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Espiritualidade/religiosidade e rede de apoio na percepção de mulheres com câncer mamário

RC: 143234
274
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/cancer-mamario

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

CARVALHO, Simone Meira [1], SOUZA, Karine Soriana Silva de [2], FERREIRA, Mariana Barbosa Leite Sérgio [3], SANTOS, Maíra Aparecida dos [4], BITTENCOURT, Jaqueline Ferreira Ventura [5], GRINCENKOV, Fabiane Rossi dos Santos [6]

CARVALHO, Simone Meira. et al. Espiritualidade/religiosidade e rede de apoio na percepção de mulheres com câncer mamário. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 04, Vol. 03, pp. 61-77. Abril de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/cancer-mamario, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/cancer-mamario

RESUMO

O diagnóstico do câncer de mama desencadeia um impacto emocional, gerando uma diversidade de sentimentos. A espiritualidade e religiosidade e apoio de familiares, amigos e profissionais é fundamental no enfrentamento deste período de adversidade. O objetivo do trabalho foi compreender como a espiritualidade e a rede de apoio social das mulheres auxiliam no enfrentamento do diagnóstico do câncer de mama. Trata-se de um estudo qualitativo, realizado em um hospital de oncologia, com a participação de quarenta mulheres com câncer de mama. Para coleta de dados, foram aplicadas entrevistas semiestruturadas, analisadas por meio da Análise de Conteúdo. O eixo temático “Apoio” foi composto pelas categorias “Espiritualidade/Religiosidade” e “Apoio social”. Diante da descoberta de uma doença que remete ao sofrimento e à morte, faz-se necessária uma rede de apoio para enfrentamento do câncer. O apoio espiritual foi unanimidade e a fé favoreceu a superação do impacto inicial, infundindo forças para enfrentar o diagnóstico. A família representou um apoio ímpar, auxiliando nos cuidados à saúde e com palavras de ânimo. O apoio profissional ocorreu através de orientações, amabilidade na assistência e motivação. A pandemia impactou no isolamento social. Contudo, trouxe benefícios como o contato maior com a família. Para o enfrentamento do diagnóstico de câncer, as mulheres estudadas contaram com um suporte social e espiritual, por meio de apoio emocional, recursos materiais e práticos, recebidos de familiares e pessoas significativas. Estas são estratégias que precisam ser exploradas pela equipe multiprofissional no momento do diagnóstico, minimizando o impacto e acolhendo as demandas apresentadas pelas mulheres com câncer de mama.

Palavras-chave: Espiritualidade, Apoio Social, Neoplasia mamária, Saúde da mulher. 

1. INTRODUÇÃO 

A descoberta do câncer de mama repercute na vida das mulheres, desencadeando um impacto emocional, perpassando por diversos sentimentos (KUGBEY; ASANTE; MEYER-WEITZ, 2020), desde perplexidade, estresse, angústia e insegurança (AHMED; ELGHOBASHY; IBRAHIM, 2022). Após o diagnóstico, são despertados mitos ligados à morte, suscitando sentimentos de negação e sofrimento (LOPES; CAMARGO; MAIA, 2020; ALVES et al., 2021).

Nesse ínterim, as mulheres necessitam de apoio dos familiares e amigos, enquanto buscam compreender o adoecimento e enfrentar o tratamento. O apoio social traz benefícios no enfrentamento de enfermidades e na promoção da saúde (LOPES; CAMARGO; MAIA, 2020; KUGBEY; ASANTE; MEYER-WEITZ, 2020). A religiosidade e a espiritualidade (R/E), também, atuam como fatores de suporte e motivação para auxiliar na compreensão e no enfrentamento da doença (ARAB et al., 2016; AHMED; ELGHOBASHY; IBRAHIM, 2022). De igual forma, é necessário um acompanhamento profissional adequado, abarcando os aspectos físicos, psicossociais e culturais no processo de adoecimento (SILVA et al., 2020)

A rede de apoio às mulheres vem sendo colocada em destaque como parte integrante do tratamento do câncer de mama, propiciando amparo, consolo e colaborando nas diversas dimensões de suas vidas que são drasticamente impactadas pelo diagnóstico (LOPES; CAMARGO; MAIA, 2020; ADAM; KORANTENG, 2020). Esta rede de apoio é composta por familiares, amigos e profissionais de saúde e funciona como suporte emocional ou por meio de informação, atuando significativamente na redução do estresse decorrente do diagnóstico de câncer mamário e incrementando o bem-estar emocional (ADAM; KORANTENG, 2020).

Para Lopes, Camargo e Maia (2020), o apoio espiritual, advindo das afiliações religiosas ou da própria fé, infunde força e amparo nas situações de adversidade, favorecendo a aceitação e o processo de enfrentamento da enfermidade. Apesar de autores reconhecerem a importância da R/E como fonte de suporte no enfrentamento do câncer mamário, no Brasil ainda há uma baixa produção científica sobre o assunto (ARAB et al., 2016; ALVES et al., 2021).

Essa pesquisa pretende colaborar com profissionais de saúde na compreensão dos fatores que auxiliam o enfrentamento do câncer de mama para servir de ferramenta no aperfeiçoamento da prática clínica. Nesse contexto, visou-se apreender como a R/E e a rede de apoio social das mulheres acometidas pelo câncer de mama auxiliam no enfrentamento do diagnóstico.

2. DESENVOLVIMENTO 

2.1 MÉTODOS

Um estudo descritivo exploratório, com abordagem qualitativa, foi executado em um hospital oncológico, em Juiz de Fora, Minas Gerais, abordando 40 mulheres com câncer de mama, para compreender como a espiritualidade e a rede de apoio social das mulheres acometidas pelo câncer de mama auxiliam no enfrentamento do diagnóstico da doença. A apresentação do estudo foi orientada pelas diretrizes do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ).

2.1.1 AMOSTRAGEM E AMOSTRA 

A amostra de intencionalidade consistiu-se por mulheres diagnosticadas com câncer mamário, em quimioterapia no referido hospital. Para adentrar no estudo, foram selecionados critérios de inclusão e exclusão conforme a Figura 1.

Figura 1. Critérios de inclusão e exclusão das participantes

Critérios de inclusão e exclusão das participantes
Fonte: elaborado pelos autores.

A abordagem foi realizada no setor de quimioterapia. Como não havia contato prévio com os pacientes do setor de quimioterapia, os cadastros das pacientes eram avaliados e selecionados de acordo com os critérios da pesquisa, indicando quais mulheres estavam em tratamento para o câncer de mama. Aquelas que se encaixavam nos critérios eram convidadas a participar do estudo, explicando-se os objetivos por meio da leitura e esclarecimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

2.1.2 COLEÇÃO DE DADOS 

Uma entrevista individual com roteiro semiestruturado foi usada para coleta dos dados, contendo dados sociodemográficos e clínicos, bem como perguntas sobre a descoberta do câncer, os tratamentos e orientações de autocuidado. O roteiro foi apreciado por profissionais de saúde e testado por um projeto piloto. As entrevistas tiveram duração de 20 minutos, em média. Foram gravadas, transcritas e revisadas pela pesquisadora principal, que tem experiência em pesquisa qualitativa na saúde. A coleta foi realizada de janeiro de 2020 a fevereiro de 2021, com interrupção entre março e outubro de 2020, em decorrência da pandemia. O critério de saturação foi observado por meio da repetição dos relatos, totalizando 40 entrevistas.

2.1.3 ANÁLISE DE DADOS

A Análise de Conteúdo temática de Bardin foi usada para avaliação dos dados qualitativos. Tal análise consiste em um conjunto de técnicas que visam analisar e inferir acerca do conteúdo das mensagens identificadas nas entrevistas. Para organização dos dados e definição das categorias, seguiram-se três etapas: a primeira, pré-análise, visou organizar as transcrições das entrevistas, formular hipóteses por meio da leitura flutuante e elaborar indicadores dos temas; na segunda, exploração do material, foi realizada a codificação das unidades de registro e a categorização dos núcleos de sentido; por último, foi realizado o tratamento e a interpretação dos resultados. Nessa etapa, efetuou-se a inferência e interpretação dos resultados, buscando embasamento na teoria para compreensão do significado das mensagens (BARDIN, 2016).

Os prontuários foram acessados para complementar os dados das participantes. Toda a coleta de dados, análise e categorização foi realizada pela pesquisadora principal, usando o método convencional manual. Os temas finais foram discutidos com os demais autores. Foram utilizadas citações das entrevistas para representar cada categoria. As etapas de recrutamento, coleta e análise de dados estão sendo apresentadas na Figura 2.

Figura 2. Diagrama de fluxograma de coleta e análise dos dados

Diagrama de fluxograma de coleta e análise dos dados.
Fonte: elaborado pelos autores.

 2.1.4 ASPECTOS ÉTICOS

Este artigo faz parte de uma pesquisa de doutorado em curso. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAAE 16104219.8.0000.5147, versão 3, parecer nº 3.649.430), em 18/10/2019. Observaram-se os aspectos éticos nos procedimentos do estudo, segundo a resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde. As entrevistadas foram identificadas pela letra E, seguida por numeração arábica, visando privacidade.

2.2 RESULTADOS

A faixa etária das participantes variou de 31 a 77 anos, com predomínio da cor/raça parda (42,5%), nível de escolaridade do ensino fundamental incompleto (35,0%) e médio completo (35,0%), e metade em licença de saúde (50%). Boa parte das mulheres era casada (37,5%) e com uma composição familiar de três pessoas (37,5%). Houve prevalência da religião católica (72,5%). Os demais dados estão apresentados na Tabela 1. 

Tabela 1. Características sociodemográficas (n=40)

Características sociodemográficas (n=40).
Fonte: elaborado pelos autores.

A análise do conteúdo das entrevistas propiciou o afloramento de unidades de registro, que deram origem ao eixo temático “Apoio”, do qual emergiram as categorias temáticas “Espiritualidade/Religiosidade” e “Suporte Social”, expressas a seguir.

2.2.1 ESPIRITUALIDADE/RELIGIOSIDADE 

O apoio encontrado na espiritualidade e na religiosidade foi citado por todas as mulheres do presente estudo. A fé contribuiu na superação do impacto do diagnóstico, favorecendo a aceitação e inspirando-as a enfrentar uma doença envolta em mitos, por meio da coragem e da força encontradas na fé.

A minha fé, crer em Deus. Ele quem está me ajudando muito. Se não fosse isso, a gente acaba caindo em depressão, porque enfrentar essa doença não é fácil (…) (E30).

É Deus mesmo que está me ajudando. Porque, eu não esperava ser tão forte assim. A fé em Deus me dá forças (E16).

Frente ao adoecimento, as mulheres encontram conforto na fé, que infunde esperança em um momento no qual afloram emoções negativas. A E/R configura-se como uma importante ferramenta que auxilia em um processo de enfrentamento positivo. 

O médico falou (…): “tem gente que chega aqui já desespera, fala que já vai comprar o caixão, chora muito”. Eu não, não me desesperei por nada. (…) Entrego tudo na mão de Deus (E29).

Depois que eu descobri esse diagnóstico, Deus foi colocando um refrigério na minha alma: “vai dar tudo certo” (E31).

Todas as entrevistadas consideram a E/R, ao modo de dizer delas, “Deus”, como fonte primária de apoio, vindo antes do apoio social de familiares, amigos e profissionais de saúde. 

Primeiro lugar é Deus. Tenho recebido muito apoio da minha família também e de vizinhos. Até as pessoas daqui mesmo [do hospital] (E12).

Primeiramente é Deus, que dá força à gente. Aí depois tem os médicos e os familiares da gente (E15).

A pandemia da COVID-19 se apresentou como uma barreira para a manutenção das atividades religiosas comunitárias. Entretanto, a flexibilidade ofertada pelos meios eletrônicos facilitou a participação de modo virtual.

Meu primo queria ir lá em casa. Tem que ir mais uns dois servos para fazer oração. Mas com a pandemia, não deu (E30).

Me apeguei muito a Ele [Deus]. (…) Agora, não vou mais à missa por causa da pandemia. Mas eu faço muita oração, assisto missas “on-line” e estou rezando muito terço. E tem me ajudado bastante (E13). 

A atribuição de um sentido ao sofrimento reforça a autoestima das mulheres. Mesmo em situação difícil, encontram vigor na busca do tratamento da doença e contagiam aqueles que estão ao seu redor.

Minha sobrinha vai à minha casa e fala que eu passo muita alegria, mesmo enfrentando esse problema. Ela fala que vai me visitar e sai feliz, porque eu passo força para ela (E34).

Eu gosto de viver. Porque a gente tem que se gostar, querer estar bem […] para poder continuar. Se não estivermos bem, não têm como ajudar ninguém, não tem como fazer nada (E35). 

2.2.2 APOIO SOCIAL 

A família mostrou-se como importante fonte de apoio para todas as participantes da pesquisa. Por meio de auxílio nos cuidados com a saúde, carinho e palavras de ânimo, o respaldo desta rede de apoio ameniza o sofrimento e é força motriz para suportar os tratamentos e lutar pela vida.

 Uma coisa importante, que ameniza demais, é o carinho dos familiares, o amor e o cuidado (E7).

Uma [irmã] em especial, que sempre esteve comigo em todos os momentos, é a minha fortaleza. A família, amigos, me ajudaram muito (E37).

Porém, o apoio social também pode ser percebido negativamente. Essa percepção pode sofrer influência de diversos fatores, principalmente da dificuldade em lidar com o adoecimento de um familiar.

Minha família é maravilhosa, só que eles não me acompanham de perto. Eles lá e eu aqui (E25).

Depois que descobri esse câncer (…). Faz diferença sim, tem a carência. O apoio não é só pagar as contas, mas tem o apoio de mais presença. Isso eu sinto falta (E26).

Relativo ao apoio social da família e dos amigos, a distância geográfica e a necessidade de isolamento em razão da pandemia foram obstáculos críticos, devido à necessidade de isolamento social para evitar a contaminação pelo coronavírus. Em meio a essas barreiras, os familiares buscaram formas de sobrepujar o distanciamento, tendo um papel importante no amparo às mulheres.

 Às vezes a pessoa tem até vontade de ir fazer uma visita, mas fica com medo por conta da pandemia, devido à possibilidade de eu pegar [coronavírus] (E33).

Minha filha que mora na Inglaterra, ela soube [do câncer]: “nem que eu tenha que ir comprar a passagem no cartão, vou dar um jeito de ir ver minha mãezinha” (E21).

Por outro lado, a pandemia também propiciou uma aproximação nos relacionamentos familiares, por conta da interrupção de atividades laborativas e estudantis, somado ao afastamento das mulheres das suas atividades em virtude do tratamento.

Minha filha estava com cinco meses e eu continuei trabalhando. Agora, com esse negócio de pandemia, que descobri o câncer, que eu estou ficando mais em casa com ela (E28).

Por causa da pandemia, não está tendo aula, então, ele [filho] fica do meu lado. Tudo que eu falo, ele me dá atenção (E35).

A rede de apoio das mulheres do presente estudo foi constituída, além da família, por amigos, vizinhos, colegas de trabalho e pessoas da convivência social. Essa rede funciona como amparo em um momento de fragilidade.

Tenho muitas amigas da igreja. Elas vão me visitar! Minha casinha tem dias que fica cheia (risos) (E6).

Minha amiga de infância. (…) a mãe dela teve câncer e faleceu no ano passado. Mesmo com esse período difícil, ela tem me apoiado muito (E7).

Os meios eletrônicos tiveram um lugar importante para superar as barreiras do distanciamento, sobretudo no período pandêmico, destacando benefícios como a aproximação, o fortalecimento dos vínculos e o ânimo para enfrentamento do adoecimento. 

Minha mãe me dá suporte em palavras, (…) pelo “whatsapp”. As palavras e o carinho das pessoas me deixam animada (E11).

Entrei agora em um grupo [da igreja], pelo celular. Estou seguindo e tem me ajudado bastante (E23).

Outra fonte de apoio foi a dos profissionais de saúde, identificado por meio da atenção, carinho, bom atendimento, abordagem esclarecedora. As participantes relataram que essas características trouxeram benefícios como segurança e motivação.

Estou sendo bem tratada, seja pelos enfermeiros, os médicos e as meninas da recepção, todos são agradáveis, tratam a gente com carinho (E11).

O tratamento aqui [no hospital] é muito bom, o pessoal [profissionais de saúde], são todos muito bons, explicam tudo direitinho. Isso é muito importante (E25). 

Nas entrevistas, percebeu-se que poucas participantes tiveram assistência de outros profissionais, sendo inclusive ressaltada a importância do psicólogo. Somente cinco mulheres tiveram contato com este profissional.

Como te falei antes, o psicológico é muito importante (E7).

E a questão psicológica, na qual eu recorri ajuda. Às vezes precisamos conversar sobre essa questão [câncer]. Porque, tem dias que você só quer chorar, chorar, no outro dia você fica bem (E37). 

2.3 DISCUSSÃO 

Diante das peculiaridades do adoecimento por câncer e das crenças que despertam mudanças significativas no estilo de vida, possibilidade de morte e reflexões sobre o sentido da vida, a R/E mostra-se como ferramenta potente no processo de enfrentamento (SILVA et al., 2020; AHMED; ELGHOBASHY; IBRAHIM, 2022). Na pesquisa, a R/E esteve presente na experiência de todas as participantes. Outras pesquisas mostraram que as mulheres usaram da R/E para um melhor enfrentamento do adoecimento (VARGAS et al., 2020).

Ao trazer consigo sentimentos, decisões e reflexões profundas, as adversidades favorecem a busca da R/E, que se torna intensificada nesses momentos em que o ser humano se depara com sua fragilidade (ALVES et al., 2021; SILVA et al., 2020; AHMED; ELGHOBASHY; IBRAHIM, 2022). No presente estudo, as mulheres buscaram alívio, conforto e força no apego a Deus, o que auxiliou no processo de aceitação, minimizando os impactos negativos (FERREIRA et al., 2020; ALVES et al., 2021).

Verificou-se que a R/E contribuiu pela vivência na comunidade da fé, que infunde um olhar esperançoso da situação de adoecimento, corroborando outras pesquisas, que afirmam que as mulheres veem Deus como alguém que alivia o sofrimento (BORGES; ANJOS; CAMPOS, 2021; FERREIRA et al., 2020; VARGAS et al., 2020).

Outro fator destacado no presente estudo foi o surgimento de reflexões sobre a vida, seu significado e modo de vivê-la. A atribuição de um novo sentido ao sofrimento também se fez presente, permitindo estabelecer prioridades e metas futuras (MOKHTARI et al., 2021; AHMED; ELGHOBASHY; IBRAHIM, 2022).

No tocante ao apoio social, as mulheres perceberam o suporte de familiares e amigos, manifestos na forma de recursos materiais, aconselhamento e carinho, como fonte de amparo e força para enfrentar a adversidade, fato também verificado por outros autores (ADAM; KORANTENG, 2020; ARAB et al., 2016). As famílias são o sistema de apoio mais próximo, consagrando-se como um fator importante de enfrentamento e manejo da doença (VARGAS et al., 2020; MOKHTARI; MARKANI; KHALKHALI, 2021).

Por outro lado, observaram-se situações nas quais a mulher não se percebe atendida em alguma necessidade, como por exemplo, na emocional pelo distanciamento. Vale ressaltar que a família também é impactada, vivendo sentimentos de preocupação, fragilidade e incerteza, que influenciam negativamente nas relações (FIGUEIREDO et al., 2017). Destarte, se faz relevante a inclusão da família no tratamento, preparando-a para o cuidado e suporte às mulheres diagnosticadas com câncer (LOPES; CAMARGO; MAIA, 2020).

Pela necessidade de isolamento social, a pandemia desencadeou impactos socioeconômicos, na saúde física e mental e, consequentemente, na qualidade de vida (MASSICOTE; IVERS; SAVARD, 2021), sobretudo em pacientes com câncer, que já lidam com as alterações físicas e mentais decorrentes do tratamento (MARÇAL; VAZ, 2022). Além da preocupação com o prognóstico, o distanciamento social prejudicou o funcionamento da rede de apoio, impondo dificuldades no contato com familiares e amigos (CORRÊA; OLIVEIRA; TAETS, 2020). Por outro lado, observaram-se pontos positivos trazidos pelo “lockdown”, considerando que uma maior disponibilidade de tempo propiciou a aproximação de alguns vínculos familiares.

O suporte dos profissionais da saúde também é de grande importância para o enfrentamento do câncer (MOKHTARI et al., 2021), seja ele emocional ou informativo. O presente estudo mostrou que ambos proporcionam maior estabilidade emocional e conhecimento acerca do tratamento (ADAM; KORANTENG, 2020). Na presente pesquisa, poucas mulheres tiveram contato com o psicólogo. Neste ínterim, é essencial demarcar a importância de um atendimento integral às mulheres com câncer, que abranja não só os aspectos físicos, mas também os sociais, psicológicos e espirituais. (LOPES; CAMARGO; MAIA, 2020).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Perante as repercussões do diagnóstico de câncer de mama na vida das mulheres, a R/E tem sido um recurso de enfrentamento prioritário, auxiliando no processo de aceitação do diagnóstico. Também contribui com o apoio social ao proporcionar a vivência em comunidade.

Diante do surgimento de reflexões relacionadas ao sentido da vida e ao modo de vivê-la, a R/E auxiliou na atribuição de novos significados ao sofrimento vivenciado. O suporte social recebido de familiares e amigos, bem como o suporte emocional e informativo recebido dos profissionais de saúde tiveram importante papel. Tais mecanismos de enfrentamento se tornam estratégias preventivas e promotoras de saúde que devem ser exploradas pela equipe multiprofissional, visando minimizar o impacto emocional do diagnóstico de mulheres acometidas pelo câncer de mama.

3.1 LIMITAÇÕES

O estudo apresentou limitações quanto ao método de recrutamento da amostra. A escolha por conveniência pode trazer consigo possíveis vieses de seleção. Por restringir-se à somente um hospital oncológico, não permite que os resultados sejam generalizados para a população de pacientes estudados. Quanto ao número de participantes, as pesquisas de abordagem qualitativa abarcam um número limitado de entrevistas, uma vez que a compreensão de um fenômeno ou evento não necessita ser quantificado. Contudo, a profundidade desse instrumento de coleta de dados costuma ser suficiente para alcançar os objetivos propostos. Faz-se necessário demarcar, ainda, que os resultados encontrados pelo estudo qualitativo não são passíveis de generalizações estatísticas, mas sim naturalísticas. O recorte transversal utilizado impede a avaliação dos impactos do evento em estudo em longo prazo.

3.2 COLABORAÇÕES FUTURAS

Essa pesquisa oferece a possibilidade de estudos futuros que investiguem profundamente a R/E e o suporte social nas mulheres no momento do diagnóstico, tais quais os efeitos dessas experiências, em longo prazo, nos impactos socioemocionais da notícia do diagnóstico.

Vislumbrou-se algumas repercussões da pandemia da COVID-19 na vivência dos recursos investigados. Destarte, são necessários estudos de acompanhamento para investigar maiores repercussões deste evento na utilização desses recursos de enfrentamento.

Diante da observação do papel assumido pela R/E e pelo suporte social no enfrentamento das mulheres no momento do diagnóstico, é de suma importância que a equipe de saúde utiliza tais recursos de forma preventiva e promotora, desenvolvendo um trabalho integral para abordar os aspectos biopsicossociais-espirituais, vislumbrando também a família, os cuidadores e outras fontes de apoio. Para isso, é de suma importância a presença de uma equipe multiprofissional, capacitada para fornecer apoio às mulheres. O apoio emocional não é restrito ao profissional da psicologia, uma vez que todos os profissionais devem lançar mão de estratégias para esse suporte imediato.

REFERÊNCIAS 

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CORRÊA, Karine Marques; OLIVEIRA, Júlia Damasceno Borges; TAETS, Gunnar Glauco de Cunto Carelli. Impacto na qualidade de vida de pacientes com câncer em meio à pandemia de COVID-19: uma reflexão a partir da Teoria das Necessidades Humanas Básicas de Abraham Maslow. Revista Brasileira de Cancerologia, v. 66, n. 1, p. 1-5:e-1068, 2020. DOI: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2020v66nTemaAtual.1068. Acesso em: 05 jan. 2023.

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FIGUEIREDO, Tamara; SILVA, Andréia Pereira da; SILVA, Rita Mânia Rosa; SILVA, Juliana de Jesus; SILVA, Carla Silvana de Oliveira e; ALCÂNTARA, Deivite Danilo Ferreira; SOUZA, Luís Paulo Souza e; SOUZA, Ana Augusta Maciel de. Como posso ajudar? Sentimentos e experiências do familiar cuidador de pacientes oncológicos. ABCS Health Science, v. 42, n. 1, p. 34-39, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.7322/abcshs.v42i1.947. Acesso em: 05 jan. 2023.

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SILVA, Karline Kelly da; BARRETO, Francisca Adriana; CARVALHO, Francisca Patrícia Barreto de; CARVALHO, Pablo Ramon da Silva. Estratégias de enfrentamento após o diagnóstico de câncer de mama. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, v. 33, p. 1-10, 2020. DOI: https://doi.org/10.5020/18061230.2020.10022. Acesso em: 05 jan. 2023.

VARGAS, Gabriela de Souza; FERREIRA, Carla Lizandra de Lima; VACHT, Crischima Lunardi; DORNELLES, Carla da Silveira; SILVEIRA, Vanessa do Nascimento; PEREIRA Adriana Dall”Asta. Social support network of women with breast cancer. Revista de Pesquisa Cuidado é Fundamental Online, v. 12, p. 73-78, 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.rpcfo.v12.7030. Disponível em: http://seer.unirio.br/cuidadofundamental/article/view/7030. Acesso em: 16 fev. 2023. 

[1] Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (pós-graduação em andamento); Juiz de Fora (MG), Brasil. Mestre em Saúde Coletiva, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Juiz de Fora (MG), Brasil. Graduada em Fisioterapia, pelo Centro Universitário Metodista do Instituto Porto Alegre (1987); Porto Alegre (RS), Brasil. ORCID: 0000-0002-7680-131X. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2502447838688845.

[2] Especialista em Saúde do Adulto, com Ênfase em Doenças Crônico-Degenerativas, pelo Programa de Residência Multiprofissional do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU/UFJF). Graduada em Psicologia, pelo Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora; Juiz de Fora (MG), Brasil. ORCID: 0000-0003-3763-6478. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3483394631182991.

[3] Mestre em Psicologia, pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Juiz de Fora (MG), Brasil. Especialista em Terapia Cognitivo-comportamental, pela Faculdade Redentor. Graduada em Psicologia, pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora; Juiz de Fora (MG), Brasil. ORCID:  0000-0001-6819-6482. Currículo Lattes:  http://lattes.cnpq.br/1343124968034583.

[4] Graduanda em Psicologia, pelo Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora; Juiz de Fora (MG), Brasil. ORCID: 0009-0000-8439-4024. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/9465882716674784.

[5] Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).  Mestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialização (pós-graduação Lato Sensu) em Enfermagem do Trabalho, pela Faculdade de Enfermagem Luiza de Marillac – Centro São Camilo de Desenvolvimento em Administração da Saúde (CEDAS). Graduação em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Juiz de Fora (MG), Brasil. ORCID: 0000-0001-9395-4388. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8032123272413172.

[6] Orientadora. Doutora em Saúde, pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Juiz de Fora (MG), Brasil. Mestre em Saúde, pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Juiz de Fora (MG), Brasil. Graduação em Psicologia, pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora; Juiz de Fora (MG), Brasil. ORCID: 0000-0003-0948-2635. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0976974025888018.

Enviado: 09 de fevereiro, 2023.

Aprovado: 06 de abril, 2023.

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Simone Meira Carvalho

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