ARTIGO ORIGINAL
ROCHA, Graciete de Oliveira [1], SILVEIRA, Felipe Nascimento da [2]
ROCHA, Graciete de Oliveira. SILVEIRA, Felipe Nascimento da. Influência do fenobarbital na taxa de mortalidade e desenvolvimento larval da Musca doméstica e Dermatobia Hominis ordem díptera. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 12, Vol. 08, pp. 160-181. Dezembro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/desenvolvimento-larval, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/desenvolvimento-larval
RESUMO
A Entomologia Forense é a ciência que estuda as aplicações dos insetos em procedimentos criminais. Métodos entomológicos utilizados para investigação podem revelar a identificação do cadáver, as causas da morte, bem como o local do crime e o Intervalo Pós Morte (IPM). Um ramo novo da Entomologia Forense é a Entomotoxicologia que utiliza os insetos para identificação de substâncias químicas presentes em um tecido. Na ausência de tecidos e fluidos biológicos os Dípteros e outros artrópodes podem ser usados como alternativa para análises toxicológicas. A Entomotoxicologia investiga também os efeitos causados pelas drogas no desenvolvimento dos insetos, uma vez que a estimativa de Intervalo Pós Morte é verificada na idade do inseto. Os espécimes ao se alimentar de tecidos cadavéricos contendo drogas podem sofrer alterações em seu ciclo. No presente estudo objetivou-se, portanto, estudar o efeito do Fenobarbital acrescido à dieta nas concentrações de 500 mg e 1000 mg na taxa de mortalidade e no desenvolvimento dos imaturos de Musca domestica (Muscidae) e Dermatobia hominis (Oestridae). Para isso, metodologicamente, foi adotada a armadilha descrita por Ferreira (1978), contendo iscas de carne bovina moída e expostas no ambiente por sete dias. Como resultado, foi observado que o Fenobarbital afetou significativamente o desenvolvimento larval das espécies e quanto maior a dosagem dele, maior a taxa de mortalidade dos insetos.
Palavras-chave: Entomoxicologia, Efeito Fenobarbital, Musca domestica e dermatobia hominis.
INTRODUÇÃO
A palavra entomologia, de origem grega, forma-se da junção do vocábulo entomon, significando insetos, e logos, significando estudos. Em vista disso, entomologia é a ciência que estuda a identificação e a classificação dos insetos em todos os aspectos morfológicos. Além disso, ela estuda as plantas, os seres humanos e outros animais. De todas essas classes de estudo por essa ciência, os insetos são considerados o maior grupo de animais existentes, contendo aproximadamente 1.200.00 espécies descritas (BUZZI, 2002).
Por sua vez, a Entomologia Forense é a ciência que estuda as aplicações dos insetos em procedimentos criminais. E em virtude disso, os métodos entomológicos utilizados para investigação podem revelar características como a identificação do cadáver, as causas da morte, bem como o local do crime e o Intervalo Pós-Morte – IPM (BENECKE, 2001).
Portanto, uma das principais áreas que pode interagir com as investigações criminais é a Entomologia Forense, já que ela é considerada uma ciência aplicada ao estudo dos insetos e a outros artrópodes associados a diversas questões criminais, sobretudo porque são os insetos que fornecem importantes informações e auxiliam, por exemplo, em investigação de crimes contra pessoas que foram vítimas de morte violenta (PUJOL-LUZ; ARANTES; CONSTANTINO, 2008).
A Entomotoxicologia, por sua vez, é uma área nova da Entomologia Forense que estuda a aplicação das análises toxicológicas de substâncias químicas encontradas principalmente em larvas dos insetos necrófagos, os quais se alimentam dos tecidos em decomposição. Nesse sentido, o interesse médico-legal no ramo da entomotoxicologia é pelo fato de que cresce cada vez mais o número de mortes relacionadas às drogas e às substâncias químicas (INTRONA; CAMPOBASSO; GOFF, 2001).
Em virtude disso, nas ciências forenses, são utilizados conhecimentos e técnica cientifica para desvendar crimes, já que os exames periciais são realizados em uma ampla variabilidade de indícios, exigindo diversas metodologias e proporcionando princípios e técnicas de áreas distintas para que seja realizada uma análise correta de um possível vestígio (FOLTRAN; SHIBATTA, 2011).
A Entomologia encontra-se à disposição da justiça como ferramenta e auxílio a investigações criminais que atualmente vem despertando o interesse dos peritos devido à importância dos insetos em oferecer dados suficientes de um crime e supostos criminosos, bem como, de onde, e como ocorreu, a morte (PARADELA; FIGUEIREDO; GREDI, 2009).
Vale destacar que entre os insetos de interesse forense, a ordem Díptera reúne os mosquitos e as moscas de maior importância para os estudos da Entomologia forense. Os insetos, além de sua importância ecológica no processo de decomposição, podem servir como um relógio biológico, possibilitando, inclusive, medir o tempo de morte principalmente em casos com mais de duas semanas (OLIVEIRA-COSTA, 2007).
Em casos de morte violenta, por exemplo, a entomologia pode prestar esclarecimentos sobre o lugar, a identidade do morto e a causa da morte, principalmente a cronotanatognose, que é o intervalo de tempo entre a morte e a data em que o corpo foi encontrado, sendo fundamental em casos em que o corpo se encontra em estado avançado de decomposição e quando os métodos convencionais não são mais precisos para essa estimativa de intervalo pós-morte, sendo necessária a utilização dos dados dos hábitos e da biologia das espécies necrófagas (OLIVEIRA-COSTA, 2007).
Portanto, a utilização de insetos e de outros artrópodes em investigações criminais são de extrema importância, sendo seus cadáveres os primeiros a serem encontrados, já que estão presentes em todas as fases de decomposição. Ademais, a presença de algumas espécies é específica de determinadas regiões e de certas estações do ano (CATTS; GOFF, 1992).
Posto isso, neste estudo, objetiva-se estudar o efeito do Fenobarbital acrescido à dieta nas concentrações de 500 mg e 1000 mg na taxa de mortalidade e no desenvolvimento dos imaturos de Musca domestica (Muscidae) e Dermatobia hominis (Oestridae). Os experimentos serão procedidos em área de ecossistema inserido no Distrito Federal, visando: avaliar o desenvolvimento da entomofauna em iscas de carnes frescas expostas ao ar livre, identificar quais espécies de insetos participarão da decomposição das iscas, estudar à influência do Fenobarbital na taxa de mortalidade e desenvolvimento desses insetos e, por fim, verificar se as espécies são de interesse Forense.
BREVE HISTÓRICO
Tzu Sung, autor do primeiro documento escrito envolvendo a Entomologia Forense na China e no século XIII, descreveu o assassinado de um homem a golpes de instrumento corto-contundente, isto é, uma “foice”. Os policiais, em busca de vestígios no local, encontraram uma foice na qual pousavam moscas e os investigadores presumiram, então, que aqueles insetos estavam naquela arma devida à exalação de odores pela presença de vestígios de sangue ali aderidos e imperceptíveis a olho nu; em vista disso, o proprietário foi pressionado pela polícia, levando-o a confessar a autoria do crime (BENECKE, 2001).
A literatura atribuiu, por conseguinte, a primeira estimativa de intervalo post-mortem em 1855 ao médico francês Bergeret, quando ele utilizou essa ciência para desvendar o assassinato de um bebê encontrado no interior de uma residência (BENECKE, 2001). Portanto, baseando-se em insetos encontrados no cadáver, estudando o IPM e o desenvolvimento das larvas, concluiu-se que o cadáver encontrado havia sido deixado por uma família que morava no local anteriormente, o que permitiu absorver os moradores que tinham se mudado para a residência recentemente (OLIVEIRA-COSTA, 2007).
Contudo, na França, em 1984, ano em que a medicina forense se tornou mundialmente conhecida, Mégnin foi o primeiro autor a publicar uma referência com destaque ao papel dos insetos na estimativa IPM e o qual foi o responsável por categorizar os grupos dos insetos que colonizam os cadáveres em diferentes estágios de decomposição (OLIVEIRA-COSTA, 2007).
Somente em 1908, os estudos da ciência forense foram iniciados no Brasil por Edgard Roquette Pinto e Oscar Freire com base em estudos de casos humanos e animais. Em seus trabalhos, esses pesquisadores registraram a diversidade da fauna de insetos necrófagos em regiões de mata atlântica, nos Estados do Rio de Janeiro e da Bahia, até então ainda bastante preservada. Os estudos chamaram a atenção pela postura crítica e pelo esforço em desenvolver métodos adequados às condições locais do Brasil (PUJOL-LUZ; ARANTES; CONSTANTINO, 2008; OLIVEIRA-COSTA, 2007).
Apesar do estudo de Mégnin ter sido um marco genial nessa época, seus dados não podem ser aplicados no Brasil devido às variações climáticas, já que o clima tropical conduz a um processo de decomposição muito mais veloz no Brasil do que no território europeu, além de que algumas das espécies verificadas em terras brasileiras não ocorrem em países de clima temperado e vice-versa (OLIVEIRA-COSTA, 2007).
Os estudiosos pioneiros e brasileiros, Roquette Pinto e Oscar Freire, enfrentaram grandes dificuldades devido à carência de dados e, sobretudo, às variações climáticas brasileiras. Depois desses estudos preliminares, o assunto ficou esquecido durante décadas no Brasil e as observações críticas descritas por Oscar Freire ainda correlacionam com a mesma visão atual dos dias de hoje, em que técnicas entomológicas, desenvolvidas em outros países, não podem ser aplicadas diretamente no Brasil, por ser um país com uma das maiores biodiversidades do mundo e isso, consequentemente, reflete na fauna cadavérica (PUJOL-LUZ; ARANTES; CONSTANTINO, 2008; OLIVEIRA-COSTA, 2007).
Assim sendo, a atividade dos insetos acelera a putrefação, além disso, cada momento de desintegração do corpo atrai um determinado grupo de insetos. Além disso, eles se sucedem de acordo com um padrão previsível e pesquisas realizadas em outros países, já somam um padrão de sucessão de insetos encontrados nos corpos. Por conseguinte, no Brasil, esses dados ainda não são seguros devido à amplitude das condições climáticas e devido ao fato de os entomologistas brasileiros, durante as pesquisas, esbarrarem em impedimentos éticos e jurídicos (OLIVEIRA-COSTA, 2007).
A ENTOMOLOGIA FORENSE E SUAS APLICAÇÕES
O uso dessa ciência, na Medicina Legal, justifica-se pela existência de insetos de importância forense, que são os insetos necrófagos que utilizam os cadáveres como seu habitat natural. Portanto, os insetos necrófagos são aqueles que se alimentam da matéria orgânica em decomposição, como fonte proteica, com o objetivo de estimular a oviposição para o desenvolvimento de suas fases imaturas, acelerando, como consequência, o estado de decomposição do corpo (BENECKE, 2001).
No Brasil, a aplicação da Entomologia Forense, em casos de investigações criminais, é pouco utilizada, já que na maioria das vezes, dados importantes são ignorados, pois se trata de um país de dimensões continentais, em que as múltiplas variáveis geográficas, referentes as regiões, exercem significativas interferências no desenvolvimento da fauna cadavérica (SILVA; REIS, 2012).
No âmbito policial nacional, a divulgação dessa ciência é quase inexistente e em razão disso, informações valiosas se perdem. Todavia, a realidade é que a maioria da comunidade policial ignora totalmente essa ciência. Além disso, a medicina médico-legal se baseia quase que exclusivamente em alterações macroscópicas que se sucedem no processo de decomposição dos corpos; e quando sujeitados a inúmeras variações é feita uma comparação, nos corpos decompostos, utilizando-se as técnicas de cronotanatognose, como relatório policial, necropsia e entomológica; e, estatisticamente, a entomológica se mostrou mais eficiente (OLIVEIRA-COSTA, 2007; KASHYAP; PILAY, 1989).
ENTOMOTOXICOLOGIA
As larvas, que se alimentam de cadáveres, podem sequestrar drogas e substâncias tóxicas que tinham sido ingeridos pela pessoa falecida, normalmente em mortes provocadas por intoxicação. Além disso, são coletados materiais biológicos, como sangue e urina, ou tecidos, para identificar substâncias tóxicas ali presentes; esses materiais são submetidos às análises toxicológicas para determinar toxinas presentes nos tecidos do cadáver (GOFF; LORD, 2001).
No entanto, se o corpo é encontrado em um período distante de tempo após a morte, os métodos tradicionais, muitas vezes, não podem ser diretamente recuperados por causa do nível de decomposição, porém, sabe-se que os insetos, sobretudo as larvas presentes no cadáver, podem ser usados para essas análises, pois esses espécimes se alimentam dos tecidos decompostos (OLIVEIRA-COSTA, 2007).
Adicionalmente, a Entomotoxicologia pode ser usada como alternativa, quando os métodos convencionais não são mais possíveis; drogas e outros contaminantes podem ser analisados nos insetos a um longo período após a morte, sendo possível identificar os tipos de substâncias presentes nas larvas que se alimentam desses tecidos. Além disso, esses insetos são preparados para análises toxicológicas de maneira similar aos que seriam os tecidos e fluidos biológicos (INTRONA; CAMPOBASSO; GOFF, 2001).
Além de estudar drogas presentes em larvas, pupas e insetos adultos necrófagos para análises toxicológicas, a Entomotoxicologia também avalia os efeitos de drogas no desenvolvimento dos insetos, pois as espécies podem ter seu tempo de vida afetado na presença dessas substâncias. Portanto, vale destacar que o conhecimento sobre os efeitos no tempo do desenvolvimento dos imaturos é de grande interesse forense, podendo contribuir para melhorar resultados imprecisos no IPM (OLIVEIRA-COSTA, 2007).
A ESTIMATIVA DE INTERVALO PÓS-MORTE (IPM)
A principal aplicação da entomologia forense é a estimativa do IPM, já que os insetos possuem um apurado olfato e percebem odores cadavéricos muito antes dos seres humanos, sendo os primeiros seres a chegar ao local de crime. Portanto, o tempo entre a morte e o achado do cadáver é determinado pelo intervalo pós-morte dado, o que é de importância expressiva para a Medicina Legal (GREENBERG; KUNICH, 2002).
Para uma estimativa precisa, os entomologistas baseiam-se no ciclo de vida dos insetos necrófagos, que são coletados para análise do IPM. Tais insetos devem ser adultos presentes no corpo, pois já alcançaram o mais avançado estágio larval; também, é preciso estimar o tempo de colonização para saber quando os insetos tiveram acesso ao corpo e, por meio disso, o IPM mínimo é determinado pela estimativa da idade dos insetos imaturos, presentes no momento da descoberta do cadáver (OLIVEIRA-COSTA, 2007).
Convém enfatizar que os insetos necrófagos podem ter seu tempo de vida afetado devido a fatores extrínsecos, incluindo variações climáticas e a presença de substâncias química. Assim sendo, o conhecimento sobre os efeitos no tempo do desenvolvimento dos imaturos é de grande interesse forense, podendo contribuir para melhorar resultados imprecisos no IPM (INTRONA; CAMPOBASSO; GOFF, 2001).
Além do mais, para estimar o IPM, é necessário utilizar o cálculo do Grau Dia Acumulado (GDA), o qual se trata de um método que relaciona os dados da evolução do desenvolvimento dos insetos criados em laboratórios com os da mesma espécie encontrados em condições expostas no cadáver, ou seja, relaciona a intensidade da temperatura em que o inseto requer para completar o seu desenvolvimento com a sua idade (OLIVEIRA-COSTA, 2007).
ENTOMOLOGIA FORENSE E SUAS CATEGORIAS
Lord e Stevesson (1986) esclarecem que a entomologia forense se classifica em três categorias distintas: urbana, de produto estocado e médico-legal, conforme podemos visualizar na tabela 1 a seguir:
Tabela 1: A toxicologia e a entomologia forense
URBANA | Trata de ações cíveis envolvendo a presença de insetos em bens culturais, imóveis ou estruturas. |
PRODUTOS ESTOCADOS | Estocados: A contaminação em grande extensão de produtos comerciais estocados. |
MÉDICO-LEGAL | É a categoria que mais interessa, visto que envolve a área criminal. |
Fonte: autoria própria.
Convém destacar que, segundo Oliveira-Costa (2007), os estudos preliminares, que determinaram a utilidade dos insetos como alternativa para análises toxicológicas, mostraram resultados positivos, principalmente quando não há tecidos; e que o corpo, em que se encontra no estado de esqueletização, drogas ou produtos tóxicos, pode ser detectado em larvas quando a taxa de absorção excede a taxa de excreção, mas não se sabe ainda como as larvas acumulam ou eliminam essas drogas, nem como que essas substâncias afetam em seu desenvolvimento. Nesse sentido, esses aspectos devem ser analisados antes de estimar o IPM.
Beyer e seus colaboradores (1980) relataram, em seu estudo, o suicídio com barbitúricos de uma mulher de 22 anos de idade encontrados em esqueletização. Segundo os autores (1980), a vítima tinha sido vista com vida 14 dias antes e por causa do avançado estado de putrefação, não havia fluidos ou tecidos orgânicos disponíveis para análises toxicológicas, sendo encontrado, no corpo, o Cochliomyiamacellaria (Calliphoridae) que foi analisado por cromatografia gasosa (CG) e Thin Layer Chromatografhy (TLC). Os resultados do estudo de Beyer e seus colaboradores (1980) revelaram a presença de Fenobarbital.
Por sua vez, em um cadáver esqueletizado de um homem viciado em drogas, com 29 anos de idade, foi utilizada a análise toxicológica de larvas de díptera para determinar intoxicação por drogas; o corpo foi encontrado cinco meses depois da última vez que ele tinha sido visto vivo e foram encontradas muitas larvas e pupas, sendo detectada cocaína por meio de cromatografia gasosa e por radioimunoensaio; encontraram, ainda, barbitúricos e benzodiazepínicos (NOLTE; PINDER; LORD,1992).
Por fim, em um cadáver encontrado aproximadamente 2 meses após a morte, por meio de análises toxicológicas por cromatografia líquida de alguns órgãos (coração, pulmões, fígado e rim) e de larvas Calliphoridae, constataram-se a presença de alguns medicamentos, dentre eles os benzodiazepínicos, barbitúricos (Fenobarbital) e antidepressivos. A análise comparativa de resultados toxicológicos mostrou uma maior sensibilidade do método utilizando larvas de dípteros como amostras, em vez de tecidos de cadáveres; o triazolam, por exemplo, não foi detectado no baço e rim, mas apenas em larvas (KINTZ et al.,1990).
FENOBARBITAL
O fenobarbital, ácido 5-fenil-5-etilbarbitúrico, pertence à classe dos barbitúricos e foram descobertos por Adolf Von Baeyer em 1864. Esse composto é um dos principais representantes de classe de fármacos e foi comercializado com o nome de luminal, sendo hoje conhecido como Gardenal, ainda utilizado como anticonvulsivante e sedativo nas formas oral e injetável (FRANCISCO LÓPEZ-MUÑOZ; RONALDO UCHA-UDABE; CECILIO ALAMO, 2005).
Vale destacar que o fenobarbital foi o primeiro anticonvulsivante orgânico eficaz com propriedades anticonvulsivantes e sedativas e com toxicidade relativamente baixa. Com custo baixo, esse fármaco é uma das drogas mais eficazes e amplamente usadas para essa finalidade, já que tem ação máxima nas doses inferiores ao necessário para causar efeitos hipnóticos, sendo o que determina sua utilidade clínica como antiepiléptico (GOODMAN; GILMAN, 2007).
TOXICIDADE
A sedação, o efeito adverso mais frequente do fenobarbital, ocorre em todos os pacientes no início do tratamento. Além disso, a tolerância durante o uso crônico nistagmo e ataxia ocorrem com doses excessivas, o fenobarbital pode causar irritabilidade e hiperatividade em crianças e, ainda, confusão mental no idoso. Convém destacar que a aplicação acima de 80µg/ml do fármaco na corrente sanguínea resulta em intoxicação grave. Assim sendo, grandes doses podem resultar em atividade depressora sobre o SNC, causando sedação e hipnose e até a morte por depressão respiratória e cardiovascular (GOODMAN; GILMAN, 2007).
MATERIAIS E MÉTODO
O experimento deste estudo de campo foi realizado em outubro de 2015, no Clube da Saúde SGAP, Lote G, Área Especial, s/n, SIA, Brasília, DF, quadrilátero da Região semiárida do Centro-Oeste. Trata-se de uma área particular, onde os experimentos foram desenvolvidos em ambiente interno. A localidade é urbana e industrial, com características típicas do ecossistema de cerrado. As coordenadas geográficas do ponto em que foram feitos os experimentos é S 15º 81’26.38’’ / W 47°96’55.01’’ e a temperatura ambiente média no local do experimento foi 33° C, conforme podemos visualizar na Figura 1 a seguir:
Figura 1: Local do experimento
Para atrair as moscas, foi adotada a armadilha descrita por Ferreira (1978). Desse modo, as armadilhas continham como iscas carne bovina moída, expostas no ambiente por sete dias. As armadilhas foram montadas e confeccionadas a partir de garrafas PET com aberturas na parte inferior para entrada das moscas e a parte superior em que ficavam presas.
Nas armadilhas, foram colocadas 100 g de carne, em duplicata, para a carne contendo 500 mg de fármaco, tendo ele sido feito para a carne com 1000 mg de fármaco.
O Fenobarbital usado era da marca Sanofi-Aventis, comercialmente conhecido como Gardenal, lote n° L516404, data de fabricação 04/15 e data de validade até 03/17.
As porções de carne, com fármaco para dieta artificial, foram preparadas usando-se 1000 g de carne bovina fresca moída. Às 1000 g de carne, foram adicionados 5 comprimidos de Fenobarbital triturados, totalizando 500 mg, porção essa de fármaco que foi misturada e homogeneizada com o auxílio de 20 mL de água destilada, no liquidificador, durante 30 segundos, em rotação máxima. O mesmo procedimento foi repetido para a porção de 1000 g de carne, 10 comprimidos do Fenobarbital, totalizando 1000 mg de fármaco.
Houve troca da dieta a cada 24h, porém, devido à dificuldade de sobrevivência do 1° e 2° estágio larval, foram contabilizadas as larvas, nas respectivas dosagens do fármaco, a partir do 3º estágio larval.
Figura 2: Armadilha utilizada com amostras de carne
Foram colocadas, nas armadilhas, iscas de carne fresca em duplicata, contendo o fármaco Fenobarbital nas doses de 500 mg e 1000 mg, e uma amostra isenta do fármaco (controle) para a colonização dos insetos. As armadilhas, contendo as amostras com o fármaco e a isenta da substância, foram expostas simultaneamente e coletadas sete dias após a colonização.
Figura 3: Materiais utilizados no experimento
Conforme podemos visualizar na Figura 3 anteriormente, utilizamos os seguintes materiais: garrafa pet usada como armadilha, liquidificador para mistura do fármaco e triturar a carne moída, microscópico para identificação das larvas, borrifador para umedecer o ambiente das larvas, Becker utilizado para separar 20 mL de água para umidecer o ambiente das larvas, termômetro digital utilizado para verificar a temperatuda do laboratório, luvas, vasilha plástica para criação das larvas, máscara descartável, pistilo para maceração do fármaco Fenobarbital, fármaco Fenobarbital utilizado no experimento, linha nylon, vidro de relógio grande utilizado para pessagem da carne na balança, tesoura, fita adesiva fina, pincel para vidraria, caneta, régua, vidro de relógio pequeno, coletor para transporte das larvas, pinças de diferentes tamanhos para manuseio das larvas, álcool 70% para limpar o material antes do manuseio e, por fim, água destilada.
Quando da exposição das porções de carne, observou-se que, nos dois primeiros dias, a carne apresentou odor putrifico e grande presença das moscas.
Após o sétimo dia de colonização, com auxílio de uma pinça, os espécimes imaturos foram retirados das armadilhas, coletados, acondicionados e levados em potes plásticos transparentes para o laboratório da Faculdade Anhanguera de Brasília. A boca dos frascos foi coberta com organza para facilitar a entrada de ar e possibilitar a respiração dos indivíduos.
Vale destacar que a dieta 20 mL de água destilada tornou o ambiente úmido e propicio para sobrevivência das larvas. Após 120 horas de criação das larvas no Laboratório da Faculdade Anhanguera de Brasília, os espécimes foram coletados novamente e levados para identificação ao Laboratório de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB).
A escolha do fármaco fenobarbital foi devido à toxicidade desse fármaco e em razão de esse medicamento estar relacionado à ocorrência de suicídios e de intoxicações acidentais.
Figuras 4: Passo a passo do experimento
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Foram coletados 400 exemplares das larvas, que foram identificadas por meio de chaves dicotômicas às famílias de Dípteros: Muscidae, Oestridae. Os insetos presentes das respectivas famílias, encontradas em nossos estudos, foram a Musca domestica e Dermatobia hominis.
Observando os dados referentes a cada dosagem do fármaco, chegou-se à conclusão de que o Fenobarbital, acrescido ao suprimento alimentar (dieta artificial), causou mudanças de mortalidade nas diferentes dosagens e na comparação destas com o controle. Quando maior a dose de fenobarbital nas dietas, maior é a taxa de mortalidade, conforme podemos visualizar nos Gráficos 1, 2, 3 e 4 a seguir:
Gráfico 1: Curva de verificação do tempo de resistência das larvas sem adição do fármaco
No Gráfico 1, foi observado que ao final das 120 horas no vasilhame de controle dos insetos, houve um leve e acentuado índice de mortes deles. Mas pode-se observar que ao final, havia pouco mais de 20 larvas.
Gráfico 2: Curva de mortalidade com adição do Fenobarbital na dosagem de 500 mg
No Gráfico 2, por exemplo, foi observado que, com o acréscimo de 500 mg do Fenobarbital na dieta artificial dos insetos, houve uma taxa acentuada de mortalidade das larvas.
Gráfico 3: Curva de mortalidade com adição do Fenobarbital na dosagem de 1000 mg
No Gráfico 3, por sua vez, visualizamos que ao acrescentar 1000 mg de Fenobarbital na dieta artificial dos insetos, observou-se que, após as 120 horas, houve total mortalidade dos insetos.
Gráfico 4: Curva de mortalidade para comparação nas três dosagens
Já no gráfico 4, podemos observar comparativamente a taxa de mortalidade das larvas para as amostras do controle: amostras com 500 mg de fármaco e amostras com 1000 mg de fármaco. Para as amostras de controle, ou seja, sem o fármaco, observa-se que o experimento começou com 38 indivíduos e que, após 120 horas, ainda restavam 24 deles. A curva vermelha, de amostras com 500 mg, mostra aumento considerável na taxa de mortalidade dos indivíduos, pois o experimento começou com 35 espécimes e, após 120 horas, havia apenas 11 deles. No que diz respeito à curva cinza, ou seja, às amostras com 1000 mg do fármaco, é possível observar acentuado aumento na taxa de mortalidade dos indivíduos, pois ao término das 120 horas de experimento, praticamente todos eles haviam morrido. Nesse sentido, é possível concluir que quanto maior a concentração do fármaco na amostra de carne, maior é a taxa de mortalidade das larvas.
CONCLUSÃO
Comparando-se os dados referentes a cada dosagem do fármaco, chega-se à conclusão de que o Fenobarbital acrescido ao suprimento alimentar (dieta artificial) interferiu na mortalidade das larvas de insetos. Foi notado claramente que, quanto maior a dosagem do fármaco, maior a taxa e mortalidade dos insetos. Isso demostra que a estimativa do IPM poderá sofrer interferências em casos de mortes por intoxicação acidental ou em suicídios com Fenobarbital, quando esses cadáveres já se encontrarem em decomposição. Nesse sentido, quando do estudo do IPM pela perícia criminal, havendo suspeita de intoxicação por fármacos dessa categoria, esse aspecto deverá ser considerado.
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[1] Pós Graduada em Farmácia Hospitalar, Pós Graduada em Farmácia Clínica, Graduada em Farmácia. ORCID: 0000-0003-3713-2659.
[2] Graduado em Direito. ORCID: 0000-0001-5356-6508.
Enviado: Outubro, 2022.
Aprovado: Dezembro, 2022.