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O ensino da espiritualidade na graduação em saúde: um olhar reflexivo

RC: 144032
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/ensino-da-espiritualidade

CONTEÚDO

ENSAIO REFLEXIVO

CHALEGRE, Casiana Tertuliano [1], GOMES, Adenilson da Silva [2], MOURA, Virgínia Maria Holanda de [3], VASCONCELOS, Eliane Maria Ribeiro de [4], FRAZÃO, Iracema da Silva [5]

CHALEGRE, Casiana Tertuliano. et al. O ensino da espiritualidade na graduação em saúde: um olhar reflexivo. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 04, Vol. 06, pp. 120-132. Abril de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/ensino-da-espiritualidade, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/ensino-da-espiritualidade

RESUMO

A dimensão espiritual compõe, de forma relevante, o processo de atenção global à saúde dos indivíduos. Porém, o tema da espiritualidade ainda é pouco abordado nas práticas profissionais, possivelmente pelo fato de a formação acadêmica apresentar carências no desenvolvimento desse enfoque. O objetivo deste ensaio teórico foi o de refletir sobre a importância da espiritualidade como parte do cuidado integral do ser humano no contexto de formação superior dos cursos de graduação. Seguiu-se a metodologia adotada por Meneghetti (2011), a qual se orienta por perguntas que conduzem os sujeitos nas reflexões mais profundas sobre os temas em pauta. O aporte teórico adotado foi a teoria da multidimensionalidade do ser humano. Visando encontrar respostas, este ensaio analisa os seguintes tópicos: a importância da espiritualidade na formação em saúde; a espiritualidade nos cursos de graduação; as pesquisas sobre espiritualidade na formação em saúde. Fica evidente a necessidade de formar profissionais de saúde que contemplem as necessidades do paciente de modo a fortalecer o estudo e reflexão da espiritualidade na prática clínica. Ao se considerar que paciente e profissional são seres singulares e passíveis de viver diversas experiências de vida, o ensino precisa se pautar, também, pela subjetividade, o que enriquece a prática e o acolhimento das demandas advindas dos serviços de saúde. A partir das reflexões levantadas no presente artigo, pode-se adotar como orientação a importância da sistematização e consolidação da espiritualidade na graduação dos cursos de saúde através de metodologias congruentes com o tema, paralela à evolução das pesquisas sobre espiritualidade.

Palavras-chaves: Espiritualidade, Ensino em saúde, Graduação, Profissionais de saúde, Integralidade. 

1. INTRODUÇÃO

A espiritualidade pode ser compreendida como uma dimensão da humanidade, sendo uma forma que a pessoa tem para se conectar com o sagrado, por meio da fé, de crenças, práticas e valores religiosos. O homem busca, assim, respostas às perguntas mais íntimas e profundas, como o propósito real da vida (PUCHALSKI et al., 2011).

Há algumas décadas, a dimensão espiritual foi incluída, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), na compreensão multidimensional de saúde, que considera o conceito de espiritualidade desvinculado de qualquer tipo de prática religiosa. Tal definição considera a saúde como “estado dinâmico de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social e não somente ausência de doença ou enfermidade” (OMS, 1998, página 4).

O questionamento sobre o tema espiritualidade tem a proposição de uma maior integração cuidado/humanística, considerando, particularmente, cada ser, percebendo suas características pessoais e espirituais, que o transformam em um ser único. Essa proposta pode ser abordada, com a intenção de incentivar a discussão e reflexão sobre as repercussões da crença pessoal no futuro profissional da saúde, desde o início da graduação (OLIVEIRA, 2017; OLIVEIRA; FRAZILI, 2012).

Nos últimos anos, o reconhecimento da importância da espiritualidade na área da saúde tem aumentado. No entanto, apesar da necessidade de preparar os graduandos desse campo para acolher os pacientes com mais qualidade, pouco se ensina ou se aplica na prática. Os cursos de graduação, na sua grande maioria, não desenvolvem conteúdos relacionados à espiritualidade (RIBEIRO et al., 2021), como, por exemplo, a criação de ambientes didáticos oportunos que ampliem a visão dos estudantes na discussão de temas que superem o modelo biologicista. Além disso, existe pouco conhecimento sobre as perspectivas dos acadêmicos acerca da espiritualidade e dos cuidados desenvolvidos com o olhar da dimensão espiritual.

Este ensaio teórico tem por objetivo refletir sobre a importância da espiritualidade como parte do cuidado integral do ser humano no contexto de formação superior dos cursos de graduação. No ensaio teórico, pensamento e objeto estão em movimento, direcionados não pela procura das respostas e afirmações verdadeiras, mas por perguntas que norteiam os sujeitos para reflexões mais aprofundadas (MENEGHETTI, 2011). Logo, as perguntas fundamentais que direcionam este ensaio são: qual a importância da compreensão da espiritualidade, enquanto estratégia de cuidado integral, para a formação em saúde? Como o tema da espiritualidade está inserido nos cursos de graduação? Qual o panorama das pesquisas sobre espiritualidade?

2. ESPIRITUALIDADE NA FORMAÇÃO EM SAÚDE

A atenção do profissional de saúde para as preocupações sobre religiosidade e espiritualidade vem se tornando parte de um extenso movimento guiado à uma prática clínica que tem o paciente como o centro, sendo necessário que o profissional esteja aberto ao tema durante o atendimento e o inclua na sua avaliação clínica (CURLIN et al., 2005). Tal prática tem levado várias universidades ao redor do mundo a incluir o tema no currículo médico no período de graduação, especialmente nos Estados Unidos e no Reino Unido, embora esse fenômeno ainda não seja considerado global (DALLA et al., 2016).

No Brasil, existem opiniões recentes de alunos, professores e diretores de faculdades acerca da relevância do tema, além dos próprios pacientes, que, na sua maioria, desejam que o médico esteja aberto ao tema durante a consulta. Porém, a realidade é que essa prática ainda acontece pela minoria das universidades. Em uma avaliação de 47,4% das escolas médicas brasileiras, apenas 10,4% dos cursos de graduação dispõem de disciplinas dedicadas à espiritualidade e saúde (LUCCHETTI et al., 2013).

Essa proposição traz à tona, para a presente reflexão, que o trabalho em saúde é privilegiado pelo viés biologicista na concepção do ser humano, confeccionado pelo modelo hegemônico na área da saúde. As implicações no tratamento de doenças e na formação do profissional de saúde são várias, refletindo o reducionismo pragmático incorporado no cotidiano da aprendizagem dos cursos de saúde e construindo uma visão terapêutica que desconsidera contextos, relações sociais e especificidades construídas ao longo da história do indivíduo (DIAS et al., 2020; HASHIZUME, 2019).

Nesse sentido, a partir desse paradigma, cuidados contextualizados e interdisciplinares, que incluem olhares de professores, coordenadores, alunos, pacientes e familiares, dificilmente têm a mesma legitimidade que o discurso médico biologicista, pois o graduando, ao se basear em um currículo fragmentado e movido pelo saber patológico, condiciona suas experiências pautando-se no tecnicismo e curativismo (MORAES; COSTA, 2018).

Todas as profissões da área da saúde têm como pressuposto básico o cuidado. Portanto, cuidar deve partir da reflexão na ação, mergulhando, assim, em todo o processo de cuidado do indivíduo, favorecendo a singularidade desse processo. É dessa maneira que a espiritualidade pode servir de ferramenta interdisciplinar numa tentativa de contemplar as lacunas trazidas pelo olhar biológico, ampliando o trabalho em saúde elaborado pelo profissional em formação.

A espiritualidade está em constante presença nos diversos cenários de cuidados em saúde, tendo em vista que se trata das visões de mundo que cada paciente leva a esses serviços. Então, aprender essa temática na formação em saúde é indispensável, pois ela permite que a construção subjetiva do cuidado seja efetivada de maneira holística, garantindo que a prática profissional em saúde adquira maior completude em seus afazeres (FLORES et al., 2020).

Cafezeiro et al. (2020) afirmam que alguns estudiosos ressaltam a espiritualidade como item de mudança, cujo potencial modifica a visão do profissional, evidenciando a real necessidade de uma formação reflexiva e pautada na universalidade do cuidado e na complexidade do ser humano. Portanto, o estudante precisa se reconhecer como elemento ativo nessa apropriação formativa, pois ele é um ser biológico, psicológico, social e espiritual assim como o seu paciente.

Deste modo, compreender a espiritualidade como aquilo que transcende o real é o primeiro passo para que o docente auxilie o aluno na identificação de seu próprio caminho. É importante que o professor possa reconhecer e respeitar a diversidade cultural do estudante, sua estrutura de crença espiritual, assim como as diversas percepções dos educandos a respeito desse construto. Na medida em que o discente reconhece a importância da dimensão espiritual, abrem-se espaços para que a espiritualidade possa ser trabalhada no âmbito  de suas práticas de cuidado.

Dessa forma, o estudante precisa interpretar as múltiplas dimensões em que o ser humano é compreendido em seu aprendizado ao longo do curso, oportunizando interlocução com a espiritualidade dos sujeitos ensinados, também, nesse curso, o que o capacitaria a desenvolver conhecimentos propícios para o trabalho com a espiritualidade de cada ser, o que, na prática, o distanciaria cada vez mais da atuação biologicista.

Mesmo com necessidade da inserção do tema nos centros de ensino para o preparo mais adequado do profissional de saúde para a prática clínica, é visto, na literatura, que os currículos de cursos de graduação em saúde ainda carecem da inserção da temática da espiritualidade de forma mais ampla e consistente.

3. ESPIRITUALIDADE NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO

Apesar da relevância do tema na formação profissional, estudos mais recentes apontam que a abordagem sobre espiritualidade e assistência espiritual na graduação é insuficiente, sendo poucas instituições que oferecem essa temática na grade curricular ou como disciplina optativa (OLIVEIRA, 2017).

O desenvolvimento de competências para a abordagem da dimensão espiritual/religiosa do paciente por parte dos profissionais de saúde torna-se necessário para o desempenho de uma prática clínica que olhe o processo saúde-doença-cuidado de modo dinâmico e holístico. Assim, de acordo com a Association of American Medical Colleges (1999), os currículos médicos devem ser capazes de orientar os alunos quanto ao papel da espiritualidade ao prestar cuidado singular que envolve os pacientes em diferentes situações e a influência de sua própria espiritualidade na capacidade de perceber os aspectos espirituais da vida dos pacientes (apud OLIVEIRA, 2017).

No quesito de ensino da espiritualidade, diversas são as entidades regulamentadoras que incentivam e sugerem fortemente a inclusão dessa temática em alguma parte do currículo formal ou mesmo adoção de um currículo mínimo que tenha aspectos relacionados a ela. Pode-se citar a Associação de Escolas Médicas Americanas (AAMC) (ASSOCIATION OF AMERICAN MEDICAL COLLEGES, 1999), a Organização Mundial da Saúde (WHO) (WHOQOL, 2006), a Associação Mundial de Psiquiatria (WPA) (WORLD PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2016), a NANDA (HERDMAN; KAMITSURU, 2018), assim como a divisão 36 da Associação Americana de Psicologia (SOCIETY FOR THE PSYCHOLOGY OF RELIGION AND SPIRITUALITY, 2019).

Por intermédio dessas organizações e suas orientações, a espiritualidade passou a ser adotada como parte dos currículos das instituições brasileiras fornecedoras de cursos de saúde de forma obrigatória ou eletiva (DAMIANO; LUCCHETTI; LUCCHETTI, 2019).

Por outro lado, os fatores relacionados a não execução dessa abordagem nos cursos são muitos, mas envolvem, por exemplo, o medo de impor pontos de vista religiosos aos pacientes e ofendê-los. Outro fator limitante é que a abordagem da dimensão espiritual/religiosa é uma necessidade que pode estar embutida em outras competências mais amplas, como o cuidado biopsicossocial, podendo inferir que o termo “religiosidade” ou “espiritualidade” seja corrompido em sua essência, não trabalhando com os discentes a essência de seus conteúdos, mas de forma transdisciplinar.

Nasrollahi et al. (2020) esclarecem que tais fatores podem ser englobados em duas categorias: uma relacionada à docência e outra relacionada ao contexto escolar. A primeira informa que as barreiras impostas para o trabalho da espiritualidade nos currículos dos cursos de saúde estão relacionadas à visão de mundo do professor, à adesão aos princípios religiosos, à crença em virtudes éticas, à interação positiva e construtiva com o aluno e ao domínio das habilidades de ensino. Já a segunda informa que as relações existentes no seio escolar, mediante a presença de colegas de profissão de diversas religiões, relações organizacionais,  condições religiosas que regem a sociedade, visão de mundo e existência de padrões religiosos preexistentes no perfil dos educandos, podem facilitar ou inibir a inclusão de conceitos espirituais durante o ensino e também a atuação do professor.

Nesse sentido, a espiritualidade, por não estar inserida em uma disciplina curricular, sofre fragmentação do seu conteúdo, sendo abordada de maneira introdutória em outras disciplinas, mas não de maneira sistematizada e aprofundada. O resultado disso é a formação verticalizada, mecanizada e curativista de profissionais que não se sentem preparados para contemplar as necessidades espirituais que advêm da prática clínica.

Como ainda é falha a elaboração de disciplinas específicas, compreende-se, então, a necessidade premente de extrapolar as limitações dogmáticas religiosas, uma vez que a espiritualidade é inerente ao ser humano e não está atrelada à ideologia religiosa. É preciso, portanto, explorar os diversos valores, significados, símbolos e ritos de expressões da espiritualidade dentros das diversas disciplinas que compõem o currículo dos cursos de saúde de maneira que o aluno seja capaz de perceber e interagir com a dimensão espiritual, objetivando a organização das outras dimensões (física, sensitiva, emocional e racional), ou seja, efetivando a real compreensão sobre a espiritualidade.

4. AS PESQUISAS SOBRE ESPIRITUALIDADE NA FORMAÇÃO EM SAÚDE

O número de pesquisas sobre a tríade Religiosidade/Espiritualidade/Saúde(R/E/S), na comunidade científica internacional, ascendeu na última década e aponta para desfechos clínicos positivos em saúde física e mental (MOREIRA-ALMEIDA; LOTUFO NETO; KOENIG, 2006). Juntamente com a crescente conscientização sobre a dimensão espiritual da saúde, tem havido uma tendência cada vez maior de incorporar a espiritualidade na educação e na pesquisa médica em alguns contextos.

Apesar de haver uma diferenciação entre Religiosidade/Espiritualidade (R/E), a sobreposição entre ambas as definições revela-se algo habitual, visto que se referem a vertentes com similaridades e, muitas vezes, de difícil especificação (MARQUES, 2010). No entanto, existem características que as distinguem. Nesse sentido,  o conceito de religião é descrito como um sistema organizado de práticas e crenças, sobre o sagrado e o divino, estruturadas por valores, rituais e símbolos religiosos, para facilitar a proximidade com o transcendente, que pode ser frequente e formal ou não (FREITAS, 2014; KOENIG; MCCULLOUGH; LARSON, 2001).

Já o caráter conceitual de espiritualidade é compreendido pela busca pessoal do sagrado, referente a valores, à fé, a questões essenciais sobre o significado da vida e a transcendência, de maneira mais aberta e desprendida de fatores culturais ou sociais. Pode, ou não, resultar de práticas e rituais religiosos ou da constituição de uma coletividade (FREITAS, 2014; KOENIG; MCCULLOUGH; LARSON, 2001).

No campo das pesquisas sobre essa temática, apesar de ainda se observar pontos de conflito e questionamentos em sua implementação, especialmente entre os profissionais de saúde, observa-se que as definições de R/E tem sido inscritas progressivamente nos protocolos de saúde (MOREIRA-ALMEIDA; LOTUFO NETO; KOENIG, 2006). No Brasil, essa dimensão ganha maior importância por estar relacionada à cultura desse país. Tal fato reforça a relevância de ampliar as pesquisas sobre R/E/S, o que fortalece a inserção da espiritualidade na formação em saúde. O quadro 1 apresenta os artigos reunidos para a presente reflexão sobre as pesquisas nessa área no contexto da formação em saúde.

Quadro 1 – Artigos consultados conforme autor, ano, periódico, título e base de dados

Autor/ano/periódico Título Base de dados
Moreira-Almeida; Lotufo Neto e Koenig (2006), Brazilian Journal of Psychiatry. Religiousness and mental health: a review. Scientific Electronic Library Online (SciELO)
Aguiar, Cazella e Costa (2017), MedEdPublish. What do we know about the teaching of religiosity/spirituality in medical undergraduate curricula? An integrative review. Europe Pubmed Central
Cafezeiro et al. (2020), Revista Pró-UniverSUS. A espiritualidade no processo de formação dos profissionais de saúde. Google Acadêmico
Borges, Duarte e Capovilla (2021), HU Revista. O conhecimento dos graduandos de enfermagem sobre o cuidado espiritual na prática clínica. National Library of Medicine
Lucchetti et al. (2013), BMC Medical Education. Medical students, spirituality and religiosity-results from the multicenter study SBRAME. PubMed
Ribeiro et al. (2021), Educação. Espiritualidade no ensino: a perspectiva dos discentes de uma universidade pública da área da saúde. Web of Science Group
Silva et al. (2022), Espaço Saúde. Espiritualidade no ensino em saúde: scoping review. Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS)

Fonte: autoria própria.

Em uma pesquisa com 73 médicos brasileiros que estavam realizando especialização em saúde da família, disponibilizada aos alunos do Sistema Universidade Aberta (UNA-SUS) através da plataforma virtual da UNA-SUS/UFCSPA, sobre o tema R/E/S na prática clínica, para verificação de experiências prévias de ensino sobre a temática no período de graduação, foram observados os seguintes resultados: 89% consideram importante ou muito importante o cuidado espiritual nas práticas em saúde; 72,2% concordam que o tema deve ser abordado na graduação. E apesar dos médicos avaliados parecerem reconhecer a importância da espiritualidade para os pacientes e para a saúde, considera-se que é a categoria que mais se distancia do seu papel como cuidador dessa dimensão (AGUIAR; CAZELLA; COSTA, 2017).

Um estudo realizado com 53 profissionais de saúde atuantes na unidade de terapia intensiva adulto de dois hospitais no interior da Bahia revelou que aproximadamente 90% dos entrevistados relataram que não tiveram contato com o tema Espiritualidade/Saúde na graduação (CAFEZEIRO et al., 2020). Outro estudo, realizado com 46 graduandos em enfermagem de uma universidade privada do interior do estado de São Paulo, detectou que, quando perguntado em que momento tiveram contato com o tema na graduação, 12 (27%) responderam nas disciplinas teóricas e 5 (11,3%), no ensino clínico (estágios na atenção terciária ou primária) (BORGES; DUARTE; CAPOVILLA, 2021).

Uma pesquisa sobre o ensino desse tema em escolas médicas no país, publicada em 2013, revelou que das 86 (47,7%) instituições que participaram, 9 ofereciam um curso específico sobre o assunto, sendo 4 (4,6%) obrigatórios e 5 (5,8%) eletivos (LUCCHETTI et al., 2013).

Um estudo transversal com os discentes dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre teve por objetivo investigar a compreensão desses a respeito do tema espiritualidade na educação e na saúde e como esses avaliam a pertinência do tema. Os autores tiveram como desfecho que discentes dos variados cursos e séries reconhecem a importância do estudo da espiritualidade na área da saúde, entretanto, mas que a carência desse conteúdo no decorrer da formação acadêmica gera desconhecimento e insegurança para tratar do tema com os pacientes (RIBEIRO et al., 2021).

Um recente artigo de revisão de escopo sintetizou as publicações sobre espiritualidade no ensino da saúde, entre janeiro de 2010 a setembro de 2020, e identificou que tais produções foram crescendo nos últimos seis anos e progressivamente conquistando espaço na compreensão do cuidado integral à saúde. Porém, apesar do aumento dos artigos que envolvem a espiritualidade e o ensino em saúde, os autores encontraram que esses não trazem subsídios para responder satisfatoriamente às demandas, principalmente de pacientes que possuem expectativas de encontrar profissionais mais qualificados para atendê-los (SILVA et al., 2022).

Os trabalhos encontrados descrevem conceitos de espiritualidade, religião, estratégias de abordagem da temática, assim como barreiras para o desenvolvimentos sobre o tema na prática clínica. Destacam a visão humanista sobre a perspectiva religiosa e paliativista, sugerindo, ainda, que o desafio da espiritualidade na saúde esteja associado aos estigmas que esse termo sofre, sendo, no entanto, fator crucial na humanização do profissional de saúde e, por seguinte, do atendimento em serviços de saúde.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A necessidade de inserir conteúdos relacionados à espiritualidade nos currículos dos cursos da área da saúde está relacionada à sua comprovada influência nos resultados do tratamento e na manutenção da saúde dos pacientes, cuidadores e profissionais. A espiritualidade, aspecto humano, até então, em processo de construção e desenvolvimento, é de comprovada relevância na área da saúde. Sua multifatorialidade e multicausalidade levam, então, ao desvelar de sua multidimensionalidade na implicação da construção de sentidos que vão além do corpo.

É devido a essa concepção que ficou notório, nesta reflexão, a constante necessidade de formar profissionais de saúde que contemplem as necessidades do paciente de modo a evidenciar o olhar sobre a espiritualidade na prática clínica. Uma vez que paciente e profissional são considerados seres inéditos e passíveis de viver diversas experiências de vida, o ensino precisa ser pautado para além da objetividade, na subjetividade, enriquecendo a prática e o acolhimento das demandas oriundas dos serviços de saúde.

Ao refletir-se sobre a vivência da espiritualidade nas práticas de ensino como parte integrante da formação superior dos cursos de graduação, fica claro que se trata de um tema ainda incipiente, porém, ao mesmo tempo, de grande importância, sendo parte do cuidado integral do ser humano. É perceptível que a inserção da temática espiritualidade no ensino da graduação agrega qualidade à prática profissional.

Por fim, ressalta-se que o ensino da espiritualidade nos cursos de graduação na área de saúde surge como uma aproximação inicial e progressiva na trajetória dos discentes, que são, assim, inseridos no reconhecimento das possibilidades de um cuidado espiritual integral e holístico. É preciso que haja uma sistematização e consolidação do ensino da espiritualidade na graduação dos cursos de saúde com o uso de metodologias mais apropriadas e adequadas, em conjunto com uma evolução das pesquisas sobre o tema.

REFERÊNCIAS

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BORGES, Mariana Lopes; DUARTE, Andressa Marina; CAPOVILLA, Gabriele Pelizari. O conhecimento dos graduandos de enfermagem sobre o cuidado espiritual na prática clínica. HU Revista, v. 47, p. 1-9, 2021. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/hurevista/article/view/32992. Acesso em: 9 fev. 2023. DOI: 10.34019/1982-8047. 2021.v47.32 992

CAFEZEIRO, Amanda et al. A espiritualidade no processo de formação dos profissionais de saúde. Revista Pró-UniverSUS, v. 11, n. 2, p. 158-63, 2020.

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DIAS, Fábio Araújo et al. Espiritualidade e saúde: uma reflexão crítica sobre a vida simbólica. Research, Society and Development, v. 9, n.5, p. e52953113, 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v9i5.3113.

FLORES, Isadora Pinto et al. Espiritualidade, ensino na graduação e prática profissional: uma revisão integrativa. Research, Society and Development, v. 9, n. 6, p. e137963503, 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v9i6.35031.

FREITAS, Marta Helena. Religiousness and health: patient’s experiences and professional’s perceptions. Revista Pistis Praxis, v. 6, n. 1, p. 89–105, 2014. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/pistispraxis/article/view/13046. Acesso em: 23 jan. 2023. DOI: 10.7213/revistapistispraxis.06.001.ds05.

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HASHIZUME, Cristina Miyuki. Problematizando o paradigma médico-biologicista na educação: articulações entre educação, saúde e direitos humanos. Educação & Linguagem, v. 22, n. 2, p. 5-24, 2019.

HERDMAN, Heather; KAMITSURU, Shigemi. Diagnósticos de enfermagem da NANDA-I: definições e classificação 2018-2020. 11ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2018.

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[1] Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da UFPE. ORCID: 0000-0002-9893-5749. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8229593768514685.

[2] Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFPE. ORCID: 0000-0001-6174-2516. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0034343858160210.

[3] Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFPE. ORCID: 0000-0002-7599-6821. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8685858024065229.

[4] Pós-Doutorado pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP. ORCID: 0000-0003-3711-4194. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1138326761013745.

[5] Pós-Doutorado pela Faculdad de Enfermeria de la Universidad de Oviedo Espanha. ORCID: 0000-0002-4690-3753. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0211095347273754.

Enviado: 16 de fevereiro, 2023.

Aprovado: 14 de abril, 2023.

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Casiana Tertuliano Chalegre

Uma resposta

  1. Deixo meus parabéns à autora. Belíssimo trabalho e um tema cada vez mais valorizado no campo da saúde… Ainda bem!

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