amapaense atendida no Hospital da Mulher Mãe Luzia (HMML), centro de saúde referência de ginecologia e obstetrícia na área metropolitana do extremo Norte brasileiro. Como são poucos os casos relatados em literatura anterior e não há diretrizes específicas quanto a identificação e tratamento do quadro, justifica-se a relevância da publicação e divulgação da experiência no HMML, intencionando-se fomentar o debate e estudo da ocorrência em diferentes centros nacionais.

2. RELATO DE CASO

S.A.S., 49 anos, 75 kg, 160 cm, IMC 29,2 kg/m² (sobrepeso), multípara, sem comorbidades conhecidas. Admitida no Hospital da Mulher Mãe Luzia (Macapá – AP), encaminhada do Hospital de Emergência de Santana, em abril de 2021. A paciente apresentava hemorragia transvaginal profusa e sinais de choque hipovolêmico. Ao exame físico, a pele estava fria e úmida, apresentava-se taquipnéica (frequência respiratória de 57 irpm), taquicárdica (frequência cardíaca de 120 bpm). Pressão arterial aferida em 90/60 mmHg. Saturação de Oxigênio 99%. Temperatura axilar de 35,8º C.

Prontamente encaminhada para a sala vermelha do serviço, foi estabelecida monitorização por multiparâmetros. Buscou-se a estabilização volêmica através de cristaloides e hemotransfusão. Análises laboratoriais foram solicitadas em caráter de urgência com os seguintes resultados: sorologias negativas, hemoglobina: 5 g/dL e hematócrito 16%.

Ao exame da região vulvar, constatou-se inversão uterina completa com exteriorização por fenda vulvar (grau IV) e massa tumoral aderida em corpo uterino. Encaminhou-se o caso para intervenção cirúrgica na mesma instituição.

Em centro cirúrgico, sob efeito de raquianestesia, parte da massa tumoral foi seccionada via vaginal e realizou-se pontos hemostáticos no restante. Após este procedimento, foi feita a redução manual imediata, empurrando-se o fundo uterino até a cavidade abdominal (manobra de TAXE).

Em seguida, o útero foi abordado por via abdominal através de incisão de Pfannenstiel, o restante da massa tumoral foi extraído e realizou-se histerectomia total. Posteriormente à retirada da massa, foi possível confirmar a hipótese de inversão uterina não-puerperal por leiomioma parido de grandes proporções. A peça tumoral mediu cerca de 10 x 9 cm³.

Figura 1. Exteriorização uterina por fenda vulvar

Exteriorização uterina por fenda vulvar.
Fonte: o autor.

 

Figura 2. Peça uterina após histerectomia total

Peça uterina após histerectomia total.
Fonte: o autor.

Após a intervenção cirúrgica, a paciente permaneceu em monitorização e tratamento em unidade de terapia intensiva. Foram realizadas novas hemotransfusões, totalizando 3 bolsas, no primeiro dia pós-operatório. Instituiu-se tratamento analgésico e antibioticoterapia profilática. Paciente recuperou-se sem maiores queixas. Foi mantida a cobertura antibiótica e concedida alta hospitalar 4 dias após o procedimento, sem quaisquer intercorrências no pós-operatório.

Realizando-se avaliação ambulatorial da paciente decorridos 1 ano da cirurgia, não se apresentou nenhuma nova queixa. É válido mencionar que a paciente não tinha desejos reprodutivos e aceitou bem a indicação da histerectomia. A análise histopatológica da peça não foi realizada.

Antes do quadro relatado, a paciente informou que sentia dores abdominais e sangramento aumentado nos últimos 3 meses.

No tangente à história gineco-obstétrica da paciente, S.A.S era multípara (G9P8A1), com 8 partos vaginais e uma cesárea realizada a cerca de 10 anos. Nega intercorrências nas gestações anteriores. Apresentava, até então, ciclo menstrual regular. Nunca havia realizado exame preventivo de colo de útero (PCCU). Nega neoplasias ginecológicas ou quaisquer casos semelhantes em família. Não passou por nenhuma intervenção cirúrgica anterior, com exceção da cesárea. Nega tabagismo e relata etilismo apenas ocasionalmente.

Explorando-se as condições sociodemográficas da paciente, informa-se que é solteira, no momento desempregada, autodeclara-se negra. Sua escolaridade é ensino fundamental completo e sua renda mensal é inferior a um salário-mínimo per capita (ano de referência: 2021). Habitava em área alagada e possuía água encanada em domicílio.

3. DISCUSSÃO

Relatou-se um caso clínico de uma paciente multípara, de 49 anos, sem intercorrências anteriores, que se apresentou com hemorragia transvaginal profusa e inversão uterina com visualização do órgão em fenda vulvar. Após o exame, a hipótese de inversão uterina não-puerperal por leiomioma parido pode ser confirmada.

O leiomioma parido apresentado pela paciente em questão pode ser entendido como um desdobramento de um quadro anterior, o subtipo de mioma leiomioma pediculado. Estes tumores são derivações de miomas subserosos ou submucosos que, durante seu crescimento demasiado, destacaram-se parcialmente do útero e permaneceram ligados por um fino cordão, chamado pedículo. É possível desenvolverem-se tanto para fora quanto para dentro da cavidade uterina (GONÇALVES et al., 2016).

Quando um leiomioma submucoso evolui para leiomioma pediculado, pode ocorrer alterações degenerativas secundárias do pedículo, sendo a mais comum a necrose. A necrose resulta da interrupção do fluxo sanguíneo e, apesar da possibilidade de ocorrer em qualquer tipo de nódulo uterino, é mais comum nos miomas pediculados com pedículo longo, principalmente em caso de torção do pedículo (VIEIRA et al., 2019).

O leiomioma em parturição decorre do cenário de um leiomioma submucoso de crescimento acentuado que culmina com a exteriorização pelo colo uterino ou até mesmo pela fenda vulvar. Ocorrendo torção do pedículo, com necrose posterior e consequente rompimento do cordão que o ligava ao útero, é chamado de leiomioma parido. Em geral, está associado a cólica intensa e, subsequente, ulceração e infecção. Pode, em casos extremos, resultar em inversão uterina aguda não puerperal (GONÇALVES et al., 2016; VIEIRA et al., 2019).

A inversão uterina é uma emergência médica rara na qual o corpo uterino desloca-se, virando pelo avesso e protraindo-se através do colo do útero até o interior da vagina ou além da abertura vaginal. O quadro foi estudado por Jones em 1951 e classificado em dois tipos: inversão uterina puerperal ou obstétrica e não puerperal ou ginecológica (BASKETT, 2002; ALUMI; GAHN e DAVIS, 2009).

O primeiro subtipo, a inversão uterina puerperal, é o mais frequente em nosso meio, em geral, de forma aguda. O útero é mais comumente invertido quando muita tração é aplicada no cordão umbilical – durante o terceiro período do parto ou em abortos espontâneos, na tentativa de retirar a placenta. Excessiva pressão no fundo uterino durante a retirada da placenta, útero flácido e placenta acreta (placenta com aderência anormal) são condições que igualmente contribuem para a ocorrência.

Em contrapartida, a Inversão Uterina Não Puerperal (IUNP), está, principalmente, relacionada a tumores benignos ou malignos inseridos no corpo uterino. Associam-se a quadros mais crônicos, contudo, até 8,6% das inversões não puerperais podem iniciar-se subitamente (VIEIRA et al., 2019; KESROUANI et al., 2021).

Apesar de ser uma emergência ginecológica rara, apenas 150 casos foram descritos entre 1887 e 2006. Sua incidência real não é conhecida, consistindo em um problema clínico com desafios diagnósticos e cirúrgicos. Há notável escassez científica quanto ao quadro, sendo a maioria da literatura publicada em forma de relatos de casos (WENDEL; SHNAEKEL e MAGANN, 2018).

Ainda que o mecanismo da inversão uterina obstétrica seja bem compreendido, o mecanismo da inversão não puerperal não é tão claro. A fisiopatologia parece ser multifatorial,       enfatizando-se o crescimento rápido da           neoplasia uterina, o adelgaçamento das paredes do órgão pelo tumor intrauterino e a distensão da cavidade uterina levando à dilatação do colo de útero (LARA et al., 1999; WENDEL; SHNAEKEL e MAGANN, 2018).

Se o miométrio ficar distendido devido a um tumor dentro da cavidade, ele se torna irritável e inicia contrações expulsivas, que podem dilatar o colo do útero e auxiliar na expulsão do tumor, arrastando sua fixação uterina. O peso do tumor, tração manual no tumor ou aumento da pressão intra-abdominal devido à tosse, esforço e espirros também podem contribuir para a inversão. Na maior parte dos casos, a morbidade e a mortalidade são baixas, porém se correlacionam diretamente com o grau de perda sanguínea, demora do diagnóstico e tratamento ineficaz (MODARES e SARRAZIN, 2020; MERVIEL et al., 2019; HERATH et al., 2020).

Consultando estudos anteriores, o leiomioma surge como a etiologia mais comum, sendo a miomatose uterina a causa de aproximadamente 56,2% dos casos de IUNP. Outras etiologias dignas de nota são: carcinomas, sarcomas e tumores mistos mullerianos. Causas mais raras como fibrossarcoma, carcinoma epidermóide, sarcoma endometrial, carcinossarcoma, rabdomiossarcoma, pólipo endometrial, teratoma imaturo, combinação de mioma com carcinoma cervical e prolapso de órgão pélvicos somam cerca de 11% dos casos de inversão uterina não puerperal pesquisados (MERVIEL et al., 2019; KEAN e ALTMAN, 2019; ALUMI; GAHN e DAVIS, 2009).

O alto grau de suspeição clínica e a identificação de características únicas na ultrassonografia e na ressonância magnética permitem o diagnóstico imediato. Em casos de incerteza, laparoscopia ou biópsia da massa deve ser usada para confirmar o diagnóstico (HERATH et al., 2020).

A ultrassonografia deve ser a primeira linha de investigação considerando disponibilidade e simplicidade. O método auxilia tanto no diagnóstico de IUNP em si quanto no diagnóstico de sua etiologia (HERATH et al., 2020; ALUMI; GAHN e DAVIS, 2009).

As características ultrassonográficas da cavidade uterina em forma de “Y”, no plano longitudinal, são observadas nas inversões uterinas incompletas. A base de “Y” representa o revestimento endometrial não invertido. Em contraste com a inversão incompleta, a visão longitudinal na inversão completa mostra uma configuração em forma de “U”, com os lados do “U” representando o revestimento endometrial invertido completo, estendendo-se tanto anterior, quanto posteriormente. Alguns autores descreveram o sinal do “alvo” ao visualizar a pelve inferior no plano transverso, com o fundo hiperecogênico circundado por uma borda, representando o fluido dentro do espaço entre o fundo invertido e a parede vaginal (WENDEL; SHNAEKEL e MAGANN, 2018; HERATH et al., 2020; KESROUANI et al., 2021).

A ressonância magnética possui eficiente sensibilidade no diagnóstico de IUNP. As observações distintas identificadas são: cavidade uterina em forma de U, fundo uterino espessado e invertido no corte sagital, e configuração em “olho de boi” no corte horizontal. Cavidade em forma de U, também, pode ser observada mesmo em casos de inversão devido a tumores pediculados. Na inversão completa, o diagnóstico é facilitado pela identificação dos ligamentos redondos e das tubas uterinas, que se projetam centralmente na parte superior do útero. No caso de uma malignidade causando IUNP, a ressonância magnética permite a avaliação complementar dos linfonodos (KESROUANI et al., 2021; HERATH et al., 2020).

Tangenciando o tratamento da IUNP, a avaliação inicial e a ressuscitação configuram a prioridade, uma vez que algumas pacientes podem estar em choque séptico ou hemorrágico – seguindo-se de correção da anemia, alívio da dor e início de antibióticos. Alcançada a estabilidade clínica, as etapas devem ser seguidas para confirmar o diagnóstico e estabelecer a possível etiologia. A técnica e a abordagem cirúrgica devem ser individualizadas considerando a idade, desejo de fertilidade futura, etiologia e estágio da doença em caso de malignidade (WENDEL; SHNAEKEL e MAGANN, 2018; HERATH et al., 2020).

Se houver alguma incerteza do diagnóstico após a imagem, ela deve ser esclarecida com laparoscopia e biópsia antes da cirurgia definitiva ser realizada. Caso a biópsia confirme malignidade, o envolvimento multidisciplinar é importante para planejar o tratamento ideal para o tipo e estágio da malignidade (KESROUANI et al., 2021; HERATH et al., 2020).

A cirurgia com foco no reposicionamento do útero é a base do tratamento da inversão uterina, se tornando essencial se a preservação uterina for considerada, pois é a única maneira de prevenir dor, sangramento, infecções e gangrena. A técnica de Haultain – método cirúrgico em que o profissional realiza uma incisão no anel cervical posterior e, a seguir, reposiciona digitalmente o corpo uterino invertido, com subsequente reparo da incisão – é descrita como o método de intervenção mais útil, independente se a inversão é puerperal ou não puerperal. Contudo, boa parte das pacientes necessita de histerectomia abdominal ou reparo uterino após o reposicionamento (KEAN e ALTMAN, 2019; DE et al., 2019; KESROUANI et al., 2021).

Deve-se supor que a histerectomia seria, tecnicamente, mais fácil em um útero normalmente posicionado, em vez do útero invertido, pois o reposicionamento restauraria a anatomia normal com a qual os ginecologistas estão familiarizados. A exclusão de malignidade e a excisão do tumor benigno causador são essenciais antes do reposicionamento e reparo (DE et al., 2019; HERATH et al., 2020). Diante do cenário de reposicionamento impossível ou confirmação de malignidade, a única opção que resta seria a histerectomia. A literatura prévia é concordante que a tentativa de reposicionar um útero com malignidade seria prejudicial, pois a cavidade peritoneal ficaria exposta à patologia através da parede uterina incisada (WENDEL; SHNAEKEL e MAGANN, 2018; KESROUANI et al., 2021).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O diagnóstico preciso e precoce da inversão uterina não puerperal é importante, além disso, devido a sua raridade e escassos relatos publicados em literatura médica, não há protocolos oficiais de seu seguimento na maioria das instituições, constituindo-se como um desafio à prática da ginecologia e obstetrícia.

Embora a maioria dos casos de inversão uterina aconteçam em período puerperal ou durante o terceiro período do parto (dequitação), a inversão uterina pode ocorrer de forma ginecológica (não-puerperal). Nestes casos, a principal etiologia são massas neoplásicas, como o leiomioma uterino de crescimento acentuado aqui relatado.

Nesse contexto, o presente artigo teve como objetivo descrever o desfecho clínico e ginecológico de uma mulher com IUNP causada por leiomioma parido em uma maternidade do extremo norte do Brasil, sendo norteado pela questão: quais os procedimentos devem ser realizados e qual o melhor tratamento para os casos de Inversão Uterina Não-Puerperal?

Ante ao exposto, infere-se que o tratamento consiste em medidas que buscam a realocação uterina e, inicialmente, a preservação da fertilidade da paciente, no entanto, em determinados casos, a histerectomia parcial ou total são as melhores opções para estabilização do quadro. Sendo assim, a intervenção cirúrgica é necessária e proporciona bom prognóstico.

Além disso, é valido destacar que por ser uma emergência ginecológica rara, exige-se do profissional de saúde decisões clínicas desafiadoras e a demora na sua identificação e tratamento podem acarretar consequências fatais à paciente, devido a quadros hemorrágicos.

REFERÊNCIAS

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[1] Residente no Programa de Residência Médica da Universidade Federal do Amapa.

[2] Médico Especialista em  Ginecologia e  Obstetrícia no Hospital da Mulher Mãe Luzia. ORCID: 0000-0003-2677-3645.

[3] Graduanda de Medicina na Universidade Federal de Lavras. ORCID: 0000-0003-0101-9304.

[4] Orientador. Médico Especialista em  Ginecologia e  Obstetrícia no Hospital da Mulher Mãe Luzia. ORCID: 0000-0002-6967-6063.

Enviado: Outubro, 2022.

Aprovado: Novembro, 2022.

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Luciana Garcia do Nascimento

Uma resposta

  1. Muito esclarecedor está matéria!
    Da vagina da minha irmã sai uma massa estranha.
    A primeira vez que sai foi para a sala vermelha, era placa de sangue muito escura,agora sai uma massa parecendo com gordura de galinha com um pouco de sangue.A primeira levaram pra BIOPSIA mas até a data de hoje sem resultado.
    Agora estão falando que é da bexiga.

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